Constitucionalidade do regime da REN - Tarefa

Car@s alun@s,

Encontra-se disponível para comentar, na secção de jurisprudência, um acórdão do Tribunal Constitucional (Ac. 544/2001) sobre a constitucionalidade do regime jurídico da Reserva Ecológica Nacional (Decreto-Lei n.º 93/90, de 19 de Março).
Bom trabalho!

22 comentários:

  1. Anónimo disse...

    Comentário ao acórdão do Tribunal Constitucional (AC.544/2001)


    Relativamente à inconstitucionalidade orgânica e formal do Decreto-Lei nº93/90, isto é, do regime jurídico da Reserva Ecológica Nacional, invocada pelo recorrente, parece-me que não haverá muito a dizer. De facto facilmente se chega à conclusão que, tendo havido prévia lei de bases, não carecia o governo agora de qualquer autorização legislativa.
    A questão que me parece aqui mais importante do ponto de vista do Direito do ambiente é a do direito de propriedade que o recorrente invoca e defende como sendo absoluto.
    O direito de propriedade é reconhecido no artigo 62º da CRP e, obviamente, aproveita do regime dos artigos 17º e 18º. Ora, evidentemente, como um direito tão importante que é, a propriedade privada deve ser respeitada tanto quanto possível. Acontece porém que o direito de propriedade não é absoluto. Em primeiro lugar, isso é bastante evidente se atentarmos no número 2 do artigo 62º – a expropriação é desde logo a mais expressa limitação a este direito. Mas não é esta a única forma de se limitar a propriedade privada. Do artigo 18º/2 CRP podemos retirar que há a possibilidade dos direitos, liberdades e garantias serem restringidos, desde que isso conste de forma expressa na nossa Lei Fundamental e seja respeitado o princípio da proporcionalidade. Ora, é isso que acontece no caso do acórdão que estamos a analisar. Como sabemos, existe hoje um direito fundamental ao ambiente, também ele de grande importância. Podemos ver isso no artigo 66º/2 CRP. Este direito ao ambiente tem então que ser conjugado com outros direitos e, portanto com o direito de propriedade. Parece-me que da alínea b do artigo 66º/2 podemos retirar um desses casos expressos em que um outro direito poderá ser restringido, cedendo assim ao princípio do desenvolvimento sustentável e ao direito fundamental ao ambiente em geral. Também podemos defender isto em face do artigo 9º CRP, nas suas alíneas b, d, e muito especialmente a alínea e.
    Assim sendo deve considerar-se constitucional o regime jurídico da reserva ecológica nacional.
    Note-se que não poderia ser outra a solução. Se é facto que o direito de propriedade deve ser respeitado numa democracia, também não deixa de ser verdade que, para bem de todo país e de toda a humanidade, por vezes terá que ceder perante certos problemas ecológicos e concretamente perante o direito fundamental ao ambiente que, refira-se, faz parte de uma democracia moderna e consciente.  

  2. Anónimo disse...

    A análise que se segue é do acórdão n.º 544/01 do Tribunal Constitucional. Não cabe aqui debruçar sobre a matéria de facto, nem sobre o problema da delimitação do objecto do recurso, pelo que passamos à apreciação das questões constitucionais suscitadas. Por uma questão de facilidade de exposição a referência aos artigos do diploma da Reserva Ecológica Nacional (Decreto-Lei n.º 93/90, de 19 de Março) corresponde à numeração dos mesmos à data do acórdão.

    INCONSTITUCIONALIDADE ORGÂNICA
    A recorrente alega a inconstitucionalidade orgânica das normas do artigo 17º, n.º s 1 (conjugado com o n.º 1 do artigo 4º e com a alínea d) do anexo II) a 6 do Decreto-Lei n.º 93/90, de 19 de Março. Na opinião da recorrente, a criação de tais normas, tratando-se de normas relativas ao direito de propriedade e tendo este um estatuto jurídico-constitucional análogo ao estatuto dos direitos, liberdades e garantias (artigo 17.º CRP), competia à Assembleia da República. Tratando-se de uma reserva relativa de competência, o Governo carecia de uma autorização da Assembleia da República para legislar sobre aquela matéria (artigo 165.º, n.º 1, alínea b) CRP).
    A este propósito coloca-se a questão de saber se as normas cuja inconstitucionalidade se alega (normas que condicionam as operações de loteamento, obras de urbanização, construção de edifícios, obras hidráulicas, vias de comunicação, aterros, escavações e destruição do coberto vegetal, sujeitando estas actividades à aprovação de certas entidades administrativas), são normas restritivas do conteúdo do direito de propriedade. Na resposta a esta questão deparamos com uma questão prévia: o “ ius aedicandi” (o direito de urbanizar, lotear e edificar) faz parte do conteúdo do direito de propriedade? A doutrina não é unânime.
    O Professor R. ERHADT SOARES e o Professor ALVES CORREIA respondem negativamente a esta questão, dizendo que não existe um direito originário á construção. Para estes autores o direito de construir só se adquire com uma autorização, licença de construção ou com mecanismos de concessão jurídico-pública decorrente do sistema de funcionamento do plano urbanístico.
    Para os Professores FREITAS DO AMARAL, OLIVEIRA ASCENSÃO, VITAL MOREIRA E GOMES CANOTILHO, o “ius aedificandi” é uma faculdade que integra o conteúdo do direito de propriedade. O Professor FREITAS DO AMARAL chega mesmo a elencar um conjunto de razões que justificam esta posição, de entre as quais o facto de o proprietário do solo poder ceder a outrem o direito de construir no seu terreno (direito de superfície), e o facto de em relação às emissões de tais autorizações e licenças vigorar o princípio do deferimento tácito e o princípio da taxatividade quanto aos fundamentos do indeferimento.
    Salvo o devido respeito, concordo com a segunda posição. Na verdade, sendo o direito de propriedade um direito real máximo, parece-me que, mesmo não sendo dito expressamente no artigo 62 da CRP, é de considerar o “ius aedificandi” como faculdade que integra os direitos do proprietário na medida em que ela está intimamente legada com a protecção do gozo ou do aproveitamento dos bens de que se é titular. E deste modo, também concordo com a posição do Professor FREITAS DO AMARAL e o Professor PAULO OTERO que defendem que todas as normas que contenham alterações ao “ius aedificandi” têm que ser produzidas ou autorizadas pela Assembleia da República. Consequentemente estaríamos perante uma inconstitucionalidade orgânica do diploma em causa.

    Contudo, não é esta a posição do acórdão em análise. O acórdão defende que, não fazendo o “ius aedificandi” parte do conteúdo do direito de propriedade, o governo, ao legislar sobre tal matéria, não editou normas sobre o direito de propriedade, e, deste modo, não violou o artigo 165, n.º 1, alínea b). Mas, segundo o acórdão, ainda que se entenda que os direitos de urbanizar, lotear e edificar integram o conteúdo do direito de propriedade não haverá violação da reserva de competências da Assembleia da República porque “ tal reserva parlamentar abrange apenas as intervenções legislativas que contendam com o núcleo essencial dos direitos análogos, por aí se verificarem as mesmas razões de ordem material que justificam a actuação legislativa parlamentar no tocante aos direitos, liberdades e garantias”.

    INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL
    Esta questão não levanta grandes dificuldades, pelo que a referência a ela será breve. Tal como refere o acórdão “ não gera inconstitucionalidade formal a alegada “ errada indicação” da alínea ao abrigo da qual o Governo exerceu a sua competência legislativa (…), redundando tal vício em mera irregularidade”.

    INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL
    Mesmo dizendo que o direito de propriedade inclui os direitos de urbanizar, lotear, e edificar, concordo com a posição adoptada pelo acórdão. Sendo o direito de propriedade e o direito ao ambiente, ambos direitos fundamentais (admitindo a posição do Professor Vasco Pereira da Silva), estamos perante um conflito, “entre o direito de propriedade e as exigências de protecção da natureza e do equilíbrio ecológico, sendo impostas pela própria natureza intrínseca ou pela situação da propriedade e, portanto, não podendo ser havidas como inconstitucionais”. Hoje, o direito de propriedade não é um direito absoluto e ilimitado, podendo comportar, deste modo, restrições justificadas pelos princípios da igualdade, da justiça, da proporcionalidade e prossecução de interesse público e boa administração da justiça.
    Concluindo, diante de uma situação de restrição do direito de propriedade não devemos sem mais invocar uma inconstitucionalidade material. Há que ponderar os interesses em presença, analisando tanto as questões ambientais como o direito à propriedade privada e, de acordo com os princípios constitucionais, ver qual é que prevalece.

    Dulcelina Sanches Rocha
    N.º 15008
    Subturma 2  

  3. Anónimo disse...

    O acórdão em análise aprecia a conformidade constitucional das normas do art. 17º n.º1 (conjugado com o art. 4º n.º 1 e com alínea d do anexo II) ao nº 6 do DL n.º93/90 de 19 de Março. A numeração e redacção dos artigos corresponde à que estes tinham no DL nº 316/90 de 13 de Outubro.
    O recorrente alega a inconstitucionalidade orgânica do DL n.º 93/90 por violação do actual art. 165º n.º1 b) da CRP, nos termos do qual é da exclusiva competência da AR legislar sobre direitos, liberdade e garantias, salvo autorização ao Governo. O mesmo DL padeceria assim de inconstitucionalidade orgânica porque restringe um direito fundamental de natureza análoga (art. 17º CRP) aos direitos liberdades e garantias (direito de propriedade), sem que tivesse havido Lei de autorização legislativa.
    O Tribunal Constitucional questiona-se se as normas em apreciação, que condicionam certas actividades como operações de loteamento, construção de edifícios, aterros, entre outras, restringem o conteúdo do direito de propriedade. Para que estas actividades restrinjam o conteúdo do direito de propriedade temos de pressupor que o “ius aedificandi” (direito de urbanizar, lotear e edificar) é uma faculdade inerente ao direito de propriedade privada. Será?
    O direito de propriedade privada não é um direito absoluto e ilimitado, nem o primeiro dos direitos constitucionais como outrora foi o entendimento liberal-burguês. Este direito encontra-se no elenco dos direitos económicos, sociais e culturais, não obstante não se encontrar positivado como um direito, liberdade e garantia, a generalidade da doutrina considera que lhe deve ser reconhecido um estatuto jurídico-constitucional análogo aos direitos liberdades e garantias (Gomes Canotilho, Vital Moreira, Jorge Miranda, Vieira de Andrade). Só assim se pode considerar abrangido pelo art. 18º da CRP, nomeadamente quanto às restrições.
    Para Elizabeth Fernandez o direito de propriedade é condicionado tendo em conta a necessidade de concretizar outros fins e interesses públicos, como é o caso do interesse público ambiental (2001). Acrescenta a autora que o direito de propriedade é um direito análogo aos direitos, liberdades e garantias com um conteúdo próprio que, sendo notado de perceptibilidade, apenas justifica a intervenção legislativa para ter maior exequibilidade, para que lhe seja possível proteger outros interesses jurídico-constitucionalmente protegidos para se tornar “instrumento de aplicação e prossecução do programa normativo ambiental da Constituição”.
    Posto isto cabe apresentar algumas posições doutrinárias quanto à questão de saber se o “ius aedificandi” consta do conteúdo constitucional do direito de propriedade. Há quem entenda que aquele não se inclui no direito de propriedade, não existindo assim um direito originário à construção. Este só se pode adquirir comum autorização ou licença de construção ou com mecanismos de concessão jurídico-pública decorrente do plano urbanístico, sendo esta a posição de Erhardt Soares. Também Alves Correia nega a inclusão do ”ius aedificandi” no conteúdo do direito de propriedade privada, sendo aquele um poder que acresce à esfera do proprietário tendo em conta as condições definidas por determinadas formas (1990). Não obstante, admite que caso um terreno seja considerado como “zona verde” o proprietário tem que ver reparados os prejuízos sofridos. Por outro lado há quem entenda, nomeadamente Gomes Canotilho, Oliveira Ascensão, Rui Medeiros, Vital Moreira e Freitas do Amaral, que o direito a edificar se inclui no direito de propriedade privada, no entanto está em “estado potencial” uma vez que o seu exercício está sujeito a certos condicionalismos decorrentes de normas jurídicas específicas de natureza urbanística ou de natureza ambiental. Para Freitas do Amaral a possibilidade de cedência do direito de construir sob o seu próprio terreno (direito de superfície) indicia que o proprietário dispõe desse direito (1991). O facto de esta faculdade estar dependente de autorização ou licença administrativa não se apresenta como um argumento contra ao “ius aedificandi” integrar o conteúdo originário do direito de propriedade, pois quanto a estas autorizações e licenças administrativas vigora o princípio do deferimento tácito e o princípio da taxatividade para o indeferimento.
    O Tribunal Constitucional entendeu não haver inconstitucionalidade orgânica porque mesmo que se entenda que o “ius aedificandi” é inerente ao direito de propriedade privada, só estão abrangidas na reserva legislativa parlamentar as intervenções que “contendam com o núcleo essencial dos direitos análogos”. Este tribunal considerou que os direitos de urbanizar, lotear e edificar não se incluem na dimensão essencial não se apresentando estas faculdades essenciais á realização do Homem como pessoa “salvo, porventura, quando esteja em causa a salvaguarda do direito à habitação própria”.
    O TC afastou também a inconstitucionalidade formal entendendo que a “errada indicação da alínea” consubstancia apenas uma mera irregularidade e que a exigência do actual 198 nº3 não exige que a invocação da lei de bases seja feita no local preciso, bastando a invocação expressa, o que se verificou pois no preâmbulo do DL 93/90 pode ler-se “com o presente diploma, e no seguimento do disposto no art. 27º da Lei de Bases do Ambiente – Lei nº 11/87 de 7 de Abril (…)”.
    O recorrente alega que o DL 93/90 viola o disposto nos artigos 62º, 65º nº4 e 266º nº1 da CRP (cujo conteúdo essencial se mantém na actual versão) e que, uma vez que o regime da REN contempla “ uma forma de intervenção dos poderes públicos no regime dos solos por motivos de interesse público”, teria de prever a indemnização exigida nos art. 83º e actual 165 nº1 al. l) da CRP. Atendendo à restrição do direito de propriedade o recorrente fundamenta a inconstitucionalidade material na violação de princípios constitucionais como o princípio da igualdade, da justiça, da proporcionalidade e da prossecução do interesse público e da boa administração.
    Quanto à inconstitucionalidade material o TC entendeu que não havia violação do art. 18º nº3, conjugado com o art. 62 nº1 da CRP. Para quem entenda que o “ius aedificandi” não integra o direito de propriedade tal não levanta quaisquer problemas, não se traduzindo a proibição de construir numa restrição ou compressão do direito. Por outro lado, para quem sustenta a opinião contrária, as proibições de contrição e as limitações e condicionamentos impostos resultam de uma situação de conflito entre o direito de propriedade e as exigências ambientais e de ordenamento do território. Perante o conflito, na impossibilidade de harmonização, uns têm que prevalecer sobre os outros.
    O TC entendeu que a “especial situação da propriedade (…) importa uma situação também especial (uma vinculação situacional) que mais não é do que a manifestação da hipoteca social que onera a propriedade privada do solo”. De acordo com o entendimento do TC as proibições de construção imposta pela REN e as limitações e condicionamentos que esta impõe ao direito de edificar, ainda que restrições ao direito de propriedade, são justificadas e conformes à tutela da propriedade privada e aos princípios constitucionais.
    Quanto ao direito à indemnização o TC sustenta que tal só se verifica quando a “proibição implica um dano de gravidade e intensidade tais que torna injusta a sua não equiparação à expropriação, para o efeito de dever ser paga uma indemnização”.
    Creio que, tendencialmente, o direito fundamental ao ambiente terá de prevalecer, não obstante de ser sempre necessária uma ponderação casuística. O regime do DL 93/90 contende com a propriedade imobiliária enquanto objecto específico do direito de propriedade privada sendo necessário harmonizar o exercício do direito de propriedade com o interesse público ambiental, fazendo uma ponderação justa, razoável e proporcional entre os interesses dos particulares e as exigências ecológicas.
    Tal como ficou demonstrado no estudo “A Reserva Ecológica Nacional (REN): sua importância para o ambiente e ordenamento do território”, efectuado pelas investigadoras Ana Pereira, Catarina Ramos e Manuela Laranjeira, é necessário que a população tenha conhecimento do que é a REN e seus objectivos, pois é a população e os autarcas em particular que melhor podem preservar a integridade da REN. O estudo em causa concluiu que os munícipes ou não conhecem ou têm uma noção muito parcial, ou até equivoca, dos objectivos e importância da REN no ordenamento e gestão do território concelhio e nacional. Assim sendo, tornar-se-á muito mais difícil aos particulares verem o seu direito de propriedade restringido porque, na maioria dos casos, não têm consciência de que tal é extremamente necessário à salvaguarda do ambiente.
    Urge a tomada de medidas de esclarecimento da população que se destinem á “tomada de consciência sobre o ambiente, os problemas ambientais, a utilização e gestão sustentável dos recursos naturais e à responsabilidade a nível individual e colectivo” (Ana Pereira et al, 2000). É importante criar uma motivação para a participação activa de todos os cidadãos na preservação da qualidade ambiental.


    Bibliografia consultada:

    Alves Correia (1990), O plano urbanístico e o princípio da igualdade, Coimbra: Almedina.

    Amaral, Freitas (1991), Apreciação da dissertação de Doutoramento do Licenciado Fernando Alves Correia, RFDL.

    Fernandez, Elizabeth (2001), Direito ao ambiente e propriedade privada, Coimbra editora.

    Pereira, Ana et al, (2000), A Reserva Ecológica Nacional (REN): sua importância para o ambiente e ordenamento do território in http://www.ceg.ul.pt/finisterra/numeros/2000-70/70_01.pdf, acedido em 9 de Abril de 2008.


    Julieta Ribeiro
    Nº 14922
    subturma 1+5  

  4. Anónimo disse...

    O acórdão 544/01 do TC analisa a conformidade do regime da REN com a CRP, e analisa, também, outros dois pontos: a inclusão (ou não) do ius aedificandi – direito de urbanizar – no direito de propriedade privada e o dever de indemnizar.
    Após a análise de todos os factos e de expor as razões de direito pertinentes, o TC decide pela constitucionalidade do regime da REN, o que traz à colação uma outra discussão tão ou mais importante: o direito de propriedade e os moldes em que é desenhado nesta decisão.
    No acórdão é defendido que o direito a urbanizar, lotear e edificar não se inclui no direito de propriedade.
    É preciso levar em linha de conta que a concepção privatista do direito de propriedade não pode ser aplicada tout court, pois esbarra com a protecção do ambiente pelos poderes público. Logo, temos que limitar o direito de propriedade e a iniciativa privada: devem-se reconhecer os interesses dos outros e não apenas do proprietário – deve haver uma conformação dos interesses do proprietário e dos interesses ambientais. Ao fazermos essa limitação, podemos defender uma ideia de preservação do meio ambiente como objectivo final específico da função social da propriedade – temos, assim, a ideia de aproveitamento da propriedade de forma a que ela atenda a interesses sociais dirigidos para a qualidade de vida da Sociedade e para o desenvolvimento sustentável. O direito de propriedade não pode ser visto, de forma alguma, como um direito absoluto, nem mesmo face ao direito do ambiente, pois na esfera privada podem estar inseridos bens de interesse colectivo que implicam uma tutela jurídica mais direccionada para si do que para o proprietário e os seus interesses.
    Esta visão do direito de propriedade traz inerente o dever de uso racional e adequado dos bens com interesses ambientais, dever que se encontra agregado à lógica do princípio da solidariedade intergeracional.
    Pelo exposto, não podemos, de todo, concordar com a forma como o direito de propriedade é desenhado na decisão em análise (de forma absoluta). Apesar de estarmos perante direitos fundamentais, não nos parece que o direito à propriedade privada se possa sobrepor ao direito ao ambiente na medida em que deixe de ser possível garantir um ambiente sadio e equilibrado (nos termos do art.º 66º CRP). Assim como o Estado tem o dever de prevenir e controlar a degradação ambiental, todos nós, não só enquanto cidadãos, mas também enquanto (possíveis) proprietários privados,o devemos fazer, máxime, limitando o uso de propriedade diante do interesse colectivo. Contudo, é preciso ter em conta que esta limitação não pode ser levado ao extremo, pelo que, para que não haja direito a indemnização, o proprietário tem que continuar a exercer posse e domínio sobre o seu bem (exercer a propriedade de forma limitada), dando-lhe, de preferência, uma utilização que não entre em conflito com os dois lados da balança: os interesses sociais e os interesses ambientais.
    Se, por outro lado, não for possível ao proprietário exercer a sua propriedade (mesmo que limitada), estamos já perante um caso em que deve haver lugar a indemnização e que nos pode levar a pensar se estamos perante uma forma legítima de expropriação.
    Esta forma de ver o direito à propriedade privada, está, em grande medida, relacionada com o princípio do desenvolvimento sustentável, na medida em que aquela deve ser fonte de incentivos a condutas proprietárias socialmente benéficas.  

  5. Subturma 2 disse...
    Este comentário foi removido pelo autor.
  6. Subturma 2 disse...

    Comentário ao Acórdão nº 544/01

    Cabe-nos em primeiro lugar fazer referência de que a Reserva Ecológica Nacional (REN) tem como finalidade a existência de um equilíbrio entre a exploração dos recursos e a utilização do território e por outro lado a salvaguarda de determinadas funções, qualidades e potencialidades das mesmas de que dependem o equilíbrio ecológico e a estrutura biofísica das diversas regiões, assim como a salvaguarda de muitos dos seus valores económicos, sociais e culturais.
    É necessário cada vez mais utilizarmos racionalmente os recursos naturais de que dispomos e para tal a REN é um instrumento de ordenamento da maior importância.
    É ainda de lembrar que á data do acórdão as áreas a integrar e a excluir da REN não estavam ainda delimitadas, assim como ainda hoje não estão como deveriam.
    Cabe-nos agora debater as questões mais importantes do acórdão:
    - Face ao 1º argumento, o recorrente vem-nos dizer que o regime da REN foi estabelecido pelo D.L. sem autorização prévia da A.R., no entanto, parece-nos de referir que o D.L.93/90 vem desenvolver a lei de bases em causa , não é um d.l. autónomo, logo não desrespeitando essa lei e estando de acordo com os seus princípios fundamentais, não seria então necessária a referida autorização. Além disso, no preâmbulo do diploma é feita referência à lei de bases e como tal não sendo exigida outro tipo de referência ao dito diploma, bastava que estivesse bem identificável o que era o caso, logo não me parece que proceda por aqui o argumento de inconstitucionalidade.
    - Quanto ao 2º argumento e a meu ver um dos mais importantes, se não até o mais importante, o recorrente alega que o regime da REN é uma limitação do direito de propriedade plasmado no art. 62º da CRP.
    No entanto, cabe-nos mais uma vez referir que o direito de propriedade não é um direito absoluto como refere o tribunal e muito bem, tem limitações necessárias à defesa e outros direitos e interesses com igual consagração constitucional. Neste caso, poderia estar em causa e em colisão com o direito de propriedade, a utilização racional dos recursos naturais, com base no solo, e tendo por finalidade o desenvolvimento equilibrado das populações urbanas, rurais e com vista a uma melhoria das condições de vida. Podemos questionar até, se o direito de propriedade inclui o direito de construir ou antes radica na licença de construção, pelo que é necessário ter em conta que a autorização dos solos está sujeita a uma rede complexa de planos de ordenamento, autorizações,…
    Apesar de o direito de propriedade estar consagrado na CRP e como tal ser por esta protegido, é necessário ver que torná-lo absoluto será abdicar dos planos de ordenamento e de todas as tentativas de organização das construções nos solos e de protecção dos recursos naturais, é como criar uma selva onde cada um constrói pela sua livre vontade destruindo tudo o que de bom até aqui se protegeu.
    Cabe-nos ainda tomar posição face a uma querela doutrinária.
    De um lado, temos a doutrina que defende que o direito de construir não é inerente ao direito de propriedade do solo, logo, o governo não invadiu o campo de legislatura da Assembleia da República relativamente aos direitos, liberdades e garantias.
    De outro lado, temos a doutrina que defende que apesar de o direito de construir ser inerente ao direito de propriedade e sendo o direito de propriedade privada análogo aos direitos, liberdades e garantias, nem toda a legislação que lhe diga respeito está sob a reserva parlamentar atinente a esses direitos.. Ainda assim, urbanizar, lotear e edificar apesar de inerentes ao direito de propriedade do solo, e por no caso concreto não estar em causa o direito de habitação própria, não são essenciais à realização do homem como pessoa. Logo, o direito de edificar tem de ser exercido de acordo com os planos de ordenamento de território, desta forma, só existe nos solos que o qualifiquem segundo os planos, como urbano.
    Entendo que a melhor opinião é aquela que defende que o direito a construir não é um direito inerente ao direito de propriedade, como tal, no caso concreto o governo não invadiu a reserva parlamentar do art. 168º/1b) CRP, dado que não criou normas sobre o direito de propriedade privada.

    - Face ao 3º argumento do recorrente, relativo à inconstitucionalidade do D.L. 93/90 por violação dos arts. 62º e 168/1b) CRP, cabe-nos dizer que o recorrente não soube especificar quais as normas que entendia inconstitucionais no diploma, uma vez que nem todas elas foram aplicadas ao caso concreto, aparece antes que foi um argumento utilizado sem uma base de fundamentação coerente e plausível, pois deu a entender que o recorrente nem sabia quais as normas do diploma que estavam em causa a ser aplicadas.
    Como chegou e bem à conclusão o tribunal, apenas o art. 17º do diploma estava aqui em causa.
    As normas em apreciação estabelecem condicionamentos a determinadas operações, mas não são proibidas, por estarem fora da zona REN, apenas estão condicionadas uma vez que dependem de aprovação.
    Mais uma vez, por aqui o argumento de inconstitucionalidade do diploma também não procede.

    - Quanto ao 4º argumento o requerente refere o facto do D.L. ter sido emitido ao abrigo do art. 201/1ª) CRP, e não do art.201º/1c), como mencionou o governo.
    No entanto, não era sequer necessário a invocação da alínea em causa, como tal, penso que esse erro seria irrelevante.

    - Quanto ainda ao pedido de indemnização, importa distinguir e saber se a proibição de construir em causa, implicava um dano de gravidade e intensidade que tornasse a situação equiparável à expropriação e nesse caso seria devida a indemnização, ou no caso contrário, a proibição de construir teria uma natureza intrínseca ao direito de propriedade e portanto não haveria lugar a indemnização.
    No caso concreto, o tribunal não pôde decidir da questão em causa, no entanto, a meu ver, e de acordo com os elementos que existem no acórdão, penso que não haveria lugar a indemnização por ser uma proibição de natureza intrínseca ao direito de propriedade, não creio que houvesse motivo para equiparação à expropriação.


    Mónica Campos
    Subturma 2
    Nº 14473  

  7. Anónimo disse...

    Carla Lourenço disse...

    Análise ao Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 544/01

    O recorrente interpôs recurso do referido acórdão de 16 de Janeiro de 2001 para o Tribunal Constitucional, com fundamento na inconstitucionalidade orgânica, formal e material do DL n.º 93/90, de 10 de Março (regime jurídico da Reserva Ecológica Nacional), por violação dos arts 62.º e 168.º/1,b e n.º2 da CRP ( estes artigos dizem respeito à redacção vigente no momento em que a questão foi suscitada nos autos).
    O recorrente alega que o acto recorrido enferma de violação de lei, sob a forma de erro sobre os pressupostos de direito e de facto e a aplicação de normas inconstitucionais, tendo violado nomeadamente, os arts 168.º/1,a e n.º2 da CRP, 4.º e 17.º do DL n.º 93/90 24.º/3 e 30.º/1 do DL n.º 400/84. O recorrente invoca que o regime da REN foi estabelecido por decreto-lei, sem autorização prévia da Assembleia da República e que o regime da REN configura uma limitação do direito de propriedade, contemplado no art. 62.º da CRP, direito fundamental sujeito ao regime dos direitos liberdades e garantias. Mas, o direito de propriedade, como direito constitucionalmente garantido, não é um direito absoluto, antes comporta restrições necessárias à defesa de outros direitos e interesses com igual consagração constitucional, como por exemplo direitos sociais designadamente, a defesa do património cultural, da protecção da natureza e do equilíbrio ecológico, art.66.º/2 da CRP.
    O direito de propriedade está sujeito a limites intensos, sendo particularmente relevantes os que ocorrem no domínio urbanístico e do ordenamento do território, a ponto de se questionar se o direito de propriedade inclui o direito de construir- jus aedificandi- ou se este radica antes no acto administrativo autorizativo (licença de construção), pelo que a utilização do uso dos solos está sujeita a uma rede complexa de planos de ordenamento, autorizações, licenças, proibições, materialmente constitutivos de ónus ou restrições socialmente adequadas, nuns casos, ou de sacrifícios especiais legitimadores de um direito indemnizatório, noutros casos . Concordo com a primeira posição, afirmando que o direito de propriedade deve incluir o direito de construir (e obviamente, o de lotear e urbanizar), apesar de este direito estar dependente de uma licença de construção.
    Ficou provado no acórdão que o acto recorrido baseou-se em normas que não diminuem o alcance do conteúdo dos preceitos constitucionais, inexistindo portanto o alegado vício de violação de lei.

    Quanto à inconstitucionalidade orgânica invocada pela recorrente das normas do artigo 17.º, n.º1 a 6 do DL n.º 93/90, o Tribunal Constitucional decidiu que a mesma não tinha razão. A recorrente alega que as normas atrás referidas dizem respeito a matérias da competência da Assembleia da República: direitos, liberdades e garantias, (art.17.º da CRP) e deste modo é da exclusiva competência da Assembleia da República, salvo autorização ao Governo ou às Assembleias Legislativas Regionais legislar sobre as referidas matérias, art. 165.º/1,b da CRP. O problema que se nos coloca é o de saber se o ius aedificandi, mais propriamente, o direito de urbanizar, lotear e edificar se incluem no direito de propriedade privada. Fernando Alves Correia responde de forma negativa, dizendo que o ius aedificandi é “o resultado de uma atribuição jurídico-pública decorrente do ordenamento jurídico urbanístico, designadamente do planos”, ou seja, “ um poder que acresce à esfera jurídica do proprietário, nos termos e nas condições definidas pelas normas urbanísticas”. E isso, apesar de o direito de propriedade ser um direito de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias.
    Diogo Freitas do Amaral entende que o ius aedificandi constitui parte integrante do direito de propriedade privada, por ser uma das faculdades em que tal direito se analisa, acontecendo apenas que o seu exercício está dependente de uma autorização da Administração, não tendo forçosamente que concluir que toda a normação que contenha alterações ao ius aedificandi, haja de ser produzida ou autorizada pela Assembleia da República, como entendem alguns Professores, Freitas do Amaral, Paulo Otero, Sérvulo Correia e Bacelar Gouveia. É que, apesar de o direito de propriedade privada ser um direito de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, nem toda a legislação que lhe diga respeito se inscreve na reserva parlamentar atinente a esses direitos, liberdades e garantias.
    Concordo com a posição atrás defendida pelo Professor Freitas do Amaral e com o facto de ao direito de propriedade estar subjacente o direito de cada um a não ser privado da sua propriedade, salvo por razões de utilidade pública.

    Quanto à inconstitucionalidade formal, se a Constituição não exigia que o Governo indicasse a alínea do preceito constitucional ao abrigo da qual exercia determinada competência, não se pode concluir pelo vício susceptível de gerar inconstitucionalidade formal, constituindo antes a alegada “errada indicação” uma mera irregularidade.

    Quanto à inconstitucionalidade material a recorrente alega que as normas dos arts 62.º/2, 65.º/4 e 266.º/1 foram violados e apela aos princípios da igualdade, justiça, proporcionalidade e prossecução do interesse público e boa administração. O Tribunal Constitucional respondeu e bem negativamente às alegações da recorrente.
    Quando se entenda que o direito de construir é uma dimensão do direito de propriedade, as proibições de construção decorrentes de planos urbanísticos resultam da necessidade de resolver situações de conflito entre o direito de propriedade e as exigências de ordenamento do território. E os conflitos de direitos resolvem-se, harmonizando esses direitos em toda a medida em que tal seja possível; ou, quando o não for, fazendo que uns prevaleçam sobre outros. Deste modo, quando a proibição de construir é imposta pela própria natureza intrínseca ou pela situação de propriedade, não pode ser havida como inconstitucional e tal como não pode atribuir um direito a indemnização. Fernando Alves e bem refere a atribuição do direito a indemnização no caso de a proibição implicar um dano de gravidade e intensidade tais que torne injusta a sua não equiparação, à expropriação, para o efeito de dever ser paga uma indemnização.


    Carla Lourenço, N.º 14967, Subturma 2  

  8. Anónimo disse...

    O acordão 544/2001 do Tribunal Constitucional pronuncia-se sobre a constitucionalidade do Regime Jurídico da REN (Rede Ecológica Nacional), nomeadamente no que concerne à limitação feita ao Direito de Propriedade (que tem um estatuto jurídico-constitucional idêntico ao dos Direitos, Liberdades e Garantias) por tal regime, através da proibição de construção/urbanização em algumas áreas do território nacional.
    Neste acordão, a rocorrente suscitadou ao Tribunal Constitucinal três tipos de incontitucionalidade, formal, orgânica e material.
    Começo por cometar aquela que para mim parece de mais pacífica solução. No caso sub judice, o Tribunal Constitucional pronunciou-se, e bem, no sentido da inexistência de qualquer inconstitucionalidade formal. De facto, o mero erro na indicação da alínea ao abrigo da qual o Governo legislou sobre a matéria, não pode ser motivo suficiente para justificar uma inconstitucionalidade formal. Tal vício não mais seria que uma mera irregularidade. Não há assim, no caso, qualquer inconstitucionalidade formal.
    Os outros dois problemas de incontitucinalidade invocados pela recorrente (a orgânica e a material) são mais complexos e necessitam de uma análise mais cuidada. Conexa com as inconstitucionalidades invocadas, está o problema do conteúdo do Direito de Propriedade, especificamente no que concerne à inclusão ou não no seu conteúdo do “ius aedificandi” (direito de urbanizar, edificar e lotear).
    Como define a generalidade da doutrina (por exemplo Carvalho Fernandes e Oliveira Ascensão), o direito de propriedade é um direito real pleno, a propriedade é o direito real máximo. Dizem estes autores, como também dizem Freitas do Amaral, Gomes Canotilho e Vital Moreira, que o direito de propriedade é um direito com várias componentes, sendo uma delas o direito de construir, edificar e lotear. Tenho que concordar com estes autores. Sendo a propriedade o direito real maior, o direito real máximo, a sua utilização e sua forma de utilização devem depender da vontade do proprietário. A interferência com a vontade do titular da propriedade só pode ser justificada por manifesta necessidade ou por fortes razões de justiça, igualdade ou proporcionalidade. Não posso concordar com autores como Alves Correa que entendem que o “ius aedificandi” não está contido no direito de propriedade. Este entendimento, salvo o devido respeito, reteraria grande parte do conteúdo e sentido útil do direito de propriedade. Para mim, o “ius aefificandi” está contido no Direito de Propriedade, apesar de a tal respeito nada preceituar expressamente o artigo 62º da Constituição da República Portuguesa.
    Sendo o “ius aedificandi” parte do Direito de Propriedade que, por sua vez, é um direito análogo aos Direitos, Liberdades e Garantias, o Governo não poderia ter legislado sobre a matéria sem a prévia autorização da Assembleia da República (artigo 165º/nº2 alínea b) da Constituição da República Portuguesa). Discordo da interpretação feita pelo acordão no sentido da inexistência no caso de inconstitucionalidade orgânica. No meu entendimento, há aqui uma clara inconstitucionalidade orgânica por violação da reserva relativa da Assembleia da República. Não concordo com os arugmentos invocados pelo Tribunal Constitucional no sentido de que a reserva parlamentar apenas diz respeito aos interesses legislativos que contendem com o núcleo essencial dos direitos análogos. Para mim, a razão está com o Professor Freitas do Amaral que afirma que todas as normas que alterem o Direito de Propriedade (estando nele também contidos os direitos de construir, edificar e lotear), têm que ser produzidas pela Assembleia da República.
    Por fim, há ainda que comentar a pretensa inconstitucionalidade material no caso. Esta inconstitucionalidade está no caso estreitamente relacionada com o entendimento que tenhamos relativamente à natureza absoluta, ou não, do Direito de Propriedade. Com o maior respeito por aqueles que defendam uma opinião contrária, parece-me óbvio que o Direito de Propriedade pode ser restringido. Tal consta expressamente dos artigos 18º/n2 e 3 e 62º/nº2 da Constituição da República Portuguesa. Para além do mais, neste caso, a restrição do Direito de Propriedade resulta da sua colisão com outro direito Fundamental, o Direito Fundamental ao Ambiente (artigo 66º/nº2 da Constituição da República Portuguesa). É certo que a propriedade, como direito fundamental que é, deve ser respeitado e salvaguardado da melhor maneira possível. No entanto, penso que não será certo julgar materialmente inconstitucioal toda e qualquer privação/restrição à propriedade. Temos que analisar casuisticamente os problemas, tendo sempre em conta os interesses em presença. Num conflito entre a propriedade e o ambiente, terá que prevalecer tendencialmente o segundo. Como tal, penso que o Tribunal Constitucional resolveu da melhor forma o problema da inconstitucionalidade material no caso. Afinal, o regime jurídico da REN só limita o direito de propriedade para proteger o direito da colectividade ao ambiente.


    Gonçalo Ventura, subturma 2, nº14412  

  9. Subturma 11 disse...

    Comentário ao Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 544/01 (REN)

    Neste acórdão são apresentadas várias questões, entre elas a possível inconstitucionalidade formal, orgânica e material, também é discutido se o direito de edificar integra o direito de propriedade.
    Apenas nos iremos referir aos objectivos da REN, à questão do direito de edificar integra ou não o direito de propriedade e ainda uma breve referência à possível inconstitucionalidade orgânica.
    Cumpre antes de mais, referir qual o objectivo da REN, esta tem como tarefa fundamental a concretização da política de ordenamento do território e de ambiente “preservando o seu âmbito nacional e incidindo principalmente, nos principais critérios de demarcação, modos futuros de gestão, regime de usos e compatibilidades e integração eficaz no sistema nacional de áreas classificadas, permitindo que estas reservas actuem pela positiva no ordenamento do território”.
    O Regime jurídico da REN e a delimitação dos solos que a integram constituem uma delimitação dos solos que a integram constituem uma disciplina dos solos que deve ser observada pelos planos, e, simultaneamente, uma prescrição directamente vinculativa da actividade da Administração e dos particulares com reflexos na ocupação, uso e transformação do solo, em todas as áreas não abrangidas por qualquer plano municipal de ordenamento do território. A REN pode ser delimitada através da elaboração, alteração ou revisão de plano especial ou plano municipal de ordenamento do território, sendo nesse caso praticados simultaneamente o acto de aprovação da delimitação da REN e o acto de aprovação ou ratificação do instrumento de gestão territorial em causa.
    No acórdão encontramos a problemática sobre a inerência ou não do ius aedificandi no direito de propriedade, apraz-nos dizer que o direito de edificar é um direito de natureza jurídico-pública, não se configurando como uma faculdade ínsita no conteúdo prévio e substancial do direito de propriedade privada, o que determina o uso e a fruição pelo seu titular não sejam livres nem absolutos, enquadrados e condicionados em nome da função social que lhe está inerente.
    A concessão do direito de edificar pelos planos, é questionável porque os planos apenas regulam o uso e fruição dos solos, ou seja restringe o direito de propriedade. Apenas os planos de pormenor atribuem aos proprietários o direito a edificar.
    A inerência do ius aedificandi ao direito de propriedade é possível em certas situações, independentemente da classificação que os planos façam dos solos, muitas vezes as características físicas dos mesmos e a realidade factual que envolve, muito dificilmente se poderá afirmar que o direito de propriedade que sobre eles incide não tem já ínsita aquela capacidade construtiva.
    Os solos inseridos numa zona de desenvolvimento urbano e que para além disso estão servidos por todas as infra-estruturas necessárias à edificação, desde as viárias às de saneamento, fornecimento de água, electricidade, nestes casos defende-se a necessidade de indemnização naqueles casos em que os planos urbanísticos destinam estas parcelas de terrenos para espaços verdes privados, na medida em que se reconhece às mesmas uma potencialidade edificatória e um status de edificáveis, independentemente das disposições dos instrumentos urbanísticos.
    O direito à indemnização no acórdão só poderá ter lugar se um particular tinha expectativa de poder construir num determinado local que não pertencia à REN, mas que após o novo diploma passaram a pertencer à REN, e o particular por isso deixou de poder construir. Haverá indemnização sempre que os planos restrinjam as possibilidades objectivas de aproveitamento do solo preexistentes e juridicamente consolidadas que comportem uma restrição significativa na sua utilização, segundo o entendimento da professora Fernanda Paula Oliveira. O legislador admite expressamente que restrições a essas possibilidades objectivas preexistentes conferem o direito a uma indemnização.
    Não existe inconstitucionalidade orgânica, porque existe uma lei de bases prévia, ou seja, carece de desenvolvimento, sendo este diploma o desenvolvimento e sendo um acto normativo que se insere na competência regulamentar do Governo.
    Conclui-se que o diploma é constitucional e que o regime da REN vincula tanto os particulares como a Administração.


    Ana Sofia Santos
    n.º 14736  

  10. Anónimo disse...

    Ao nos debruçarmos sobre o acórdão 544/01 do Tribunal Constitucional verificamos que este surge como o culminar de uma série de outros acórdãos provenientes de diferentes tribunais, que foram sucessivamente negando provimento aos recursos interpostos pelo A., que se encontrava inconformado com o facto de lhe ter sido negada a possibilidade de loteamento de um terreno seu sito no Montijo.
    O recorrente baseou o seu recurso na inconstitucionalidade de todas as normas legais constantes do D.L. 93/90 de 19/3 e em especial dos artºs 3º, 4º, e 17º do referido diploma, na medida em que estes violavam preceitos constitucionais, nomeadamente os artºs 62º e 168º (actual 165º), nºs 1, alínea b) e 2.
    De acordo com a perspectiva do recorrente, os citados artigos encontram-se feridos de inconstitucionalidade por regularem matéria referente a “direitos, liberdades e garantias” quando, tratando-se esta de uma matéria da reserva relativa da Assembleia da República, deveria ter sido precedida de uma autorização legislativa por parte deste órgão. Pelo facto de não ter sido respeitada a repartição de poderes entre órgãos do Estado, mais concretamente entre o órgão executivo (Governo) e o órgão legislativo por excelência (Assembleia da República), invocava-se então a existência de inconstitucionalidade orgânica.
    Acresce ainda dizer, que o recorrente nos fala igualmente da existência de inconstitucionalidade material ou interna, afirmando que o acto impugnado punha em causa uma norma constitucional de fundo: o direito de propriedade privada (artºs 62º, 65, nº4 e 266º, nº1). Para além disso, afirmava-se que o regime da REN ao prever uma forma de ingerência dos poderes públicos no regime dos solos por motivos de interesse público, apenas o poderia fazer mediante a atribuição da correspondente indemnização (artºs 83º e 165º, nº, alínea l)) e ao não o ter feito, colocava em causa princípios como os da igualdade, da justiça, da proporcionalidade, da prossecução do interesse público e da boa administração.

    Por sua vez, o Tribunal Constitucional ao proferir o seu acórdão começa por alertar para o facto de o objecto do recurso ter de ser delimitado, ou seja, este Tribunal cingiu a apreciação da constitucionalidade às normas constantes dos nºs 1 a 6 do artº 17º, uma vez que apenas estas haviam sido aplicadas pela decisão recorrida.
    Aproveita igualmente para esclarecer que as normas contidas no artº 17º não são proibitivas, mas somente condicionadoras de determinadas operações.

    A questão central deste acórdão acaba então por ser a de se saber se os condicionamentos referidos anteriormente encerram uma restrição ao conteúdo do direito de propriedade. E a resposta a esta questão não poderá deixar de passar pelo facto de se entender (ou não) que o conceito de “ius aedificandi” nas suas vertentes de urbanizar, lotear e edificar, se integra no direito de propriedade privada.
    Neste contexto, podemos encontrar duas teses: a tese publicista ou negativa, que encara o “ius aedificandi” como um direito de cariz público concedido pela Administração, e a tese privatista ou afirmativa, que fundamentando-se no Código Civil, considera que é o Direito Privado, que enforma o “ius aedificandi”.
    Entre os que sufragam o entendimento de que o “ius aedificandi” se inclui no direito de propriedade privada encontramos o Prof. Freitas do Amaral, que sustenta a sua posição através do direito civil, mais precisamente mediante os artigos 1524º e ss do C.C., dizendo então a propósito do direito de superfície, que se o proprietário de um terreno pode ceder a outrem o direito de construir sobre o seu terreno, então é porque como proprietário, dispõe desse direito. Segundo este mesmo autor, o proprietário goza de “ius aedificandi” mesmo no caso de inexistência de plano urbanístico aprovado para a zona. Por sua vez, Oliveira Ascensão, procura explicar o direito de propriedade com base na sua concepção romanista e para os efeitos do que aqui se fala, dá-nos conta de que considera que o direito de construir é um atributo natural da propriedade do imóvel. Outro dos argumentos por ele utilizado prende-se com a existência de diversas declarações de inconstitucionalidade pelo T.C. do antigo artº 30º, nº1 (actual artigo 23º, nº 1) do Código das Expropriações, ou seja, o autor acaba por tomar posição sobre o “ius aedificandi” com base no critério da justa indemnização.
    Já entre os defensores da natureza jurídico-pública deste direito de construir, podemos encontrar Alves Correia, que entende que a questão deve ser resolvida de acordo com uma perspectiva juspublicista, tomando como ponto de partida o conceito constitucional de direito de propriedade privada e não o conceito de direito civil. Na mesma linha seguem Osvaldo Gomes e Rogério Soares, sendo que este último afirma mesmo que “… a presença de interesses públicos muito mais completos… aponta para uma negação dum direito originário à construção.”
    Em crítica a ambos estes tipos de construção surge-nos Mário Esteves de Oliveira. Isto porque, segundo ele, as teses afirmativas pecam por pretender resolver a questão no plano do direito civil ou no plano do direito administrativo quando esta apenas poderá ser resolvida ao nível da Constituição; enquanto que as teses negativas também não se encontram isentas de crítica, uma vez que partem de considerações genéricas acerca da relação entre propriedade e liberdade e acabam por falar numa “pouco esclarecida” integração natural do direito de construir no direito de propriedade. Em alternativa, propõe-nos então uma interpretação do artº 62º da CRP, no sentido de que se trata de uma garantia concreta e efectiva da subjectividade da propriedade e não de uma garantia da sua disponibilidade objectiva, que dite que o proprietário, enquanto tal, possa fazer nela o que queira.


    Assim, para quem considere que o “ius aedificandi” não se integra no direito de propriedade, o T.C. diz-nos que nunca poderia haver qualquer inconstitucionalidade, isto é, para este Tribunal, o Governo com a sua actuação não atacou a reserva parlamentar estabelecida no artº 165º, nº1, alínea b).
    Porém, para os que afirmam que o “ius aedificandi” é inerente ao direito de propriedade do solo, o Tribunal também tem resposta. Isto porque embora o direito de propriedade possa conter em si o direito de edificar, este último apenas poderá ser exercido nos termos plasmados nos planos urbanísticos.

    Exposto isto, penso que é chegada a altura de manifestar a minha opinião (por mais modesta que possa ser), pelo que começaria por afirmar, que considero que o direito de construir não se apresenta como uma decorrência natural do direito de propriedade, existindo antes em resultado de uma atribuição jurídico-pública por parte do ordenamento jurídico urbanístico pelo qual é modelado.
    Deste modo, embora o “ius soli” seja um direito análogo aos direitos, liberdades e garantias (aos quais é feita referência no artº 165º, nº1, alínea b) da CRP), o “ius aedificandi” já não o será, e por essa razão, o Governo ao ter legislado nunca poderia considerar-se ter invadido a esfera parlamentar, nem consequentemente, ter incorrido em qualquer tipo de inconstitucionalidade com a sua actuação.
    Por outro lado, apoiando-me em jurisprudência mais actual nesta matéria, nomeadamente no acórdão do STA de Lx. de 09/04/2003, parece-me que mesmo para quem considerasse que o “ius aedificandi” se integra no direito de propriedade privada, convém relembrar que este último não se apresenta como livre e absoluto, podendo sofrer as restrições necessárias à salvaguarda de outros direitos constitucionalmente protegidos.
    Assim, na situação sub judice, creio que o Tribunal teve toda a razão na sua decisão, na medida em que através dela procurou salvaguardar interesses associados ao planeamento e ordenamento do território e à protecção do equilíbrio ambiental nos termos dos artigos 9º, alínea e), 65º, nº2, alínea a) e 66º, nºs 1 e 2, alínea b) da CRP. A protecção destes valores de fundamental relevo justifica-se pelo facto de possuírem a mesma senão até maior dignidade do que os interesses sacrificados.
    E apesar de compreender que, por vezes, determinadas entidades ou particulares apenas adquirem certos terrenos por perspectivarem a possibilidade de neles exercer os seus direitos de urbanizar, lotear ou edificar, a verdade é que no caso em apreço, devidamente ponderados os interesses públicos e privados em jogo, tudo leva a crer que o sacrifício do direito de loteamento pelo recorrente não possa ser considerado intolerável ou desproporcionado.
    Em conclusão, o direito de loteamento invocado pelo recorrente não possui a dignidade constitucional de direito fundamental, mas mesmo que a possuísse, sempre existiria um interesse público suficiente para justificar o condicionamento da aprovação do projecto de loteamento em causa.

    Sara Soares
    Subturma 1  

  11. Anónimo disse...

    Comentário ao acórdão 544/01
    A recorrente vem requerer ao tribunal Constitucional que aprecie a constitucionalidade do Decreto-Lei 93/90 que estabelece o regime da REN(Reserva Ecológica Nacional).
    Inconstitucionalidade formal, é uma questão que não opera grandes dúvidas, pois o erro da indicação da alínea ao abrigo da qual o Governo exerceu a sua competência legislativa padece apenas do vício de mera irregulariedade.
    Inconstitucionalidade orgânica, a questão suscitada é a de saber se as normas que condicionam o loteamento, obras de urbanização, construção de edifícios restringem o direito de propriedade. O Tribunal Constitucional entendeu serem constitucionais, surgindo a questão prévia do "ius aedificandi"-consiste no direito de urbanizar, lotear e edificar- que tem dividido a doutrina quanto a saber se integra ou não o direito de propriedade. Fernando Alves Correia entende que não está incluido no direito de propriedade, consistindo num poder do proprietário nos termos e condições definidas pelas normas jurídico-urbanísticas.O Professor Freitas do Amaral entende que constitui parte integrante do direito de propriedade privada por ser uma das faculdades em que tal direito se analisa.
    O acórdão segue a posição que o "ius aedificandi" não faz parte do conteúdo do direito de propriedade, e desta forma o Governo ao legislar sobre a matéria não violou o artigo 165º/1/b da CRP.
    Inconstitucionalidade material, o Tribunal entendeu que não havia violação do artigo 18º/3 e 62º/1 da CRP. O direito de propriedade e o direito do ambiente são direitos fundamentais, havendo colisão é necessário ponderar e não conceder prevalência de um sobre o outro sem se atender ao princípio da proporcionalidade.
    O direito de propriedade não é um direito absoluto, está sujeito a limitações no plano urbanístico e do ordenamento da território; desta forma este direito não concede à recorrente a legítimidade necessária para o loteamento pretendido.
    Da análise deste acórdão, deve considerar-se o regime jurídico da REN constitucional.A Reserva Ecológica Nacional, tem como príncipal função proteger determinados tipos de solos com características específicas(artigo 1º).A nossa doutrina tem discutido o que é a REN, se podemos considerar como uma servidão administrativa, e desta forma uma limitação à construção naquele terreno ou se de uma servidão atípica de restrição ao direito de propriedade. seja qual for a posição a seguir, a REN tem uma importância fundamental para a protecção do ambiente e respeito pelo ordenamento do território.As nossas populações deveriam ter conhecimento do que é a REN e dos seus objectivos, para desta forma a sua integridade ser melhor respeitada.
    Neste acórdão, a ideia princípal a retirar consiste na preservação do ambiente tem de ser sempre ponderada, desta forma junto a minha posição à tomada de decisão pelo douto acórdão.
    Conflitos desta natureza estão, nos dias de hoje, constantemente a ocorrer, onde os interesses particulares para a construção e edificação pretendem prevalecer.Não nego ser uma matéria sensível, e que por vezes com uma multiplicidade de interesses em conflito.A solução adequada deve passar sempre pelo princípio da proporcionalidade, por uma ponderação racional dos interesses em conflito.Este é o meio eficaz para assegurar o respeito pelo Direito fundamental do Ambiente.  

  12. Anónimo disse...

    Para compreender o que aqui se discute importa fazer uma breve referência ao regime da Reserva Ecológica Nacional. Este vem regulado no DL 93/90, republicado pelo DL 180/2006 e tem por objecto a protecção ambiental, no sentido garantir o equilíbrio ecológico e a estrutura biofísica das regiões, bem como a permanência de muitos dos seus valores económicos, sociais e culturais. Procura, assim, preservar os ecossistemas do território nacional condicionando a utilização de determinadas áreas com características ecológicas específicas, como estipula o seu art.1º.
    Neste sentido, as áreas incluídas na REN são alvo de uma enorme protecção nomeadamente através da proibição de operações de loteamento, urbanização e construção, entre outras, art. 4º 1. É precisamente desta proibição que trata o acórdão em análise.
    O recorrente interpos recurso para o TC alegando a inconstitucionalidade formal, material e orgânica do regime da REN. Não será dada relevância à primeira por não revestir especial interesse para o âmbito do Direito do Ambiente. Em todo o caso, o que aqui nos importa essencialmente perceber não são tanto as questões de inconstitucionalidade mas sim a acepção do direito de propriedade.
    Assim, o recorrente entende existir uma restrição a um direito fundamental, análogo aos direitos, liberdades e garantias, o direito de propriedade, art. 62ºCRP. Ora, o que aqui se trata é de determinar se a proibição imposta pelo art. 4º comporta uma efectiva restrição deste direito, ou seja, se o ius edificandi se inclui no direito de propriedade privada, ou se é apenas um poder dele decorrente. Neste sentido, parece correcta a acepção do Porf. Fernando Alves Correia ao entender que o ius edificandi é “um poder que acresce à esfera jurídica do proprietário, na condições definidas pelas normas urbanísticas”. Contudo, é também correcta a posição do Prof. Freitas do Amaral ao defini-lo como parte integrante do direito de propriedade mas ficando o seu exercício sujeito a uma autorização da Administração. Senão vejamos.
    O direito de propriedade é indiscutivelmente um direito fundamental porquanto reflecte uma necessidade essencial do ser humano. Todavia, a faculdade de deter este direito não importa obrigatoriamente a necessidade de edificar, porque não só aquele direito vai muito além desta faculdade como também esta sempre está dependente de uma autorização administrativa, logo, o direito de edificar sempre está condicionado. Desto modo, deverá ser definidido como parte de um direito fundamental, não sendo, contudo, parte integrante do seu núcleo e detendo apenas uma relação de acessoriedade já que dele depende a sua existência.
    Assim, não posso evidentemente concordar com o recorrente e como tal não avisto aqui nenhuma inconstitucionalidade orgânica por não haver nenhuma restrição a um direito fundamental.

    Quanto à inconstitucionalidade material cai-se novamente na questão de saber onde se integra o ius edificandi relativamente ao direito de propriedade. Podia apontar-se como argumeno a favor do recorrente o facto de o direito de propriedade dever permitir ao seu titular plenos poderes sobre o bem em questão, logo, incluir-se aí o direito de edificar como integrando o seu núcleo. Não é um raciocínio erróneo e seria perfeitamente atendível não fosse o exercício livre de qualquer poder sobre o bem colidir com outros direitos, como é o caso. Assim, mesmo que se entendesse o ius edificandi e o direito de propriedade como um todo seria sempre necessário dirimir o conflito entre este e a necessidade de protecção do equilíbrio ecológico, sendo assim legítimas as restrições impostas pela REN ao art. 62ºCRP por visarem garantir um direito fundamental previsto no art. 66ºCRP.
    Contudo, parece-me ser de apoiar o entendimento deste direito como meramente acessório, pelo que não se verifica, aqui, qualquer restrição de um direito fundamental. mas apenas a uma faculdade decorrente do mesmo

    Quanto ao direito a indemnização não deve prosseguir a equivalência desta restrição à expropriação pois o direito de propriedade mantém-se em exercício no seu núcleo essencial. E também é de referir que a impossibilidade de exercer o direito de edificar se enquadra na necessidade de autorização para o exercício do mesmo, ou seja, mais não é do que a não concessão dessa autorização o que faz desaparecer o este direito, mas nunca o direito fundamental. Assim, não é atingido nenhum princípio constitucional.  

  13. Anónimo disse...

    A análise do acórdão de nº 544/01 do Tribunal Constitucional.
    Este acórdão diz respeito a consonância da REN (Reserva ecológica Nacional – Decreto Lei nº 93/90 de 19 de Março) com a Constituição Portuguesa.
    No presente acórdão o recorrente alega a inconstitucionalidade orgânica do Decreto Lei nº 93/90 de 19 de Março, por violar o artigo 165,nº1, alínea b) da CRP, no que reserva uma relativa competência legislativa exclusiva da Assembleia da Republica em matérias de direitos, liberdades e garantias, com uma excepção que diz respeito à autorização ao governo. E violar também o regime do artigo 17 da CRP, onde nos trás a reserva fundamental dos direitos, liberdades e garantias, onde aplica-se aos enunciados no Titulo II e aos direitos fundamentais de natureza analógica, no caso o direito a propriedade constante no artigo 62 da CRP, onde o recorrente alega que o regime da REN limita este direito (da propriedade).
    Já no artigo 66 da CRP e consagrado o direito fundamental ao ambiente, sendo que este, como o da propriedade tem que respeitar o principio da proporcionalidade, principio este que esta a serviço da limitação constante no artigo 18, nº2, 2º parte, que diz: “ As restrições a direitos, liberdade e garantias devem limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos…”
    Sabe-se que no direito à propriedade, esta inserido no “ius aedificandi”, ou seja, no direitos de urbanizar, edificar e de lotear. Sabe-se também que o direito a propriedade privada não é absoluto, pois possui algumas limitações, principalmente quando entra em confronto com a proteção ambiental protegida pelo poder público, devendo assim ser analisado com muita cautela o conflito entre o direito a propriedade privada e os interesses públicos de defender a natureza e o equilíbrio ecológico, posição esta defendida pelo Professor Vasco Pereira.
    Na conclusão do Tribunal, que decidiu negar o provimento, este declarou que só estava em causa o disposto no artigo 17, sendo assim a argumentação do recorrente sobre a inconstitucionalidade do Decreto Lei nº 93/90 de 19 de Março, por violar os artigos 62 e 165, nº1, alínea b da CRP, não é pertinente, pois não ficou claro quais as normas são “supostamente” inconstitucionais no caso em questão, devendo a REN compensar com indenização as possíveis circunstâncias de danos ao direito à propriedade privada.
    É certo que devemos zelar e defender decisões democráticas, mas temos que compreender quando certas decisões favorecer o direito social e sacrificar um direito de interesse particular, pelo bem de todos, favorecimento este que tem que ser muito bem ponderado e fundamentado de acordo com as normas e princípios constitucionais.

    Sirlayne Candida Rodrigues, nº 17167, sub- turma 12  

  14. Anónimo disse...

    No Acordão em análise, o Tribunal Constitucional pronunciou-se no sentido da inexistência de inconstuticionalidade orgânica, formal, e material das normas do anrtigo 7º/nºs 1 (conjugado com o 4º/1 e com o anexo II alínea d) a 6 do Decreto-lei nº 93/90 de 19 de Março. Analise-se as razões apontadas, e tome-se posição no caso sub judice:

    Inconstitucionalidade orgânica:
    A recorrente sustenta que o Governo violou a reserva relativa da Assembleia da República , nomeadamente o artigo 165º/1/CRP. De facto as normas do Decreto em causa estabelecem um regime proibitivo de uso dos solos- áreas REN. Mas não é incisivo para reconhecermos que há um limite ao direito de propriedade. Para tal, será necessário considerar que o “ius aedificandi” ( direito a urbanizar, lotear, edificar) inclui o direito de propriedade privada. Ou, mesmo ainda que inclua, que seja parte do núcleo essencial desse direito, para que possa ser análogo a direitos, liberdades e garantias para efeitos do 165º/1/bCRP. Esta questão, do “ius aedificandi”, não é pacífica na doutrina. Por um lado, há quem entenda que o direito a construir só se adquire com uma autorização ou licença decorrente do ordenamento jurídico urbanístico. Assim será um poder que apenas acresce ao direito de propriedade nas condições previstas no direito urbanístico (estamos perante um mecanismo de concessão jurídico-público) (Professor Alves Correia e R.Erhad Soares). Por outro lado, para os Professores Gomes Canotilho, Oliveira Ascensão, Vital Moreira e Freitas do Amaral, já será o “ius aedificandi” faculdade do direito de propriedade. Apenas para o seu exercício, terá o proprietário que requerer a respectiva autorização administrativa. Concordo com esta segunda vaga doutrinária por várias razões. Primeiro há que referir que a propriedade é o direito real máximo do nosso sistema jurídico. De acordo com o 1305ºCC o proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição. Logo não vejo como não integrar o direito a construir como faculdade do direito de propriedade e como essência do mesmo, ainda que em “estado potencial”. Além do mais veja-se que, para além de todo um capítulo relativo a construções e edificações (artigo 1360ºss), o proprietário pode conceder a outrém o direito de construção, direito de superfície artigo 1524ºss CC . Em conclusão, argumente-se no sentido que o direito a construir é originário apenas dependendo de uma prévia autorização/licença para ser exercido. Isto porque o mecanismo de concessões jurídico-público, segue princípios como o deferimento tácito e o da taxatividade do indeferimento. Assim, sou da opinião que deveria ter sido decretada a inconstitucionalidade orgânica do diploma em causa. O Governo necessitava de autorização legislativa para alterar o “ius aedificandi”, que como faculdade essencial do direito de propriedade enquandra-se na alínea b do já referido 165º/1 CRP.

    Inconstitucinalidade formal:
    O facto de o Governo ter invocado a Lei de Bases no preâmbulo, e o facto de ter errado na indicação da alínea sobre o qual legislava, não faz com que incorra em inconstitucionalidade formal. Em minha opinião, a razão está pois com o Tribunal Constitucional, uma vez que o artigo 201º nem exigia local preciso para a invocação da referida lei, bastava que fosse expressa, nem exigia a indicação da alínea ao abrigo da qual se legislava. Assim, o vício redunda a mera irregularidade.

    Inconstitucionalidade Material:
    Mais uma vez penso que o Tribunal Constitucional proferiu bem no sentido da não contrariedade material com a CRP. A recorrente alega a violação dos artigos 62º, 65º/4, 266º/1 e 18º da CRP. Quem considere que o “ius aedificandi” não inclui o direito de propriedade, ou o conteúdo essencial deste, a norma proibitiva não se traduzirá numa compressão de tal direito. Todavia, como se disse, sou da opinião que há no caso uma restrição ao direito de propriedade, em particular, à faculdade de construção. Assim, cabe analisar dois pontos: se tal restrição é possível e se sim em que termos deve ser feita apurando se foram respeitados no caso concreto. Quanto à primeira questão, afirme-se que o direito de propriedade, embora em regra exercido “de modo pleno e exclusivo”- artigo 1305ºCC, não é absoluto. A Constituição prevê no artigo 18º/2, que os direitos, liberdades e garantias podem ser restringidos por lei expressa, desde que salvaguardem, na medida do necessário, outros direitos. Quanto à segunda questão, de facto existem critérios a seguir, mormente o da proporcionalidade e adequação, aquando da restrição de direitos. Ora no caso em análise, a propriedade fora restringida para salvaguardar o direito fundamental ao Ambiente (artigo 66º). Estamos perante um conflito não hieráquico, o que implica uma ponderação casuística para sua resolução. No caso parece-me razoável as limitações impostas ao direito de propriedade, uma vez que tais proibições decorrem de planos urbanísticos, isto é, de uma necessidade de interesse público imposta pela REN. A importância da Reserva Ecológica Nacional para o ambiente e ordenamento de território é indubitável. Assim, e uma vez respeitados os princípios da proporcionalidade, adequação, igualdade, a restrição é legítima. Resta saber se terá a recorrente direito à indemnização prevista no artigo 66º/2 CRP. No caso, a proibição do direito de construir resulta da necessidade de proteger a natureza e seu equilíbrio ecológico imposta pela REN. Logo, a restrição decorre da natureza intrínseca do direito de propriedade, não padecendo de inconstitucionalidade nem de direito a indemnização. Apenas situações que impliquem danos graves e intensos, devem ser equiparados à expropriação para efeitos do artigo 66º/2 CRP, que dá lugar a indemnização compensatória.

    Em suma, concordo com os argumentos do Tribunal Constitucional no sentido da conformidade com a Constituição do diploma em causa em termos formais e materiais, mas já não em termos orgânicos.

    Patrícia Vicente
    Subturma 1  

  15. Anónimo disse...

    A preocupação da Sociedade com os problemas ambientais é uma questão que está na ordem do dia, sendo, por isso, tema recorrente de profunda discussão e debate na actualidade. Associado ao despertar da consciência ecológica, assistimos à proliferação de instrumentos jurídicos, nos quais se fazem notar preocupações no âmbito da protecção das áreas naturais e paisagísticas, onde se inclui a Reserva Ecológica Nacional, adiante designada por REN, cuja disciplina jurídica se encontra vertida no DL 93/90 de 19 Março.
    Acontece que a tutela conferida ao ordenamento do território e aos bens jurídicos ambientais, plasmada na Constituição na sua vertente objectiva, enquanto tarefa a prosseguir pelo Estado ( art. 9º, alíneas d) e e) ), e na sua vertente subjectiva, enquanto direito fundamental ao ambiente ( art. 66º ), ao qual se estende a protecção conferida aos direitos, liberdades e garantias, seguindo o entendimento do Prof. Vasco Pereira da Silva ; é susceptível de colidir com o direito fundamental de propriedade privada ( art. 62º CRP ), que constitui um valor integrante do Estado de Direito, intimamente ligado à dignidade da pessoa humana.
    O Tribunal Constitucional já teve oportunidade de se debruçar sobre este ( potencial ) conflito, designadamente no Ac. 544/2001, pronunciando-se pela não inconstitucionalidade material, orgânica e formal do referido diploma, tomando posição sobre algumas questões que têm dividido a doutrina, nomeadamente a de saber qual o conteúdo do direito fundamental de propriedade e, por conseguinte, se a REN constitui ou não uma forma de limitação a esse direito, na medida em que os artigos 3º, nº 1, 8º e 9º do DL 93/90 possibilitam ao Governo a constituição do regime da REN, bem como a delimitação das áreas por si abrangidas, através de resolução do Conselho de Ministros, o que poderá, em abstracto, colidir com o disposto no art. 165, nº 1, al. b) e com as faculdades de urbanizar, lotear e edificar que, segundo alguns, integram o direito de propriedade.
    A discussão centra-se, assim, em torno da figura do “jus aedificandi “e na sua inclusão ou não, no direito de propriedade privada, o que veio originar concepções opostas defendidas pela doutrina, usualmente apelidadas de tese privatista e publicista.
    A primeira parte do pressuposto de que o “jus aedificandi” é parte integrante do direito de propriedade, recorrendo às normas do Código Civil que disciplinam este direito real, ora invocando o art. 1305º, na tentativa de integrar o “jus aedificandi” no poder de disposição de que faz parte o poder de transformação ( entendimento sufragado pelo Prof. Oliveira Ascensão, admitindo que o exercício desse direito está dependente de prévia autorização administrativa ), ora enquadrando o “jus aedificandi” no direito de uso.
    Por outro lado, surgem-nos orientações que elevam o direito de propriedade a quase absoluto, pois não estabelecem quaisquer limitações ao direito de construir, nem fazem depender o mesmo de qualquer acto público que o regule, o que se retira da interpretação de alguns preceitos do CC ( veja-se a posição defendida pelo Prof. Freitas do Amaral ).
    Em sentido oposto, poderá dizer-se que o “jus aedificandi” resulta de uma concessão jurídico-pública, não se integrando na garantia constitucional da propriedade privada, resultando, na maioria dos casos, dos Planos do Ordenamento do Território, como conclui o Prof. Fernando Alves Correia. De facto não se compreende o recurso às normas do CC quando o art. 62º da CRP dispões que “ A todos é garantido o direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte, nos termos da Constituição “. Ainda que se recorra às normas do CC, as mesmas terão que ser alvo de uma interpretação de acordo com o direito do urbanismo, não podendo ser vistas de forma isolada.
    A posição do TC no AC. 544/2001 acompanha este último entendimento ( a meu ver bem ), considerando que o diploma que regula a REN não padece de qualquer inconstitucionalidade, concluindo que o jus aedificandi não é uma faculdade inerente ao direito de propriedade, mas uma faculdade jurídico-pública.
    Analisando o problema de uma outra perspectiva, ainda que se entenda que tal faculdade é inerente à propriedade privada, nunca o jus aedificandi seria parte do núcleo essencial do direito de propriedade privada, nem os direitos fundamentais estão isentos de qualquer limitação. Entende a doutrina que os direitos, liberdades e garantias são susceptíveis de restrições quando expressamente admitidas pela Constituição, desde que a restrição vise salvaguardar outro direito ou interesse constitucionalmente protegido ( no caso concreto, o ordenamento do território ) e desde que a restrição se limite à medida necessária à protecção desse direito, não ofendendo o conteúdo essencial do direito fundamental.
    Acrescente-se ainda que a própria Constituição indicia o carácter não absoluto do direito de propriedade, prevendo uma limitação de interesse público, nos termos do art. 62º, nº 2, sendo certo que outras limitações se impõem, desta vez, de carácter particular, previstas no CC.  

  16. Unknown disse...

    Trata-se de um recurso contencioso de anulação de um despacho do secretário de estado da Administração e ordenamento do território.
    O recorrente defende que o acto recorrido incorre no vício de violação de lei, por ter sido praticado ao abrigo de um diploma inconstitucional e padecer de erros sobre os pressupostos de facto e de direito; sustentando que o regime da REN estabelece uma limitação ao direito de propriedade nos termos do artigo 62º CRP.
    E que este mesmo regime da REN foi estabelecido por decreto-lei, sem autorização prévia da Assembleia da República.
    A isto a entidade recorrida responde que o direito de propriedade não é um direito absoluto e que há que conjugar o poder de gozo do bem objecto do direito de propriedade com algumas tarefas fundamentais do Estado plasmadas no artigo 9º/e CRP, que pressupõe uma utilização racional dos recursos naturais tendo por base do solo, e por finalidade o desenvolvimento equilibrado das populações urbanas e rurais, com vista a uma melhoria das condições de vida.
    Além disso a entidade recorrida responde ainda que o recorrente ignorou que o diploma do regime da REN foi publicado depois da lei de bases, logo o governo apenas necessitava de autorização legislativa para estabelecer este regime se a Assembleia da República não tinha publicado, em data anterior, a lei de bases do Ambiente, mas esse não foi o caso.
    Assim as normas que baseiam o recurso não diminuem o alcance do conteúdo dos preceitos constitucionais, salvaguardando-se a sua conformidade através do artigo 18/2 concluindo pela inexistência de vício de violação de lei.
    A 1ª secção de contencioso administrativo do Supremo Tribunal Administrativo negou provimento ao recurso, sendo que foi interposto recurso para o pleno da secção de contencioso administrativo do Supremo Tribunal Administrativo ao qual foi também negado provimento.
    Cabe agora analisar o recurso interposto no Tribunal Constitucional.
    O fundamento baseou-se na inconstitucionalidade orgânica, formal e material do decreto-lei 93/99 de 19 de Março. Sendo que quanto à inconstitucionalidade
    orgânica e formal está em causa apenas o próprio decreto-lei 93/99 de 19 de Março, já quanto à inconstitucionalidade material há que ter em consideração a redacção dada pelo decreto-lei 316/90 de 13 de Outubro.
    Vejamos agora como valorou o tribunal as questões:
    -quanto à inconstitucionalidade orgânica do artigo 17/1 a 6 do decreto-lei 93/90 de 19 de Março uma vez que, segundo o recorrente dizem respeito matérias da competência relativa da Assembleia da República (artigo 168/1 alíneas b) e l) CRP
    Estas normas estabelecem condicionamentos a determinadas operações, já que as sujeitam à aprovação de certas entidades administrativas (não são proibidas).
    Mas será que este condicionamento consubstancia uma restrição ao conteúdo do direito de propriedade de certos imóveis?
    Parece que não tem razão o recorrente. Para quem entenda que o direito de urbanizar, lotear e edificar não se inclui no direito de propriedade privada, há-de concluir que o Governo ao legislar sobre estas matérias, não invade a reserva parlamentar; mas ainda que se entenda que estes direitos assumem natureza de faculdades inerentes ao direito de propriedade, há que reconhecer que não estão em causas faculdades que façam parte da essência do direito de propriedade nos termos da CRP.
    Ainda quanto ao artigo168º/1 l) CRP também não tem razão o recorrente. Porque todo o regime da protecção da natureza e do equilibro ecológico deveria cair no âmbito da reserva relativa de competência da Assembleia da República.
    Por isso quando o artigo 168/1 g) CRP refere “meios e formas de intervenção nos solos” não significa a regulação dos instrumentos de protecção da natureza e do equilíbrio ecológico.
    -quanto ao facto de as normas terem sido emitidas ao abrigo de um preceito constitucional que dispunha sobre a competência legislativa do governo em matérias reservadas à Assembleia da República, juntamente com o facto de apenas no preâmbulo do diploma do governo se fazer referencia à lei de bases do Ambiente, servirá para concluir pela inconstitucionalidade formal?
    Cumpre saber se o governo, ao emitir este diploma deveria ter feito referencia à lei de bases do Ambiente de forma diversa, e se isto se basta pata uma inconstitucionalidade formal.
    A CRP ao tempo não dispunha esta necessidade, logo parece difícil fundamentar a inconstitucionalidade formal na circunstância de o governo errar na indicação da alínea que fundamentava a actuação, já seria diferente se se trata-se de uma omissão em diploma da Assembleia da República do qual resultava a legitimidade do governo.
    Assim não há fundamento para a inconstitucionalidade formal com base na “errada menção” da alínea que legitima a actuação, será no máximo uma irregularidade.
    Deve também entender-se que é suficiente a indicação feita nos termos em que o foram
    -Por fim, as normas referidas sofreram de inconstitucionalidade material?
    Quando se entenda que o ius aedificandi não faz sequer, parte integrante do direito de propriedade, a proibição analisada não traduz uma restrição de tal direito; mas mesmo quando se entenda de modo diverso as proibições resultam da necessidade de resolver as situações de conflito entre o direito de propriedade e as exigências de protecção da natureza, sendo impostas pela própria natureza intrínseca e por tanto não podendo ser consideradas como inconstitucionais. Sendo que a proibição de construir em principio não dá direito a indemnização, excepto quando a gravidade e intensidade do dano sejam injustos.
    Não existindo restrição nem se coloca o problema de ofensa dos preceitos constitucionais já referidos
    Assim o tribunal nega provimento ao recurso.

    Inês Neto subturma 1 nº 14361  

  17. Unknown disse...

    Trata-se de um recurso contencioso de anulação de um despacho do secretário de estado da
    Administração e ordenamento do território.
    O recorrente defende que o acto recorrido incorre no vício de violação de lei, por ter
    sido praticado ao abrigo de um diploma inconstitucional e padecer de erros sobre os
    pressupostos de facto e de direito; sustentando que o regime da REN estabelece uma
    limitação ao direito de propriedade nos termos do artigo 62º CRP.
    E que este mesmo regime da REN foi estabelecido por decreto-lei, sem autorização prévia
    da Assembleia da República.
    A isto a entidade recorrida responde que o direito de propriedade não é um direito
    absoluto e que há que conjugar o poder de gozo do bem objecto do direito de propriedade
    com algumas tarefas fundamentais do Estado plasmadas no artigo 9º/e CRP, que pressupõe
    uma utilização racional dos recursos naturais tendo por base do solo, e por finalidade o
    desenvolvimento equilibrado das populações urbanas e rurais, com vista a uma melhoria das
    condições de vida.
    Além disso a entidade recorrida responde ainda que o recorrente ignorou que o diploma do
    regime da REN foi publicado depois da lei de bases, logo o governo apenas necessitava de
    autorização legislativa para estabelecer este regime se a Assembleia da República não
    tinha publicado, em data anterior, a lei de bases do Ambiente, mas esse não foi o caso.
    Assim as normas que baseiam o recurso não diminuem o alcance do conteúdo dos preceitos
    constitucionais, salvaguardando-se a sua conformidade através do artigo 18/2 concluindo
    pela inexistência de vício de violação de lei.
    A 1ª secção de contencioso administrativo do Supremo Tribunal Administrativo negou
    provimento ao recurso, sendo que foi interposto recurso para o pleno da secção de
    contencioso administrativo do Supremo Tribunal Administrativo ao qual foi também negado
    provimento.
    Cabe agora analisar o recurso interposto no Tribunal Constitucional.
    O fundamento baseou-se na inconstitucionalidade orgânica, formal e material do
    decreto-lei 93/99 de 19 de Março. Sendo que quanto à inconstitucionalidade
    orgânica e formal está em causa apenas o próprio decreto-lei 93/99 de 19 de Março, já
    quanto à inconstitucionalidade material há que ter em consideração a redacção dada pelo
    decreto-lei 316/90 de 13 de Outubro.
    Vejamos agora como valorou o tribunal as questões:
    -quanto à inconstitucionalidade orgânica do artigo 17/1 a 6 do decreto-lei 93/90 de 19 de
    Março uma vez que, segundo o recorrente dizem respeito matérias da competência relativa
    da Assembleia da República (artigo 168/1 alíneas b) e l) CRP
    Estas normas estabelecem condicionamentos a determinadas operações, já que as sujeitam à
    aprovação de certas entidades administrativas (não são proibidas).
    Mas será que este condicionamento consubstancia uma restrição ao conteúdo do direito de
    propriedade de certos imóveis?
    Parece que não tem razão o recorrente. Para quem entenda que o direito de urbanizar,
    lotear e edificar não se inclui no direito de propriedade privada, há-de concluir que o
    Governo ao legislar sobre estas matérias, não invade a reserva parlamentar; mas ainda que
    se entenda que estes direitos assumem natureza de faculdades inerentes ao direito de
    propriedade, há que reconhecer que não estão em causas faculdades que façam parte da
    essência do direito de propriedade nos termos da CRP.
    Ainda quanto ao artigo168º/1 l) CRP também não tem razão o recorrente. Porque todo o
    regime da protecção da natureza e do equilibro ecológico deveria cair no âmbito da
    reserva relativa de competência da Assembleia da República.
    Por isso quando o artigo 168/1 g) CRP refere “meios e formas de intervenção nos solos”
    não significa a regulação dos instrumentos de protecção da natureza e do equilíbrio
    ecológico.
    -quanto ao facto de as normas terem sido emitidas ao abrigo de um preceito constitucional
    que dispunha sobre a competência legislativa do governo em matérias reservadas à
    Assembleia da República, juntamente com o facto de apenas no preâmbulo do diploma do
    governo se fazer referencia à lei de bases do Ambiente, servirá para concluir pela
    inconstitucionalidade formal?
    Cumpre saber se o governo, ao emitir este diploma deveria ter feito referencia à lei de
    bases do Ambiente de forma diversa, e se isto se basta pata uma inconstitucionalidade
    formal.
    A CRP ao tempo não dispunha esta necessidade, logo parece difícil fundamentar a
    inconstitucionalidade formal na circunstância de o governo errar na indicação da alínea
    que fundamentava a actuação, já seria diferente se se trata-se de uma omissão em diploma
    da Assembleia da República do qual resultava a legitimidade do governo.
    Assim não há fundamento para a inconstitucionalidade formal com base na “errada menção”
    da alínea que legitima a actuação, será no máximo uma irregularidade.
    Deve também entender-se que é suficiente a indicação feita nos termos em que o foram
    -Por fim, as normas referidas sofreram de inconstitucionalidade material?
    Quando se entenda que o ius aedificandi não faz sequer, parte integrante do direito de
    propriedade, a proibição analisada não traduz uma restrição de tal direito; mas mesmo
    quando se entenda de modo diverso as proibições resultam da necessidade de resolver as
    situações de conflito entre o direito de propriedade e as exigências de protecção da
    natureza, sendo impostas pela própria natureza intrínseca e por tanto não podendo ser
    consideradas como inconstitucionais. Sendo que a proibição de construir em principio não
    dá direito a indemnização, excepto quando a gravidade e intensidade do dano sejam
    injustos.
    Não existindo restrição nem se coloca o problema de ofensa dos preceitos constitucionais
    já referidos
    Assim o tribunal nega provimento ao recurso.

    Inês Neto subturma 1 nº 14361  

  18. Anónimo disse...

    Comentário ao Acórdão nº 544/01 do Tribunal Constitucional

    O Acórdão em apreço tem como objecto o recurso interposto por A. do Acórdão de 16 de Janeiro de 2001 do Pleno da 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo para o Tribunal Constitucional ao abrigo do disposto na alínea b) do nº1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, com fundamento na inconstitucionalidade formal, orgânica e material do Decreto-Lei nº 93/90, de 10 de Março, por violação dos artigos 62º e 168º, nº1, alínea b) e nº2 da Constituição, a que correspondem actualmente os artigos 62º e 165º, nº1, alínea b).
    Quanto à inconstitucionalidade formal, o Tribunal constitucional configurou como mera irregularidade o erro na indicação da alínea do nº 1 do artigo 201º da Constituição (versão de 1989) ao abrigo da qual o Governo emitiu o decreto-lei, já que a Constituição não impunha a indicação dessa alínea, considerando também que bastava para satisfazer a exigência do nº 3 do artigo 201º da constituição a referência à lei de bases feita no preâmbulo do decreto-lei de desenvolvimento.
    O Tribunal constitucional analisou igualmente a inconstitucionalidade orgânica por pretensa violação da reserva de competência legislativa da Assembleia da República em matéria de direitos, liberdades e garantias, neste caso, o direito de propriedade, e de meios e formas de intervenção nos solos por motivos de interesse público (art. 168º/1 al. b) e l) da Constituição na versão de 1989). Relativamente ao primeiro ponto a questão baseia-se em saber se o direito de propriedade privada garantido constitucionalmente inclui o direito de urbanizar, de lotear e de edificar estando o exercício destes “direitos” dependente de uma autorização permissiva da administração Pública ou se estes “direitos” não se incluem no direito de propriedade privada. Existe a tese segundo a qual o jus aedificandi é uma das várias faculdades inerentes ao direito de propriedade. Para José Oliveira Ascensão o direito de construir é um atributo natural da propriedade imóvel, apesar de estar genericamente sujeito a limitações. Este autor reconhece que o direito de construir, conteúdo do direito de propriedade, deixou de poder ser exercido sem uma autorização administrativa, que a propriedade imóvel inclui o direito de construir embora este direito esteja dependente de uma autorização do poder público. Também Freitas do Amaral conclui que o proprietário é titular do direito de construir, mesmo antes de qualquer plano urbanístico o regular, e extrai esta consequência da possibilidade de constituição pelo proprietário do terreno de uma direito de superfície em benefício de terceiro, traduzido na faculdade de este construir ou manter uma obra no solo ou no subsolo daquele. Do ponto de vista oposto encontra-se a posição do jus aedificandi como uma faculdade jurídico-pública atribuída pelo ordenamento urbanístico, em especial pelo plano. Segundo esta tese, defendida, entre outros, por Fernando Alves Correia, o jus aedificandi não é uma faculdade que decorre directamente do direito de propriedade do solo, mas um poder que acresce à esfera jurídica do proprietário nos termos e condições definidos pelas normas jurídico-urbanísticas e de modo particular pelos planos. Esta posição tem encontrado algum acolhimento na nossa jurisprudência. Neste aspecto há que referir o Acórdão do tribunal Constitucional nº 341/86 que afirmou que o direito de propriedade constitucionalmente consagrado contém o poder de gozo do bem objecto do direito, mas não se tutela expressamente um jus aedificandi como elemento necessário e natural do direito fundiário. Igualmente no Acórdão nº 329/99 o Tribunal Constitucional considerou que os direitos de urbanizar, lotear e edificar não fazem parte da essência do direito de propriedade, tal como ele é garantido pela Constituição. Este foi também o entendimento seguido pelo presente Acórdão, concluindo que o Governo ao editar as normas em apreciação, não invadiu a reserva parlamentar da Assembleia da República. O Acórdão refere ainda que mesmo que se entenda que os direitos de urbanizar, lotear e edificar assumam a natureza de faculdades inerentes ao direito de propriedade, não estão em causa faculdades que façam sempre parte da essência do direito de propriedade, tal como ele é garantido pela Constituição, pois a reserva parlamentar abrange apenas as intervenções legislativas que contendam com o núcleo essencial dos direitos análogos, pelas mesmas razões de ordem material que justificam a actuação legislativa parlamentar relativamente aos direitos, liberdades e garantias.
    Quanto ao segundo ponto, o Tribunal Constitucional entendeu que a expressão “meios e formas de intervenção nos solos” não significa a regulação dos instrumentos de protecção da natureza e do equilíbrio ecológico, devendo antes ser relacionado com o artigo 83º da Constituição relativo aos requisitos de apropriação colectiva, não podendo assim ser dado à alínea l) do nº1 do artigo 168º da Constituição a extensão que o recorrente pretende.
    O douto Tribunal concluiu, igualmente, pela não verificação de inconstitucionalidade material por violação do direito de propriedade, entendendo que a sujeição a aprovação das operações de loteamento em certas áreas sujeitas ao regime da REN ou não traduz uma restrição do direito de propriedade (quando se entende que não são inerentes a estes direito as faculdades de urbanizar, lotear e edificar) ou (no entendimento contrário) tal restrição é justificada pela hipoteca social que onera a propriedade privada do solo. A Constituição consagra este direito no artigo 62º nº1 sendo um direito fundamental de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, nos termos do artigo 17º da Constituição. O artigo 62º da Constituição refere que o direito de propriedade privada é garantido nos termos da Constituição. Para Gomes Canotilho e Vital Moreira tal expressão significa que este direito não é garantido em termos absolutos, mas dentro dos limites e nos termos previstos e definidos noutros lugares da Constituição. Neste dispositivo constitucional não há qualquer incumbência expressa dirigida ao legislador para definir o conteúdo e limites do direito de propriedade privada. Para os autores mencionados, a ausência de uma explícita reserva de lei restritiva não impede que a lei possa determinar restrições a este direito. Compete ao legislador definir o conteúdo e limites do direito de propriedade privada (artigo 165º, nº 1 alíneas b) e j) da Constituição). Mas não é só a lei em sentido estrito que define o conteúdo e limites do direito de propriedade. No caso dos solos urbanos os planos municipais de ordenamento do território definem as regras de ocupação, uso e transformação desses solos. Conclui-se assim que o direito de propriedade não tem um carácter absoluto, está dependente de uma pluralidade de leis ordinárias que impõem limites a este direito. Há ainda que referir que o direito de propriedade está subordinado a um limite inerente à sua estrutura, a chamada função social. A Constituição não menciona expressamente esta função como um limite imanente ao direito em apreço, mas tal não significa que ela não exista. Esta ideia de função social estabelece limitações ou restrições às faculdades de utilização do solo e tem a problemática em certos domínios como é o caso da REN, que não assumem dignidade expropriativa, de conceder ou não uma indemnização devido às restrições, proibições e condicionamentos ao uso, ocupação e transformação do solo. Quanto a este aspecto o Tribunal entende que esta situação não dá em princípio direito a indemnização, a não ser que implique um dano de gravidade e intensidade tais que torne injusta a sua não equiparação à expropriação.  

  19. Paul Joseph Jakobi disse...

    No caso em tela, A tinha projeto de loteamento de parcela de terreno sito na freguesia e concelho de Montijo, que foi negado por parecer da Comissão de Coordenação da Região de Lisboa e Vale do Tejo, com base no artigo 4º do Decreto-lei 93/90, que estabelece restrições à utilização de Reservas Ecológicas Nacionais por seus proprietários.
    Diante disso, o mesmo interpôs recurso para o Ministro do Planeamento e da Administração do Território, o qual foi indeferido pelo Secretário de Estado da Administração Local e Ordenamento do Território (17/08/92). Contra esta decisão coube recurso para o STA em 26 de Outubro de 1992, sob as alegações de que o ato recorrido representava violação da lei, sob forma de erro de aplicação de direito e de fato e aplicação de normas inconstitucionais, de que o Decreto-lei 93/90 restringia o direito de propriedade e de que o REN foi estabelecido por este decreto sem autorização prévia da Assembleia da República. Referido recurso não foi reconhecido por Acórdão da Primeira Secção de Contencioso Administrativo do STA, sob o pressuposto de que o Decreto-lei não continha vício, ao passo que ele era um desenvolvimento da Lei 11/87 (Lei de Bases do Meio Ambiente) e que o mesmo não se referia ao artigo 168 da Constituição da República portuguesa. Não obstante isto, A recorreu desta decisão para o Pleno da Secção Administrativa, utilizando-se, além das razões anteriormente expostas, os argumentos de que o pedido de loteamento não havia contemplado faixa de 200 metros interior à linha de praia-mar, o caso em tela não justificava a sujeição ao artigo 17º e 4º, 1, do Decreto-lei 93/90, apenas parte do terreno estava no regime da REN e de que o prédio a lotear não estava no anexo II do Decreto-Lei 93/90, pois estava na sua totalidade atulhado e terraplanado. Porém, seu intento novamente não foi aceito pelo Pleno do STA.
    Assim, A. interpôs novo recurso para o Tribunal Constitucional, objeto da presente questão, tendo em vista o disposto no artigo 70, 1, b) da Lei deste Tribunal, da inconstitucionalidade orgânica e material do Decreto-lei número 93/90 e da violação dos artigos 62 e 168, 1, b) e 2 da Constituição da República Portuguesa. No seu julgamento, o Tribunal Constitucional primeiramente delimitou o objeto da discussão, que consistia na inconstitucionalidade orgânica , formal e material das normas do Decreto-lei número 93/90, que sofreu alterações dos Decretos-lei 316/90 e 213/92, anteriores ao recurso, e 79/95, posterior a ele. Concluiu, porém, que apenas os artigos 17º, 1 e 4º, 1, d), anexo II estavam em causa, na versão que lhes foi dada pelo Decreto-lei 316/90.
    Em suma, o Tribunal Constitucional entendeu que, não obstante o Acórdão número 368/92 ter declarado a inconstitucionalidade do Decreto-lei 321/83, que regulava a disciplina da REN anteriormente ao Decreto-lei 93/90, este último estava formalmente conforme o Ordenamento Jurídico português, tendo em vista o fato de o mesmo ter se referido no preâmbulo ao artigo 27 da Lei de Bases Ambientais e, quando da sua criação, ter se amparado no artigo 201, número 1, a ) da Constituição da República Portuguesa, que dispõe o que segue:
    “Art. 201 CR .
    1. Compete ao Governo, no exercício de funções legislativas:
    a) Fazer decretos-leis em matérias não reservadas à Assembleia da República;.”
    Assim sendo, não havia necessidade de o governo mencionar a lei sobre a qual o decreto se referia, tendo em vista a constatação de que não se aplicava no caso sub judice o artigo 201, 3 da CRP, que possui essa exigência, mas sim o 201, 1. Mesmo assim, o requisito daquele artigo encontrava-se presente no Decreto-lei 93/90 que se referiu expressamente ao artigo 27 da Lei de Bases Ambientais no seu Preâmbulo, apesar de ter citado a alínea errónea, de forma a afastar qualquer dúvida quanto a constitucionalidade formal neste aspecto do referido decreto.
    No mais, ao contrário do ocorrido com o Decreto-lei 321/83, o governo não necessitava de autorização da Assembleia Legislativa para emiti-lo, ao passo que, na conformidade do disposto no artigo 168 da Constituição da República Portuguesa, o seu conteúdo não consistia em matéria reservada à Assembleia da República, conforme o que se verifica a seguir:
    “ Art. 168 da CR.
    1. É da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre as seguintes matérias, salvo autorização ao Governo:
    b) Direitos, liberdades e garantias;
    l) Meios e formas de intervenção, expropriação, nacionalização e privatização dos meios de produção e solos por motivo de interesse público, bem como critérios de fixação, naqueles casos, de indemnizações;”
    Isto porque, segundo uma perspectiva do caso sub judice, percebe-se que o conteúdo do Decreto-lei não se enquadra nas alíneas b) e l), número 1 do artigo 168 da CR, que dispõe sobre as matérias de competência exclusiva da Assembleia da República, ao passo que ele não versava sobre direitos liberdades e garantias, nem intervenção, expropriação, nacionalização e privatização dos meios de produção e solos por motivo de interesse público. Chega-se a primeira conclusão pelo fato de o “jus aedificandi” (direito de lotear, edificar no terreno), ao qual este decreto impõe limitações, não pertencer ao direito individual de propriedade, segundo o entendimento de uma corrente, e, mesmo pertencendo a ele, segundo corrente oposta, não estar sujeito a interesses particulares, mas antes representar uma hipoteca social em relação à organização urbana. Assim sendo, concluiu aquele Egrégio Tribunal que a alínea b) do artigo supra citado não possuía conexão com o caso em tela (nem com o decreto), pelo fato de a possibilidade de lotear o terreno em causa não se referir de maneira direta ao direito de propriedade, e que, por conseguinte, não se tratava no caso de matéria cuja competência legislativa era exclusiva da Assembleia da República, podendo a mesma ser regulada pelo governo.
    A constitucionalidade formal desse decreto ainda foi reforçada pela constatação de que o mesmo não se referia à alínea l), 1 do artigo 168 da CR, tendo em vista o fato de que a intervenção no meio ambiente não significava intervenção nono solo. Assim, sendo, o fato de o Decreto ter se referido às limitações de uso das REN pelos seus proprietários não implicava a abordagem do tema dos solos, de maneira que isto não estava adstrito à competência legislativa da Assembleia da República.
    Uma vez provada a constitucionalidade formal do Decreto-lei 93/90, passou-se então a apreciá-la sob o ponto de vista material. Nesse perspectiva, entendeu o Tribunal que não havia inconstitucionalidade material do referido decreto, tendo em conta a não violação dos artigos 18, número 3 e 62, número 1 da Constituição da República, que dispões o que segue:
    “Artigo 18º da CRP:
    3. As leis restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de revestir carácter geral e abstracto e não podem ter efeito retroactivo nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais.”

    “Artigo 62º da CRP:
    1. A todos é garantido o direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte, nos termos da Constituição.”
    Isto se deve ao fato das razões supra mencionadas, quais sejam, a de que ou o direito de lotear não faz parte do de propriedade, ou, ainda que fazendo, não deve se submeter a interesses particulares a tal ponto de ser considerado um direito, liberdade ou garantia, nos termos do disposto na alínea do número 1 do artigo 168 da CRP.
    Portanto, o Tribunal Constitucional decidiu não dar provimento ao recurso proposto pelo recorrente , ao passo que não existia qualquer vício de constitucionalidade no Decreto-lei 93/90, que versa sobre o regime da REN, nem nos decretos que o atualizaram. Decisão esta que foi correta, tendo em vista o fato de que estava em jogo, no caso em tela, interesses coletivos, os quais se sobrepunham aos individuais do recorrente de lotear sua propriedade.
    PAUL JOSEPH JAKOBI, SUBTURMA 12 (ERAMUS).  

  20. Anónimo disse...

    Comentário ao Acórdão do Tribunal Constitucional nº 544/01


    No Acórdão nº 544/01 do Tribunal Constitucional, apreciou-se a constitucionalidade do Decreto-Lei nº 93/90 de 19 de Março que criou a Reserva Ecológica Nacional. Neste sentido, tomou-se em consideração o nexo existente entre o respectivo regime jurídico da REN e o Direito de Propriedade Privada, consagrado no art. 62º da Constituição. Avaliou-se igualmente a possibilidade de ressarcimento em caso de restrição do Direito de Propriedade.
    Tudo começou quando A se viu confrontado com um parecer (obrigatório e vinculativo) desfavorável da Comissão de Coordenação da Região de Lisboa e Vale do Tejo, relativo a um projecto de loteamento industrial de uma parcela de terreno no Montijo. Tendo sido seguidos os posteriores trâmites processuais necessários à obtenção de uma decisão favorável ao projecto, e não a tendo conseguido, A decide recorrer para o Supremo Tribunal Administrativo. Porém, sem êxito. Inconformado, A recorreu para o Tribunal Constitucional impugnando o Acórdão proferido pelo Pleno da 1ª Secção do STA. Fê-lo ao abrigo do art. 70º/1b da Lei do Tribunal Constitucional apresentando como fundamento a inconstitucionalidade orgânica e material do Decreto-Lei nº 93/90 por violação dos art. 62º, 168º/1b e 168º/2 da Constituição. Propugnou também a inconstitucionalidade formal do respectivo Decreto-Lei pois o Governo não indicou a alínea do preceito constitucional que legitimava a sua intervenção.
    Cabe apreciar.
    No que respeita à inconstitucionalidade orgânica, a recorrente entendeu que o Decreto-Lei nº 93/90 padeceu do respectivo vício por regular matéria relativa a “direitos liberdades e garantias” sem ter sido precedido da necessária autorização legislativa da Assembleia da República violando, assim, o art. 165º/1b e 165º/2 da CRP.
    A matéria em causa remete-nos, em primeira linha, para o âmbito do Decreto-Lei nº 93/90. Apreciou-se aqui, fundamentalmente, as normas dos art. 17º/1 a 6; o nº1 foi conjugado com o art.4º/1 e com a alínea d) do Anexo II. O art. 17º impõe um determinado regime de aprovação, nomeadamente, às operações de loteamento condicionando-as. Por sua vez, o art. 4º proíbe as respectivas operações de loteamento quando estas se insiram em áreas incluídas na REN – prevalece o interesse ecológico-comum sobre o interesse económico-individual. A Reserva Ecológica Nacional condiciona, então, o uso dos solos. O projecto de loteamento da recorrente estava, de facto, sujeito a um processo de aprovação. Neste seguimento, a recorrente vem sugerir que os condicionalismos impostos pela REN quanto ao processo de aprovação não são legítimos pois restringem o conteúdo do direito de propriedade. Ora, considerando que o direito de construir integra o direito de propriedade, a restrição operada pelo regime da REN quanto ao processo de aprovação é inconstitucional. É esta efectivamente a argumentação que ela sustenta. Assim, surge-nos a questão de saber se o direito de construir integra ou não o direito de propriedade porque se o integrar vai comungar da protecção específica conferida aos direitos, liberdades e garantias. Além disso, importa também averiguar até que ponto é constitucional restringir as faculdades de uso do solo do proprietário, atendendo à prossecução do interesse ambiental.
    Existe um conflito permanente entre o direito de propriedade privada e o direito ao ambiente. Têm consagração constitucional (art. 62º e art. 66º CRP respectivamente) e são ambos direitos análogos aos direitos, liberdades e garantias.(art. 18º CRP). É feita uma ponderação de interesses e verifica-se que a preservação da natureza permite condicionar o uso do solo do proprietário. Desde que não seja abusiva e infundada, a salvaguarda de interesses ambientais deve ser sempre assegurada. Neste sentido, o direito de propriedade privada não é absoluto, ilimitado; encontra-se pois, condicionado pela necessidade de concretizar o interesse ambiental traduzindo uma função social-ecológica que lhe é inerente. Esta função social ou obrigação social é, então, um limite do exercício do direito de propriedade. A nossa CRP não a menciona expressamente mas ela está implícita, nomeadamente quando olhamos para o art. 61º/1 que refere que “a iniciativa económica privada exerce-se livremente… tendo em conta o interesse geral”. Assim, a função social introduz na esfera interna do direito de propriedade um interesse que pode não coincidir com o do proprietário. Deste modo, as potenciais restrições ao uso dos solos, quando motivadas por interesses ambientais, são perfeitamente admissíveis.
    Já em relação ao conteúdo urbanístico da propriedade do solo, a divergência na doutrina é patente. O que está em causa é saber se o direito de construir ou “ius aedificandi” integra ou não o direito de propriedade.
    As posições jus-privatistas que partem de uma noção civilista do direito de propriedade tendem a considerar que o “ius aedificandi” é uma componente essencial desse direito. Destaca-se aqui a posição do Professor Oliveira Ascensão que refere que o direito de construir é um atributo natural do direito de propriedade privada ainda que esteja na dependência de uma autorização do poder público. Rui Medeiros segue a mesma orientação considerando que o facto de o proprietário não possuir a faculdade de decidir se e como pode construir no seu terreno, não obsta a que a faculdade de construção integre o direito de propriedade. Também M. E. Moreira Fernandez entende que o ”ius aedificandi” (ainda que não referido expressamente no art. 62º da CRP) é uma faculdade integrada no leque de competências inerentes ao direito de propriedade sobre o solo uma vez que se encontra directamente relacionada com a protecção do gozo ou do aproveitamento dos bens de que se é titular. Por seu turno, o Professor Freitas do Amaral defende que, integrada no direito de propriedade, a respectiva faculdade apenas pode ser desenvolvida no quadro de normas jurídicas específicas de natureza urbanísticas ou ambientais. Mas ela existe a priori, o proprietário do solo goza da faculdade independentemente de existir ou não plano urbanístico para a zona especial onde aquele se integra.
    A doutrina jus-publicista entende, por seu lado, que o “ius aedificandi” não faz parte do conteúdo do direito de propriedade privada – este não comporta, então, a utilidade privada que deriva da possibilidade de vir a realizar certo tipo de construção no espaço físico do terreno de que se é titular. Nesta óptica Rogério Soares considera que não existe um direito originário à construção o qual só se adquire de forma derivada através da concessão de autorização ou licença de construção. Corroborando esta perspectiva, F.A. Correia refere que o elemento determinante que consagra o direito a construir é o plano urbanístico. Para este autor, o “ius aedificandi” é um poder que acresce à esfera do proprietário e a sua constituição ocorre com um acto praticado pela Administração. Os seus pressupostos e as condições do seu exercício são totalmente modeladas, nomeadamente, pelos planos directores municipais.
    O Tribunal Constitucional não deu razão à recorrente. Independentemente da posição que se adopte em relação ao “ius aedificandi”, só cabem na reserva parlamentar as “intervenções legislativas que contendam com o núcleo essencial dos direitos, liberdades e garantias”. Ora, é seguro que no núcleo essencial do direito de propriedade se integra o direito de cada um a não ser privado da sua propriedade. Já não farão parte deste núcleo fundamental os direitos de urbanizar, lotear e edificar pois considera-se que não são essenciais à realização do Homem como pessoa. Quanto à actuação do Governo, o TC entendeu que não houve invasão da respectiva reserva parlamentar pois, partindo-se de uma posição jus-publicista verifica-se que ele não editou normas sobre a propriedade privada. Para a doutrina jus-privatista o resultado é o mesmo pois as normas editadas não contenderam com o núcleo essencial do direito de propriedade.
    No tocante à falta de autorização legislativa expressa (art. 165º/2 CRP), tal circunstância não constitui uma inconstitucionalidade orgânica. Segundo M. E. Moreira Fernandez, a Assembleia da República legislou sobre as bases gerais do ambiente (art. 165º/1g) pelo que os diplomas legislativos do Governo podem ser considerados como o desenvolvimento material do regime básico construído pelo Parlamento.
    A recorrente defendeu ainda a inconstitucionalidade material do Decreto-Lei nº 93/90 por violação dos art. 62º, 65º/4 e 266º/1 da CRP. De facto, considerou arbitrária e discricionária a aplicação de normas do regime jurídico da REN faltando uma ponderação justa entre interesse público e privado. Por conseguinte, refere a não observância dos princípios da igualdade, proporcionalidade, da justiça e da boa administração. Além disso, entendeu que o regime jurídico da REN motivado pelo interesse público ao interferir no uso dos solos teria de conceder a indemnização prevista nos art. 83º e 165º/1l CRP.
    O Tribunal Constitucional também não lhe deu razão. As limitações operadas pelo regime da REN no âmbito do direito de edificar, seja ele faculdade integrante ou não do direito de propriedade, são compreensíveis à luz de uma necessária compatibilização de valores que tem de ser feita. O interesse privado do proprietário deve ser harmonizado com o interesse ambiental, de índole pública. A relativização do direito de propriedade poderá até traduzir-se num sacrifício necessário. Não há assim qualquer vício material. Refira-se que o âmbito de aplicação material dos art. 83º e 165º/1l não estava sequer preenchido.
    A inconstitucionalidade formal foi igualmente negada. Para o Tribunal Constitucional a alegada “errada” indicação da alínea ao abrigo da qual o Governo exerceu a sua competência legislativa quando o Decreto-Lei foi aprovado redunda numa mera irregularidade. Além disso, o Decreto-Lei faz uma breve referência apenas no preâmbulo à Lei de Bases do Ambiente (Lei 11/87 de 7 de Abril). O Tribunal considerou a referência respectiva como suficiente indo de encontro ao estabelecido no art. 198º/3 CRP que exige que o decreto-lei invoque expressamente a lei de bases ao abrigo da qual foi aprovado.
    Por fim, resta-nos analisar a problemática do ressarcimento. O regime específico de limitações decorrentes do regime da REN pode originar danos e lesões na esfera jurídico-privada dos proprietários onerados. Coloca-se a questão de saber se o dano respectivo é merecedor ou não de tutela ressarcitória. Para F. A. Correia haverá direito a indemnização quando o dano for de uma gravidade e intensidade tais que se justifica a sua equiparação à expropriação. Sendo assim, são as circunstâncias do caso concreto que relevam para a decisão de concessão ou não de indemnização. De qualquer forma, para quem entenda que o direito a construir não faz parte do direito de propriedade, a sua restrição não implica nenhuma indemnização. Por outro lado, quem o considere como parte integrante tudo dependerá da gravidade e intensidade do dano pois regra geral não dará direito a indemnização. Porém, o critério é casuístico não apresentando, grande rigor e segurança para o proprietário onerado. Não obstante, trata-se de uma solução valorativamente equilibrada embora com pendor ambiental.  

  21. Anónimo disse...

    No acórdão do Tribunal Constitucional 544/2001 foi apreciada a eventual inconstitucionalidade do Regime Jurídico da REN (ao tempo, regulada pelo Decreto-Lei 93/90, de 19 de Março). Várias questões foram focadas que cabe agora apreciar:

    Quanto à inconstitucionalidade orgânica e formal vem os Recorrentes alegar que, incidindo o Decreto-Lei 93/90, de 19 de Março sobre matéria de reserva relativa da Assembleia da República seria necessário que estivesse coberta por uma eventual lei de autorização legislativa, que nunca terá sido emitida (padecendo, assim, de inconstitucionalidade orgânica – por emanar de órgão incompetente para o acto – e formal – por, consequentemente, utilizar a forma de decreto-lei, sendo que deveria ser um decreto-lei autorizado ou uma lei da AR, se por ela emitida). Acrescenta-se também, para esta Parte, o facto de, ao referir o artigo 201º, n. º1, alínea a) da CRP (hoje, 198º, nº 1, alínea a) da CRP), o legislador governamental não quis desenvolver uma qualquer lei de bases (neste caso, a LBA – Lei nº 11/87, de 7 de Abril) mas antes legislar (supondo erradamente que se tratava de) matéria não reservada à AR.

    Ora, algumas perplexidades estes argumentos nos causas. Em relação ao último aspecto apontado, não podemos deixar de acompanhar o TC quando diz que o facto de o Governo referir a alínea errada do 201º (deveria ter referido a alínea c) que justifica a sua competência legiferante em desenvolvimentos de matérias base) não releva, uma vez que a exigência constitucional prende-se apenas com a necessidade de invocar, expressamente, que desenvolve um diploma base… o que faz ao invocar o 27º da LBA.

    Aliás, primeiramente o Regime Jurídico da REN havia sido estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 321/83, de 5 de Julho sendo reiteradamente julgado inconstitucional (entre muitos outros, veja-se o Acórdão TC 152/92, de 8 de Abril). Porquê? Porque, precisamente, falta, quer uma autorização legislativa no sentido necessário, quer uma LBA (que foi apenas criada uns anos mais tarde, em 1987). Ora, isso só fortalece a nossa posição (e, ainda que por outra via) do TC de que o facto de existir a actual LBA permite o englobamento de uma matéria de competência relativa.

    Ainda que o TC (erradamente na nossa opinião) não venha a acompanhar instâncias anteriores no que toca ao âmbito da reserva relativa aqui presente (optando por um conteúdo mais restrito do direito da propriedade em questão – excluindo o ius aedificandi do mesmo –) o que é certo é que acompanhamos a sua solução final (também os tribunais anteriores decidiram da mesma forma). Ou seja, nunca estaríamos perante um problema de falta de autorização legislativa [seja ao abrigo das alíneas b) – uma vez que o direito de propriedade consagrado no artigo 62º da CRP é um direito análogo aos direitos, liberdades e garantias ex vi artigo 17º da CRP) –, seja ao abrigo da alínea g) – invocada pelo Recorrente mas que aqui se afigura despropositada, por não se tratar de base alguma – ou, ainda seja por força da alínea l), todos do artigo 168º, n.º 1, hoje 165º, n.º 1, da CRP], por força da consagração no artigo 27º da LBA da RAN e a REN como “instrumentos de política do ambiente e do ordenamento do território” (como já havia aliás, afirmado, o Plenário da 1ª Secção do TA em acórdão de 16 de Janeiro de 2001). Ou seja a intenção legislativa (aquando da criação de uma LBA) já englobava a existência de uma REN e, consequentemente, também o seu regime.
    Essa intenção é, aliás, reafirmada se atentarmos no artigo 37º da LBA (que confere competência ao Governo para, de acordo com a própria LBA, conduzir uma política global nos domínios de ambiente […], coordenar as políticas de ordenamento regional do território […] e adoptar as medidas adequadas à aplicação dos instrumentos previstos na LBA – entre os quais se contam os do artigo 27º - como a REN.
    E, por último, repare-se: se a AR, dentro da própria LBA, tivesse optado por regulamentar o REN no mesmo diploma, estaríamos perante o excesso de mandato que os Recorrentes alegam? Não nos parece. Faz muito mais sentido, ao abrigo de uma economia e celeridade legislativa, que se veja como engloba na “previsão” da LBA, e respeitando os seus limites, a regulamentação dos institutos e figuras que a LBA prevê, desde que se trata disso mesmo: desenvolvimentos e regulamentações. E até aconselhável (se estivesse na própria LBA, esta ficaria desnecessariamente densa e maçuda).

    O máximo que poderíamos discutir é, face à opção da REN de não consagrar indemnização face à proibição de utilização plena do direito de propriedade pelo particular, se faltará a autorização legislativa (por força da reserva relativa da AR no 165º, n.º 1, alínea l) da CRP). Mas isso obriga à equiparação deste regime a uma expropriação “encapotada”, discussão que faremos a propósito da apreciação de inconstitucionalidade material.

    Quanto a esta, importa aqui fazer uma breve nota ao objecto material do recurso. Ora, na questão em apreço, “ […] está em causa uma operação de loteamento, a qual está sujeita a parecer obrigatório e vinculativo da CCRLVT […] e ainda de autorização da mesma entidade pública por se tratar de terreno a integrar na delimitação da REN […]”
    Ora, parece-nos pertinente analisar o conteúdo do artigo 62º da CRP (e, ainda que não referido, do 1305º do CC). Quanto ao preceito constitucional (e de acordo com o CRP – Constituição Anotada, Vol. I, 4ª edição, 2007, Coimbra Editora, de J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira). Podemos chegar às seguintes conclusões: o direito de propriedade é hoje muito menos absoluto do que era ao tempo da concepção constitucional liberal-burguesa (em que assistíamos ao que os AA. chamam de “individualismo possessivo”). No entanto, não deixa de ser hoje um direito análogo aos direitos, liberdades e garantias (ex vi artigo 17º da CRP), abarcando mais do que o próprio conceito civil (1302º ss. CC). Para o que aqui releva, o próprio 62º da CRP afirma a protecção/garantia do direito de propriedade nos termos da CRP (abrindo a porta para limites expressos e implícitos), sendo que G. Canotilho até exemplifica algumas limitações, nomeadamente, de cariz ambiental. Discute-se ainda se o ius aedificandi (ou a licença para construir) está englobada no direito real ou pertence ao acto administrativo autorizativo? Ainda que o A. não tome posição em nenhum dos sentidos, até concedemos a possibilidade de pertencer à Administração. No entanto, parece que, o TC ignorou uma outra anotação possível, que acaba por contornar a questão da amplitude do 62º da CRP (ainda que, a proceder, originaria antes uma inconstitucionalidade por omissão, nos termos do 283º da CRP e da qual não cabe ao particular “reclamar”) que se prende com a vertente (do direito de propriedade) de não privação. Para ver o seu direito de propriedade constitucionalmente tutelado a ser afectado (também de forma constitucional) é necessário que se verifiquem alguns requisitos: pelo simples facto de lhe ser aplicável o regime dos DLG qualquer restrição de que seja alvo deve obedecer a apertados requisitos de necessidade, proporcionalidade e adequação. Acresce que, pelo facto de ser o direito de propriedade, pela forma como está consagrado no nº 2 do artigo 62º da CRP, deve ainda obedecer a requisitos de legalidade, utilidade pública e justa indemnização. Ora, para nós parece ser indubitável que este último requisito não é, de todo, cumprido, ao não ser prevista qualquer preceito indemnizatório por uma delimitação (quase) arbitrária da REN. O que nos leva a equiparar o acto administrativo de delimitação da REN, quer nos termos do Decreto de 1990, quer nos termos actuais (a última alteração data de 2006) a um acto de expropriação por interesse ou utilidade pública e que, ao “esquecer” a justa indemnização, enfermará sempre do vício de inconstitucionalidade material.
    A mesma apreciação pode ser feita com o útil complemento do 1305º do CC (ainda que não se trate de um preceito constitucional, concretiza o direito de propriedade em moldes semelhantes – veja-se o Código Civil Anotado, Vol. III, 2ª Ed., Coimbra Editora, 1987 de Pires de Lima e Antunes Varela). Porquê a indemnização? Porque, é imperativo constitucional face à solução para a colisão de valores e princípios constitucionais (no caso em apreço, a colisão do artigo 66º, n.º 2, alínea c), em conjunto com o artigo 9º, alínea e) da CRP vs. o citado artigo 62º da CRP).
    Não podemos, por isso, concordar com o TC quanto à apreciação feita em relação à inconstitucionalidade material, nem com o argumento que apresenta reiteradamente da “hipoteca social”. Não podemos conceber que, sempre que uma pessoa colectiva ou singular adquira uma propriedade possa ser despojado da sua utilização (ou tenha mais dificuldade em transmiti-la pelo seu real valor, uma vez que a impossibilidade de nela edificar – entre outras limitações – desce consideravelmente o seu valor de mercado), por motivos públicos e através de acto administrativo, sem qualquer indemnização.

    [Maria Inês P. Ramalho, sub. 4]  

  22. Subturma 4 disse...

    Comentário ao Acórdão do Tribunal Constitucional (Ac.544/2001)

    Constitucionalidade do Regime da Reserva Ecológica Nacional


    O acórdão em análise versa sobre a questão da inconstitucionalidade orgânica, formal e material do Regime da Reserva Ecológica Nacional (REN) suscitada pela recorrente ao TC, quando entendida como uma limitação ao direito de propriedade, direito de natureza análoga aos Direitos, liberdades e garantias.
    No caso sub Júdice a recorrente A viu negado o direito a loteamento industrial de uma parcela de terreno sito no Montijo visto se tratar de uma zona a ser abrangida pela REN.
    Discutiu-se a este propósito no acórdão se o direito de propriedade abrange a faculdade de lotear, edificar ou construir, isto é, se o chamado «Ius Aedificandi» se inclui no conteúdo essencial do direito de propriedade na medida em que consoante a resposta a dar a esta questão o regime ora aprovado pelo governo carecia ou não de prévia lei de autorização legislativa (art. 165º/1 alínea b) e nº 2 da CRP).
    Isto porque a recorrente considerou que o regime previsto no decreto-lei 93/90 restringia o direito de propriedade privada (Art-62º da CRP), que sendo um direito fundamental sujeito ao regime dos direitos, liberdades e garantias (e como tal ao regime da reserva legislativa ex vi Art.17º CRP), sem que tenha existido prévia lei de autorização legislativa ou sem que a lei 11/87 (lei de bases do ambiente) tenha suficiente densificação normativa dos princípios gerais aplicáveis ao instituto que permita aferir a conformidade do regime legal instituído por aquela lei reforçada violando desta forma o Art.165º1 b) e nº 2.

    O tribunal Constitucional negou provimento ao recurso considerando que o regime em causa não padece de nenhuma das inconstitucionalidades alegadas pelo recorrente, isto é, no que diz respeito a inconstitucionalidade orgânica, o recorrente alegou que o regime instituído pela REN nomeadamente pela conjugação do art.4º/1 com a alínea d) do anexo II, por dizerem respeito a matérias da competência relativa da AR, direitos, liberdades e garantias e meios e formas de intervenção nos solos por motivos de interesse publico (actualmente previsto no art.165º 1 alíneas b) e l).
    Em resposta a esta questão o tribunal levantou a questão de saber se os condicionamentos às operações de loteamento, obras de urbanização (…)na medida em que estão sujeitos a aprovação de certas entidades administrativas, se tais actividades, não sendo proibidas, portanto condicionantes, consubstanciam uma restrição do conteúdo do direito de propriedade privada como pretendia a recorrente.

    A resposta a esta pergunta levou o tribunal a recordar o disposto no AC.329/99 de 2 de Junho e da discussão doutrinária acima mencionada se ius aedificandi é inerente ao direito de propriedade privada.
    A respeito desta discussão tal como foi indicada no acórdão existem diferentes posições, há quem entenda negar a inclusão do «ius aedificandi» no conteúdo do direito de propriedade, considerando não existir no ordenamento jurídico-constitucional português, um direito originário à construção, o qual só se adquire por via derivada, isto é, através de uma autorização ou licença de construção que desempenha uma função constitutiva ou através de concessão jurídico-pública decorrente do sistema de funcionamento do plano urbanístico.
    Esta circunstância é devida à complexidade crescente do interesse público.
    Alves Correia nega também a integração primária e originária de tal faculdade no direito de propriedade, considerando que apesar de a garantia constitucional abranger além do poder-ter também, o poder-utilizar trata-se de uma faculdade que acresce à esfera do proprietário nos termos e nas condições definidas pelas normas jurídico-urbanísticas.
    Outra parte da doutrina defende que o direito a edificar é um direito inerente ao direito de propriedade privada, ainda que com elevado numero de condicionalismos que bloqueiam o seu exercício, na medida em que só pode ser exercido se e nos termos em que tal for determinado pela autorização ou licença administrativa , não significa que o direito de propriedade não comporte tal faculdade.

    Esta doutrina defendida tanto pelo Prof. Freitas do Amaral como também pelos Drs. Rui Medeiros e Oliveira Ascensão baseia-se no facto de a lei fundamental proteger não só a titularidade do bem mas também o aproveitamento dos bens sobre o qual esta recai.
    E esta a doutrina que tendemos a seguir na medida em que não sendo o Direito de propriedade um direito absoluto, trata-se de um Direito fundamental de grande importância na sociedade actual em que vivemos, não obstante não ter a mesma configuração que teve outrora.
    Apesar de não estar referido expressamente no Artigo 62º da CRP, é de considerar que o «ius aedificandi» integra o direito de propriedade, enquanto faculdade de gozo e de aproveitamento dos bens de que se é titular, e como tal as normas que contenham alterações significativas a esta mesma faculdade devem ser sujeitas á prévia autorização pela AR.
    O TC não seguiu esta via, considerou que o «ius aedificandi» não faz parte do conteúdo do direito de propriedade, pelo que o governo não teria violado a reserva de competência da AR, considerou também que ainda que se entendesse que os direitos de urbanizar, lotear e edificar integram o conteúdo do direito de propriedade não haverá violação da reserva de competências da Assembleia da República porque “ tal reserva parlamentar abrange apenas as intervenções legislativas que contendam com o núcleo essencial dos direitos análogos, por aí se verificarem as mesmas razões de ordem material que justificam a actuação legislativa parlamentar no tocante aos direitos, liberdades e garantias”.

    No que diz respeito à inconstitucionalidade formal, o tribunal entendeu que a “errada indicação da alínea” consubstancia apenas uma mera irregularidade e que a exigência do actual 198º nº3 não exige que a invocação da lei de bases seja feita no local preciso, bastando a invocação expressa, o que se verificou pois no preâmbulo do DL 93/90 pode ler-se “com o presente diploma, e no seguimento do disposto no art. 27º da Lei de Bases do Ambiente – Lei nº 11/87 de 7 de Abril (…)”.


    Por ultimo em relação a alegada inconstitucionalidade material, o tribunal entendeu que não havia violação, uma vez que que segundo a posição seguida pelo TC, o «ius aedificandi» não integra o direito de proriedade, como tal a probição de construir não configura uma restrição ou compressão do direito supra citado.
    Mas para quem defenda a posição contrária, as restrições ao direito propriedade(em sentido amplo abrangendo o «ius aedificandi), careciam de ser autorizadas pela AR e estas só podiam ser levadas a cabo tendo em conta os principios da proporcionalidade, da necessidade, da igualdade e da prossecução do interesse público, isto é, do conflito entre o direito de propriedade e as exigências ambientais e de ordenamento do território, e na impossibilidade de ambos subsistirem em conjunto há que haver uma ponderação desses valores em presença para decidir a prevalência de um ou outro.

    Em conclusão discorda-se da decisão do tribunal quanto á inconstitucionalidade orgânica, todavia no que diz respeito a inconstitucionalidade material do referido decreto-lei, o tribunal decidiu correctamente atendendo aos objectivos da REN e tendo em consideração como foi referido supra que o Direito de Propriedade não é um direito absoluto, este pode e deve ser restringido quando a ele se sobrepõe outros Direitos.

    Sumila Santos
    14978
    Subturma 4  


 

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