Tarefa - Comentário de jurisprudência (AIA)

Mais uma tarefa: Está disponível para comentários na secção de Jurisprudência o Acórdão do Tribunal de Justiça de 14/07/2001, relativo ao incumprimento pela Bélgica (entre outras) da Directiva relativa ao regime de Avaliação de Impacto Ambiental.

Bom trabalho!

21 comentários:

  1. Subturma 4 disse...

    O objecto deste acórdão é uma acção de incumprimento proposta pela Comissão contra a Bélgica, no âmbito de art. 226º TCE, tendo em conta a incompatibilidade do direito interno belga com as directivas comunitárias sobre a matéria, o que consiste numa não transposição ou numa transposição defeituosa do que foi imposto pelo Direito Comunitário. Analisaremos mais concretamente a violação da directiva 85/337/CEE relativa à avaliação dos efeitos de determiandos projectos públicos e privados no ambiente.
    É imposição da directiva que os projectos sejam avaliados em termos de impacto ambiental, ANTES da concessão da respectiva aprovação.
    Quanto à Bélgica, o problema residia no facto de o direito belga impor uma autorização prévia e um prazo para que a Administração se pronunciasse, findo o qual o silêncio valeria como indeferimento da pretensão. No entanto, em sede de recurso desse indeferimento, o silêncio da Administração após o decurso do prazo valeria como deferimento da autorização.
    Constava já de jurisprudência anterior (Linster - C-287/98) que o objecto da directiva era a avaliação dos projectos e seus efeitos no ambiente antes da aprovação dos mesmos. Logo, a autorização tácita, ainda que em segunda instância, foi considerada, tanto pela Comissão, como pelo TJCE, como incompatível com esta jurisprudência e com a necessidade de análise casuística de todos os processos, pelo que o incumprimento da Bélgica foi declarado.

    Verificada esta posição do Direito Comunitário, cumpre transpô-la para o nosso Direito interno.
    A transposição da Directiva em causa foi levada a cabo entre nós pelo regime jurídico da avaliação de impacto ambiental (Decreto-Lei 69/2000).
    Suscita-se então a questão, em face deste Acórdão, da compatibilidade do art. 19º do regime da AIA com o Direito Comunitário, tendo em conta que possibilita o deferimento tácito da DIA.
    Este artigo tem sido alvo de críticas que não estão relacionadas com a sua desconformidade com o Direito Comunitário. Aponta a doutrina a incoerência da possibilidade de se alcançar uma DIA favorável sem que a Administração tenha avaliado o projecto em face das regras apertadas do procedimento de AIA. Assim, quando se torna vinculativo para o processo autorizativo global uma DIA desfavorável, quando de sanciona com a nulidade (em vez da anulabilidade, desvalor-regra no Direito Administrativo) os actos desconformes à DIA, quando se enaltece a DIA ao ponto de todos os actos subsequentes serem nulos sem que aquela tenha sido proferida, não se pode, simultaneamente, consagrar um deferimento tácito do mesmo acto, que pelas regras anteriores tanto se valorizou.
    Críticas mais graves merece o preceito, no entanto, se analisado à luz do Direito Comunitário e especialmente do Acórdão em apreço.
    Estabelecendo o art. 19º/1 um prazo geral de 140 dias para os projectos de Anexo I, ou 120 dias nos restantes casos, findo o qual se forma o deferimento tácito, está também o Estado Português em incumprimento das obrigações decorrentes da directiva e da sua obrigação de transposição da mesma, uma vez que se possibilita uma aprovação do projecto sem que este tenha sido objecto de efectiva avaliação.
    São igualmente graves as excepções dos números seguintes do artigo, que encurtam o prazo geral, nomeadamente o nº2 que reduz para 120 dias, independentemente de se tratar ou não de projecto abrangido pelo Anexo I, os projectos de licenciamento industrial. O nº3 do mesmo artigo viabiliza a redução do prazo para 80 dias sempre que o estabelecimento industrial tenha sido, a requerimento do interessado, considerado estruturante para a economia, por despacho conjunto dos minitros da Economia e Ambiente, abrindo assim a hipótese de deferimentos tácitos em prazos muito reduzidos e em situações em que apenas foram ponderados os benefícios económicos do projecto.
    Na mesma linha, o nº 4 consagra a possibilidade de redução do prazo para 80 dias (por despacho conjunto dos Ministros da Economia e do Ambiente) no caso de estabelecimento industrial a instalar em zona de localização empresarial quando esta no seu todo já tenha sido objecto de DIA favorável e a sua actividade se integre no âmbito das actividades desenvolvidas na referida zona.
    Desta forma, viabiliza-se uma aprovação do projecto sem a sua análise, o que contraria a directiva transposta e a jurisprudência do TJCE. Vai-se totalmente contra o espírito da directiva do que toca a análise prévia, tentando depois corrigir-se esta situação através do dsiposto no art. 19º nº5, o que não é de todo sufienciente para assegurar os interesses ambientais em presença.
    Poderíamos ir ainda mais longe e argumentar no sentido da inconstitucionalidade do deferiemtno tácito neste campo, com base na violação do princípio da prevenção, princípio ambiental previsto no art. 66º nº2 al. a) da Constituição, que preconiza a necessidade de prever e controlar a priori as lesões do meio ambiente. Poderíamos considerar que um deferimento tácito não é conforme com esta necessidade de controlo prévio, já que concede a aprovação de uma actividade sem que esse controlo tenha sido efectuado.
    Curiosa é, ainda, a regra prevista no art. 19º nº 7 e 33º nº 3 do diploma da AIA, que excluem da possibilidade de deferimento tácito a DIA de projectos com impactos transfronteiriços. Demonstra nesta matéria uma especial preocupação do Legislador em cumprir o imposto pelo Direito Comunitário, em contraste com as regras aplicáveis à AIA puramente interno.

    Joana Bernardo Subturma 4  

  2. Anónimo disse...

    As Directivas Comunitárias referidas neste Acordão, vieram impôr aos Estados Membros a avaliação dos efeitos de projectos que possam ter impacto significativo no ambiente, bem como a necessidade de autorização prévia à actividade ou instalação dos referidos projectos. Neste caso com a Bélgica, o problema colocou-se relativamente à consagração no direito belga que transpôs as Directivas, de um regime de concessão e recusa tácitas das autorizações. O TJ declarou este sistema de autorização tácita incompativel com as exigências das Directivas, que exigem mecanismos de autorizações prévias e processos de avaliação anteriores à concessão de autorização.
    Face a isto cabe agora falar um pouco sobre o regime da avaliação de impacto ambiental, o qual é então uma imposição comunitária. O procedimento administrativo de impacto ambiental destina-se a verificar as consequências ecológicas de um determinado projecto, procedendo à ponderação das respectivas vantagens e inconvenientes em termos de repercussão no meio-ambiente. É um meio jurídico ao serviço da realização dos fins ambientais, nomeadamente do princípio da prevenção. Uma vez que permite acautelar possíveis lesões futuras do ambiente ao apreciar autonomamente as repercussões ambientais de um projecto, num momento prévio ao da forma de actuação administrativa necessária para que tal projecto possa ter lugar. A avaliação de impacto ambiental, é também um instrumento de realização dos princípios do desenvolvimento sustentável e do aproveitamento racional dos recursos disponíveis. Pois introduz o factor ambiental na tomada de decisões administrativas obrigando à consideração dos eventuais prejuízos ecológicos do projecto em causa, permitindo desta forma apreciar a sustentabilidade ambiental do mesmo. Obrigando também à utilização de critérios de eficiência ambiental, de forma a optimizar a utilização dos recursos disponíveis, na avaliação da actividade projectada.
    No âmbito do Direito Português as Directivas foram transpostas pelo DL 69/2000 que contém o seu »ambito de aplicação no art 1º. O problema coloca-se logo quanto ao nº6 deste art que permite a exclusão de certos projectos do procedimento de avaliação de impacto ambiental, bem como o art 3º. No meu entender que vai de encontro à opinião do Professor Vasco Pereira da Silva, esta exclusão só poderá acontecer quando o proponente, apresente um estudo de impacto ambiental, para que a Administração esteja em condições de tomar a decisão acertada quanto à dispensa, até porque, como se vê pelo Ac. as Directivas exigem uma avaliação do impacto ambiental antes da autorização para implementação dos prejectos. Só assim se irá mais de encontro ao Direito da União Europeia. Mas a questão fulcral nem é esta, é antes o problema do Deferimento tácito, o qual vem claramente consagrado no art 19º do regime da AIA. Ora o Direito portugês foi cair no mesmo erro que o Direito belga. Se a finalidade da AIA é autonomizar a apreciação das consequências ecológicas d uma decisão, no âmbito de um procedimento especial, para que a autoridade licenciadora tome uma decisão mais adequada, em razão da dimensão ambiental dos projectos, então não faz sentido que o legislador permita que o silêncio equivalha ao deferimento. Parece-me, que este acto de deferimento tácito viola princípios constitucionais em matéria ambiental, designadamente os princípios da prevenção (por não ter sido feito um juízo de prognose das consequências ecológicas de uma medida, quando a lei e os princípios constitucionais assim o obrigavam) e do desenvolvimento sustentável (por não ter sido considerada a dimensão ambiental da decisão administrativa permissiva). Princípios esses que parametrizam o regime da AIA, o qual é um meio jurídico de realização dos mesmos. Desta forma, não só seria esta norma inconstitucional por violação dos referidos princípio ambientais, como seria contrária ao direito da União Europeia, bem como à jurisprudência do TJ aqui em análise, o que levaria a que o Estado Portugês estivesse também ele em incumprimento daquele Direito, por deficiente transposição das Directivas. Esta questão só poderá ser ultrapassada, se entendermos, como faz o Professor Vasco Pereira da Silva, que o deferimento tácito do acto de avaliação não significa a aprovação do pedido de licenciamento do projecto. Não tendo havido acto de avaliação, isso não significa que não foi ainda avaliada nem ponderada a dimensão ambiental da actividade proposta pelo que o juízo deve então ser realizado através da licença ambiental, e pela entidade competente para o licenciamento ou autorização do projecto, a qual, deve ter em conta o EIA apresentado pelo proponente. Desta forma, se o deferimento tácito permite a decisão da autoridade licenciadora, não condicona o seu conteúdo, mas obriga-a à ponderação efectiva de valores e interesses ecológicos no acto permissivo que lhe cabe praticar, sob pena de nulidade. Será o que reulta da interpretação conforme à Constituição.

    Mónica Pimenta subt 12 nº 14577  

  3. Anónimo disse...

    No acórdão de 14/07/2001, o TJCE concluiu que o Reino da Bélgica não tinha cumprido as obrigações decorrentes do Direito Comunitário, maxime por incorrecta transposição de Directivas, pois ao transpor a Directiva 85/337/CEE para o Direito Nacional, previu que, havendo silêncio da Administração, em sede de primeira instância a autorização se consideraria recusada, mas, em sede de segunda instância, a autorização considerar-se-ia concedida. Esta decisão surgiu no âmbito de uma acção por incumprimento interposta pela Comissão que considerou que a Bélgica não só incumpriu o Direito Comunitário ao transpor a Directiva daquela forma, como persistiu nesse incumprimento após recepção de parecer fundamentado.
    Este acórdão leva-nos, assim, ao problemático art.º 19º do DL 69/2000, de 3 de Maio, que prevê o Regime da Avaliação de Impacte Ambiental.
    Como podemos constatar pela análise do DL em causa, o procedimento da AIA é recheado de precauções. Por exemplo, as decisões tomadas durante todo o procedimento podem ser vinculativas; inverte-se a regra geral da anulabilidade dos actos administrativos (os actos que contrariem a DIA são nulos). É preciso ter em linha de conta que estas preocupações foram uma opção do legislador português, pois não encontramos estas preocupações na Directiva transposta pelo regime em análise. Contudo, esta preocupação do legislador nacional não se fez sentir de forma uniforme: no art.º 19º do mesmo diploma, prevê-se a figura do deferimento tácito. Ou seja, após consagrar uma série de cautelas em redor do procedimento da AIA, o legislador prevê que, se passado um certo lapso de tempo, a Administração (in casu, o Ministro do Ambiente o do Ordenamento do Território) não proferir DIA, considera-se que há deferimento tácito – isto é, considera-se que houve uma DIA favorável. Podemos verificar que o legislador acabou por banalizar aquilo que considerou ser tão importante ao longo dos dezoito artigos anteriores.
    Além de colocar em causa o princípio da prevenção (estamos perante uma decisão vinculativa), este art.º pode consistir no incumprimento da Directiva 85/337/CEE. Isto porque, de acordo com o acórdão do TJCE que aludimos acima, aquele Tribunal “exige que seja adoptado, após cada investigação e atendendo aos seus resultados, um acto expresso, de proibição ou autorização”, isto é, “uma autorização tácita não pode ser compatível” com o Direito Comunitário que a legislação transpõe: “as autoridades nacionais são (…) obrigadas (…) a examinar, caso a caso, todos os pedidos de autorização apresentados”.
    Como podemos verificar pela leitura do acórdão, o TJCE decidiu que a Bélgica incumpriu o Direito Comunitário por admitir o deferimento tácito em sede de recurso: ou seja, já depois de haver uma decisão administrativa expressa.
    Assim, e tendo em conta o exposto, o art.º 19º do Regime da AIA também será incompatível com o Direito Comunitário, na medida em que se admite um deferimento tácito logo em primeira instância – nunca que exige que haja um expresso acto administrativo. Logo, se a Bélgica incumpriu o Direito Comunitário por admitir o deferimento tácito naqueles termos, parece-me que o direito português, na norma em análise, também incumpre o Direito Comunitário, pois o que este pretende é que o Estado conheça, efectivamente, daquele projecto e que tenha uma posição expressa sobre o mesmo. Assim, como qualquer norma incompatível com o Direito Comunitário, esta norma deve ser inaplicável.  

  4. Anónimo disse...

    Acórdão da Comissão das Comunidades Europeis contra o Reino da Bélgica:
    Reino da Bélgica encontra-se em incumprimento pela não transposição das directivas, não cumpriu as obrigações que lhe incumbe por força do artigo 249ºdo TCE-"A directiva vincula o Estado-Membro destinatário quanto ao resultado a alcançar, deixando, no entanto,às instâncias nacionais a competência quanto à forma e aos meios".Decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça, no caso Francovich, que é responsabilizado o Estado pela não transposição das directivas.
    A Comissão instaurou um processo por incumprimento 226º TCE, uma acção destinada a obter a declaração que o Reino da Bélgica não adoptou as medidas necessárias para transpôr as directivas.
    As directivas em falta, impõe aos Estados-Membros que adoptem medidas de moda a assegurar que as actividades/instalações estejam sujeitas a prévia autorização por entidades nacionais. O problema de maior relevo surge quando a autoridade competente não se pronunciar em primeira intância,a autorização é recusada, mas se for em segunda instância o silêncio da autoridade competente é considerado como autorização concedida.
    O Governo da Flandres justifica que a autorização tácita não implica negligência, o pedido de autorização dá lugar a uma avaliação circunstânciada.O Tribunal de Justiça já declarou que as autorizações tácitas são incompatíveis com as exigências da directiva,é sempre exigido após um pedido de avaliação um "acto expresso" que proiba ou autorize(acórdão de 28 de Fevereiro de 1991, Comissão/Alemanha). Esta directiva obriga as autoridades nacionais a examinar todos os pedidos apresentados.
    O acórdão conclui que a Bélgica ao não adoptar as medidas de transposição correcta da directiva, não cumpriu as obrigações devidas e está numa situação de incumprimento e violação do Direito Comunitário.
    Depois da análise deste processo da Comissão contra Bélgica, será uma mais valia avaliar o que fez o Estado Português na transposição das directivas em apreço, para tal analisarei o procedimento administrativo da avaliação do impacto ambiental.
    A Avaliação do Imapcto Ambiental (AIA) foi regulada em Portugal no ano 2000 por imposição de uma directiva comunitária, a AIA implica a comparação de duas realidades (com a construção e sem a construção) exige uma ponderação de custos/benefícios. É um procedimento especial, aprecia as consequências ambientais de um projecto. Não se pode considerar a AIA como um simples parecer ou um acto opinativo ou mesmo como um parecer técnico não vinculativo. O Professor Vasco Pereira da Silva considera a decisão AIA como um acto administrativo, produz efeitos jurídicos concretos e individuais (artigo 120º do CPA), susceptível de ser recorrível quando a medida lese direitos dos particulares.
    Na AIA, o princípio da prevenção encontra-se no sentido de permitir evitar ou acautelar lesões futuras ao ambiente. O princípio do desenvolvimento sustentável é incorporado nas decisões a tomar, uma vez que o factor ambiental é analisado ao lado dos benefícios pela administração. Surge ainda o princípio do aproveitamento racional dos recursos disponíveis pois é obrigatória a utilização de critérios ambientais.
    O âmbito de aplicação surge no artigo 1º/1 do DL 69/2000 de 3 de Maio e o n.º 3 indica os projectos submetidos. O Professor Vasco Pereira da Silva entende que independentemente desta listagem, todos os projectos susceptíveis de lesar o meio ambiente estão submetidos à AIA, opinião à qual adiro.
    O conteúdo da decisão de avaliação de impacto ambiental pode ser de três tipos (artigo 17º/1): favorável ao particular, significa que do ponto de vista ambiental o licenciamento não prejudica o ambiente; pode ser condicionalmente favorável, o que implica que tem que tomar medidas de salvaguarda ambiental e por fim a decisão pode ser desfavorável, significando neste caso que os prejuízos ecológicos são elevados e o projecto não pode ser aprovado (sendo este vinculativo).
    Para além destas três hipóteses, o legislador português estabeleceu outra no artigo 19º, o deferimento tácito, em que o silêncio da administração vai determinar um parecer favorável, cria-se a ficção de um acto administrativo favorável. Existe aqui uma clara violação do princípio da prevenção, e considero ainda que o artigo 19º seja inconstitucional face ao regime de tutela do ambiente na constituição.
    O artigo 19º é um incumprimento da directiva, esta impõe a obrigação de analisar caso a caso. Portugal está numa situação de incumprimento do direito comunitário. Um tribunal português que seja confrontado com este artigo não o deve aplicar, regra que decorre do direito comunitário.
    O acórdão em apreço podia ser perfeitamente contra Portugal, talvez seja uma questão de tempo. O nosso legislador quis ir mais além, a directiva apenas impunha um estudo de impacto ambiental, não prevendo ser este vinculativo, sendo este mais um exemplo da incorrecta transposição da directiva comunitária.
    A Avaliação de impacto ambiental é um exemplo da evolução do paradigma tradicional da relação do indivíduo com o Estado, os interessados são chamados a participar e é estabelecida uma relação entre a Administração Pública e os particulares.  

  5. Anónimo disse...

    Quanto ao Acórdão do Tribunal de justiça de 14/07/2001... A Comissão das Comunidades Europeias intenta uma acção por incumprimento e não transposição de directivas contra a Bélgica. Neste caso a Bélgica não transpôs o objecto essencial da Directiva 85/337 que diz que "antes da concessão da aprovação, os projectos que possam ter um impacto significativo no ambiente, nomeadamente pela sua natureza, dimensões ou localização, sejam submetidos à avaliação dos seus efeitos". A Bélgica utilizou inúmeras vezes o deferimento tácito e a autorização tácita não é compativel com esta Directiva, já que esta exige processos de avaliação que precedem a concessão de uma autorização. Assim sendo, as autoridades nacionais devem sempre proceder a um estudo de impacto ambiental quando necessário, não podendo haver autorização tácita.
    Portugal também não transpôs correctamente a Directiva 85/337/CEE, na medida em que permite o deferimento tácito no art. 19º DL 69/2000 de 3 de Maio quando sejam ultrapassados os prazos para a autorização. No entanto, o art. 19º nº5 pode ser visto como uma válvula de escape ao deferimento tácito, já que vem dizer que mesmo passados os prazos do nº1 a entidade competente para o licenciamento ou autorização pode ainda efectuar a avaliação de impacto ambiental.  

  6. Subturma 1 + 5 disse...

    A acção proposta contra o Reino da Bélgica visa obter a declaração de que não foram adoptadas as medidas legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para tranpor integralmente as Directivas (75/444/CEE do Conselho; 76/464/CEE do Conselho; 84/360/CEE do Conselho; 85/337/CEE do Conselho).
    A Comissão expôs sem ser contraditada pelo demandado, que tanto a regulamentação aplicável na Região Flamenga e como na Região Valã recorrem ao mecanismo das autorizações prévias no domínio da aplicação das directivas acima referidas.
    Nestas duas regiões se a autoridade competente não reagir, em determinado prazo, a um pedido de autorização, este considera-se indeferido. Em contrapartida, em caso de recurso, a autorização considera-se concedida na falta de reacção da autoridade no prazo estabelecido.
    Segundo a Comissão estas autorizações tácitas são incompatíveis com as exigências das directivas. Uma vez que estas impõem aos Estados-Membros que adoptem as medidas úteis para se assegurarem de que a actividade ou instalação que as mesmas regulam estão sujeitas a autorização prévia. Trata-se de autorizações a conceder no âmbito de diversas actividades que são susceptíveis de afectar o Meio Ambiente.
    Em comum têm o facto de necessitarem, por um lado, de condições detalhadas quanto aos dados que devem constar de tais autorizações e, por outro, as garantias de que se deve rodear a autoridade competente, que tem o dever de fixar, por meio de diversos estudos, um determinado número de elementos, antes de deferir a autorização pedida. Logo conclui-se pela exigência de um acto expresso, sendo que na sua falta não é possível garantir que as autorizações só sejam concedidas depois de reunidas todas as condições impostas pelas directivas.
    A própria Bélgica acaba por admitir que neste caso não pode dar tal garantia, apesar de enfatizar os esforços feitos pelas autoridades locais, que ainda não estavam a "dar fruto".
    No entanto o incumprimento é aferido no termo do prazo fixado no parecer fundamentado, logo a única solução possível seria e foi, declarar o incumprimento.
    Importa, agora, verificar como foi feita a transposição (nomeadamente da directiva 85/337/CEE) para o nosso Direito.
    Portugal aprovou o Regime de Avaliação de Impacto Ambiental (através do decreto-lei 69/2000 de 3 de Maio), no caso em apreço importa atender ao artigo 19º deste diploma que prevê a figura do deferimento tácito (ou seja após o período estipulado considera-se que houve uma DIA favorável)
    Parece que este preceito esquece completamente o Princípio da Prevenção e acaba por violar a directiva que exige, como já se disse, um acto expresso e não uma mera autorização tácita (resultado da inércia da administração e não do seu lavor), logo parece que também o nosso decreto-lei 69/200 viola o Direito Comunitário, assim podia ter sido Portugal o alvo da accção por incumprimento da Comissão. Mas talvez seja só uma questão de tempo...

    Inês Neto subturma 1 nº 14361  

  7. Anónimo disse...

    O acórdão em análise tem como objecto uma Acção de Incumprimento proposta pela Comissão das Comunidades Europeias contra a Bélgica, com base no art. 226.º TCE.
    A acção proposta tem como fundamento a não adopção pela Bélgica de medidas necessárias à transposição integral das Directivas o que redunda no incumprimento das obrigações aí plasmadas e na violação do art.189.º do TCE. Discute-se, em síntese, a conformidade da previsão de uma autorização tácita com as exigências das Directivas em causa, em particular da Directiva 85/337/CE que prevê no art. 2.º:” Os Estados - Membros tomarão as disposições necessárias para que, antes da concessão de aprovação, os projectos que possam ter um impacto significativo no ambiente, nomeadamente pela sua natureza, dimensões ou localização, sejam submetidos à avaliação dos seus efeitos.”
    Na argumentação deduzida pelo TJ, a obrigação resultante das Directivas de exame casuístico de todos os pedidos de autorização apresentados, conjugada com o art.189.º TCE que estabelece a vinculatividade pelas mesmas quanto ao resultado a alcançar, conduz à desconformidade da autorização tácita, traduzida no diferimento por meio de silêncio.
    Mais do que a análise da autorização tácita na perspectiva do incumprimento de obrigações, importa averiguar a intenção subjacente ao estabelecimento da obrigação de avaliação de projectos públicos e privados susceptíveis de terem um impacto considerável no ambiente. A intenção por detrás do estabelecimento desta obrigação é expressa no Preâmbulo da Directiva citada:”Considerando que os efeitos de um projecto no ambiente devem ser avaliados para proteger a saúde humana, para contribuir através de um ambiente melhor para a qualidade de vida, para garantir a manutenção da diversidade das espécies e para conservar a capacidade de reprodução do ecossistema enquanto recurso fundamental de vida (…)”.
    É com a importância da avaliação de um projecto no ambiente que a autorização tácita entra verdadeiramente em contradição. Como afirma o Professor Vasco Pereira da Silva, é um contra-senso considerar que a avaliação do impacto ambiental reveste tamanha importância que deva dar lugar a um procedimento especial e considerar, simultaneamente, que “tanto faz que ela tenha lugar, como não, porque o resultado é o mesmo.”. Assim, se o objectivo é a apreciação das consequências ecológicas de uma decisão com vista a uma decisão adequada à dimensão ambiental dos projectos, ficcionar que a omissão da actuação da autoridade administrativa equivale ao diferimento do pedido de apreciação apresentado é subverter a intenção legislativa por detrás da obrigação. Em suma, é esvaziar de sentido o regime legal. Acrescenta, ainda, o Professor que o entendimento de deferimento tácito como presunção de aprovação do pedido de licenciamento do projecto viola princípios fundamentais em matéria de direito do ambiente, tais como o princípio da prevenção e o princípio do desenvolvimento sustentável. São estes princípios que sustentam a intenção legislativa patente na obrigação de avaliação de projectos com impacto ambiental e traduzem no essencial o disposto no Preâmbulo da Directiva, atrás citado.
    Tendo em conta a importância da avaliação e os princípios atrás referidos, o Professor procede a uma interpretação conforme à Constituição. Assim, o diferimento tácito não equivale à aprovação do pedido de licenciamento do projecto. Significa, somente, que não foi ainda avaliado ou ponderado o impacto ambiental da actividade proposta, pelo que tal ponderação deverá obrigatoriamente ter lugar.
    Procedendo à análise dos argumentos invocados pela Bélgica, tendo em conta a interpretação conforme atrás plasmada, temos que estes se apresentam insuficientes. A primeira argumentação deduzida pelo Governo da Flandres centrava-se no campo de aplicação limitado da autorização tácita e no número reduzido de autorizações tácitas a existir. Acrescentava, ainda, a convicção das autoridades competentes acerca das consequências associadas à ausência de decisão bem como a sua intenção de proceder a um exame profundo de cada pedido de autorização. Relativamente ao âmbito de previsão e aplicação limitados, temos que a dimensão ambiental de um projecto é de apreciação casuística, não se vislumbrando qualquer relação entre um âmbito de aplicação e previsão reduzidos e um impacto ambiental, também ele reduzido. Certo é que os projectos sujeitos a diferimento tácito poderão ter um impacto ambiental de dimensão superior face a projectos submetidos a um exame de avaliação profundo. Também as intenções reveladas não revestem qualquer utilidade no que respeita aos princípios da prevenção e desenvolvimento sustentável, pois delas não se consegue retirar qualquer acção concreta.
    Quanto à segunda argumentação deduzida, é afirmado que uma autorização tácita não implica necessariamente uma avaliação passiva ou um acto negligente por parte da autoridade competente, pois a cada pedido de autorização está subjacente uma “avaliação circunstanciada”. Esta argumentação no sentido de desconsiderar a autorização tácita como um acto omissivo da autoridade administrativa pelo facto de existir a referida avaliação, colide com a interpretação conforme apresentada anteriormente na parte em que entende a autorização tácita como ausência de avaliação ou ponderação. Ao considerar que já existiu uma “avaliação circunstanciada” do pedido, a Bélgica demite-se de proceder a uma avaliação posterior. Do mesmo modo, o princípio da prevenção ou desenvolvimento sustentável não se pode bastar com uma “avaliação circunstanciada”, entendida como uma avaliação mínima, que não analisa convenientemente a dimensão ambiental dos projectos e não se manifesta em qualquer tomada de decisão adequada.
    O incumprimento da Directiva por parte da Bélgica, bem como as críticas feitas à autorização tácita, valem para o Estado português no que respeita ao art. 19.º do regime da AIA. É de salientar as consequências nefastas associadas ao diferimento tácito, se atentarmos no art. 20.º n.º 1, que concede à omissão da administração o poder de vinculação absoluta da decisão final do procedimento administrativo global. Contudo, estas consequências são atenuadas com o n.º 5 do mesmo artigo que, em parte, reproduz a interpretação sufragada pelo Professor Vasco Pereira da Silva. Resta-nos apelar ao seu cumprimento efectivo.




    Ana Salgado F. Diogo
    Subturma 4  

  8. Anónimo disse...

    Comentário ao Acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de Junho de 2001

    A Comissão das Comunidades Europeias interpôs um processo por incumprimento contra o Reino Belga, alegando que este não adoptou as medidas legislativas das Directivas 75/442/CEE, 76/464/CEE, 84/360/CEE e 85/337/CEE do Conselho e como tal, não cumpriu as obrigações que lhe incumbiam.
    As referidas directivas impõem aos Estados Membros a adopção de medidas que assegurem que as actividades nelas referidas, estejam sujeitas a autorização prévia.
    A Directiva 85/337 dispõe no seu art. 2.º, que os Estados Membros adoptem as disposições necessárias para que os projectos que possam ter um impacto significativo no ambiente, sejam submetidos a uma avaliação antes de haver autorização. Mas, segundo a Comissão, a Bélgica não fez uma correcta transposição porque prevê um regime de concessão e de recusa tácitas das autorizações.
    Se a autoridade competente não se pronunciar, em 1.ª instância, considera-se recusada a autorização. Mas, em 2.ª instância, o silêncio da autoridade competente que não se pronuncia no prazo previsto, vale como concessão da autorização em causa. Tal é o sistema previsto nos art. 34.º a 42.º e 49.º a 55.º da Decisão do Governo da Flandres de 6 de Fevereiro de 1991.
    No decorrer da fase pré-contenciosa, foram vários os argumentos do Governo Belga para justificar a concessão das autorizações tácitas. Referem o campo de aplicação limitado da autorização tácita e o número restrito de autorizações concedidas dessa forma. Para além disso, as autoridades competentes e os órgãos consultivos envolvidos estavam cientes das consequências de uma ausência de decisão, pelo que continuavam a fazer com que cada pedido de autorização fosse alvo de um exame aprofundado. Dizem ainda que uma autorização tácita não implica uma avaliação passiva ou negligente por parte da autoridade competente, uma vez que o pedido de autorização dava lugar a uma avaliação aprofundada.
    Apesar dos argumentos apresentados pela Bélgica, a Comissão decidiu instaurar a acção.
    A Comissão, por sua vez, alega que o Tribunal de Justiça já se pronunciou contra um sistema de autorizações tácitas por ser incompatível com a Directiva 80/68.
    Para além disso, o Reino da Bélgica nunca contestou o incumprimento que lhe é imputado, invocando antes, que estava em desenvolvimento um projecto sobre esta matéria.
    A Comissão recorda que o Tribunal de Justiça considera que a Directiva 80/68 exige que seja sempre adoptada uma decisão expressa de proibição ou autorização baseando essa decisão nos estudos previamente realizados.
    É ainda referido que o objecto essencial da Directiva 85/337 é que antes da concessão de qualquer autorização para o desenvolvimento de actividades que possam ser causadoras de efeitos negativos no ambiente, deve ser realizado um estudo de avaliação desses mesmos efeitos. Resulta daqui, que uma autorização tácita não pode ser compatível com as exigências das Directivas referidas na presente acção.
    A Comissão refere, por último, que as Directivas vinculam os Estados Membros destinatários quanto ao resultado a alcançar.

    Assim sendo, deve considerar - se o Reino da Bélgica como incumpridor das obrigações que lhe incumbiam por forças das directivas acima referidas.
    Importa, a propósito desta matéria, assinalar o regime da Avaliação de Impacte Ambiental regulado pelo Decreto – Lei 69/2000 de 3 de Maio, adoptado com base na Directiva 97/11/CEE que veio alterar a Directiva 85/337/CEE.
    O art. 18.º /3 e o art. 19.º referem-se ao deferimento tácito. Considera-se que a declaração de Impacte Ambiental é favorável se nada for comunicado à entidade licenciadora ou competente para a autorização, nos prazos indicados consoante os casos. No caso português, a violação do Direito Comunitário é ainda mais grave, uma vez que a autorização tácita é logo concedida, enquanto que na Bélgica, apenas é concedida desta forma em 2ª instância.
    Esta solução levanta alguns problemas, nomeadamente, uma contradição com o que é a regra geral no Direito Administrativo: Em princípio, o acto tácito é negativo; só há acto tácito positivo nos casos expressamente previstos na lei (art. 109.º do CPA).
    O CPA enuncia um conjunto de casos em que, por disposição expressa, existe acto tácito positivo, ou deferimento tácito (art. 108.º do CPA).
    A solução da AIA não é a mais correcta por várias razões. Apesar de não parecer, esta não é a solução mais favorável para os particulares, mas sim a solução do indeferimento tácito porque este permite a obtenção de uma decisão de que o interessado possa recorrer para o Tribunal. No caso do indeferimento, logo que passe o prazo legal sem haver resposta da Administração, considera-se indeferido o pedido do particular e este pode recorrer contenciosamente.
    Para além disso, como o Prof. Vasco Pereira da Silva refere, se a finalidade da avaliação do impacte ambiental é a de autonomizar a apreciação das consequências ecológicas de uma decisão para que a entidade competente tome uma decisão mais consciente, então não faz sentido que o legislador permita que o silêncio equivalha ao deferimento. Tal solução pode permitir, em último caso, o desenvolvimento de uma actividade prejudicial para o meio ambiente devido ao mau funcionamento da Comissão de Avaliação.

    Filipa Rodrigues Subturma 2  

  9. Anónimo disse...

    O acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de Junho de 2001 visa analisar e declarar o incumprimento das obrigações comunitárias, pelo Reino da Bélgica, alegado pela Comissão.
    A Comissão das comunicadas Europeias, na qualidade de guardiã dos Tratados, e de acordo com os artigos 226.º e seguintes do TCE, requer ao Tribunal de Justiça que condene o Reino da Bélgica pelo incumprimento das obrigações que lhe incumbem por força do artigo 249.º TCE, artigos 9.º da Directiva 75/442, 3.º, 4.º, 5.º e 7.º da Directiva 76/464, 3.º, 4.º, 5.º, 7.º e 10.º da Directiva 80/68, 3.º, 4.º, 9.º e 10.º da Directiva 84/360, 2.º e 8.º da Directiva 85/337. Na óptica da Comissão, o incumprimento em causa fundava-se na não adopção das medidas legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para transpor integralmente as Directivas em causa, por parte do reino da Bélgica.
    Com efeito, as Directivas 75/ 442, 76/464, 80/68, 84/360 obrigam os Estados-Membros a adoptarem medidas úteis ao fim de assegurarem que a actividade ou a instalação que as mesmas regulam sejam sujeitas à autorização prévia. A Directiva 85/337, no seu artigo 2.º prevê que os Estados-Membros tomem as medidas necessárias para que os projectos que possam ter um impacto significativo no ambiente sejam submetidos a uma avaliação dos seus efeitos, antes de concessão de aprovação. O reino da Bélgica transpôs estas Directivas, mas não correctamente, na opinião da Comissão, posteriormente confirmada pelo Tribunal de Justiça e pelo Advogado-Geral.
    O Direito Belga prevê, no âmbito da avaliação do impacto ambiental, um indeferimento tácito e um deferimento tácito. Se a autoridade competente não se pronunciar, em primeira instância, sobre um pedido de autorização dentro de um determinado prazo, considera-se que o pedido foi recusado, havendo assim um indeferimento tácito. Contudo, se o interessado recorrer, o silêncio da autoridade competente no prazo previsto é tida como uma autorização.
    As autoridades Belgas, defendendo-se das acusações da Comissão, alegam que o campo de aplicação de deferimento tácito é muito reduzido e que, na prática, o número de autorizações tácitas concedias é muito restrito.

    O Advogado-Geral propõe que sejam julgadas procedentes as pretensões da Comissão, por varias razoes:
    I. É incontestável que o deferimento tácito é incompatível com as exigências das directivas acima referidas.
    II. O Tribunal de Justiça já considerou que não se pode considerar que o mecanismo das autorizações tacitas e/ou de indeferimento tácitos cumprem as exigências da Directiva 80/68.
    III. Todas estas Directivas têm por objecto as autorizações a conceder a diversas actividades susceptíveis de afectar o ambiente. Todas elas têm em comum o facto de precisarem, por um lado, as condições detalhadas quanto aos dados que devem constar de tais autorizações e, por outro, as garantias de que se deve rodear a autoridade competente, que tem o dever de fixar, por meio de diversos estudos, um determinado número de elementos, antes de conceder a autorização. Por estes motivos, é de alargar a jurisprudência anterior do Tribunal de Justiça às outras directivas em causa.
    IV. A jurisprudência do Tribunal de Justiça impõe, relativamente a todas estas directivas, a existência de um acto expresso da entidade competente.

    O Tribunal de Justiça, acatando as conclusões do Advogado-Geral, condena o reina da Bélgica.

    Este acórdão, mesmo sendo uma acção por incumprimento contra um outro Estado-Membro, tem grande relevância para o Direito português. De facto, em Portugal, o Decreto-Lei n.º 69/2000, que estabelece o Regime Jurídico da Avaliação do Impacto Ambiental, estabelece no seu artigo 19.º o deferimento tácito. O Sistema português consagra-se o deferimento tácito em primeira instância, o que consubstancia um incumprimento mais grave do que o incumprimento da Lei Belga, que só o consagra em segunda instância.
    Independentemente do incumprimento do Direito Comunitário resultante da consagração desta solução, há ainda que alegar que o deferimento tácito consagrado no Decreto-Lei 69/2000 aparece como algo contraditório a todo o regime consagrado. O legislador nacional, por um lado, foi mais longe do que aquilo que era exigido pela Directiva, uma vez que esta não impõe que a avaliação do impacto seja vinculativa para a decisão final de autorização ou licenciamento, ao impor a não concessão de autorização ou licença em caso de DIA desfavorável, por outro lado, admite que em caso de silêncio da autoridade competente vale como uma decisão favorável à autorização ou licenciamento, pondo em cauda os objectivos da comunitários.
    De acordo com o Professor Vasco Pereira da Silva, “ a AIA tem por objectivo autonomizar a apreciação das consequências ecológicas de uma decisão, no quadro de um procedimento especial, para que a autoridade licenciadora tome uma decisão mais adequada, em razão também da dimensão ambiental dos projectos”. Deste modo, não faz sentido que o legislador considere que o silêncio da entidade competente vale como deferimento. Mas em todo o caso, para este Professor o deferimento tácito de um acto de avaliação não significa a sua aprovação.


    Dulcelina Sanches Rocha
    N.º 15008
    Subturma 2  

  10. Anónimo disse...

    O presente comentário tem como objectivo principal o estudo da figura do deferimento tácito no procedimento de avaliação de impacto ambiental (AIA), partindo de uma análise crítica do Acórdão do Tribunal de Justiça (TJ) de 14 de Junho de 2001, sem prejuízo de uma menção sucinta relativa ao processo de AIA em si – seus objectivos e fases processuais, em especial -, de modo a complementar o comentário em causa.
    1. Avaliação do Impacto Ambiental (AIA)

    A AIA é um procedimento administrativo especial, exclusivo do Direito do Ambiente, cujo regime jurídico consta originalmente do Decreto-lei (DL) 69¬/2000 de 3 de Maio; DL este que sofreu posteriormente várias alterações legislativas, sendo a mais recente e mais importante a do DL 197/2005, rectificado pela Declaração de Rectificação nº 2/2006, que procedeu à sua republicação. O regime jurídico da AIA tem génese comunitária, na medida em que corresponde à transposição e concretização – tardia! – da Directiva Comunitária nº 97/11/CE do Conselho de 3 de Março de 1985. Na verdade, porém, o primeiro diploma a tratar esta matéria foi o DL 186/90 de 6 de Junho, também este proveniente do direito comunitário, nomeadamente da Directiva nº 85/337/CE do Conselho de 17 de Junho de 1985. Não obstante, o regime jurídico actual da AIA consta do DL 69/2000.
    Este procedimento tem como objectivo a verificação das consequências ecológicas de um determinado procedimento, mediante a ponderação das respectivas vantagens e inconvenientes em termos de repercussão no meio ambiente. Deste modo, visa-se, assim, “a autónoma consideração da dimensão ambiental dos projectos (…) que vai habilitar as autoridades administrativas a ter em conta essa vertente ecológica em posteriores procedimentos, relativos a formas de actuação futuras que possam eventualmente a vir ter lugar”, in Silva, Vasco Pereira da; Verde Cor de Direito – Lições de Direito do Ambiente; Almedina. O procedimento AIA constitui um mecanismo de harmonização e efectivação dos princípios fundamentais de Direito do Ambiente, sobretudo no que concerne ao princípio da prevenção em sentido amplo – prevenção e precaução -, na medida em que permite obstar a eventuais lesões futuras do ambiente, por meio de uma apreciação autónoma das repercussões ambientais de determinado projecto, num momento prévio ao da actuação administrativa necessária para a execução daquele, tal como é indiciado no art. 1/2 DL 69/2000; ao introduzir o “factor ambiental” nas decisões administrativas, obrigando a uma análise de benefícios económicos/custos ambientais, permite apreciar a sustentabilidade ambiental de cada projecto e actividade, relevantes a nível de desenvolvimento económico; ao aditar critérios de “eficiência ambiental”, optimizando a utilização racional dos recursos disponíveis em cada actividade projectada, cumpre igualmente com o princípio do aproveitamento racional dos recursos ambientais; e, por fim, dá lugar à efectivação dos princípios da correcção na fonte e do poluidor-pagador, dado que obriga à tomada de medidas necessárias à prevenção no próprio local de onde emerjam efeitos poluentes e nefastos para o ambiente, condicionando o poluente a uma série de medidas anti-poluição e vinculando-o a encargos adicionais caso queira que a sua actividade ou projecto prossiga. No fundo, trata-se de um procedimento administrativo muito importante a nível ambiental, na medida em que coloca o bem jurídico – ambiente – na primeira linha de ponderação e tomada de decisão administrativa de licenciamento ou autorização de projectos que possam colocar em perigo ou risco o meio ambiente.
    O procedimento AIA inicia-se com a apresentação pelo proponente do estudo de impacto ambiental (EIA) à entidade licenciadora – art 12 DL 69/2000 -, sendo este um documento elaborado pelo proponente no âmbito do procedimento AIA que contém uma descrição sumária do projecto, a identificação e avaliação dos impactos prováveis, positivos e negativos, que a realização do projecto poderá ter no ambiente, a evolução previsível da situação de facto sem a realização do projecto, as medidas de gestão ambiental destinadas a evitar, minimizar ou compensar os impactos negativos esperados e um resumo não técnico destas informações (art 2 i) DL 69/2000). Antes desta fase, podemos eventualmente ter uma fase prévia de definição do âmbito do EIA, onde se vai definir sobre o que vai incidir o estudo, podendo haver consulta pública, não obrigatória, apenas quanto ao âmbito do EIA, sendo que se nada for dito pela Comissão de Avaliação, está delimitado o objecto/incidência do EIA, que não pode ser alterado. O Professor Alves Correia entende que colocar nas mãos do proponente estas fases pode pôr em causa a credibilidade do próprio EIA e, como tal, a alternativa seria uma entidade pública assumir a elaboração do EIA, tal como acontece na Alemanha; seja como for, é este o regime que temos!
    Em segundo lugar (ou terceiro), temos a apreciação técnica do EIA (art 13º) a cabo da Comissão de Avaliação que visa verificar se os elementos do EIA estão verificados e as exigências cumpridas. Trata-se, no fundo, de uma decisão sobre a conformidade do EIA com as exigências legais, sendo que em caso de desconformidade, terá que ser apresentado um novo EIA.
    Havendo conformidade, proceder-se-á a consultas externas (art 13/9 e 10º), tendo as entidades em causa 40 dias para se pronunciar, sob pena de os seus pareceres não serem considerados; bem como a consulta pública (art 14º e 15º) e participação dos interessados, cujo prazo varia consoante o projecto se enquadre no anexo I – 30 a 50 dias - ou anexo II – 20 a 30 dias, sendo no final elaborado um relatório de consulta pública pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA) que será enviado à Comissão de Avaliação.
    Temos, então, a fase seguinte de preparação da decisão – decisão de impacto ambiental (DIA) – em que a Comissão de Avaliação vai elaborar um parecer final e a autoridade de AIA vai apresentar uma proposta de DIA (art 16º).
    Por fim, temos a fase da DIA propriamente dita (arts 17 e seguintes) que é da competência do Ministro do Ambiente que depois notifica a entidade licenciadora e que pode assumir uma de três modalidades: DIA favorável, DIA condicionalmente favorável, DIA desfavorável. A par destas hipóteses, a lei prevê ainda a possibilidade de deferimento tácito na ausência de decisão da Administração ao fim de determinado prazo (art 19/1 DL 69/2000). Antes de proceder, no entanto, a uma análise da figura do deferimento tácito, importa referir o conteúdo e força jurídica da DIA, transcrevendo-se as palavras do Professor Vasco Pereira da Silva: “DIA é um acto administrativo que é pressuposto de um futuro acto licenciador, sendo estas duas formas de actuação condição uma da outra, no quadro de um procedimento administrativo complexo e faseado, onde vão sendo produzidos sucessivos actos jurídicos autonomamente relevantes. A avaliação de impacto ambiental não é, por isso, um mero acto opinativo, um simples parecer, mas sim umas decisão jurídica de ponderação de interesses, que procede a uma análise dos custos/benefícios de determinada actividade em razão de critérios ambientais”; “ (…) é um acto administrativo e de que é recorrível contenciosamente, sempre que (e na medida em que) seja lesivo de direitos dos particulares”, in Silva, Vasco Pereira da; Verde Cor de Direito – Lições de Direito do Ambiente; Almedina.

    2. Deferimento Tácito

    Resulta do art 19/1 DL 69/2000 que se considera favorável a DIA se nada for comunicado à entidade licenciadora ou competente para a autorização no prazo de 140 dias (para projectos de anexo I) ou 120 dias (para projectos de anexo II), contados a partir da data da recepção do EIA e de toda a documentação relevante para a AIA. Assim sendo, temos um prazo para o procedimento total de AIA, sob pena de se tornar irrelevante qualquer decisão a ser tomada pelas autoridades competentes neste procedimento, pois é conferida relevância jurídica ao silencia da administração. Temos, portanto, a figura do deferimento tácito. Perante a omissão de actuação da autoridade administrativa competente, vale o deferimento tácito da AIA, ou seja, é admitida legalmente uma “ficção legal” de acto administrativo favorável que possui igualmente efeitos substantivos, na medida em que permite à Administração praticar o acto licenciador, como resulta do art 20/1 DL 69/2000. Tendo em conta que o regime jurídico da AIA estipula prazos muito apertados para cada fase processual, não é difícil imaginar o que sucederá na maioria dos casos… Deferimento tácito como acto final do procedimento de AIA!
    Esta figura tem suscitado alguma “perturbação” na doutrina, nomeadamente para o Professor Vasco Pereira da Silva que não concordada, de todo, com a solução legal adoptada, considerando que põe em crise este procedimento e viola o princípio da prevenção, “pois se a finalidade da AIA é a de autonomizar a apreciação das consequências ecológicas de uma decisão, no quadro de um procedimento especial, para que a entidade licenciadora tome uma decisão mais adequada, em razão também da dimensão ambiental dos projectos, então não faz sentido que o legislador permita que o silencia equivalha ao deferimento. (…) é um contra-senso considerar que a AIA é tão importante e, logo a seguir, considerar que «tanto faz que ela tenha lugar, como não, porque o resultado é o mesmo»”, in Silva, Vasco Pereira da; Verde Cor de Direito – Lições de Direito do Ambiente; Almedina.
    “Supra” mencionou-se a força e conteúdo jurídico da DIA e, como se calcula, não se pode querer equivaler os efeitos do deferimento tácito a uma verdadeira pronúncia por parte das autoridades competentes relativa a todo o procedimento AIA. Uma pronúncia final, independentemente do seu sentido, implica necessariamente um estudo, uma ponderação de todos os elementos recolhidos; uma não pronúncia indicia precisamente uma ausência de qualquer reflexão e tão-só uma “negligência” por parte das autoridades competentes para o efeito, pois mesmo que tenha chegado a haver essa ponderação, como não temos qualquer decisão final, não há como fundamentá-lo ou demonstrá-lo. Admitir o deferimento tácito puro, em absoluto e sem condicionalismos – que não é mais que uma “faculdade” da Administração, seria fazer “tábua rasa” de todos os objectivos da AIA referidos “supra”. Compreendo que se queira punir o “desleixo” e “negligência” administrativas e, de facto, este sistema apresenta grandes vantagens para os proponentes que vêem satisfeita a sua pretensão num espaço de tempo relativamente célere e que se tem por adequado para a tomada da DIA. Com efeito, o sistema do deferimento tácito e o único que não faz recair sobre o cidadão contribuinte os problemas que só à Administração Pública cabe ultrapassar. No entanto, para a Administração Pública apresenta o claro inconveniente de serem indiferentes os eventuais prejuízos causados ao meio ambiente e, por este motivo, considera-se esta não é a melhor solução efectivamente. Consagrá-lo é como andar para trás e renunciar aos avanços de consideração do direito do ambiente como verdadeiro direito fundamental e tarefa estadual primária, pois enquanto o regime jurídico da AIA coloca o “ambiente” como critério essencial de ponderação e decisão, numa primeira linha, o deferimento tácito vem, por sua vez, obstar à sua relevância, permitindo a emissão de licença de um projecto sem atender, de facto, aos seus eventuais impactos e repercussões ambientais. É um verdadeiro retrocesso no seio de um regime vanguardista, como o é o regime jurídico da AIA!
    Em suma, atendendo ao facto de que o processo de AIA tem como pilar base a defesa dos direitos ambientais colectivos contra eventuais impactos negativos de projectos, frequentemente promovidos por indivíduos ou por restritos sectores da Sociedade, penso que cabe à Administração criar os mecanismos necessários para tomar decisões atempadas nos processos de AIA – e não só! -, procurando, deste modo, proteger esses direitos colectivos. Apesar de não ser naturalmente correcto penalizar o proponente por eventuais falhas da Administração, parece ainda mais grave que elas, em alternativa, penalizem os direitos ambientais colectivos. Por esse motivo, entende-se que a melhor opção seria criar mecanismos que evitem ambos os prejuízos -, obrigando a Administração a produzir as decisões nos prazos apropriados, por exemplo pela criação de um mecanismo de recurso obrigatório para o Ministro do Ambiente, sempre que a autoridade de AIA não se pronuncie nos prazos previstos na lei.
    O DL 69/2000, no entanto, consagrou o que se poderá entender como uma “válvula de escape” ao deferimento tácito para evitar maiores danos na perspectiva do Direito Comunitário, mais precisamente no art 19/5 ao estipular que no caso de deferimento tácito, “a entidade competente para o licenciamento ou autorização enuncia as razões de facto e de direito que justificam a decisão, tem em consideração o EIA apresentado pelo proponente e inclui, quando disponíveis, os restantes elementos” referidos no 17/1 do DL 69/2000. Com base neste preceito, o Professor Vasco Pereira da Silva vem exigir uma interpretação conforme à Constituição da República Portuguesa (CRP) e ao Direito Comunitário, de modo a assegurar que a entidade competente para a decisão final possa ponderar da compatibilidade ambiental, ainda que isso implique alargar o seu âmbito de competências pois, caso contrário, teríamos uma inconstitucionalidade da decisão por violação dos princípios ambientais, nomeadamente do princípio da prevenção, geradora, em última análise, da nulidade da decisão. “(…) se o deferimento tácito permite a decisão da autoridade licenciadora, não só não condiciona o seu conteúdo, como a obriga à ponderação efectiva dos valores e interesses ecológicos no acto permissivo que lhe cabe praticar, sob pena de nulidade – como resulta da «interpretação conforme à CRP» da regra do 20/1 DL 69/2000 (…), pois o que estaria em causa, nessa situação, é a violação dos princípios constitucionais em matéria de ambiente, designadamente, do princípio da prevenção (…) e do princípio do desenvolvimento sustentável (…)”.
    A meu ver, trata-se de uma decisão não inteiramente satisfatória porque a autoridade administrativa competente para a licença ou autorização não tem qualquer interferência ou competência no procedimento de AIA de qualquer forma e, deste modo, está-se a fazer um alargamento implícito da competência das autoridades licenciadoras ou autorizantes, que poderá suscitar problemas a outro nível. Contudo, melhor isto do que nada…

    3. Acórdão do TJ de 14 de Junho de 2001

    O Acórdão em análise refere-se a uma acção por incumprimento intentada pela Comissão contra o Reino da Bélgica, na medida em que aquela pretende a declaração de que, ao não adoptar as medidas legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para transpor integralmente as Directivas comunitárias mencionadas, O Reino da Bélgica não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força das mesmas e por força do art 249 TCE.
    Acontece que as directivas não transpostas – ou transpostas de forma imperfeita -, obrigam os Estados Membros (EM) a adoptar, por um lado, as medidas úteis para se assegurarem de que a actividade ou a instalação que as mesmas regulam estão sujeitas a autorização prévia e, por outro lado, a tomar as disposições necessárias para que os projectos que possam ter impacto significativo no ambiente sejam submetidos a uma avaliação dos seus efeitos, antes da concessão da aprovação. No entanto, ao transcrever estas directivas, o reino belga apenas impôs a obrigação de pedir a autorização, subsistindo algumas disposições internas que prevêem um regime de concessão e de recusa tácitas das autorizações.
    Tendo sido instaurado o respectivo processo por incumprimento contra o reino belga, este responde alegando o campo de aplicação limitado de aplicação da autorização tácita e o número restrito de autorizações tácitas concedidas e, além disso, que uma autorização tácita não implica uma avaliação passiva ou uma negligência por parte da autoridade competente, uma vez que o pedido de autorização dava lugar a um a avaliação circunstanciada.
    No entanto, a Comissão manteve a sua posição e decidiu instaurar a acção do acórdão do TJ em causa.
    O TJ, por sua vez, decide dando razão à Comissão, ou seja, considerando que o reino belga estava efectivamente numa situação de incumprimento do direito comunitário, na medida em que o mecanismo de autorização tácita se demonstra incompatível com as disposições das directivas mencionadas – e, deste modo, mantendo a posição adoptada em anteriores acórdãos relativos à mesma temática. Assim sendo, o TJ considera que o reino da Bélgica está em incumprimento, não só pelo desrespeito dos prazos de transposição das directivas comunitárias, mas também porque a autorização tácita não é compatível com estas, que exigem que antes da concessão de qualquer autorização, os projectos que possam ter um impacto significativo no ambiente devem ser objecto de avaliação prévia dos seus efeitos a levar a cabo pelas autoridades nacionais.
    Este acórdão tem o efeito útil de levantar a questão do acto tácito que encontra na nossa legislação uma figura equivalente – o deferimento tácito aludido “supra”, previsto no art 19/1 DL 69/2000.
    A título de conclusão, importa referir que a decisão do TJ parece-me a mais acertada atendendo ao direito comunitário pois uma figura com estas características e efeitos, em sede de direito do ambiente e, especialmente no seio de um regime jurídico em tudo “verde” – o regime jurídico da AIA – não passa de um verdadeiro retrocesso a nível de direito fundamental ao ambiente ou, aliás, um retrocesso sem justificação – ou pelo menos uma justificação proporcional -, violador do núcleo de direitos fundamentais que actualmente preside na generalidade dos Estados.

    Marina Guerreiro, nº 14708 (sub3)  

  11. Anónimo disse...

    Ao atentarmos sobre o acórdão do TJ de 14/06/2001 deparamo-nos com uma acção de incumprimento movida pela Comissão contra o Reino da Bélgica ao abrigo do artº 226º do TCE, tendo por base o facto deste país não ter transposto (ou ter transposto incorrectamente) todo um conjunto de directivas relativas à necessidade de existência de uma avaliação prévia dos efeitos que certos projectos poderão ter a nível ambiental, antes de lhes ser concedida qualquer aprovação.
    Assim, temos que todo este processo teve início a 06/07/98 com uma fase administrativa (pré-contenciosa) na qual a Comissão dirigiu uma carta ao Estado-Membro em causa por considerar que este desrespeitou a já referida obrigação, que lhe era imposta pelo Direito Comunitário. Esta carta de notificação teve então como intuito levar o Estado-Membro faltoso a repor voluntariamente a legalidade infringida.
    Porém, como a Bélgica manteve a situação de incumprimento, a Comissão, a 18/12/98 emitiu um parecer fundamentado de forma a dar conta das medidas cuja adopção considerava necessárias para pôr cobro a toda esta situação de inconformidade com o sistema legal comunitário.
    Entretanto, a 06/01/99, as autoridades belgas vieram defender-se através de uma carta (à qual anexaram uma outra do Governo da Flandres, que datava de 8/12/98), afirmando que o recurso a autorização tácita não deveria ser encarado como sinónimo de uma atitude ou avaliação negligente por parte da autoridade competente, até porque raramente era aplicado.
    Foi então que, insatisfeita com os argumentos utilizados pelo Governo Belga, a Comissão optou por instaurar a devida acção por incumprimento, relembrando que as autoridades nacionais dos diferentes Estados têm por obrigação fazer uma análise casuística de todos os pedidos de autorização, que lhes sejam endereçados. Na sequência do referido anteriormente, a Bélgica viria a ser condenada.

    Neste contexto, cabe agora fazer referência à nossa realidade jurídica. Isto porque a transposição da Directiva 85/337/CE para a nossa ordem interna através do D.L. 69/2000 de 3/5 também está longe de ser considerada exemplar sobretudo no que se refere, ao artº 19º do referido diploma.
    Desde logo, no nº1 do artº 19º parece ter-se legislado em contradição com aquilo que é regra geral no nosso ordenamento, ou seja, neste artigo prevê-se a possibilidade de deferimento tácito da DIA “se nada for comunicado à entidade licenciadora ou competente para a autorização no prazo de 140 dias, no caso de projectos constantes do anexo I, ou de 120 dias, no caso de outros projectos…” quando a regra, à luz do artº 109º do CPA, deveria ser antes a do indeferimento tácito.
    O sacrifício de princípios como os da prevenção e da precaução são, por outro lado, igualmente bem demonstrativos da incoerência desta estipulação normativa. E aliados a estes, encontram-se ainda os curtos prazos impostos às competentes entidades ambientais, que acabam por muitas vezes, conduzi-las a análises menos ponderadas do que aquelas que seriam realmente necessárias em situações como estas, isto é, levam a um excessivo aceleramento do procedimento (sobretudo quando se tratam de casos que se enquadram nos nºs 3 e 4 do artº 19º) quando dada a sensibilidade das decisões a tomar, o mais sensato e razoável seria mesmo o alargamento daqueles prazos.
    Consequentemente, a previsão de um mecanismo como este apenas irá contribuir para que as decisões expressas e fundamentadas que geralmente deveriam ser tomadas neste âmbito, venham a ser progressivamente substituídas pelo silêncio das entidades competentes.

    Deste modo, se na Bélgica apenas em segunda instância é que o decurso do prazo sem pronúncia da administração equivale a concessão de autorização, e ainda assim, este país foi condenado por incumprimento, será aconselhável que Portugal (onde o silêncio funciona como deferimento tácito logo em 1ª instância!) inverta rapidamente toda esta sua tendência para subverter o regime legal, sob pena de ser acusado de idêntica ou ainda mais gravosa infracção do que aquela cometida pela Bélgica.

    Sara Soares
    Subturma 1  

  12. Anónimo disse...

    Vai-se proceder à análise do Acórdão e depois comparar a situção com a lei portuguesa que poderá suscitar, ou não, o mesmo problema. No fundo, ir-se-á fazer uma espécie de análise com base em direito comparado.

    1. Acórdão do Tribunal de Justiça de 14/07/2001
    Este Acórdão teve lugar porque a Bélgica não transpôs correctamente algumas directivas, nomeadamente a Directiva nº 85/360/CEE do Conselho, de 27 de Junho de 1985, relativa à avaliação dos efeitos de determinados projectos públicos e privados no ambiente. Refiro-me a esta em particular, porque é sobre este regime jurídico que o comentário irá incidir.
    A Comissão intentou uma acção por incumprimento contra o Reino Belga, no âmbito do art. 226.º, TCE. Teve como fundamento a transposição defeituosa das directivas, violando assim o art. 249.º, TCE que dispõe: "A directiva vincula o Estado-Membro destinatário quanto ao resultado a alcançar, deixando, no entanto,às instâncias nacionais a competência quanto à forma e aos meios".
    Com as directivas pretendia-se que os Estados-membros adoptassem medidas de modo a assegurar a harmonização dos princípios fundamentais da avaliação dos efeitos ambientais e o estabelecimento de regras mais restritivas em matéria de protecção do ambiente.
    Para a análise em questão convém relembrar o do ponto 16 do Acórdão: “Resulta desta jurisprudência que uma autorização tácita não pode ser compatível com as exigências das directivas visadas pela presente acção, uma vez que estas prevêem... mecanismos de autorizações prévias... (e) processos de avaliação que precedem a concessão de uma autorização. As autoridades nacionais são... obrigadas... a examinar, caso a caso, todos os pedidos de autorização apresentados.”. Portanto, o reino belga estava efectivamente numa situação de incumprimento do direito comunitário, na medida em que o mecanismo de autorização tácita se demonstra incompatível com as disposições das directivas.
    Este acórdão faz levantar a questão do acto tácito que encontra na nossa legislação, uma figura equivalente – o deferimento tácito, previsto no art. 19.º/1 do Decreto-Lei nº 69/2000.

    2. Regime da Avaliação do Impacto Ambiental (AIA) - DL 69/2000, de 3 de Maio
    Este diploma legal constitui a transposição, para a ordem jurídica portuguesa, do regime comunitário da AIA, criado pelas Directivas Comunitárias nos 85/360/CEE e 97/11/CE, de modo que a sua interpretação não poderá ser feita isoladamente destas duas Directivas. É de evidenciar o reforço dos princípios fundamentais do direito do ambiente de que a AIA é instrumento privilegiado: os princípios da prevenção, da precaução, da correcção na fonte, do poluidor-pagador, da participação e da colaboração internacional.

    A AIA é um procedimento administrativo especial, exclusivo do Direito do Ambiente, cujo regime jurídico consta do Decreto-lei (DL) nº 69/2000, de 3 de Maio. De acordo com o art. 2.º, e), a AIA é um “instrumento de carácter preventivo da política do ambiente, sustentado na realização de estudos e consultas, com efectiva participação pública e análise de possíveis alternativas, que tem por objecto a recolha de informação, identificação e previsão dos efeitos ambientais de determinados projectos, bem como a identificação e proposta de medidas que evitem, minimizem ou compensem esses efeitos, tendo em vista uma decisão sobre a viabilidade da execução de tais projectos e respectiva pós-avaliação”.

    Os projectos imperativamente sujeitos ao procedimento de AIA, constam do Anexo I do diploma - art. 1.º/3.
    A possibilidade de dispensar um específico projecto do procedimento de AIA consta do art. 3.º. É de referir que o afastamento da obrigação de sujeição a AIA através de um acto administrativo (o despacho dos Ministros do Ambiente e da tutela) que analisa a verificação no caso concreto dos pressupostos legalmente fixados para tal afastamento, constitui uma situação de dispensa de AIA, e não de isenção.
    O art. 3.º faz referência a “circunstâncias excepcionais e devidamente fundamentadas”, exigência essa que está atenta aos interesses e princípios jusambientais em ponderação nos procedimentos de AIA e de licenciamento ou de autorização de projectos. No entanto, este regime peca por não prever expressa e taxativamente quais as “circunstâncias excepcionais” que possibilitam a dispensa de AIA, abrindo um espaço de discricionaridade não completamente controlável ou redutível por aquela exigência de fundamentação e não inteiramente compatível com a prossecução daqueles interesses e a concretização daqueles princípios. Assim, fica-se sem saber que situações são efectivamente qualificáveis como excepcionais, nem se basta a mera verificação para que se encontre o fundamento exigido para a dispensa.

    Aquilo que ressalta de imediato da análise do Decreto-Lei nº 69/2000, é o modo cuidado como foi pormenorizadamente delineado e previsto o procedimento de AIA, a começar pelas entidades neles intervenientes e passando pelas suas diversas fases até chegar à decisão final (DIA) e mesma para além dela (a pós-avaliação).

    O procedimento de AIA abrange as seguintes fases fundamentais:
    - definição do âmbito do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) - fase facultativa;
    - apreciação técnica do EIA;
    - consulta institucional (solicitação de pareceres a entidades com competências na apreciação do projecto);
    - participação dos interessados;
    - elaboração do parecer técnico final;
    - emissão da proposta de DIA;
    - emissão da DIA.

    Sem proceder aqui à análise de todas as fases, importa aqui fazer algumas referências à última. De acordo com o disposto no art. 20.º/1, “O acto de licenciamento ou de autorização de projectos sujeitos a procedimento de AIA só pode ser praticado após notificação da respectiva DIA favorável ou condicionalmente favorável...”. Resulta então desta norma, a contrario sensu, que uma DIA desfavorável terá de determinar, forçosamente, o indeferimento do pedido de licenciamento ou de autorização.
    O conteúdo da decisão de avaliação de impacto ambiental pode ser de três tipos (artigo 17º/1): favorável ao particular, significa que do ponto de vista ambiental o licenciamento não prejudica o ambiente; pode ser condicionalmente favorável, o que implica que tem que tomar medidas de salvaguarda ambiental e por fim a decisão pode ser desfavorável, significando neste caso que os prejuízos ecológicos são elevados e o projecto não pode ser aprovado. Da leitura conjugada com o art. 20.º resulta que a decisão desfavorável passará a ser vinculativa, na medida em que impossibilitará uma decisão positiva por parte da entidade licenciadora ou competente.
    A DIA é vinculativa apenas num sentido, não impedindo a entidade competente de indeferir o pedido de licenciamento ou de autorização por quaisquer outras razões diferentes dos impactos ambientais que o projecto possa produzir.

    O art. 20.º/3 estabelece que “São nulos os actos praticados com desrespeito pelo disposto nos números anteriores, bem como os actos que autorizem ou licenciem qualquer projecto sujeito ao disposto no art. 28.º sem o prévio cumprimento do disposto nesse artigo”. Esta norma é tão positiva quanto necessária: positiva, na medida em que se assegura assim o respeito pela DIA e, como tal, a compatibilidade ambiental do projecto; necessária porque, depois de se estabelecer a vinculatividade do DIA (quando esta for negativa) não fazia sentido sancionar com a anulabilidade o acto contrário, o que determinaria um regime incoerente.

    3. O deferimento tácito da DIA (art. 19.º)
    Antes de mais, é necessário referir que a questão do deferimento ou indeferimento tácito só se coloca relativamente a actos administrativos, sendo problemática a sua aplicação a pareceres. Se se aceita sem dificuldade que se fale no deferimento ou indeferimento tácito das DIAs, mais problemática parece ser a utilização da figura em contextos diferentes, designadamente nos casos previstos noas arts. 11.º/8 e 28.º/7.
    O regime jurídico da AIA consagra várias hipóteses em que se prevê o deferimento tácito (pelo silêncio) das pretensões dos particulares: a mais importante é a contida no nº1 do art. 19.º, em face do qual a DIA é considerada favorável no caso de nada ter sido comunicado à entidade licenciadora ou competente para a autorização nos prazos previstos (140 dias para os projectos do Anexo I e 120 para os do Anexo II). Além desta situação, prevê-se igualmente o deferimento tácito em dois outros casos:
    quanto à proposta de definição do âmbito do EIA (art. 11.º/8) e
    quanto às AIAs que decorrem na fase de estudo prévio ou de anteprojecto, sempre que a Autoridade de AIA tenha ainda de apreciar a conformidade do projecto de execução com a DIA (art. 28.º/7).
    De qualquer forma, não podemos tratar igualmente os casos do art. 19.º com estas duas últimas situações. Tanto no caso do art. 11.º/8, como do art. 28.º/7, é aceitável que o legislador tenha optado pelo deferimento tácito: no primeiro, em virtude de se tratar de uma fase facultativa na qual não repugna que a Autoridade da AIA nem se pronuncie, demonstrando “tacitamente” a sua concordância; relativamente ao segundo, porque a DIA já foi emitida em sede do procedimento de AIA do estudo prévio ou do anteprojecto e, para efeitos do licenciamento ou da autorização do respectivo projecto de execução, apenas se estabelece a necessidade de verificar a sua conformidade com a DIA, sem obrigatoriedade de realizar de novo o procedimento de AIA e bastando que o projecto seja expressa ou tacitamente considerado conforme para que possa ser licenciado.
    Em relação ao art. 19.º/1, critica-se pelo paradoxo do regime jurídico prever o deferimento em caso de silêncio da entidade competente para a decisão de AIA num regime em que a decisão negativa é sempre vinculativa.
    Aqui, abre-se a possibilidade de subverter por completo a intencionalidade do regime legal, não sendo esta opção coerente com a previsão de uma DIA concebida como parecer conforme favorável para a entidade licenciadora ou competente para a autorização do projecto.
    Nos termos do arts. 108.º e 109.º do CPA, a regra geral do nosso direito é a do indeferimento tácito: apenas nas actividades dos particulares sujeitas àquilo que a doutrina qualifica normalmente como autorizações permissivas e nos casos especialmente previstos na lei se estabelece o deferimento tácito (art. 108.º), valendo para todos os outros o indeferimento (art. 109.º).
    No caso da AIA, e em face de todas as limitações hoje estabelecidas quanto ao licenciamento e autorização dos respectivos projectos, não se pode considerar que o proponente goze de qualquer direito antes de iniciado o procedimento para tal licenciamento ou autorização. A obrigação de sujeitar projectos que sejam susceptíveis de provocar impactos ambientais significativos a um procedimento prévio de AIA, representa uma restrição intensa de construção e de iniciativa económica dos particulares, pelo que o acto de licenciamento ou de autorização do projecto se insere mais claramente na categoria das autorizações constitutivas: não é apenas o exercício do seu direito que está condicionado mas o próprio direito de iniciativa económica, não gozando o proponente de qualquer direito antes da autorização nem tão pouco, por maioria de razão, antes da decisão da AIA.
    Assim sendo, o acto que se forme pelo decurso do prazo, sem pronúncia da administração, deveria ser qualificado como um acto negativo, ou seja, um acto tácito de indeferimento.
    O que é reforçado pelo princípio da prevenção (que impõe que as actuações com efeitos no ambiente, sejam sempre consideradas de forma antecipativa, pondo o acento tónico na redução ou eleminação das causas, prioritariamente à correcção dos efeitos) e o princípio da precaução (determinante de uma inversão do ónus da prova na matéria de ambiente, no sentido designadamente de qualquer actuação potencialmente lesiva do ambiente não dever ser autorizada) leva a não compreender a opção do legislador consagrar aqui o deferimento tácito.
    Deve-se ainda acrescentar que não deixa de ser estranho que esta solução seja afastada no caso de projectos com impactos transfronteiriços: à luz do exposto no art. 33.º, quando o projecto possa produzir um impacto ambiental significativo no território de outro(s) Estado(s) membro(s) da União Europeia, têm as autoridades desse(s) Estado(s) a possibilidade de participar no procedimento de AIA; no entanto, em tais situações o legislador excluiu expressamente, no nº 3 do art. 33.º, a aplicação da regra do nº1 do art. 19.º, não se formando acto tácito.
    Para além de tudo o que foi dito, há a acrescentar que contabilizando todos os prazos previstos no procedimento e considerando que alguns não estão previstos, são extremamente reduzidos os prazos de 140 ou 120 dias fixados para a comunicação da DIA à entidade licenciadora ou competente para a autorização, o que obrigará as entidades ambientais a uma actuação necessariamente mais célere do que ponderada, sob pena de verem desprovida de efeito útil a sua intervenção no procedimento de licenciamento ou de autorização dos projectos submetidos a AIA.

    No entanto, face a todas estas críticas, o legislador veio acrescentar no nº5 do art. 19.º, “Que no caso previsto no nº1, a decisão da entidade competente para o licenciamento ou autorização enuncia as razões de facto e de direito que justificam a decisão, tem em consideração o EIA apresentado pelo proponente e inclui, quando disponíveis, os restantes elementos referidos no nº 1 do art. 17.º, do presente diploma”.
    Com base neste preceito, o Professor Vasco Pereira da Silva vem exigir uma interpretação conforme à CRP e ao Direito Comunitário, de modo a assegurar que a entidade competente para a decisão final possa ponderar da compatibilidade ambiental, ainda que isso implique alargar o seu âmbito de competências pois, caso contrário, teríamos uma inconstitucionalidade da decisão por violação dos princípios ambientais, nomeadamente do princípio da prevenção, geradora, em última análise, da nulidade da decisão.

    Por tudo o que foi dito, cabe concluir que o direito ao ambiente está dentro do núcleo de direitos fundamentais que actualmente preside na generalidade dos Estados e começa a ser uma verdadeira preocupação a n´vel mundial, de modo a começarem-se a juntar esforços para combater todos os efeitos maléficos que o homem provocou ao ambiente. Todavia, deve-se ter a ideia de prevenir os efeitos antes de os produzir, e não depois! O que estaria em causa nesta situação, é a violação dos princípios constitucionais em matéria de ambiente, designadamente, do princípio da prevenção, por não ter sido feito um juízo de prognose das consequências ecológicas de uma medida, quando a lei e os princípios constitucionais a isso obrigam, e do princípio do desenvolvimento sustentável, por não ter sido considerada a dimensão ambiental da decisão administrativa permissiva.

    Catarina Branco, subturma 5  

  13. Anónimo disse...

    O acórdão do Tribunal de Justiça apresentado para objecto de comentário opõe a Comissão das Comunidades Europeias à Bélgica, estando em causa a incorrecta transposição e a não adopção das medidas necessárias (legislativas, regulamentares e administrativas) à integral transposição das Directivas 75/442/CEE, 76/464/CEE, 80/68/CEE, 84/360/CEE e 85/337/CEE (relativas a resíduos; à poluição causada por determinadas substâncias perigosas lançadas no meio aquático da Comunidade; à protecção das águas subterrâneas causada por certas substâncias perigosas; à luta contra a poluição atmosférica provocada por instalações industriais; e à avaliação dos efeitos de determinados projectos públicos e privados do ambiente, respectivamente).
    A grande discussão do acórdão, que culminou com a condenação da Bélgica pelo incumprimento do Direito da União Europeia, centra-se no regime previsto na legislação belga de concessão e de recusa tácitas das autorizações, na medida em que as Directivas 75/442, 76/464, 80/68, 84/360 e 85/337 impõem a obrigação de pedir uma autorização.
    Em sua defesa, a Bélgica alegou que o campo de aplicação da autorização tácita era limitado e que eram poucas as que tinham sido concedidas. Além disso, todas as autoridades teriam consciência das consequências da ausência de decisão, esforçando-se no sentido de todos os pedidos de autorização serem objecto de um profundo exame. Argumentavam também que uma autorização tácita não era sinónimo de negligência ou de uma avaliação passiva por parte das autoridades competentes, pois o pedido de autorização daria lugar a uma avaliação circunstanciada.
    Por sua vez, a Comissão invoca a jurisprudência do acórdão Comissão/Itália que declara que um sistema de autorizações tácitas é incompatível com as exigências da Directiva 80/86 (podendo ler-se no acórdão Comissão/Alemanha que essa Directiva exigia que fosse “sempre adoptado, após cada investigação e atendendo aos seus resultados, um acto expresso, de proibição ou autorização”). É também citado o acórdão Linster, relativo à Directiva 85/337, referindo que o objecto da mesma é obrigar à avaliação prévia de impacto ambiental de projectos que possam ter efeitos significativos. Daí considerar-se que o mecanismo da autorização tácita previsto na legislação belga é incompatível com as disposições das referidas Directivas, pois estas impõem autorizações prévias, e no que diz respeito à Directiva 85/337, processos de avaliação que precedem a concessão de uma autorização.
    Partindo desta análise, e tendo em conta o art. 19º da Lei nº69/2000, relativa à Avaliação de Impacte Ambiental (AIA) impõe-se alguma reflexão. No art. 19º encontra-se previsto o deferimento tácito, ou seja, não havendo uma Decisão de Impacte Ambiental (DIA) dentro dos prazos previstos, esta considera-se favorável, sendo conferido ao silêncio da entidade competente o mesmo valor que é conferido à DIA. A questão que se levanta é a da compatibilidade deste artigo com o Direito da União Europeia, tendo em conta o acórdão anteriormente analisado. A meu ver, é notório que haverá aqui também um incumprimento por parte do Direito Português, senão vejamos o já referido acórdão Comissão/Alemanha, onde se exige um acto expresso de autorização ou recusa. Se por um lado, o art. 19º/5 que visa de algum modo “remediar” o criticável deferimento tácito, não alcançando no entanto esse objectivo completamente, pois nesse momento o projecto já não será objecto de uma análise profunda feita pelos técnicos mais qualificados para o efeito; por outro temos o art. 19º/7, que remete para o art. 33º/3, que nos diz que relativamente aos projectos que possam produzir um impacte ambiental significativo nos Estados Membros da União Europeia não haverá deferimento tácito. Há assim um tratamento diferente dos projectos com impacte somente em território nacional e os que potencialmente terão impacte noutro ou noutros Estados Membros da União Europeia, pretendendo-se com isto “salvar a imagem” de Portugal no estrangeiro. Contudo é de salientar que isso não salva o nosso país da situação de incumprimento, visto que se continua a verificar o deferimento tácito do 19º/1 nas situações aí referidas. Seria então conveniente alterar (mais uma vez) a legislação nacional de forma a obrigar as autoridades competentes a examinar todos os pedidos de autorização, devendo cada um deles ser objecto de um exame cuidado, respeitando-se assim não só o Direito da União Europeia, mas também o princípio da prevenção plasmado no art. 66º/2 a) da CRP, na medida em que este obriga a equacionar verdadeiramente as consequências ecológicas de determinado projecto. Para terminar, penso que é importante referir que o deferimento tácito não culmina obrigatoriamente com a aprovação do pedido de licenciamento do projecto, e que apesar do 19º/5 não servir para ultrapassar todas as críticas feitas ao deferimento tácito, a verdade é que permite de alguma forma atenuar os seus efeitos negativos (não implicando contudo uma efectiva avaliação e ponderação das consequências ambientais). Apesar de tudo, é minha convicção que deveria haver uma alteração legislativa de forma a não desperdiçar todo o trabalho a que uma AIA obriga, com um culminar de uma ficção de acto, que, se analisada friamente, sabemos que viola um dever de legal de decisão.


    Cátia Monteiro, nº14393, sub2  

  14. subturma3 disse...

    No actual regime português de licenciamento industrial, a Avaliação do Impacto Ambiental constitui um sub-procedimento inserido num processo autorizativo global, que consta do Decreto-lei 69/2000 de 3 de Maio, concebido pela Directiva 85/337 CEE do Conselho, de 27 de Junho, que tinha como objectivo a avaliação dos efeitos de determinados projectos públicos e privados sobre o ambiente.
    O procedimento administrativo de Avaliação do Impacto Ambiental é um dos instrumentos de realização dos princípios da prevenção, do desenvolvimento sustentável e do aproveitamento racional dos recursos disponíveis, pois, ao introduzir um factor ambiental na tomada de decisões administrativas, que apenas tinham por objecto a ponderação de valores económicos e sociais, obriga à análise e à contraposição dos benefícios económicos de uma determinada actividade, com os prejuízos ecológicos que dela podem advir. A Avaliação do Impacto Ambiental tem, assim, como finalidade, a apreciação da sustentabilidade ambiental de uma actividade que pode ser relevante em termos de desenvolvimento económico.
    O facto da Avaliação do Impacto Ambiental estar inserido num processo autorizativo global significa que constitui um procedimento especial de cujo desfecho depende aquele processo. Assim, este só pode ser praticado após a notificação da respectiva Decisão do Impacto Ambiental.
    O problema que se coloca respeita ao conteúdo da Decisão de Impacto Ambiental e ao modo como essa mesma decisão pode ser praticada pela entidade competente. Na verdade, ela pode ser de conteúdo favorável, condicionalmente favorável ou desfavorável, ou pode resultar de um deferimento tácito, ou seja, do silêncio da autoridade competente para decidir.. No primeiro caso, significa que houve uma actuação por parte das entidades licenciadoras e uma ponderação dos interesses que se confrontam na avaliação do impacto ambiental. Já no segundo caso, é a inércia da entidade que estava obrigada a fazer essa ponderação que equivale a uma decisão de conteúdo favorável, como contempla o art. 19 do Decreto-lei 69/2000.
    Neste contexto, é, então, a problemática do deferimento tácito que se tem em vista nesta exposição e a sua compatibilidade com a Directiva 85/337/CEE.
    Verifica-se que o deferimento tácito do Direito Administrativo foi transposto para o Direito do Ambiente. Esta problemática está intimamente relacionada com a força jurídica da DIA, ou seja a sua vinculatividade para a emissão da decisão final do procedimento autorizativo global
    Tomando em consideração que a vinculatividade da Decisão do Impacto Ambiental de um determinado projecto para a emissão da decisão final relativa ao acto de licenciamento, varia de acordo com o seu conteúdo, torna-se necessário sublinhar que só a emissão de uma Decisão de Impacto Ambiental desfavorável é que vai obstar à emissão do acto final licenciador do projecto. A vinculatividade da DIA desfavorável decorre do facto de se considerar que, do ponto de vista ambiental, o projecto em questão não poderá ser aprovado pois os respectivos prejuízos ecológicos são incomparavelmente superiores a quaisquer outros benefícios que o desenvolvimento económico pudesse originar.
    Ora, o deferimento tácito constitui uma ficção de acto administrativo, isto é uma ficção de Decisão de Impacto Ambiental de conteúdo favorável. Como tal, o deferimento tácito possui efeitos substantivos, pois vai permitir à Administração praticar o acto licenciador. Daqui resulta claramente que o deferimento tácito comporta riscos, pois significa que a decisão final do processo autorizativo global pode ser tomada sem existir qualquer ponderação dos custos e benefícios de um determinado projecto para o ambiente, o que se afigura contrário, não só à CRP, quando afirma expressamente que se deve promover um desenvolvimento económico sustentável, como também à Directiva, que, obrigando os Estados a proceder a uma avaliação do Impacto Ambiental dos diversos projectos potencialmente danosos para o Ambiente, não permite que esta omissão se transformar numa decisão que produza efeitos jurídicos importantes em matéria de avaliação de impacto ambiental.
    É possível invocar vários argumentos contra a opção do legislador ordinário. O professor Vasco Pereira da Silva afirma que é um contrasenso criar um procedimento especial, de forma a autonomizar a apreciação do impacto ambiental, tendo em vista a tomada de decisões mais adequadas, para depois se permitir que a ausência dessas mesmas decisões equivalha a um deferimento de projectos que poderão causar efeitos nocivos para o meio ambiental. Com efeito, justifica-se a criação de um procedimento especial para a avaliação de impacto ambiental, na medida em que, a ponderação destes interesses opostos deve caber a entidades próprias, que enquanto possuidoras de conhecimentos específicos e técnicos, estão mais habilitadas para apreciar este tipo de matérias. Por conseguinte, não se devia permitir que estas decisões fiquem a cargo de entidades que não estão preparadas para essa avaliação. O professor invoca, ainda, a violação clara de princípios constitucionais, em matéria ambiental, designadamente o princípio da prevenção que obriga à ponderação efectiva dos valores e interesses ecológicos no acto permissivo final, sob pena de nulidade.
    No entanto, penso que para a análise desta problemática deve ter-se em conta outra questão, atinente aos meios que os particulares dispõem para poderem reagir contra actuações administrativas que afectam os seus interesses.
    A Avaliação do Impacto Ambiental, traduz-se numa ponderação dos custos para o ambiente que um determinado projecto, apesar de vantajoso para o desenvolvimento económico, pode causar. Verifica-se que existem dois valores constitucionalmente protegidos que se confrontam: o direito ao ambiente e o direito ao desenvolvimento económico. Ora, se é verdade que se pode invocar o deferimento tácito como uma opção legal prejudicial para o ambiente, também é verdade que é possível invocar esse mesmo deferimento tácito como forma de prosseguir outros objectivos também merecedores de tutela. Na verdade, também há que acautelar a posição dos particulares que se dirigem à Administração com vista ao licenciamento de actividades económicas, contra a inércia destas entidades. Tem-se em vista chamar a atenção para as duas perspectivas que têm de ser tomadas em consideração desta matéria, visto que ambos os valores em jogo são constitucionalmente protegidos.
    A solução legal não de todo, tão descabida, tendo, com certeza, como base, as mesmas considerações que levaram o deferimento tácito a ser admitido no âmbito do Direito Administrativo.
    Estas considerações podem ser reforçadas atentando aos meios de reacção de que os particulares se podem fazer valer para obstar à emissão do acto licenciador, ou para obstar a que, estando o acto já praticado, este produza efeitos.
    Efectivamente, o art. 42 da Lei de Bases do Ambiente contempla, como meio processual específico de defesa do ambiente, os embargos de terceiros, através do qual os particulares lesados por um determinado projecto podem impugna-lo perante os tribunais.
    Existe ainda, ao nível do direito do ambiente, a acção popular, prevista no art. 52 nº-3 da CRP e regulada na Lei 83/95, mediante a qual qualquer interessado, apercebendo-se ou tomando conhecimento da inexistência de uma decisão de impacto ambiental que culmine com a emissão de um acto final licenciador de um determinado projecto, tem legitimidade para reagir contra a administração, independentemente de provar ou invocar um interesse qualificado na demanda.
    O facto de nos deparamos com uma situação de défice processual do contencioso do ambiente, como refere o professor Vasco Pereira da Silva, devido à inexistência de meios processuais verdes no direito português, não impede que se proceda a um esverdeamento de meios processuais genéricos, a fim de lograr uma adequada tutela do direito e do bem jurídico ambiental. Assim, é possível transpor do direito administrativo para o direito do Ambiente o processo segundo o qual é possível obrigar a administração a agir. Nesta sede, as entidades administrativas competentes para emitir a DIA seriam obrigadas a praticar uma decisão que já compreenderia uma ponderação adequada dos custos e dos benefícios.
    Estas são apenas algumas formas de demonstrar que o direito ao ambiente não fica assim tão desprotegido com a consagração de um deferimento tácito na lei. O Direito ao Ambiente constitui um bem jurídico colectivo, o que permite que qualquer interessado possa reagir contra um acto licenciador tomado nas circunstâncias em análise, e constitui também um modelo de relação jurídica que foge à clássica relação bilateral. Efectivamente, por configurar uma relação jurídica multilateral, a intervenção e a impugnação deste tipo de processos não encontra tantas limitações como noutros ramos de direito.
    A solução apenas exprime a dificuldade de ponderar os interesses em jogo,e como tal, não é de todo chocante que uma decisão administrativa possa ser tomada em virtude de um deferimento tácito, visto que, para além de ser impugnável, está, tão só, a dar-se prevalência ao direito ao desenvolvimento económico
    Porém, não se deve esquecer que, apesar das considerações feitas anteriormente, o art. 19 do decreto-lei referente à avaliação do impacto ambiental é desconforme com a Directiva, e como tal, Portugal encontra-se em situação de incumprimento.


    Ana Patrícia Monteiro, nº-14767, sub. 3  

  15. Anónimo disse...

    Comentário ao Acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de Julho de 2001

    No acórdão em apreço o Tribunal de Justiça considerou que o Reino da Bélgica não tinha transposto correctamente as Directivas 75/442/CEE, 76/464/CEE, 80/68/CEE, 84/360/CEE e 85/337/CEE, na medida em que um sistema de autorizações tácitas é incompatível com as disposições destas directivas, uma vez que estas prevêem mecanismos de autorizações prévias e processos de avaliação que precedam a concessão de uma autorização. O Tribunal de Justiça declarou a propósito da Directiva 80/68/CEE a exigência de um acto expresso de proibição ou autorização. Também a Directiva 85/337/CEE, no seu artigo 2º refere que “antes da concessão da aprovação, os projectos que possam ter um impacto significativo no ambiente sejam submetidos à avaliação dos seus efeitos”. Como tal as autoridades nacionais estão obrigadas nos termos destas directivas a examinar todos os pedidos de autorização apresentados.
    Comparativamente com o direito belga, o regime jurídico português relativo à avaliação de impacto ambiental, regulado pelo Decreto-Lei nº 69/2000, de 3 de Maio, comporta igualmente uma autorização tácita, segundo o artigo 19º/1. Se a Administração deixar decorrer certo prazo sem nada dizer, ficciona-se que esta emite um acto em sentido positivo. Atendendo a que a Directiva 85/337/CEE impõe que os projectos sejam submetidos a avaliação, negando assim autorizações tácitas, deve-se entender que Portugal se encontra numa situação de incumprimento da directiva, mormente, do direito comunitário. O acto de licenciamento de um projecto mediante deferimento tácito observa determinadas exigências que constam do art. 19º/5 do Decreto-Lei nº 69/2000, ou seja, só pode haver um acto de licenciamento se for considerado o EIA apresentado pelo proponente, se forem enunciadas as razões de facto e de direito que justifique a decisão de licenciamento, e ainda, quando disponíveis, os elementos que constam do artigo 17º/1 do Decreto-Lei nº 69/2000. Desta forma não existe um alheamento da administração relativamente ao impacto ambiental de um determinado projecto. Mesmo mediante deferimento tácito, tem que existir uma ponderação de valores e interesses ecológicos no acto de licenciamento, se não, este será considerado nulo (artigo 20º/3 do Decreto-Lei nº 69/2000). Concluindo que o entendimento do direito comunitário, através das directivas mencionadas, é o de que tem que haver uma avaliação dos projectos, no sentido de existir uma declaração de impacto ambiental expressa, considera-se assim que o artigo 19º/1 do Decreto-Lei nº 69/2000 viola o direito comunitário, designadamente, a Directiva 85/337/CEE.  

  16. Anónimo disse...

    O acórdão em análise respeita ao processo instaurado pela Comissão Europeia contra o Reino da Bélgica devido a uma incorrecta transposição de Directivas em matéria ambiental. Estão em causa cinco directivas, todas elas relacionadas com o ambiente (além da avaliação de impacto ambiental, referem-se aos resíduos, à poluição causada por substâncias perigosas lançadas no meio aquático, à protecção de águas subterrâneas contra a poluição causada por substâncias perigosas e à poluição atmosférica provocada por instalações industriais).O Reino da Bélgica é condenado porque não adoptou as medidas legislativas, regulamentares e administrativas necessárias à correcta e integral transposição das directivas.
    No caso concreto da Directiva nº 85/337 CEE (entretanto modificada pela directiva nº 97/11/CE) relativa à avaliação de impacto ambiental, esta impôs, no espaço comunitário, que fossem feitas avaliações dos impactos ambientais de todos os projectos que se apresentassem susceptíveis de os causar. Do texto da Directiva, nomeadamente no art.6º, nº2, de acordo com o qual “ Os Estados Membros deverão assegurar que todos os pedidos de aprovação (…) sejam postos à disposição do público (…) para que o público em causa tenha a possibilidade de dar o seu parecer antes de ser emitida a autorização” e no art.9º, nº1, nos termos do qual “Quando a aprovação tiver sido concedida ou recusada, a autoridade ou autoridades competentes deverão informar do facto o público (…) e facultarão ao público (…) o teor da decisão e as condições que eventualmente a acompanhem, os principais motivos e considerações em que se baseia a decisão (…)” resulta que a directiva não permite, nem sequer implicitamente, a tomada de decisões tácitas, ou seja, sem a prática de acto expresso de conteúdo positivo ou negativo.
    O regime belga previa a concessão tácita de autorizações. No caso da autoridade competente não se pronunciar em primeira instância sobre um pedido de autorização, considerar-se-ia que esta era recusada (regime de indeferimento tácito) mas, caso houvesse interposição de recurso administrativo, perante a ausência de resposta no prazo estipulado, a autorização considerar-se-ia concedida. Este regime foi quanto bastou para a Comissão instaurar uma acção de incumprimento (ao abrigo do art.226º do TCE) contra o Reino da Bélgica, com fundamento na contradição das autorizações tácitas com Directivasque, de acordo com o Advogado-Geral Jean Mischo, estabelecem “ condições detalhadas quanto aos dados que devem constar de tais autorizações e (..) as garantias de que se deve rodear a autoridade competente, que tem o dever de fixar, por meio de estudos, um determinado número de elementos, antes de deferir a autorização pedida”. Estando previstas tais condições, a Comissão, o Advogado-Geral e os magistrados entenderam, unanimemente, que as Directivas em causa exigem um acto expresso de autorização ou de proibição, de forma a concretizar a obrigação de examinar todos os pedidos de autorização solicitados.
    O diploma português que transpôs a Directiva nº 85/337 CEE, o Decreto-Lei nº69/2000, sofre dos mesmos problemas, pois no seu art.19º consagra o deferimento tácito da declaração de impacto ambiental. Se por um lado, o Decreto-lei em causa vai além do que é exigido na Directiva, ao consagrar no art.20º, nº1 a vinculatividade da DIA negativa, proibindo projectos “chumbados” de serem licenciados ou autorizados, por outro lado, e de acordo com o Dr. José Figueiredo Dias, “(…)subverte o regime por si próprio criado, pondo em risco a própria realização dos objectivos perseguidos pela Directiva”. Deste modo, permite-se que sejam autorizados ou licenciados projectos que podem ter efeitos extremamente graves para o ambiente, sem que haja qualquer decisão expressa.
    O Prof. Vasco Pereira da Silva adverte para o facto do deferimento tácito não significar a aprovação do pedido de licenciamento do projecto, pelo que deve ser avaliada e ponderada a dimensão ambiental da actividade em causa, tanto pela licença ambiental, sendo caso disso, como pela entidade competente para licenciamento ou autorização do projecto que, ao abrigo do art.19º, nº5 do D.L. nº 69/2000, tem de ter em consideração o EIA apresentado pelo proponente. O Prof. considera que o deferimento tácito não condiciona o conteúdo da decisão da autoridade licenciadora e exige que os valores e interesses ecológicos sejam ponderadossob pena de nulidade, nos termos do art.20º, nº3 do D.L. nº 69/2000, pois estar-se-ia perante a violação de princípios constitucionais em matéria ambiental, principalmente do princípio da prevenção, na medida em que não há qualquer juízo de prognose das consequências ecológicas e do princípio do desenvolvimento sustentável, uma vez que não foi considerada a dimensão ambiental da decisão.
    O Dr. José Figueiredo Dias acrescenta ainda ao D.L. nº 69/2000 o “pecado” da incoerência tendo em conta o regime previsto no art.33º, em que o deferimento tácito não se aplica no caso de projectos com impactos transfronteiriços, a procedimentos onde estão envolvidos outros Estados.
    Acrescente-se ainda que, tendo em conta os art.108º e 109º do CPA, dos quais se retira que a regra geral no regime português é a do indeferimento tácito, na ausência da disposição do art.19º, a conclusão face ao silêncio dos órgãos administrativos seria o indeferimento tácito da DIA.
    Posto isto, não há dúvidas que o regime do deferimento tácito do D.L. nº69/2000 vai contra a Directiva nº 85/337/CEE o que impõe uma revisão do diploma, sob pena de uma condenação pelo Tribunal de Justiça.

    Julieta Ribeiro
    N.º 14922
    Subturma 1+5  

  17. Subturma 1 + 5 disse...

    Comentário ao Ac. Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias – Comissão c. Bélgica

    O presente acórdão foi proferido no seguimento da não transposição de várias Directivas Comunitárias, sobre várias matérias ambientais, pelo Reino da Bélgica. Em termos comunitários prevê-se esta possibilidade sancionatória a ser desencadeada pela Comissão das Comunidades Europeias sempre que um Estado-Membro em questão não cumpra correctamente as suas obrigações de harmonização legislativa com o direito comunitário (artº 226º TCE). Não nos podemos esquecer do princípio do efeito directo e, do princípio do primado do direito comunitário sobre o direito interno de cada Estado Membro. A lógica reside, obviamente, no respeito por uma União de Estados, à qual se aderiu, da qual se retiram benefícios mas, à qual se devem obrigações.

    Pese, muito embora, também o princípio da subsidiariedade da intervenção comunitária em certas matérias, este campo do Ambiente é um campo em que mais legislação se produz e mais se tenta harmonizar tanto pela crescente preocupação pelo ambiente, como para criar um sistema egualitário para todos os Estados Membros.

    Mas pergunta-se, porque razão não pode ser consagrado, sem mais, um regime de deferimento tácito de actos de licenciamento ou obtenção de licenças em matérias ambientais?! No caso em apreço porque as Directivas em causa previam um regime de concessão de licenças em que se exigia que houvesse sempre a intervenção prévia de uma autoridade pública com o fim de avaliar os possíveis efeitos ambientais do acto em causa.

    O Reino da Bélgica veio defender-se dizendo que o licenciamento por meio de deferimento tácito seria só em segunda instância, isto é, apenas em caso de ausência de resposta a um recurso administrativo relativo a um indeferimento expresso da autorização. Não se respeitava, assim, as condições de especificidade sobre as autorizações, impostas pelas Directivas. Mais grave ainda é o mecanismo português que concede a autorização em primeira instância.

    No direito interno português temos desde logo o artigo 268° n.º 4, 5 da Constituição da Republica Portuguesa (CRP) que nos diz que é garantido aos administrados tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, incluindo, nomeadamente, o reconhecimento desses direitos ou interesses, a impugnação de quaisquer actos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma, a determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos e a adopção de medidas cautelares adequadas.

    Os cidadãos têm igualmente direito de impugnar as normas administrativas com eficácia externa que sejam lesivas dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos.
    Partindo do disposto na lei fundamental, o legislador português teve de criar
    um sistema jurisdicional eficaz para que o particular possa ver garantido os seus direitos ou interesses legalmente protegidos.
    É direito de qualquer um ter acesso a uma boa qualidade de vida, inclusivé através do ambiente. Daí que se considere que deve haver sempre uma intervenção pública no sentido de ligitimação da decisão, por um mínimo de consenso social – ideia de representatividade do povo através da administração, prosecução dos interesses da sociedade.

    Na verdade, a questão do deferimento ou indeferimento tácito só se coloca relativamente a actos administrativos, revelando especial problemática quando aplicada a pareceres.

    O CPA ao consagrar expressamente o princípio da decisão (cfr.artigo 9° CPA) abriu caminho para a noção de omissão juridicamente relevante, gerador de efeitos jurídicos (cfr. artigo 108 CPA e artº109 CPA – a regra continua a ser a do indeferimento tácito em caso de silêncio). Constituem requisitos gerais da omissão juridicamente relevante:
    - a iniciativa do particular;
    - a competência do órgão administrativo interpelado para decidir o assunto;
    - o dever legal de decidir por parte de tal órgão (cfr. artigo 9° n.º 2 CPA);
    - o decurso do prazo estabelecido na lei.

    Para além do CPA prevê-se a possibilidade de deferimento tácito noutros diplomas de direito público, entre os quais o RJUE (Regime Jurídico da Urbanização e Edificação – artº 61) ou, ainda , e o diploma em questão: Avaliação de Impacte Ambiental – artº 19.

    O procedimento administrativo de AIA é um procedimento especial que é actualmente regulado pelo Decreto – Lei 197/2005 que teve como base o Decreto – Lei 69/2000 com as suas sucessivas alterações. Como já foi dito, tem-se em vista o licenciamento da actividade em questão após a ponderação dos custos ambientais. Traduz-se na realização do princípio da prevenção (amigo do direito do ambiente): permite evitar/acautelar possíveis lesões futuras do meio ambiente. O regime da AIA é ainda um instrumento de realização do princípio do desenvolvimento sustentável e, do princípio do aproveitamento racional dos recursos disponíveis. Estão essencialmente em causa critérios de eficiência ambiental. O deferimento tácito pode ser uma de 4 soluções possíveis findo o procedimento de AIA para concessão de licenciamento: decisão favorável, decisão condicionalmente favorável, decisão desfavorável e deferimento tácito. É curioso como o sistema está construido: por um lado temos uma marcha de procedimento extremamente burocrática que passa por três níveis de decisão que parece extremamente rigorosa e, por outro, temos a possibilidade de um deferimento tácito – omissão de decisão pela administração, favorável ao requerente.

    Qual é, então, a verdadeira natureza jurídica da decisão de AIA? Vários autores admitem que é um parecer na perspectiva da entidade licenciadora, mas aproxima-se de um acto administrativo quando é vista na sua perspectiva orgânica, competencial e material.

    Na opinião de alguns autores, como o Dr. José Eduardo Figueiredo Dias, este procedimento representa uma restrição aos direitos de construção e de iniciativa económica dos particulares pelo que o acto de autorização do projecto ou licenciamento, se insere mais claramente na categoria das autorizações constitutivas de direitos ou autorizações licença (“reatribuição” pela administração de um direito que foi retirado ao particular). É o direito de iniciativa económica que está em causa, defende-se assim que o que devia acontecer, pelo simples decurso do prazo sem actuação da administração, devia ser um caso de indeferimento tácito. Seria um “jogar pelo seguro” observando o princípio da prevenção e da precaução no sentido em que “mais vale prevenir do que remediar”, pois no futuro pode não haver “remédio”!

    Estes condicionalismos levam-me a concordar com o Prof. Vasco Pereira da Silva quando diz que está foi uma má solução, isto é, criar uma ficção legal de acto administrativo favorável que produz alguns efeitos substantivos, uma vez que isto permite a administração emitir o acto licenciador. Contudo, deve ter-se em conta que isto não significa a aprovação do pedido de licenciamento, ainda nada foi avaliado! Actualmente, o artº 19,5 do DL em causa veio efectivamente salvar este regime que, estranhamente, não veio a ser submetido também à avaliação por parte da Comissão Europeia o que poderia igualmente suscitar um processo por incumprimento nos mesmos termos que foi a Bélgica.

    Diz-se no artº 19,1 que no fim do procedimento, se nada for comunicado à entidade licenciadora condisera-se que a decisão é favorável. A entidade licenciadora pode ser uma Câmara Municipal, e é esta que vai ter que observar o artº 19,5 , isto é, enunciar as razões de facto e de direito que justificam a decisão de licenciamento, o que significa que, face à inércia da Autoridade de AIA (organismo competente para a AIA a quem compete a decisão final) será uma entidade, que no fundo só serve se “pombo correio” no procedimento normal, que vai decidir “arbitrariamente” sobre o licenciamento. Penso que em casos pontuais isto pode levar até a favorecimentos indesejados, corrupção...etc. Contudo, todo este mecanismo acaba por ser salvaguardado pelo artº 20,3 do DL em causa, quando se prevê que são nulos os actos praticados com desrespeito pelo disposto nos números anteriores que se referem exactamente ao deferimento tácito. Havendo esta possibilidade de impugnação, por qualquer entidade interessada face ao direito de participação pública, até consagrado numa das fases iniciais do procedimento especial de que se fala, em termos legais pode-se dizer que o meio ambiente ainda pode ser salvo pelo bote salva vidas.

    Bibliografia:
    Verde Cor de Direito – Pereira da Silva, Vasco
    Regime Jurídico da AIA em Portugal - Figueiredo Dias, José Eduardo; Sousa Aragão, Maria Alexandra de; Toledo Rolla, Maria Ana Barradas
    O deferimento tácito: o regime jurídico do acto tácito positivo no direito do Urbanismo – Rathenau, Alexander

    Telma Martins
    Sub.5  

  18. Anónimo disse...

    Deferimento Tácito no regime de Avaliação de Impacto Ambiental –
    Motivo de Incumprimento do Direito Comunitário?

    No Acórdão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias (TJ) de 14 de Junho de 2001, referente ao Processo C-230/2000, foi declarado o incumprimento do Direito Comunitário por parte da Bélgica por violação, entre outras, da Directiva nº 85/337/CEE do Conselho, de 27 de Junho, relativa à avaliação dos efeitos de determinados projectos públicos e privados no ambiente, que introduz no ordenamento jurídico dos Estados-Membros o regime jurídico da Avaliação de Impacto Ambiental, nomeadamente dos seus artigos 2º e 8º.
    Estava em causa a existência, nas Regiões da Flandres e da Valónia, de regimes que embora impusessem a obrigação de pedir uma autorização continham disposições de concessão e de recusa tácitas das autorizações. Se a autoridade competente não se pronunciasse sobre o pedido de autorização em primeira instância haveria recusa tácita, por outro lado, se a autoridade competente ficasse em silêncio em segunda instância, passado determinado prazo a autorização considerar-se-ia concedida. O TJ acolheu os fundamentos da Comissão e considerou que com esse regime as directivas em causa não estavam a ser integralmente cumpridas. Com efeito, no art. 2º da Directiva nº 85/337/CEE determina-se que «antes da concessão da aprovação, os projectos que possam ter um impacto significativo no ambiente, nomeadamente pela sua natureza, dimensões ou localização, sejam submetidos à avaliação dos seus efeitos», entendendo o Tribunal que a Directiva exige, tendo em conta os seus objectivos, que seja adoptado um acto expresso, de proibição ou autorização, sendo por conseguinte incompatível com as exigências da directiva uma autorização tácita, estando as autoridades nacionais vinculadas a examinar casuisticamente todos os pedidos de autorização apresentados.
    Não nos cabe aqui dissertar a propósito da bondade desta decisão, até porque não conhecemos os regimes jurídicos belgas em causa. Importa sim questionar se a consagração do deferimento tácito no regime jurídico português de Avaliação de Impacto Ambiental (AIA) pode levar à declaração de incumprimento do Direito Comunitário em termos similares ao caso Belga examinado.
    É no art. 19º do Regime Jurídico de AIA (Decreto-Lei nº 197/2005 de 8 de Novembro) que se prevê o deferimento tácito, determinando o nº 1 que «[se]considera que a declaração de impacto ambiental (DIA) é favorável se nada foi comunicado à entidade licenciadora no prazo de 140 dias, no caso de projectos constantes do anexo I, ou de 120 dias, no caso de outros projectos, contados a partir da data da recepção da documentação prevista no art. 13º/1 pela autoridade de AIA.» Daqui se retira que a autorização tácita está dependente do decurso de um prazo global para o procedimento de AIA, devendo todos as fases do procedimento decorrer dentro desse prazo, findo o qual, perante o silêncio da entidades competentes para a AIA, a DIA se considera favorável. No caso de projectos sujeitos a licenciamento industrial o prazo é de 120 dias podendo, nos casos dos nºs 3 e 4, ser reduzido até 80 dias. Curioso é notar que somados todos os prazos concernentes às várias fases do procedimento, previstos na Secção II, eles ultrapassam o prazo mais alargado dos 140 dias! Há aqui uma incoerência! Repare-se que o prazo global começa a contar no momento da entrega de documentação previsto no art. 13º nº 1, não se prevendo prazo para a nomeação da comissão de avaliação. No nº 4 são dados 30 dias para a comissão de avaliação se pronunciar sobre a conformidade do EIA e no nº 10 são dados 40 dias para as entidades públicas emitirem parecer sobre aquela conformidade. Desde a declaração de conformidade a autoridade de AIA tem 15 dias para promover a publicitação do procedimento e pode fixar o período de consultas até 50 dias (art. 14º). Após a consulta pública a autoridade de AIA tem 15 dias para emitir o relatório sobre a mesma (art. 14º,nº 5). A comissão de avaliação tem depois 25 dias para emitir o parecer final, nos termos do art.16, nº 1 sendo que só depois a DIA é proferida pelo ministro do Ambiente no prazo de 15 dias, de acordo com o art. 18º nº1. A soma destes prazos dá um quociente de 150 dias! Do levantamento superficial dos prazos mencionados se nota a falta de rigor e proporcionalidade do legislador. Pode acontecer estar o procedimento a decorrer dentro dos trâmites legais e mesmo assim existir deferimento tácito! Mas a questão da incoerência dos vários prazos não é a mais importante, embora sem dúvida muito criticável. O óbice coloca-se ao nível do direito substantivo. Que dizer da possibilidade de deferimento tácito num procedimento administrativo que é corolário do princípio da prevenção?
    O princípio da prevenção, de suma importância ambiental, não é apenas declarado ao nível do direito comunitário, sendo a o fundamento das Directivas nº 85/337/CEE e nº 97/11/CE, como tem também consagração na Constituição Portuguesa – art. 66º nº 2 alínea a)- e na Lei de Bases do Ambiente – art. 3º alínea a). Segundo este princípio aproveita mais ao meio ambiente uma antecipação dos efeitos danosos a fim de os evitar que um combate posterior ao mesmos, estando-lhe subjacente uma lógica de antecipação e de eficácia das medidas de salvaguarda do ambiente. Foi por esta política ambiental que a Comunidade Europeia enveredou e com ela, consequentemente, todos os Estados-Membros. O procedimento de AIA é sem dúvida o mais claro exemplo do princípio da prevenção posto em prática.
    O procedimento de AIA não é simples, antes pelo contrário. Com ele pretende-se a avaliação concreta e pormenorizada do projecto em causa e dos seus efeitos, tendo em conta o maior número possível de dados e opiniões. Nele participam várias entidades administrativas (art.5º), é solicitada a participação pública (art.14º), são emitidos pareceres e elaborados relatórios, tudo a partir de um Estudo de Impacto Ambiental apresentado pelo próprio proponente. A importância da AIA pode também retirar-se do facto de a DIA ser proferida pelo próprio Ministro do Ambiente! Ora, o deferimento tácito entra neste procedimento como um “balde de água fria”, como que deitando por terra todos os actos até então levados a cabo, não só pela administração como pelo próprio particular. Claro que, sendo a pretensão do particular a obtenção de DIA favorável, o deferimento tácito pouco transtorno lhe causará, mas para a Administração é como se toda a competência lhe fosse retirada de um momento só. Após esta autorização tácita cai nas mãos da entidade competente para o licenciamento ou autorização principal todo o poder nesta matéria, que, contudo, acaba por ser um poder mitigado e pouco legitimado, tendo em conta a falta de meios e conhecimentos da mesma neste campo. Afinal, em princípio nunca caberia à entidade licenciadora ocupar-se da parte ambiental nem se pode entender que ela estivesse à espera que lhe coubesse, atendendo ao regime tão detalhado de AIA.
    É difícil dar razão jurídica ao deferimento tácito vistos os princípios e objectivos que conformam a AIA, bem como o detalhe do seu procedimento. Por outro lado, cabe perguntar em que situação ficaria o particular se a administração descurasse da diligência que lhe é devida. Os projectos que pedem DIA favorável são, na maior parte das vezes, projectos de cariz económico, em que o factor tempo é deveras relevante. Se o particular tudo fez para que o procedimento chegasse a bom termo algum benefício deve ter. Questão fulcral é a de saber se o deferimento tácito é um “benefício” proporcional tendo em conta os interesses públicos em causa. Provavelmente não. Talvez bastasse a possibilidade imediata de impugnação judicial de um indeferimento tácito. Mas então a balança penderia mais para o lado da administração atendendo à eficiência dos tribunais portugueses. Pensando de outra perspectiva, talvez já com o actual regime tudo esteja nas mãos da administração: se quiser emitir acto expresso de DIA terá que se apressar, se for mais vagarosa sabe que a DIA será favorável. Para além disso um deferimento tácito pode ser revogado ou inválido, não é um acto definitivo nem está garantida a sua legalidade. Resta saber se o cumprimento dos deveres públicos é motivação suficiente para a administração levar a cabo o procedimento com a maior diligência e eficiência.
    Uma outra questão, que já extrapola o objectivo deste trabalho, é a de saber se o deferimento tácito, já que admitido e em vigor, não devia aproveitar somente ao particulares e já não às entidades públicas promotoras do projecto. Afinal, sobre essas entidades impendem também deveres públicos de cariz ambiental, estando directamente vinculadas à Constituição e consequentemente ao princípio da prevenção.
    Também pertinente a propósito deste tema é o nº 5 do art.19º: Será esta regra a “salvadora” da validade jurídica do regime do deferimento tácito? A este problema mais concreto teremos oportunidade de dedicar outro breve trabalho.

    Concluindo, se entendermos que o deferimento tácito viola o princípio da prevenção e mais concretamente os objectivos das directivas comunitárias nesta matéria, então ele será motivo de incumprimento do Direito Comunitário e quiçá violador da nossa Constituição. Ao nível comunitário importará talvez averiguar a efectividade deste regime, saber quantas vezes foi posto em prática. Se a nossa administração tiver uma atitude exemplar então o deferimento tácito será apenas um incumprimento potencial, servirá apenas como norma sancionatória para a administração, que a quererá a todo o custo evitar. Mas será que este entendimento relacionado com a efectividade do direito se coaduna com o conceito de “cumprimento pelos Estados-Membros” do Direito Comunitário? Se não, porque é que até hoje (e já passaram 7 anos!) a Comissão não iniciou um processo por incumprimento contra o Estado Português a propósito desta matéria como fez com o Estado Belga?
    Catarina Pinto Xavier – Subturma 1  

  19. Anónimo disse...

    Após leitura do acórdão, e de verificar qual a solução dada pelo Direito português ao incumprimento dos prazos para conclusão do procedimento de AIA à luz do artigo 19 nº1 do decreto-lei nº 69/2000, a conclusão a que se chega é curiosa. O artigo 19 nº 1 refere que tal incumprimento leva a considerar a DIA favorável, é assim um deferimento tácito, precisamente o que o acórdão do Tribunal de Justiça das comunidades vem dizer que é incompatível com o Direito comunitário no acórdão em causa.
    Haverá algum mecanismo no Direito português que permita afirmar que tal solução não e contrária ao Direito comunitário, e não faz dessa forma Portugal incorrer também em incumprimento? O artigo 19 nº 5 do mesmo decreto-lei parece ter uma atenuante do deferimento tácito pois vem permitir que a entidade competente para o licenciamento ou autorização, quando exista um deferimento tácito possa ela própria levar em conta na sua decisão todos os elementos do procedimento de DIA, que estão no artigo 17 nº 1, e que existam a essa data, e ainda o EIA apresentado pelo proponente. Assim está a dar-se poderes a tal entidade de vetar o licenciamento ou autorização quando achar que tal possa levar a impactos nocivos para o ambiente, sendo que para tal terá de ser ela a avaliar e decidir, o que deveria ter sido feito pelas entidades competentes para o procedimento de AIA. Apesar de em teoria existir de facto uma avaliação e ponderação dos elementos de avaliação de impacto ambiental, na prática esta solução é na minha opinião alvo de crítica não sendo de todo a solução ideal. Senão vejamos estamos a atribuir competências e poderes a entidades que não têm preparação técnica nem conhecimentos para interpretar e avaliar os elementos que lhes são mandados ter em conta, já para não falar que estas entidades têm recursos limitados e prazos para cumprir, não sendo de todo previsível que gastem o seu tempo e recursos procedendo a avaliações que não são da sua competência em primeira mão e para as quais não foram talhadas. Outra questão muito relevante é o facto de estas entidades licenciadoras terem por vezes interesses nos projectos que têm para licenciar, assim não sendo elas em primeira-mão competentes e não possuído formação, em caso de dúvida não vão decidir em desfavor do interessado. Se esta fosse a solução ideal o sistema na teria sido criado para que a avaliação de impacte ambiental fosse feita por entidade independente da que iria licenciar o projecto. Por exemplo uma autarquia que tenha em mãos o licenciamento de uma unidade industrial que trará emprego e desenvolvimento para o município, se tiver de avaliar o impacte ambiental em relação a esta, seria ingénuo pensar que o faria de forma profunda e totalmente imparcial, chegando ao extremo de não licenciar com base em parecer ambiental negativo feito por si de acordo com o 19 nº 5 do decreto-lei 26/2000.
    Assim este mecanismo do artigo 19 nº 5 é, em minha modesta opinião, uma solução infeliz e muito discutível, não me parecendo que seja capaz de compensar a solução adoptada no artigo 19 nº 1. Entendo pois que Portugal está realmente a incumprir o Direito comunitário, sendo uma questão de tempo até que seja também ele alvo de um processo por incumprimento pela comunidade europeia, tal como a Bélgica, apesar de as situações não serem absolutamente idênticas.
    Apesar de achar a solução do artigo 19 nº 1 do decreto de lei 16/2000, inadmissível á luz do principio da prevenção que norteia todo o Direito do ambiente, podendo até, em última instância ser considerado inconstitucional à luz do artigo 66 nº2 alínea a) da Constituição, um dia que ela deixe de existir é preciso pensar em formas alternativas de tutela dos particulares interessados, a começar pelo particular que tem o seu projecto na pendência de um licenciamento e que não pode nem deve arcar sozinho com os prejuízos que tal lhe possa causar, e que podem ser muitos, isto devido a incompetência das entidades em causa.  

  20. catarina vasco disse...

    Este Acórdão aprecia uma acção de incumprimento proposta pela Comissão contra o Reino da Bélgica, nos termos do art. 226º do Tratado das Comunidades Europeias.

    Neste acórdão discute-se a não transposição e a transposição defeituosa de certas Directivas Comunitárias, tais como, a Directiva 75/442 CEE, 76/464 CEE, 80/68 CEE, 84/360 CEE, 85/337 CEE.

    O problema fundamental deste Acórdão funda-se na Directiva 85/337 CEE que impõe aos Estados-membros que tomem as medidas legislativas necessárias para que os projectos públicos ou privados que possam ter um impacto significativo no ambiente sejam submetidos a uma avaliação dos seus efeitos e consequências antes de concederem a respectiva aprovação.

    A Comissão entendendo que o Reino da Bélgica não transpôs correctamente as Directivas interpelou em primeiro lugar este Estado-membro, de acordo com o disposto no artº226, no sentido de este apresentar as suas observações relativas a estas questões.

    O Reino da Bélgica refutou as alegações da Comissão, afirmando terem um sistema de autorização tácita e que todas as autoridades competentes e todos os organismos consultivos envolvidos estavam bem informados das consequências de uma ausência de decisão, pelo que continuavam a zelar para que cada pedido de autorização fosse objecto de um exame aprofundado.

    Por considerar que o Reino da Bélgica não tinha tomado todas as medidas necessárias para dar cumprimento ao parecer fundamentado, a Comissão decidiu instaurar uma acção de incumprimento, alegando que um sistema de autorização tácita é incompatível com a Directiva 80/60, em que o Tribunal de Justiça declarou a propósito desta Directiva a exigência de que seja sempre adoptado, após cada investigação e atendendo aos seus resultados, um acto expresso, de proibição ou autorização.

    O Reino da Bélgica no âmbito deste processo não contestou, alegando apenas que o Governo da Flandres está a elaborar um projecto de decreto na matéria e que o Governo da Valónia adoptou, a este respeito, dois anteprojectos de decisões, bem como diversas medidas de aplicação do Decreto de 11 de Março de 1999 relativo à autorização ambiental.

    Deste modo, o Tribunal de Justiça vem declarar um efectivo incumprimento por parte do Reino da Bélgica e condenou-o as despesas.

    Catarina Vasco, nº 14581 subturma 5  

  21. Anónimo disse...

    Este acordão do Tribunal de Justiça assenta numa acção de incumprimento interposta pela Comissão Europeia contra a Bélgica ao abrigo do artigo 126º do Tratado da Comunidade Europeia. Do acórdão “ressalta” desde logo, a importância do Direito Comunitário no seio de Direito do Ambiente. As directivas comunitárias impões condutas aos Estados-Membros que, a não serem cumpridas, resultam na instauração de processos de incumprimento contra os mesmos.
    No caso em análise, o Tribunal de Justiça debruça-se sobre a não transposição das directivas 75/442/CEE, 76/464/CEE, 80/68/CEE, 84/360/CEE e 85/337/CEE por parte da Bélgica. Estas directivas obrigam os Estados-Membros a adoptarem medidas úteis a fim de assegurarem que a actividade ou a instalação que as mesmas regulam sejam sujeitas a autorização prévia.
    Destaque no seio destas directivas merece a directiva 85/337/CEE que sujeita os projectos a avaliação de impacto ambiental antes da concessão da respectiva autorização. O problema relativamente à Bélgica prende-se precisamente com esta autorização. É que a Bélgica concedia uma autorização tácita que, apesar de só existir em segunda instância, seria contrária ao Direito comunitário. Como analisa o Tribunal neste acórdão, e como aliás já tinha analisado no acórdão Linster, a Directiva em causa impõe uma avaliação de projectos e seus efeitos no ambiente antes da concessão da autorização necessária para os mesmos e isso, dificilmente se compatibiliza com uma autorização tácita. É que este tipo de autorizações a administração não se pronuncia. Assim, ao aceitar uma autorização tácita, a Bélgica incumpriu a directiva Comunitária.

    Não poderemos falar deste acórdão e da incompatibilidade do regime das autorizações tácitas com o Direito Comunitário, sem falarmos também do caso português. É que em Portugal, o Decreto-lei 69/2000, que estabelece o Regime Jurídico da Avaliação de Impacto Ambiental, prevê, no seu artigo 19º, o deferimento tácito. Este deferimento não pode ser, a meu ver, considerado conforme com o Direito Comunitário depois de lido este acordão. Se a Bélgica incumpriu o Direito Comunitário ao impor um regime de autorização tácita em segunda instância, o que se poderá dizer de Portugal que o admite em primeira. O artigo 19/nº1 do Decreto-lei 69/2000 é claro: “Considera-se que há DIA favorável quando nada for comunicado à entidade licenciadora ou competente para a autorização no prazo de 140 dias, (…), contados a partir da data da recepção do documento, (…).” Percebe-se bem o porquê da incompatibilidade deste artigo com o regime Comunitário. É que, com o deferimento tácito, é possível viabilizar projectos sem a sua análise, sem a ponderação dos benefícios e custos, e sem o seu impacto no meio ambiente. Este deferimento viabiliza projectos que possam não ter tido qualquer contacto com as autoridades competentes para a autorização.
    Assim, e sob pena de também Portugal ter que fazer frente a um processo de incumprimento, as autoridades portuguesa competentes deveriam rever a situação em tempo útil.

    Gonçalo Ventura, nº14412
    Subturma 2  


 

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