A convenção de Albufeira



É sabido que a celebração de convenções internacionais é uma das principais fontes de Direito do ambiente, e no caso em concreto da Convenção de Albufeira está em causa uma relação bilateral entre dois Estados soberanos que partilham mais de 800 km de fronteira comum há nove séculos, estando assim em causa uma importante relação de vizinhança que necessitava ser regulada, racionalizando o aproveitamento de recursos comuns, neste caso a água.
Importa referir o disposto no art. 8º nº 2 da nossa Constituição, que nos diz que esta Convenção depois de ter sido regularmente ratificada vigora na ordem interna portuguesa após a sua publicação oficial e enquanto vincular internacionalmente o Estado Português.
Esta Convenção sobre cooperação para a protecção e aproveitamento sustentável das águas das bacias hidrográficas Luso-Espanholas, mais conhecida por Convenção de Albufeira (em homenagem á cidade algarvia onde foi assinada), foi celebrada entre os Governos de Portugal e Espanha, mostrando assim uma salutar capacidade para unir esforços em torno de uma causa tão importante e relevante para as suas populações como é esta.
Desde os primórdios que a água é considerado como o mais importante recurso natural, “o bem da vida”, basta atentarmos nos inúmeros conflitos armados que já surgiram por esse mundo fora tendo a posse de rios ou nascentes como pano de fundo, e estes cenários de “guerra pela água” tem tendência a aumentar com as alterações climáticas que se avizinham e que são dadas como certas.
Por isso, desde há muito tempo que varias organizações internacionais se preocupam com este tema, promovendo esforços no sentido de que haja uma boa gestão deste recurso natural cada vez mais escasso.
Como já referi no inicio desta exposição, Portugal e Espanha partilham centenas de quilómetros de fronteira comum, havendo vários rios com nascente em território espanhol e que desaguam em Portugal, o que levanta logo vários problemas que foram em grande parte resolvidos com a assinatura desta Convenção.
No espaço territorial das regiões hidrográficas partilhadas pelos dois países em causa coexistem realidades muito diversas, que muitas vezes não são constatáveis a “olho nu”.
Convém referir que nas cinco regiões hidrográficas Luso-Espanholas, e aqui temos de ver o art. 3º da Convenção, os seus 264.000 km2 ocupam cerca de 18% do território da União Europeia e 45% do território da Península Ibérica.
Apenas 22% desta área está situada em Portugal, ficando os restantes 78% em território Espanhol, mas os 22% da área das bacias Luso-Espanholas que se situam em território nacional correspondem a 64% do território português, enquanto que os 78% localizados em Espanha correspondem apenas a 42% do seu território.
O volume da água, em forma de escoamento de superfície ou de recarga de aquíferos no espaço ibérico, está avaliado em 175.200 hm3 médios anuais.
Desses recursos 76.300 hm3, cerca de 44%, ocorrem nas bacias Luso-Espanholas, sendo cerca de 24.400 hm3 em Portugal e 51.900 hm3 em Espanha.
Todavia a parte espanhola corresponde a cerca de 37% das suas disponibilidades hídricas nacionais, enquanto a parcela portuguesa representa 69% das nossas disponibilidades hídricas e isto mostra-nos que é da maior importância que tanto Portugal como Espanha mantenham sempre um bom relacionamento neste domínio tão sensível e actual como é a divisão e gestão dos recursos hídricos.
No início dos anos 90, em plena época de secas, surgem as primeiras versões do plano hidrológico espanhol, plano esse que causou um verdadeiro sobressalto em Portugal, tornando-se então evidente que era urgente modernizar os acordos já existentes.
Isto aconteceu porque o referido plano espanhol ignorava por completo o que se passava do lado de cá da fronteira, e pior, omitia qualquer referencia aos acordos anteriormente assinados entre os dois países ibéricos, tendo inclusive surgido em Espanha notícias nada amistosas em relação ás pretensões portuguesas, defendendo os autores de tais artigos a tese do “contraduero”, em que basicamente se defendia que, antes dos rios passarem a fronteira, barrava-se o fluxo de água e bombeava-se toda a água novamente para montante.
Felizmente para nós que o Governo Espanhol teve bom senso nesta matéria tão sensível, e em 1994 iniciaram-se as negociações que culminariam com a assinatura, em 30 de Novembro de 1998, da actual Convenção sobre a protecção e o aproveitamento sustentável das águas das bacias hidrográficas Luso-Espanholas.
Esta convenção teve como objectivos a definição do quadro de cooperação entre Portugal e Espanha para a protecção das águas superficiais e subterrâneas e dos ecossistemas aquáticos e terrestres dele directamente dependentes, e para um melhor aproveitamento sustentável, tal como é referido no art. 4º da convenção, dos recursos hídricos das bacias hidrográficas dos Rios Lima, Minho, Douro, Tejo e Guadiana.
Deste modo, as duas partes propõem-se coordenar as acções de promoção e protecção do bom estado das águas superficiais e subterrâneas, bem como acções que contribuam para mitigar os efeitos nefastos das cheias, das situações de seca ou escassez de água, tal como referem os artigos nº18 e 19 da convenção.
Depreende-se de tudo o que já foi dito que a coordenação que visa minorar os efeitos das cheias e das épocas de seca, assim como assegurar a segurança das infra-estruturas e controlo da qualidade das águas e respectivos níveis de poluição, artigos nº12, 13 e 14, constituem-se como sendo dos principais objectivos da Convenção de Albufeira.
Tudo isto foi colocado à prova entre 2004 e 2006, altura em que os dois países foram assolados por um dos maiores períodos de seca da história moderna de ambos, pois foi possível salvaguardar os interesses dependentes dos recursos hídricos dos rios Luso- Espanhóis que estavam em risco, nomeadamente em relação aos níveis dos caudais.
Essa salvaguarda foi conseguida através do acompanhamento permanente da situação em ambos os lados da fronteira, tendo contribuído para este sucesso o bom funcionamento dos órgãos de cooperação instituídos aquando da celebração da convenção, que foram criados de forma a fazer cumprir o disposto no referido diploma e que se encontram previstos nos artigos 20 e seguintes.
Dos órgãos aí mencionados o mais importante é a comissão para a aplicação e o desenvolvimento da convenção (artigos 22º e 23º), que em inúmeras reuniões realizadas nessa altura conseguiu garantir que os caudais nos rios fronteiriços fossem os mínimos para garantir a manutenção das actividades económicas mais relevantes (ver art. nº16).
Em jeito de conclusão é importante referir que a Convenção de Albufeira é um verdadeiro acto de civilização que reflecte as excelentes relações existentes entre Portugal e Espanha.
A convenção deve ser vista como um instrumento ao serviço do desenvolvimento sustentável e solidário dos dois países, sendo uma fonte insubstituível para um bom relacionamento entre as duas partes, evitando o surgimento de quezílias e conflitos entre dois Estados soberanos em matéria de recursos hídricos.
Como nota final importa dizer que em Portugal existe uma obrigação constitucional de efectivar os direitos ambientais e de preservar os recursos naturais, como nos é referido nas alíneas d) e e) do art. nº 9 da nossa Constituição, concretizado depois pelo artigo nº 66 do mesmo diploma legal.







ASS: Pedro Oliveira, Nº13838, 5ºano ST11

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