Informação ambiental - tarefa

Car@s alun@s de Direito do Ambiente,

Encontram na secção de jurisprudência um acórdão do Tribunal Constitucional sobre acesso a informação ambiental para comentarem. Sobre este tópico podem ainda consultar um artigo da Prof. Carla Amado Gomes na Revista do Ministério Público, n.º 109, de 2007, pp. 5 ss., sobre a nova lei de acesso à informação ambiental.

No que respeita à matéria de informação ambiental, encontram de seguida (bem como na secção de legislação) as hiperligações para os seguintes diplomas:

- Lei n.º 19/2006, de 12 de Junho (Regula o acesso à informação sobre ambiente)
- Lei n.º 46/2007, de 24 de Agosto (Lei de Acesso aos Documentos Administrativos)
- Resolução da AR n.º 11/2003, de 25 de Fevereiro (Aprova a Convenção de Aarhus)
- Lei n.º 65/93, de 26 de Agosto (anterior Lei de Acesso aos Documentos Administrativos)
Bom trabalho!

7 comentários:

  1. Anónimo disse...

    BEM QUE PODIA SER VERDE A JURISPRUDÊNCIA DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL!

    Comentário ao Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 136/2005

    Antes do comentário a este antipático acórdão (pelo menos para nós os entusiastas do Direito do Ambiente – não ao ponto de sermos considerados “ecoxiitas”, evidentemente!), atinemo-nos, resumidamente, às questões de facto e de Direito a que nos impele.
    A, organização ambientalista, interpôs recurso, da decisão do Tribunal Central Administrativo de Lisboa, no Tribunal Constitucional, pretendendo a apreciação do artigo10.º/1 da Lei 63/93 de 26 de Agosto na redacção da lei n.º 8/95, de 29 de Março e do artigo 13.º/1 do Decreto-Lei 321/95, de 28 de Novembro (estas normas, permitem à administração, no quadro de operações de investimento estrangeiro, e com fundamento em compromissos assumidos no contrato de investimento, a recusa do acesso a documentos que ponham em causa segredos comerciais, industriais ou sobre a vida interna das empresas, e sem o consentimento destas).
    Tal recurso incide sobre a interpretação e aplicação das normas acima referidas feita pelo Douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo de Lisboa que o fez chegar a (entre outras) três conclusões com os quais a recorrente discorda:
    1. As normas protectoras de segredo industrial, de propriedade privada, de liberdade de iniciativa e da propriedade privada dos meios de produção, prevalecem quando estejam em confronto com o direito à informação para a protecção do ambiente;
    2. Não haverá, em caso de colisão, uma prevalência do direito ao ambiente em confronto com direitos de carácter patrimonial; e ainda,
    3. O Estado Português (que celebrou um contrato com as empresas do “grupo B” conducente à implementação de uma unidade industrial em Esposende) está vinculado contratualmente a uma obrigação de segredo, pelo que a disponibilização de certidões referentes àquele contrato incluindo os respectivos anexos (não publicados no Diário da República) e estudos técnicos (tal como pretende A, por via do direito à informação ambiental) violaria o princípio da legalidade.
    Em suma, o recorrente vem arguir a inconstitucionalidade daquelas duas normas, pois entende que havendo um conflito entre “as normas protectoras de segredo industrial, de propriedade privada, de liberdade de iniciativa e da propriedade privada dos meios de produção”, por um lado, e “o direito á informação para a protecção do ambiente, por parte de uma associação ambientalista”, por outro, este direito (e não aquelas normas) deve prevalecer.

    O Tribunal Constitucional, no que tange à pretensa desconformidade do artigo10.º/1 da Lei 65/93 de 26 de Agosto (na redacção da lei n.º 8/95, de 29 de Março) com o art. 268.º/2 da Constituição, começa por esclarecer que o facto de haver um direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, não implica que também haja um direito a ter acesso aos segredos comerciais e industriais que deles constam.
    Nesta senda, pode-se afirmar, no entender dos Excelentíssimos Juízes Conselheiros, que a Administração age de acordo com o 10.º/1 da Lei 63/93 de 26 de Agosto (na redacção da lei n.º 8/95, de 29 de Março) quando recusa o acesso a documentos que ponham em causa segredos comerciais e industriais e/ou proíbe que a própria administração utilize informações que possam desrespeitar direitos de autor ou de propriedade industrial ou configurar práticas de concorrência desleal nos termos deste mesmo art. 10.º/1 da Lei 65/93.
    No entanto, reconhece o Tribunal Constitucional (TC), o principal argumento contra esta posição se encontra no art.268.º/2 da Constituição, quando considera necessária uma reserva de lei restritiva em matéria de segredos do Estado, de segredos de instrução criminal e intimidade das pessoas, realidades que, na referida interpretação, estariam igualmente excluídas do sentido imediato do direito de acesso.
    Mas, o facto é que, entende o TC, nesta norma constitucional não está uma verdadeira reserva de lei, mas antes uma simples remissão para a lei (ordinária) da definição de certos limites.
    Quanto à questão de se saber quais os documentos que podem ser comunicados e quais os que devem permanecer sob sigilo, o tribunal Constitucional entendeu que a resposta a esta contenda exige, em primeiro lugar, uma ponderação cuidadosa do conflito de direitos e interesses constitucionalmente protegidos e, em segundo lugar, uma demonstração de necessidade e proporcionalidade de recusa de acesso à informação, recorrendo-se, naturalmente, aos critérios do artigo 18.º/ 2 e 3 da Constituição.
    No que concerne à existência (ou não) de necessidade e de proporcionalidade. Relativamente a esta matéria o acórdão começa por delimitar o âmbito em que esta questão é colocada. Assim, esclarece que estamos perante a contraposição entre um interesse dos investidores (contratualmente salvaguardado) em manter reserva sobre as condições de realização de um investimento, e o interesse de uma organização ambientalista em ter acesso a tais informações que o Estado Português se comprometeu, legal e contratualmente, a manter reservadas.
    Antes de mais, o tribunal faz questão de sublinhar que “o direito à informação para protecção do ambiente”, invocado pela recorrente não tem “qualquer conteúdo expresso na constituição”. Ao contrário, os contratos de investimento assinados pelo Estado Português e pelas empresas que se propõem realizar um investimento industrial visam satisfazer interesses e valores constitucionalmente relevantes – cfr. art.9.º da Constituição, nomeadamente a al. d). Trata-se de instrumentos importantes para possibilitar as condições para o desenvolvimento económico e, consequentemente, para a obtenção dos meios, pelos particulares e pelo Estado, para a obtenção de bens e para a satisfação das necessidades individuais e colectivas, e inclusive de bens e necessidades protegidas por direitos fundamentais.
    Defende ainda, a sumo instância Judicial de Justiça Constitucional, que, se foi o próprio Governo a vincular-se contratualmente a uma cláusula de confidencialidade, é porque este órgão do Estado já havia feito o confronto entre, por um lado, a informação geral sobre todos os aspectos do contrato, e por outro, o interesse no investimento estrangeiro. Por isto, continuam os Senhores Juízes Conselheiros, a ponderação imposta ao Tribunal Constitucional surge aligeirada.
    O Colectivo de Magistrados que subscrevem este acórdão, chama à colação um argumento utilizado pelo tribunal recorrido, que censurava o facto de a recorrente, para além do seu interesse ou legitimidade geral, como organização que tem por fim a defesa do ambiente, nada de mais específico ou concreto adiantou sobre ameaças ao ambiente.
    O TC refere ainda, a título de conclusão, que, por um lado, tendo em conta as circunstancias referidas nos autos, a questão da “prevalência do direito ao ambiente em confronto com direitos de carácter patrimonial”, também invocada pela requerente, simplesmente não se coloca, por outro, ainda que em termos hipotéticos, tal conflito pudesse vir a ocorrer no futuro, ele seria completamente alheio às normas que vêm impugnadas.
    Nesta esteira o TC sustenta que se, por ventura, a laboração da empresa, no futuro, provocar ou ameaçar provocar danos ambientas, outras seriam as normas a tutelarem este caso, a propósito das quais se poderá, então sim, discutir a prevalência do direito do ambiente sobre direitos de propriedade privada e da livre iniciativa, e a sua constitucionalidade.
    Em síntese, atendendo às tarefas fundamentais do Estado, fixados no art.9.º da Constituição e aos princípios a que a administração pública está submetida nos termos do 266.º da Constituição, conclui-se pela conformidade constitucional da decisão de limitar o direito à informação com fundamento no citado conflito, e, em coerência, pela constitucionalidade do art. 13.º/1 do Decreto-Lei (DL) 321/95, de 28 de Novembro, e portanto, também, do art. 10.º/1 da Lei 63/93 de 26 de Agosto na redacção da lei n.º 8/95, de 29 de Março (sendo aquele decreto-lei especial, com relação a esta lei), assevera o Tribunal Constitucional (Resumo do acórdão n.º 136/2005, processo n.º 470/02, Relator: Conselheiro PAULO MOTA PINTO).

    No nosso (modesto) entender, existem neste acórdão quatro grandes orientações jurisprudenciais com os quais não podemos concordar.

    A primeira prende-se com o facto de o tribunal, ao considerar que “um direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, não implica que também haja, necessariamente, um direito a ter acesso aos segredos comerciais e industriais que deles constam”, desconsiderar, em primeiro lugar, a realidade de nada nos garantir que os anexos (solicitados pela recorrente) continham efectivamente “segredos” (não nos esqueçamos que nem o tribunal, nem o recorrente conheceram o conteúdo dos anexos), em segundo lugar, não tenha densificado a palavrinha “segredos”, o que é e o que deixa de ser um segredo para estes efeitos e, por último, não tenha dito quem tem a competência para determinar se uma questão é ou não secreta (Esta competência é do Governo? Neste caso não será o Governo juiz em causa própria? Esta competência não esvazia parte significativa do direito de informação para a defesa do Ambiente?)
    Devemos ainda sublinhar que, em momento algum, o TC admitiu a possibilidade de a associação ambientalista ter acesso à parte dos anexos que não colocava em causa “os segredos comerciais e industriais”. O que não se compreende, a menos que se diga que tudo quanto está nos anexos é sigiloso, coisa que não é razoável defender, sobretudo se tivermos em conta que o Sr. Primeiro-ministro nada disse que nos pudesse levar a tal conclusão.

    Quanto à segunda posição. O Tribunal, no contexto da ponderação entre os dois direitos em colisão, afirma que o direito à informação para protecção do ambiente não tem qualquer conteúdo expresso na Constituição. Salvo o devido respeito e a devida distância, pensamos que é de todo inaceitável esta leitura (literal) da Constituição. O facto de não existir na Constituição formal uma norma que preveja expressamente este direito, não significa que ele não exista. Nesta linha segue a Professora CARLA AMADO GOMES, ao subscrever a afirmação do Professor JORGE MIRANDA, que retira o direito à informação ambiental, por via duma interpretação que tem por base o princípio do Estado de Direito Democrático (princípio este que tem como uma das suas tarefas fundamentais a protecção do ambiente), da conjugação dos artigos 9.º/e), 66.º, 37.º, 48.º, 268.º/1 e 2 da Constituição (in, “O direito à informação ambiental: velho direito, novo regime”, p. 9).
    Mais: não se pode ficar apenas pelo plano Constitucional Nacional. No âmbito Comunitário o direito à informação ambiental existe formalmente desde 1990, através da Directiva do conselho 90/313/CEE (Gomes, Carla Amado, obra citada, p. 9)
    No campo jurisprudencial europeu, a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem proferiu, em 1990, duas importantes decisões, onde, no quadro da tutela da personalidade e recorrendo ao art.8.º (Direitos à inviolabilidade do domicilio e à privacidade), se alcançava uma tutela mediata do ecossistema. A doutrina, relacionando esta linha jurisprudencial com o art.10.º da Convenção (Liberdade de informar e de ser informado) passou a sustentar a existência de um verdadeiro direito de acesso à informação ambiental a que corresponde um direito Estadual de a publicitar sempre que a informação seja do interesse generalizado ou de um grupo numeroso de pessoas – o que é o caso da informação ambiental (Gomes, Carla Amado, obra citada, pp. 9 e 10).
    Mais ainda: o Estado português ratificou, por intermédio da Assembleia da República, desde o ano de 2003, a Convenção de Aarhus. Nos termos desta Convenção (art.4º e 5º) os Estados comprometem-se em harmonizar o direito de acesso à informação ambiental (Gomes, Carla Amado, obra citada, pp. 12 e 13).

    Á a terceira posição, prende-se com uma afirmação (surpreendente!) em que o tribunal entende que a ponderação imposta pelo Tribunal Constitucional (18.º/2 e 3 da Constituição) surge aligeirada pois, se foi o próprio Governo a vincular-se contratualmente a uma cláusula de confidencialidade, é porque já havia feito o confronto entre os dois direitos em confronto. Bom, devemos de facto partir do pressuposto que o Estado é uma pessoa de bem, o que não devemos fazer é acreditar cegamente que (neste caso) o Governo tenha agido de Boa fé. O garante último do respeito e “defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos” são os tribunais (202.º/2 da Constituição) e não o Governo. Não podemos por isso compreender o porquê desde “aproveitamento do trabalho previamente feito”, permitem-nos a expressão.

    A quarta e última inquietação se relaciona com o facto de, no sapiente entendimento do Tribunal Constitucional, a questão da “prevalência do direito ao ambiente em confronto com direitos de carácter patrimonial”, invocada pela recorrente, tendo em conta as matérias dos autos, não se colocar. Só se colocaria se a industria já tivesse operacional e a lesar (efectivamente) ou a ameaçar lesar o Ambiente. Também aqui discordamos do Acórdão, uma vez que como nos ensina o Professor VASCO PEREIRA DA SILVA, O Princípio da Prevenção (em sentido amplo, sentido preferido por este ilustre Professor) “procura afastar riscos futuros, mesmo que não ainda inteiramente determináveis de acordo com uma lógica mediatista e prospectiva, de antecipação de acontecimentos futuros”. Este princípio está directamente ancorado na Constituição, art. 9.º/d) e e) e art.66.º/1 e 2,a), e nos Tratados constitutivos da União Europeia, art. 174.º/2.

    Por tudo isto, pensamos que a Associação ambientalista (a requerente), fez muito bem em levar a questão, que aqui analisamos, a tribunal, quanto mais não seja pelo simples exercício da “ecocidadania”, i.e., uma “cidadania activamente empenhada no respeito e promoção da causa ecológica”, como refere a Professora CARLA AMADO GOMES parafraseando o Professor PRIEUR (obra já citada, p.7); e discordamos, como acabamos de demonstrar, da essência da argumentação do Tribunal Constitucional, salvo o devido respeito, que é muito.  

  2. subturma3 disse...

    Comentário ao Acordão nº 136/2005 do Tribunal Constitucional




    Em suma, foi pedido ao Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa que fossem facultados os documentos relativos a um contrato( incluindo anexos e estudos técnicos ) entre o Estado Português e uma empresa estrangeira que se destinava à implantação de uma unidade industrial em Esposende.O pedio foi negado com fundamento na reserva do segrado inustrial e a organização ambiental recorre para o Tribunal Central Administrativo. Alega que não são possiveis mais restrições ao Direito à Imformação do que as constantes do art.º 268, 2 da CRP.Também a este recurso vem a ser negado provimento, invocando este Tribunal que da colisão de Direitos em presença prevaleceria o Direito à Propriedade e iniciativa privada do qual decorre o segredo industrial e comercial.
    Chegados ao Tribunal Constitucional é invocado pela organização ambiental que entre os dois Direitos em causa não se pode fazer uma ponderação que leve ao aniquilamento completo de um deles e que a ser "prejudicado" não seria o Direito à imformação ambiental o lesado!
    O TC acaba por manter a decisão anterior não sendo pois possivel aceder aos documentos.
    Parece que não houve um adequado juízo de proporcionalidade na decisão(com o devido respeito pelo entendimento dos respectivos Tribunais).
    O art.º 18, 2 da CRP estabelece que os Direitos, Liberdades e Garantias só devem ser restringidos na medida do necessário à salvaguarda de outros bens constitucionalmente consagrados.Ora a decisão nao restringe um Direito para alargar o campo de acção do outro; ao invés acaba com um dos direitos em presença esvaziando-o de conteúdo útil, pois o direito á informação nem sequer é permitido, nem parcialmente.
    Na esteira do que salientaram(e que parece bastante pertinente) os, à data Conselheiros do TC, Conselheira Maria Fernanda Palma e Conselheiro Mário Torres, o exercício de compatibilização entre dois direitos deve ser feito com base nos Princípios da proporcionalidade e da adequação.Parece excessiva a importância dada ao segredo industrial e comercial ficando o direito à imformação ambiental esvaziado de conteúdo útil e efectivo!
    Não foram facultados os documentos pedidos pelo que a associação ambiental não conseguiu avaliar o impacto ambiental que a implantação da unidade industrial em Esposende teve.Assim não é igualmente possível fazer funcionar o princípio do " in dubio pro natura" porque nem se chaga a ter a imformação necessária à análise dos interesses em presença.Não é possivel qualquer actuação anterior à causa de um dano que podia ser evitado se estivessem na posse da imformação pretendida.
    Parece que seria possivel terem faculatado os anexos e os pareceres técnicos essenciais à apreciação do projecto sem que fosse divulgado o contrato, esse sim do interesse exclusivo(por ora ) das partes.
    À luz da legislação actual o problema parece poder ser resolvido com recurso ao art.º12 da Lei 19/2006 pois a figura do indeferimento parcial permite que apenas parte da matéria seja tornada pública, acautelando todos os aspectos confidenciais dos documentos.
    Em conclusão o interesse ambiental tem na legislação actual muitas formas de ser efectivamente protegido e salvaguardado; falta contudo alguma boa vontade de todos os orgãos envolvidos.

    Francisca Fé  

  3. Anónimo disse...

    A análise deste acórdão levanta vários problemas, mas de todos os que estão em apreço, o que mais releva é a forma como o direito fundamental do ambiente é visto e posto em causa.
    Na primeira instância foi discutida a constitucionalidade da reserva decorrente do segredo industrial, os valores subjacentes a esta protecção e verificado que tais normas não seriam inconstitucionais.
    O que é objecto deste acórdão é um contrato outorgado entre o Estado Português e as empresas do Grupo B para a implantação de uma unidade industrial em Esposende. A requerente, que pertence a uma organização ambientalista, pretendia ter acesso às certidões referentes à totalidade do contrato (incluindo os respectivos anexos e estudos técnicos) de forma a que pudesse avaliar a incidência ambiental e concorrencial do projecto.
    Antes do acórdão chegar ao Tribunal Constitucional (TC), a requerente interpôs recurso para o Tribunal Central Administrativo (TCA) que conclui ser permitido a recusa de acesso a documentos "cuja comunicação ponha em causa segredos industriais". Não conformada, a organização ambientalistas decide recorrer para o TC com o fundamento que o acórdão do TCA "fez prevalecer normas protectoras do segredo industrial, da propriedade privada, da liberdade de iniciativa e da propriedade privada dos meios de produção em conjunto com o direito à informação para protecção do ambiente, por parte de uma associação ambientalista; assim como no sentido de que não haverá, em caso de colisão, uma prevalência do direito ao ambiente em confronto com direitos de carácter patrimonial".
    O recurso é admitido, e a requerente vem alegar que nos autos o que está em causa é a problemática da protecção do ambiente, nomeadamente o princípio da prevenção perante tais violações. Entre os vários argumentos apresentados, a requerente vem alegar um que é essencial à protecção do ambiente: "a defesa do ambiente opera-se fundamentalmente por acção preventiva (princípios da prevenção e da precaução), na medida em que os danos ambientais são frequentemente de natureza irremediável e grave; os diferentes procedimentos existentes são os meios formais fundamentais para exercer o direito à informação, e para a consequente tutela dos mesmos direitos e interesses". Vem ainda referir que o douto acórdão viola, pelo menos, o núcleo fundamental do Direito à Informação em matéria de ambiente.
    O TC conclui que o legislador é possível prever excepções ao direito geral da informação, quer esteja autorizado pela CRP quer no caso de conflitos de direitos. Para este Tribunal o projecto em causa foi apurado pelas entidades competentes (que têm a responsabilidade de avaliar o impacto ambiental e estabelecer as condições de funcionamento da fábrica). No caso da laboração da empresa provocar ou ameaçar provocar danos ambientais, estará sempre sempre sujeita à aplicação de outras normas.
    O TC nega provimento ao recurso.

    Este foi o enquadramento da situação jurídica em apreço. A análise deste acórdão dá-nos uma visão problemática, sobre o direito do ambiente. Como ciência jurídica recente, ainda não lhe é atribuído o devido respeito, e parece que é visto o direito fundamental ao ambiente como um direito menor. É verdade que este direito surge como um direito da terceira geração, ainda jovem. O direito do ambiente é uma protecção do cidadão face às novas tecnologias, surge ligado ao princípio da auto-determinação informativa e a direitos de natureza procedimental. Como ensina o Professor Vasco Pereira da Silva, todos os direitos estão colocados ao mesmo nível, com a mesma tutela, estando em causa o enriquecimento dos direitos fundamentais. Cada geração contribui com uma dimensão, e a 3ª geração trás consigo a ideia de participação/quota parte que é uma realização de qualquer direito.
    Não podemos encarar a realidade da nossa sociedade e das decisões do poder político como ecofundamentalistas onde os fenómenos ambientais prevalecem sobre tudo, mas também não podemos ter a visão de que nada mudou (encarando o direito do ambiente como mais uma matéria). Como cidadão informado, há que ter uma visão moderada e equilibrada, encarar as questões ambientais como novas e decisivas, e integrar as questões fundamentais ao ambiente com outros direitos.
    Antes de se construir uma instalação fabril tem de haver um juízo ambiental, todas as actividades poluentes estão sujeitas a um controlo prévio e têm de utilizar as melhores tecnologias. A ideia fundamental é encontrar um sistema equilibrado de ponderação de bens e valores em confronto. O problema essencial do direito do ambiente é fazer este equilíbrio, esta ponderação de interesses.
    O Estado é sempre responsável pelas lesões ambientais, mesmo as praticadas por particulares, desde que ocorra na sua jurisdição. O direito do ambiente deve ser construído com base na pluridisciplinaridade, juntando diversos mecanismos das diversas disciplinas, para ser assegurada uma tutela efectiva e o devido respeito.
    Não podemos deixar de concordar com o juiz Mário José de Araújo Torres, no seu voto de vencido: « Não se pode ignorar a importância decisiva que o acesso à informação ambiental tem para o efectivo exercício do direito e dever que a todos incumbe de defender um ambiente de vida humana, sadio e ecologicamente equilibrado, e do direito dos cidadãos de participação na prevenção e controlo da poluição e na correcta localização das actividades. O art.º 66º CRP é incompatível com a eficiente defesa dos valores ambientais, em que prevalecem os princípios da prevenção, a consideração de que "caso a laboração da empresa venha a provocar (ou a ameaçar provocar) danos ambientais", então sim, poder-se-á discutir a prevalência do direito do ambiente».
    Parece que neste acórdão o princípio da prevenção não foi respeitado: até um cidadão comum, sem conhecimentos de um jurista, consegue entender o alcance deste princípio através da máxima "mais vale prevenir do que remediar". A finalidade deste princípio é evitar lesões ao meio ambiente, antes de se tomar uma medida é necessário fazer-se uma avaliação para determinar as lesões susceptíveis de ocorrerem.
    Temos sempre de aplicar o princípio "in dubio pro natura": se existe uma dúvida sobre se um projecto traz danos para o ambiente, devemos optar pelo ambiente e não aplicar sanções como é referido pelo douto acórdão do TC.
    A prevenção exige racionalidade e proporcionalidade para a adopção de medidas adequadas, obriga a que as possíveis consequências nefastas para o ambiente sejam antecipadas para minorar os seus efeitos. Expressamos por isso a nossa profunda e total discordância com a posição assumida pelo TC na parte em que apenas se poderá falar em prevalência em Direito do Ambiente se se verificarem danos ambientais.
    Esta decisão é de 2005 e não parece adequada ao Sec. XXI, onde cada vez mais começa a estar enraizado na consciência de cada um de nós a importância do ambiente.  

  4. Anónimo disse...

    Comentário ao Ac. TC nº 136/05 - sobre o direito à informação ambiental:

    I- Introduzindo o tema do Direito à informação ambiental, convém explanar a sua importância num Estado de Direito Ambiental. O pleno exercício dos direitos de participação política exige informações actualizadas, credíveis e acessíveis, exige uma partilha do poder, associado à detenção de informação, por parte da Admnistração, com isso conferindo-se um uso mais qualificado à liberdade de cada um. Este acesso permite que tomemos consciência do estado actual do ambiente, reforçando o sentimento de responsabilidade solidária e comunitária face à preservação dos bens ambientais, levando à criação de uma “ecocidadania” (expressão de M. Prieur). Também ligado ao Direito à Informação Ambiental encontramos o princípio ambiental da prevenção, que tem como finalidade, na visão do Professor Vasco Pereira da Silva (que não concorda com a distinção deste princípio face ao da precaução, adoptando um conceito de prevenção amplo) evitar perigos imediatos e concretos para o ambiente (sentido restrito), bem como afastar potenciais riscos futuros através de uma actuação mediata e de antecipação que de outro modo poderiam tornar-se irremediáveis, conseguindo-se de antemão recolher a informação necessária para evital tais lesões. E mais, através do exercicício do Direito à Informação, abre-se o “contraditório público” de controle da decisão admnistrativa, e promove-se a transparência da Admnistração quanto aos procedimentos em curso.
    Este livre acesso ao procedimento admnistrativo garante a protecção jurídica dos direitos dos particulares, pois o procedimento é o primeiro momento de defesa de tais direitos. Como disse Jellinek, a democracia realiza-se através do procedimento, gerando um “status activae civitatis”. A efectivação dos direitos fundamentais, como o Direito ao Ambiente, implica o reconhecimento pela ordem jurídica dos direitos de procedimento, partilhando estes a mesma natureza dos direitos fundamentais, inseridos na terceira geração.


    II- Quanto à consagração deste direito, encontramos, como ponto de partida, os artigos 37º, nº. 1, 48º, nº. 2, bem como o 268º nº.s 1 e 2, que estipula o direito fundamental dos admnistrados ao acesso à informação, na esteira de uma Admnistração transparente e aberta, e que deve ser conjugado com os artigo 9º, al. e) e 66º, todos CRP. Inicialmente apenas existia um direito fundamental à informação com carácter geral , assente no artigo 268 nº.s 1 e 2 CRP, e na Lei nº. 65/93 – LADA, que na sua versão original (artigo 22º) apenas consagrava o direito à informação ambiental por remissão para a directiva 90/313/CEE, sendo duvidosa a adequada transposição desta. No plano internacional e comunitário a realidade era outra. A Convenção de Aarhus, assinada em 25 Junho de 1998, por 35 Estados e pela União Europeia, é marco decisivo quanto à democratização das decisões sobre o ambiente, levando ao surgimento, a nível comunitário, da nova directiva 2003/4/CE (que revoga a 90/313/CEE) e do regulamento 1367/2006 quanto ao âmbito intra-comunitário. Portugal ao ratificar a Convenção de Aarhus em 2003, e perante a necessidade de transposição da Directiva 2003/4/CE, cria um diploma específico sobre o acesso à informação ambiental, a Lei 19/2006 – LAIA, com carácter especial face à LADA, que passa a subsidiária. O acesso à informação ambiental pode consistir na mera consulta de dados ou na obtenção documentada de dados informativos. Quanto à obtenção de dados informativos, ela pode ser requerida por qualquer pessoa, sem que tenha de justificar o seu interesse (art.6º, nº1 LAIA), tendo o requerente direito a uma resposta sobre o pedido de disponibilização da informação no prazo de 10 dias (9º, nº. 1 al. a) e 13º LAIA). A resposta a este pedido pode ser positiva, parcialmente positiva (art. 12º), novidade perante a LADA, negativa ou diferida para momento posterior (art. 11º, nº.s 2 e 5 LAIA). Os fundamentos de indeferimento encontram-se previstos no art. 11º, nº. 6 LAIA, mas apresentam três limites - 11º, nº 7 - não pode haver recusa face às als. a), d), f), g), e h), quando estejam em causa fontes de emissões poluentes; 11º, nº8- impõe uma interpretação restritiva dos fundamentos e submete-os à proporcionalidade; 12º – é dada preferência à disponibilização parcial sobre a não disponibilização.
    Caso ao requerente seja dado uma resposta negativa, parcialmente positiva ou em caso de abstenção, pode o requerente apresentar queixa à CADA- Comissão de Acesso aos Documentos Admnistrativos, nos termos do 16º da LADA, no prazo de 20 dias, tendo a CADA 30 dias para formular um parecer a comunicar a todos interessados, e ao qual deverá a entidade admnistrativa em causa reagir, devendo notificar o requente da sua decisão no prazo de 15 dias, caso contrário considera-se haver falta de decisão. De notar que o requerente pode ainda recorrer aos meios judiciais, como por exemplo intimando a entidade em causa, para a prestação de informações.

    III- Passando à análise do Ac. TC nº 136/2005, é importante referir que à data a ordem jurídica ainda não estava dotada da LAIA, podendo apenas recorrer-se aos artigos 268º CRP e à LADA, sem esquecer das normas externas que também regulavam o acesso de informação ambiental- Convenção de Aarhus e Directiva 2003/4/CE.
    O acordão sub judice baseia-se no pedido de intimação do Primeiro Ministro português, requerido por uma ONG- organização ambiental não governamental, tendo em vista o acesso a certidões, referentes à totalidade do contrato entre o Estado Português e empresas, bem como anexos, estudos técnicos, para que fosse viável uma avaliação de incid
    ência ambiental do projecto de colocação de uma unidade fabril em Esposende. O Tribunal Admnistrativo do Círculo de Lisboa indeferiu tal pedido com fundamento no segredo comercial e industrial, que foi considerado como tendo protecção constitucional. Foi interposto recurso para o Tribunal Central Admnistrativo, que também negou provimento , por estarem em causa segredos industriais, não havendo lugar à ponderação de valores em conflito por existir lei que permitisse tal recusa (art. 10 da LADA e 62, nº1, al. a) CPA), afastando assim a ponderação casuística imposta pelo princípio da proporcionalidade, a observar quando está em causa uma restrição a um direito fundamental, e também por estar em causa a 17ª cláusula do contrato de investimento estrangeiro, aprovado por Resolução do Conselho de Ministros 34-B/2001, da qual resultava a vinculação do Estado português ao dever de sigilo. A ONG recorre por fim para O Tribunal Constitucional, suscitando a apreciação da constitucionalidade das artigos 10º LADA, 13º DL 321/95 e 10º Lei nº 8/95, quando interpretadas no sentido de fazer prevalecer o segredo industrial em detrimento do direito à informação ambiental. Encontramo-nos assim perante um caso de conflitos de direitos fundamentais- Direito à propriedade privada e livre iniciativa económica,(62º CRP), na vertente do direito à reserva e ao segredo industrial, em confronto com o direito à informação dos admnistrados, em matéria ambiental, (268, nº2 CRP), que de acordo com a doutrina é um direito fundamental de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, tendo por tal o mesmo regime (17º e 18º CRP). Ora o regime dos direitos, liberdades e garatias não proibe a possibilidade de restrições, por via de lei, do exercício desses mesmos direitos, desde que a restrição esteja expressamente admitida pela Constituição, (18º, nº2, 1ª parte CRP); que tal restrição vise salvaguardar outro direito ou interesse constitucionalmente protegido, (18º, nº2, in fine); que a restrição se limite à medida do necessário, (18º, nº2, 2ª parte); e que não aniquile o conteúdo essencial do respectivo preceito, (18º, nº3, in fine). Neste caso pretende-se restringir o direito à informação ambiental através de uma restrição não expressamente autorizada pela Constituição, pois o direito ao segredo industrial não se encontra expresso no 268º, nº2 CRP, mas tão só na LADA . Todavia tal “limite imanente” é admissível desde que, de acordo com os Professores Gomes Canotilho e Vital Moreira, tal lei se limite a concretizar limites de algum modo presentes na Constituição; que a definição de tais limites seja o único meio de resolução de conflitos, de outro modo insuperáveis entre direitos constitucionais com igual hierarquia; e que tais limites reduzam o âmbito do direito atingido na medida estritamente necessária à superação do conflito. Para que tal restrição se limite à medida do necessário é preciso ter em conta o princípio da proporcionalidade, ou princípio da proibição do excesso, que apresenta como subprincípios, o princípio da adequação- que as medidas restritivas se mostrem adequadas para a salvaguarda de outros direitos constitucionais; princípio da exigibilidade, ou da necessidade- tais medidas são os meios menos onerosos para os direitos, liberdades e garantias; e o princípio da proporcionalidade em sentido restrito, que impõem que as restrições adoptadas assentem numa “justa medida” e não sejem excessivas em relação aos fins visados. O Tribunal Constitucional fez prevalecer sem mais o direito ao segredo industrial denegando totalmente o direito à informação ambiental, sem ponderar em concreto os valores em causa. Na pseudo “ponderação de interesses contrapostos constitucionalmente reconhecidos ” diz-se que “há que tomar em consideração que os contratos de investimento assinados pelo Estado Português e pelas empresas (...) visam satisfazer interesses e valores também constituionalmente relevantes (...) instrumentos importantes para possibilitar as condições para o desenvolvimento económico (...) para a satisfação das necessidades individuais e colectivas.”, ora tal argumento não é válido, pois não estava em causa o artigo 9º CRP respeitante às tarefas fundamentais do Estado, respeitante ao desenvolvimento económico e social, mas antes o direito de acesso à informação como meio de prevenir potenciais lesões ambientais e os fundamentos à sua recusa. Concluimos, de acordo com o acordão nº254/99, referido no voto de vencido de Mário de Araújo Torres, que “impunha-se, assim, para ser constitucionalmente admissível a restrição ao direito de acesso aos arquivos admnistrativos, uma casuística ponderação, que deve ser feita em relação a cada tipo de documento em concreto, e não em geral, a todos os documentos”. Embora existissem informações que poderiam não ser reveladas, devido ao segredo industrial e à cláusula de confidencialidade do contrato, era necessário distingui-las das que poderiam ser facultadas, sob pena de denegar o conteúdo essêncial do direito fundamental ao acesso à informação ambiental (art. 18º, nº3, in fine CRP), denegando-lhe qualquer sentido útil e retirando-lhe toda a autonomia, que parece ser o que o Tribunal faz ao referir-se ao direito à informão ambiental como um “direito geral de informação”, denegando a sua especificidade. Outra crítica a apontar é a não consideração do princípio da prevenção ambiental (art.66º CRP), que se prende com o facto do direito ao ambiente ser um interesse difuso, que a todos respeita e que dá a todos o direito à sua defesa, através da participação dos cidadãos no procedimento admnistrativo. O Tribunal defende que “caso a laboração da empresa venha a provocar danos ambientais sempre ficará sujeira à aplicação de outras normas ” então sim poder-se-ia discutir da prevalência do direito ao ambiente. É caso para perguntar se os Srs. Drs. Juízes nunca ouviram falar no velho ditado “mais vale prevenir que remediar”. É fundamental que tenhamos uma atitude preventiva, não desprezando o risco ambiental, e ponderando o balanço entre as vantagens económicas e os custos ambientais, que poderão vir a ser custos para as gerações vindouras.

    IV- Em conclusão, o referido Ac., embora não estando ainda em vigor a LAIA, que certamente revelaria uma solução mais recta, pelos seus artigos 11º, nº8- que impõe que os fundamentos de indeferimento, que neste caso seria o previsto no 11º, nº6, al. d), sejam interpretados restritivamente, ponderando-se o interesse público na divulgação da informação, e os que fundamentam o indeferimento, e 12º- que estabelece como princípio o aproveitamento de toda a informação que possa ser revelada, deveria ter pautado a sua decisão na Convenção de Aarhus, nomeadamente recorrendo ao artigo 4º, nº4, al. d) e in fine, e na Directiva 2003/04/CE. O Tribunal ficou assim aquém das leis já existentes, subvalorizando o direito ao ambiente.

    Cristina Curto, subturma 3, nº14615.  

  5. Anónimo disse...

    Comentário ao Acórdão sobre o acesso à informação ambiental

    Este Acórdão aborda a questão de saber quais são os limites existentes ao direito à informação ambiental, e em que situações, este direito pode ser negado.
    Uma organização ambientalista apresentou um requerimento de intimação ao Primeiro-Ministro para que lhe fossem facultadas certidões e estudos técnicos sobre um contrato outorgado entre o Estado português e um grupo de Empresas, de modo a determinar a incidência ambiental e concorrencial de um determinado empreendimento.
    Tal direito foi indeferido pelo Tribunal Administrativo que considerou estar em causa a protecção de segredos industriais apresentando como fundamentação o art. 10.º /1 da Lei 65/93, o art. 62.º/ 1 do CPA e o art. 13.º do Decreto-Lei 321/95.
    A organização ambiental recorre, primeiro, para o Tribunal Central Administrativo e depois para o Tribunal Constitucional, invocando a inconstitucionalidade destas normas com base na interpretação que é feita das mesmas (no sentido de as normas protectoras do segredo industrial prevalecerem sobre o direito à informação ambiental).
    O tribunal Constitucional analisa algumas questões interessantes:
    Levanta a questão de saber se “o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos não exclui à partida o direito de revelação de segredos comerciais e industriais que deles constam”. Se seguíssemos essa linha de pensamento, então, a recusa da Administração em facultar a consulta de documentação, estaria desde logo autorizada constitucionalmente. Mas como o Tribunal refere, tal interpretação não pode ser a correcta, de acordo com o n.º 2 do art. 268º da CRP porque se prevê uma restrição do direito de acesso aos arquivos e registos administrativos subordinado ao disposto nas leis sobre segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas. Assim sendo, tem de existir uma aprofundada ponderação dos interesses em causa, e uma sólida fundamentação da recusa do acesso à informação, recorrendo aos critérios previstos no art. 18º da CRP.

    O n.º 2 do art. 18.º afirma que direitos, liberdades e garantias só podem ser restringidos, primeiro, nos casos expressamente previstos na Constituição. Segundo, essa limitação tem de ser feita de acordo com o princípio da proporcionalidade, ponderados os direitos em causa e limitando-os no estritamente necessário. O n.º 3 prevê a reserva de lei material para a restrição de direitos, liberdades e garantias, sendo necessário, como refere o Tribunal, uma definição genérica das situações de conflitos entre direitos fundamentais e interesses constitucionalmente protegidos, não podendo estas leis ter carácter retroactivo nem diminuir a extensão e alcance dos direitos constitucionalmente previstos, querendo com isto fazer referência, como aponta o Acórdão, ao conteúdo “essencial” dos preceitos constitucionais, incluindo a solução de conflitos entre direitos constitucionalmente protegidos (princípio da harmonização)
    A reserva de lei do n.º 2 do art. 268º não é uma excepção constitucional a normas constitucionais mas uma remissão da Constituição para a lei. O facto de serem apenas referidos limites ao direito de acesso aos arquivos e registos nas matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas, não quer dizer que não existam outros limites mas apenas aqueles que resultem do conflito entre este direito e outros com igual consagração constitucional. Em relação a estes direitos, a partida sem limites, a própria Constituição admite que o seu exercício pode constituir infracção criminal, ilícito de mera ordenação social e ilícito civil (art. 37.º / 3 e 4).
    Nesta linha de pensamento, o Tribunal entende que o âmbito da informação sobre a intimidade das pessoas, também pode ser estendível a pessoas colectivas, protegendo a vida interna da empresa que celebrou o contrato com o Estado Português.
    Tendo de haver uma ponderação de interesses, o Acórdão considera que perante os benefícios que este tipo de empreendimentos acarreta para a significativa melhoria da qualidade de vida dos portugueses e tendo em conta que o projecto já foi alvo de estudos e de aprovação pelas entidades competentes, a vigilância da recorrente não é a principal nem a necessária via de protecção. Para além disso, estava em causa um dever de sigilo previsto no contrato assinado pelo Estado.
    O Tribunal conclui, portanto, pela constitucionalidade das normas em causa considerando que não está em causa nenhum conflito entre direitos de carácter patrimonial e o direito ao ambiente e mesmo que estivesse tais normas apenas se limitam a permitir à Administração a recusa, perante os compromissos assumidos pelo Estado, do acesso a documentos que ponham em causa segredos comerciais, industriais ou sobre a vida interna das empresas.
    Na minha opinião, apesar de se referir que a restrição dos direitos tem de passar por uma cuidadosa ponderação dos interesses em causa, o próprio Tribunal não parece fazer essa ponderação. Não esqueçamos que estão em causa 2 direitos constitucionalmente consagrados que se encontram ao mesmo nível. O Tribunal parece dar a partida, o direito à informação, como um direito “menor” em comparação com o direito ao segredo industrial e da propriedade privada, chegando mesmo a dizer que a preocupação da organização ambientalista não seria a forma “privilegiada” de acautelar o direito ao ambiente. Parece-me que com estas afirmações se esquece o que o direito à informação ambiental realmente significa. Como a Prof. Carla Amado Gomes escreveu no seu artigo 'O direito à infirmação ambiental: velho direito, novo regime': “ O acesso à informação acresce à legitimidade da decisão por força da potencial abertura a um contraditório público. A partilha do poder que está associada à posse da informação representa, assim, um estádio de evolução superior do Estado de Direito, provando que há democracia para além do sufrágio”.
    Estando direitos tão importantes em causa, parece-me que a devida ponderação casuística não foi feita, concordando, assim, com a declaração de voto de Mário Torres. Poderá haver um meio-termo nesta situação sem ser necessário violar o direito de sigilo industrial ou recusar o direito à informação, que passa pela análise a cada tipo de documento e não pela recusa da consulta a todos os documentos, uma vez que com certeza nem todos terão informações confidenciais.
    É ainda de referir que este caso surge antes de 2006, ano em que é criada a Lei de acesso à informação ambiental (lei 19/2006) que é alvo do comentário da Prof. Carla Amado Gomes. A LAIA, em virtude da natureza pública e colectiva do bem ambiente, reveste carácter especial relativamente à pré-existente Lei de acesso aos documentos administrativos, atrás referida. É de sublinhar o art. 11.º /6 onde se listam os fundamentos do indeferimento do pedido de acesso à informação, entre os quais, os da alínea d). O n.º 8 do mesmo art. Impõem uma interpretação restritiva dos fundamentos de indeferimento e os submete ao princípio da proporcionalidade, princípio esse referido e defendido na declaração de voto de Mário Torres.

    Filipa Rodrigues Subturma 2   

  6. Anónimo disse...

    O acórdão em análise reflecte a posição do Tribunal Constitucional acerca do Direito de Informação Ambiental, entendido como um direito com pouca expressão.
    Esta posição do tribunal é patente em dois pontos: na relação do direito com a Constituição e na relação com a tutela do Direito ao Ambiente.
    Relativamente ao primeiro ponto, o Direito de Informação Ambiental é considerado um direito instrumental face ao Direito de Tutela Jurisdicional, sem conteúdo imediato na Constituição, o que redunda na não sujeição ao regime do art.18.º da Constituição, referente a restrições a direitos, liberdades e garantias.
    No que respeita ao segundo ponto, é afirmado no acórdão que o respectivo direito não constitui “ uma via única - ou, sequer principal ou privilegiada “ de acautelar o direito ao ambiente.
    A desvalorização operada pelo Tribunal Constitucional do Direito de Informação Ambiental como um direito de natureza análoga a direitos, liberdades e garantias entra em contradição com doutrina relevante, na qual destacamos Carla Amado Gomes e Jorge Miranda. Entendem os referidos autores que, embora o Direito à Informação Ambiental não esteja expressamente consagrado na Constituição, é possível inclui-lo nos arts. 9.º e), 66.º, 20.º - 2, 37.º, 48.º, 268.º - 1 e 2 da Constituição, interpretados no contexto do Estado de Direito Democrático, o qual elenca no conjunto das suas tarefas fundamentais a da protecção do ambiente. Ainda dentro da doutrina, não é unânime a instrumentalidade conferida ao respectivo direito. Neste sentido, Sérvulo Correia defende a autonomia do Direito de Informação Ambiental perante o Direito de Participação Procedimental.
    Também a nível comunitário, é atribuída grande relevância a este direito. A Directiva do Conselho número 90/313/CE, entretanto revogada pela Directiva 2003/4/CE transposta pela lei 19/2006, expressou a necessidade sentida a nível comunitário de consagração formal de um Direito à Informação Ambiental. Do mesmo modo, a Convenção sobre Acesso à Informação, Participação do Público no Processo de Tomada de Decisões e Acesso à Justiça em Matéria de Ambiente, que tem como objectivo a garantia do acesso à informação, relaciona o acesso à informação com o fortalecimento da Democracia e reconhece a importância do papel desempenhado pelos cidadãos individualmente, organizações não governamentais e sector privado na protecção do ambiente.
    A ligação estrutural entre a tutela ambiental e o acesso à informação é igualmente defendida pela doutrina. Estabelecendo um paralelismo entre a importância do nível de informação dos cidadãos para a sustentabilidade da Democracia e o acesso à informação para a sustentabilidade ambiental, Carla Amado Gomes justifica a afirmação atendendo ao facto de o ambiente, enquanto valor de interesse público e colectivo, conduzir a uma solidariedade na prevenção de condutas lesivas a bens fundamentais para o equilíbrio ambiental; prevenção essa só alcançável através do acesso à informação. No mesmo sentido, Virgílio de Fontes Pereira afirma: “É nossa convicção que o domínio da informação é um dado que dá conteúdo à política preventiva do ambiente e um elemento motivador da participação.”
    Este entendimento isolado do Tribunal Constitucional acerca do Direito à Informação Ambiental reflecte-se na decisão tomada e na via argumentativa utilizada. Assim, este Tribunal confirmou a constitucionalidade da interpretação dada pelo acórdão recorrido ao art. 10.º da lei 65/93 no sentido de que, só quando não há lei ou cláusula de confidencialidade, é legítima a ponderação de valores em conflito pelo intérprete. Como bem nota Mário José Torres na declaração de voto vencido, acompanhado por Fernanda Palma, o Tribunal Constitucional ao demitir-se da ponderação a que constitucionalmente estava vinculado considerou que a lei e a Administração Pública, através da celebração do contrato se tinham vinculado ao sacrifício total do Direito de Informação Ambiental e à supremacia ilimitada do Direito ao Sigilo. Esta posição é inconstitucional por violação do art. 18 da Constituição. Por outro lado, a revogada lei 65/93 remetia no art. 22.º para a Directiva 90/313/CE. No art. 3.º n.º 2 da Directiva, previa-se a comunicação parcial da informação através da expurgação da informação que não pode ser transmitida e no n.º 4 consagrava-se a obrigação de fundamentação da recusa de informação. Constata-se que nenhum destes pontos foi considerado na fundamentação da decisão, permanecendo-se no “segredo do…segredo” relativamente à informação industrial protegida. É de salientar, ainda, na posição assumida, a desconsideração pela eficácia na protecção ambiental. Ao afirmar que “ caso a laboração da empresa venha a provocar (ou a ameaçar provocar) danos ambientais (…) “ poder - se - à discutir a prevalência do Direito do Ambiente sobre outros direitos, o tribunal não atendeu ao princípio da prevenção em sentido restrito, o qual se traduz em evitar perigos imediatos e concretos. Este princípio encontra-se previsto no art. 66.º n.º 2 da Constituição e assume extrema relevância no Direito do Ambiente: “O direito do Ambiente constitui um domínio jurídico forçosamente ancorado no princípio da prevenção “, como afirma Gomes Canotilho.
    A interpretação constitucional exposta do art.10.º da lei 65/93 no sentido da sua constitucionalidade é contrariada pela lei 19/2006, relativa à informação ambiental, que revoga a primeira. No art.11.º n.º 6 d), o indeferimento do pedido de acesso à informação devido a confidencialidade de informações comerciais ou industriais só é possível se respeitadas as condições aí contempladas. Para além destes requisitos, o n.º 8 consagra uma interpretação restritiva dos mesmos, ancorada no princípio da proporcionalidade na ponderação de interesses. Por último, o n.º 7 prevê uma excepção ao indeferimento no caso de segredo industrial ou comercial quando o pedido de informação incida sobre emissões para o ambiente. Consagra-se, assim, a dignificação do Direito de Informação Ambiental através de uma ponderação de interesses no âmbito de uma interpretação restritiva. Em suma, reconhece-se a íntima ligação entre informação ambiental, participação dos interessados nos procedimentos e tutela preventiva do ambiente.



    Ana Salgado F. Diogo
    Subturma 4  

  7. Anónimo disse...

    No Acórdão 136/2005 sobre direito à informação ambiental, temos um caso onde uma organização ambiental A, apresentou a 3 de Setembro de 2001 no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, um requerimento de intimação do Primeiro Ministro a facultar-lhe certidões, anexos e estudos técnicos, referentes a um contrato outorgado entre Portugal e as empresas do grupo B, de modo a permitir à requerente avaliar a incidência de uma unidade industrial em Esposende.
    O Tribunal Administrativo de Circulo indeferiu o pedido, tendo sido discutido na fundamentação da sentença a constitucionalidade da reserva decorrente do segredo industrial, pois o artigo 268º/2 da CRP não o refere explicitamente. O TAC concluiu que segundo as normas do artigo 62º/2 CPA, 10º/1 da Lei 65/93 de 26 de Agosto e o artigo 13º/1 do DL 321/95 de 28 de Novembro, “os valores subjacentes à consagração dos segredos comercial e industrial têm protecção constitucional” pelo que a reserva decorrente do segredo industrial não seria inconstitucional.
    A interpôs recurso para o Tribunal Central Administrativo adoptando a tese de inconstitucionalidade dos artigos 62º/1 CPA e 10º da Lei 65/93 quando interpretados no sentido de imporem reservas ao direito de informação para além do previsto no artigo268º/2 CRP. O Tribunal Central Administrativo negou provimento ao recurso considerando estar em causa a colisão entre o direito à informação e os direitos à propriedade e iniciativa privada, com o inerente segredo industrial e comercial. Sendo, assim, legitima a norma dos artigos em causa que permitem a recusa de acesso a documentos “cuja comunicação ponha em causa segredos industriais” e acrescentou que da clausula 17 do contrato de investimento estrangeiro resulta “a vinculação do Estado Português ao dever de sigilo”.
    A recorreu para o Tribunal Constitucional pretendendo a apreciação das normas constantes dos artigos em causa.
    O Tribunal Constitucional salientando que o interesse na tutela do ambiente é um interesse difuso entendeu que os direitos do artigo 268º CRP estão reconhecidos sem limites explícitos e que todos os direitos de informação frente à Administração Pública estão limitados por outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos.
    Todos os direitos fundamentais podem ser limitados ou comprimidos, no entanto, é necessário fundamentar a necessidade da limitação ou compressão quando ela não se obtém por normas constitucionais que regulem esses direitos. O TC diz que mesmo quando a CRP consagra um limite expresso não implica que nenhum outro limite foi desejado.
    Assim, entendeu o TC que é possível ao legislador prever excepções ao direito geral de informação, quer no âmbito de restrições autorizadas pela CRP, quer em caso de conflitos de direitos e, no caso não vê qualquer inconstitucionalidade na restrição, entendendo que cabe à Administração Publica proceder a avaliações ambientais e como tal o direito ao ambiente estaria assegurado.
    No entanto, o Acórdão teve dois votos vencidos que entenderam que a interpretação normativa feita no Acórdão viola o princípio da proporcionalidade na restrição ao direito à informação conjugando os artigos 18º/2 e 268º/2 CRP.
    Parece que o Tribunal se demitiu de efectuar a ponderação que se impõe pelo princípio da proporcionalidade, adequação e necessidade das restrições, porque a Administração já se tinha comprometido pelo sigilo do negócio.
    O Tribunal argumentou que se a empresa vier a provocar danos ambientais, aí existiriam mecanismos próprios para sancionar esse comportamento, contudo, um dos princípios basilares do direito do ambiente é o principio da prevenção, daí decorre que não se deve esperar o dano para agir, mas sim, prevenir o dano.
    O acesso à informação ambiental, principalmente, em casos como este é fundamental para os cidadãos poderem exercer o seu direito de intervenção com o objectivo de defender o ambiente em que todos vivemos. Direito esse com consagração constitucional, artigos 66º/1 e 2, a) e b), bem como na Lei de Acesso à Informação ambiental, 19/2006, que prevê no seu artigo 11º situações de indeferimento tácito, onde se enquadra a situação presente no Acórdão em causa, alínea d).
    O que não impede de se considerar excessiva esta justificação para indeferimento do pedido de informação ambiental, pois, coloca-se aqui o direito à propriedade privada, ao investimento económico acima do direito ao ambiente, sendo este um direito à qualidade de vida.
    O direito do ambiente não deve ser afastado com base em argumentos puramente economicistas, quando o que está em causa quando o direito à informação ambiental é negado, é, no limite a dignidade da pessoa humana que é colocada em causa pois, o seu direito a intervir contra uma situação que poderá vir a colocar a sua qualidade de vida em causa, afectando o seu meio ambiente com poluição que daí poderá advir é restringido.
    É se lamentar e salientar a orientação dos tribunais em especial do Tribunal Constitucional que parece ser a de relativizar o direito do ambiente em prol de direitos de cariz económico.  


 

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