Trabalho de Direito do Ambiente:
Tutela Comunitária do Direito do Ambiente enquanto Direito Fundamental


A) Introdução
Este trabalho não tem pretensões de constituir uma teoria geral do Direito do Ambiente. O seu objectivo, para usar a expressão do Mestre Nuno Pissarra, é: “bem mais modesto”. Pretende apresentar-se aqui uma visão do Direito ao Ambiente enquanto um Direito Fundamental que deve ser de todos os Cidadãos e expor a tutela de que goza este Direito a nível do Direito Comunitário, nomeadamente através da Acção por Incumprimento, com previsão legal nos arts. 226 a 228 TCE e da Acção de Responsabilidade Civil Extracontratual com sede legal no art. 288/2º paragrafo ex vi do 235 TCE.


Começaremos por referir se consideramos o Direito do ambiente um Direito Fundamental ou não, após a avaliação que desta questão faz a Doutrina mais avisada sobre esta matéria;
Posteriormente apresentaremos, na esteira do Prof. Jorge Miranda, a consagração legal do Direito ao Ambiente no Direito Comparado e um conjunto de Direitos conexos com o Direito ao ambiente e á qualidade de vida, enquanto direitos cuja dignidade constitucional vem expressa e rigorosamente consagrada no art. 66 CRP.
Ponderaremos também, qual a relevância que o Direito do ambiente tem a nível comunitário. Por último, será hora de apresentar conclusões.



Refere o Prof. Fernando dos Reis Condesso: “o Direito do Ambiente é um direito autónomo, apesar da sua natureza eclética, pluridisciplinar, recente, não sedimentado, disperso, experimental, de matriz e base científica ecológica especialmente vocacionada para a evolução permanente, estratégico, prospectivo, de vocação para-imperialista, de intervenção radical, aberto à informação e participação dos cidadãos em geral, de nomogénese global, atribuição de poderes concorrentes aos vários escalões do poder nacional e supranacional, com uso de todo o tipo de formas de intervenção administrativa, e incidindo sobre um bem jurídico de natureza complexa, com pluralização da titularidade accionória e indemnizatória e um direito de funcionamento simultaneamente administrativo e cultural (1).”



Já o Prof. Gomes Canotilho, fala no ambiente, como um novo bem jurídico: “a generalização dessa convicção das pessoas sobre a necessidade de preservar e promover o ambiente operada a nível não apenas nacional, mas internacional, dada a inevitável propensão para a «mundialização» dos problemas ambientais, está na base da emergência regente do ambiente como bem digno de protecção ou tutela jurídica, o mesmo é dizer, na base da sua transmutação de mero interesse socialmente relevante em autêntico bem jurídico. (2)”
Este Prof. Diz também o seguinte: “O Direito ao Ambiente é um direito fundamental pois é acolhido na CRP como tal e também como «tarefa fundamental» do estado art. 9/d)e), para além disto, vem previsto pelo art. 2 da lei de bases do ambiente, como princípio geral, o direito de todos os cidadãos a um «ambiente humano e ecologicamente equilibrado», direito esse concretizado nos arts. 40 e SS. Dessa lei.(2)”



O Prof. Jorge Miranda também salienta o facto da: “relativa novidade da problemática político-cultural e jurídica do Ambiente. Não tem mais do que algumas poucas décadas a consciência, traduzida de diversas formas, da necessidade e da possibilidade de intervenções para se preservar ou restaurar o equilíbrio natural da vida humana (3).” O autor refere ainda: “foi só depois da 2ª guerra mundial e, principalmente, a partir dos anos 70 que, tudo começou a mudar, quando se tornaram mais patentes os efeitos negativos conjugados da industrialização, de urbanização e da motorização; e quando se começaram a fazer sentir, mais vincadamente, tanto a interacção dos factores tecnológicos e demográficos como a própria exiguidade e unidade do planeta (3).”



Já o Prof. Vasco Pereira Da Silva refere que: “o Direito ao Ambiente, oriundo da 3ª geração dos direitos Humanos (ordenação que o Prof. Jorge Miranda discorda em absoluto, refira-se), apresenta em simultâneo uma vertente negativa, que garanta ao seu titular a defesa contra agressões ilegais no domínio constitucionalmente garantido, e uma vertente positiva, que obriga á actuação das entidades públicas para a sua efectivação. Assim, ao Direito do Ambiente é de aplicar o regime jurídico dos Direitos, Liberdades e Garantias na medida da sua dimensão negativa, e o regime jurídico dos Direitos, económicos, sociais e culturais, na medida da sua dimensão positiva (4)”.



Rui Sanhá, apresenta o seguinte conceito de Direito do Ambiente: “o Direito do Ambiente nada mais será que o Direito que assiste aos cidadãos de ser um espaço de realização pessoal da pessoa do ponto de vista da saúde e bem estar físico e moral, um Direito À integridade física e moral contemplado no art. 24/1 CRP e que tem a sua concretização no art. 70/1CCIV que dispõe que a lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa  sua personalidade física e moral, denso o preceito do art. 66/1 CRP, repetido pela lei de bases do ambiente isis literis, no seu art. 2/1 como princípio geral (5)”.


Que pensar de tudo isto?

De facto e de Direito, o Direito ao Ambiente vem consagrado na Lei fundamental enquanto Direito Fundamental, no art. 66, do Capítulo II, do Título III, Parte I integrando os Direitos e Deveres Fundamentais.

Quanto à Doutrina, a doutrina dominante, configura o Direito ao Ambiente enquanto Direito fundamental: Vasco Pereira Da Silva, Rui Sanhá, Gomes Canotilho. Contra esta perspectiva, Ver Carla Amado Gomes, pois esta autora diverge quanto à qualificação do Direito do Ambiente enquanto Direito Fundamental.

Também o Tratado da Comunidade Europeia (TCE), prevê a matéria das políticas ambientais nos arts. 174, 175, 176, e portanto, dá um sinal, de relevância e dignidade a estas matérias.

Parece não haver muitas dúvidas: o Direito ao Ambiente é um Direito Fundamental que deve ser atribuído a todos os seres humanos, porque, para além do mais, sem um bom ambiente não se consegue ter boa saúde e sem saúde não se consegue ter boa qualidade de vida etc. enfim, entramos numa espiral do tipo bola de neve ou numa espécie de ciclo vicioso do qual não conseguiremos sair.


B) Desenvolvimento

“No Direito Nacional, o Direito ao Ambiente vem plasmado no art. 66CRP. Também podemos ver a consagração deste Direito a nível do Direito Comparado: Constituição Italiana (art. 9), Indiana (art. 48ª e 31/g); Espanhola (art. 45); equatoriana (art. 50); Holandesa (art. 21); Guiné-Bissau (art. 15); Iraniana (art. 30); Filipina (secção 16 art. II); Brasileira (arts. 5 – LXXIII, 129 – IV, 182, 183, 225); São – Tomense (art. 10/d e 48); Namibiana (art. 11); Moçambicana (arts. 36 e 37); Búlgara (arts. 15 e 55); Romena: (art. 14/2/e); Cabo-Verdiana (art. 70); Angolana (art. 24); Russa (art. 58); Alemã (art. 20A); Sul-Africana (art. 24); Polaca (art. 86); Suiça (arts. 73 e SS.); Timorense (art. 61).” Jorge Miranda (6).


Como refere o Prof. Jorge Miranda (7), o Direito ao Ambiente: “enquanto conformável como Direito de natureza análoga aos Direitos Liberdades e Garantias… Perpassa… uma estrutura negativa – embora não sem incidências positivas – visto que ele tem por contrapartida o respeito, a abstenção, o non facere. O seu escopo é a conservação do ambiente e consiste na preservação de cada pessoa a não ter afectado, hoje, já o ambiente em que vive e em, para tanto, obstar os indispensáveis meios de garantia”.


A nível nacional têm de ser conjugados com o art. 66 CRP outros preceitos:
- O Direito À Informação sobre o ambiente (arts. 37/1, 48/2 e 268/1/2 CRP);
- O Direito de constituir associações de defesa do ambiente (46/2 CRP);
- O Direito de participação na formação das decisões administrativas relativas ao ambiente (66/1, 267/4) CRP);
- O Direito de impugnar contenciosamente decisões administrativas que possam provocar a degradação do ambiente (268/4 CRP);
- O Direito de promover a prevenção, a cessação ou a “perseguição judicial”, de actos tendentes À degradação do ambiente 52/3/a) 1ª parte;
- O Direito de requerer para o lesado ou os lesados pela degradação do ambiente a correspondente indemnização 52/3/a) 2ª parte;
- O Direito de resistência a qualquer ordem ou a qualquer agressão de particular que ofenda o Direito ao Ambiente (art. 21).


Enquanto Direito económico, social e cultural, o Direito ao Ambiente é um Direito a prestações positivas do Estado e da Sociedade, um Direito a que seja criado um ambiente de vida humana, sério e ecologicamente equilibrado art. 66/1CRP. Aqui há que ter em conta outros preceitos:
- O Direito dos trabalhadores À Higiene no trabalho 59/1/c);
- O Direito a especial protecção dos trabalhadores que desempenhem actividades em condições insalubres, tóxicas art. 59/2/c/3ª parte;
- O Direito à habitação em condições de higiene e conforto 65/1CRP;
- O Direito dos idosos a condições de habitação e convívio familiar e comunitárias adequadas art. 72/1 CRP.


O Direito Do Ambiente é um ramo do Direito, que regista um desenvolvimento sólido e acentuado a nível jurisprudencial, doutrinário e legislativo.

Os Governos de Vários Países Europeus e Mundiais mostram-se, cada vez mais, preocupados com esta temática.

Os Média também asseguram tempo de antena a esta questão, no sentido de alertar para os efeitos nocivos e lesivos que a actuação do “Homem” está a causar no nosso planeta; Pense-se a este respeito, nas várias indústrias a nível global: Petrolífera, Petroquímica, Dos sectores automóvel, vidreiro, cimenteiro só para dar alguns exemplos.

Também personalidades como o Ex. Presidente dos Estados Unidos da América, Al. Gore, Filho do poderoso Ex. Senador norte-americano com o mesmo nome, têm alertado para o problema das alterações climáticas a nível mundial, problema conexo com o tema do Direito do Ambiente como sabemos.

Hoje, o Direito ao Ambiente é um Direito que deve ser de todos e é um Dever que deve ser respeitado por todos os seres Humanos.

De facto só uma política global à escala Europeia e Mundial pode conseguir uma efectiva defesa do meio ambiente, pois como refere Nicolas Moussis (8) :”neste mosaico de Estados que se chama Europa, o mercado comum da poluição formara-se mais cedo do que o mercado comum das mercadorias. O mar e as águas poluídas circulavam livremente através das fronteiras muito antes de se pensar em as abrir aos cidadãos e às mercadorias estrangeiras”.


Não se consegue preservar o meio ambiente de um país, se os outros países em seu redor não tiverem uma política ambiental respeitadora e sincronizada, pois o “ar” que se respira em determinado país não está circunscrito pelas suas fronteiras por uma espécie de “Santo-Porteiro”, que separa o “ar” respirável do “ar” impróprio para respirar. O mesmo se diga quanto ás “águas territoriais” envolventes.


Na verdade o ambiente não conhece fronteiras como diz o Prof. Gomes Canotilho (9), que deixa para o leitor a seguinte pergunta: “que eficácia poderia ter tido uma medida de protecção das águas fluviais unilateralmente adoptada por um estado ribeirinho, se outros estados, situados a montante de um mesmo rio internacional, nada fizessem para evitar a poluição aquática desse rio?”


A nível Europeu, nem sempre, as preocupações ambientais foram as mesmas, como diz Gomes Canotilho (10): “até aos anos 50, as preocupações com a tutela do ambiente eram escassamente sentidas, o que aliás, era compreensível, uma vez que não havia focos de poluição muito intensa e que, em geral, esta se mantinha dentro dos limites suportáveis; contudo, no início dos anos 70, os países industrializados começaram a sentir com maior intensidade o problema da poluição, tendo-se verificado, igualmente por essa época, alguns acidentes com impactos ecológicos graves: naufrágios de petroleiros e suas marés negras, explosões em instalações industriais e fugas de produtos tóxicos… Estes fenómenos trouxeram o tema do ambiente para o centro do debate político, obrigando os Estados a tomar rapidamente medidas curativas”.


Nigel Haigh (11) referia sobre isto o seguinte: “como sabemos, quando se formou, em 1957, a Comunidade não se preocupou de modo algum com o ambiente; não lhe é feita qualquer referência no Tratado de Roma de 1957 e foi só em 1987, quando o Acto Único Europeu entrou em vigor, que o Tratado reconheceu formalmente o Ambiente. No entanto, em 1972, por coincidência, quando o Reino Unido a Dinamarca e a Irlanda entraram na Comunidade, esta decidiu passar a ter uma política do ambiente e nos anos subsequentes adoptou um grande número de disposições legislativas – cerca de 350 – relacionadas com o ambiente.”


O Prof. Vasco Pereira da Silva (12) trata desta matéria da seguinte forma: “a matéria do ambiente encontrava-se ausente dos Tratados constitutivos das Comunidades Europeias (vide, Tratado de Roma de 1957), pois ao tempo ela não tinha adquirido ainda “foros de cidade”, mas isso iria ser remediado, a partir do Acto Único de 1987, tendo passado a ser objecto de tratamento autonomizado ao nível dos textos fundadores.
Contudo, desde pelo menos os anos setenta que as preocupações de natureza ambiental se manifestam no quadro da Comunidade Europeia, quer ao nível das Políticas Comuns (agrícola, das pescas), quer ao nível de específicas manifestações normativas, assumindo a forma de regulamentos (que são imediatamente aplicáveis – V-G o regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho nº 1980/2000 CE, de 17 de Julho de 2000, que estabelece um sistema comunitário de atribuição de rótulo ecológico), de Directivas (que impõem um fim a atingir mas deixam aos países membros a escolha dos meios para o realizar – V.G a Directiva 85/337/CE, do Conselho, de 27 de Junho de 1985, alterada pela Directiva 97/11/CE, do Conselho de 3 de Março de 1997, que estabelece o regime Europeu de avaliação de impacte ambiental), de Decisões (que são obrigatórias para os respectivos destinatários, V-G a Decisão do Conselho 97/872, de 1997, que estabelece um programa de apoio Às organizações não-governamentais de protecção do Meio ambiente), de recomendações e de resoluções (que, apesar de não vinculativas, não deixam de ser importantes enquanto instrumentos de afirmação de princípios e de valores ambientais – V.G a recomendação 79/3, de 19 de Dezembro de 1978, que propõe um sistema uniforme de avaliação dos custos de protecção ambiental na actividade industrial. Daí o surgimento, em nossos dias, de um verdadeiro Direito Europeu do Ambiente, cuja importância não decorre apenas do facto de as respectivas normas gozarem de aplicabilidade directa e de primazia sobre as fontes internas, nem também da existência de mecanismos jurisdicionais destinados À sua efectivação (mesmo contra a vontade dos Estados), como sobretudo do seu papel dinamizador de uma «Consciência Jurídica» ambiental a nível Europeu.


Parece-me que o Ambiente e sua protecção e conservação devem ser um objectivo fundamental e primordial a atingir pela espécie Humana. Atentemos nas alterações climáticas que se fazem sentir, um pouco por todo o mundo, e que levam à desestabilização, por completo, das tradicionais quatro estações do ano (Primavera, Verão, Outono, Inverno) e também á subida do nível médio da água do Mar, em consequência directa do Degelo nos pólos planetários.

O Ser Humano, tem de se consciencializar, de uma vez por todas: há que tomar medidas! Essas medidas têm de ser tomadas em conjunto, a um nível Comunitário, e até Mundial, pois o ambiente diz respeito a todos os povos.

O Direito Comunitário, pode dizer-se, tem hoje, grande importância a nível das políticas ambientais dos Estados-Membros da Comunidade. Isto decorre essencialmente de duas características do Direito Comunitário: a sua aplicabilidade directa e a sua primazia sobre o Direito Nacional. Por isso o Direito Comunitário pode ajudar e muito a harmonizar legislações e planos de acção nos diversos Estados-Membros por força destas suas características.

Segundo Gomes Canotilho (13): “a aplicabilidade directa significa que algumas normas de Direito Comunitário produzem efeitos automaticamente, a partir do momento em que entram em vigor, vinculando o Estado e os Cidadãos. A Primazia significa que as normas de Direito Comunitário gozam de prevalência hierárquica sobre o Direito Nacional, obrigando a uma interpretação conforme com o Direito Comunitário e à desaplicação do Direito nacional que o contrarie.”


Fausto de Quadros (13), desenvolve os conceitos da seguinte forma: “a aplicabilidade directa do Direito Comunitário quer dizer que o acto (acto ou norma) que dela goza é susceptível de aplicação imediata (na data da sua entrada em vigor) na ordem interna do Estado a cujos sujeitos se dirige. Por isso, a aplicabilidade directa também se designa por imediatividade. Assim entendida a aplicabilidade directa tem três corolários:

a) Para que o acto em causa seja directamente aplicável na ordem interna, não é necessário qualquer acto de recepção na ordem jurídica do estado em causa, do mesmo modo como o Estado nada pode fazer para evitar essa aplicabilidade directa;

b) O acto comunitário vigora na hierarquia interna das fontes de Direito sem perder a sua natureza de acto de Direito Comunitário, concretamente, beneficia da teoria do primado do Direito Comunitário sobre o Direito Estadual;


c) Os órgãos nacionais de aplicação do Direito (entende-se para este efeito o legislador, a administração pública e os tribunais) têm o dever de aplicar o acto a partir da data da sua entrada em vigor na ordem jurídica. ”


A Aplicabilidade Directa é um conceito criado pelos Tratados Comunitários, que, por isso, dizem eles próprios, quais são os actos que dela gozam. Assim, na Comunidade Europeia, são Directamente aplicáveis, segundo o art. 249/par. 2, os regulamentos e as decisões. Quanto a estas últimas, note-se que o tratado não se refere expressamente À sua aplicabilidade directa, mas ela decorre implicitamente do carácter obrigatório da decisão, em todos os seus elementos.

Quanto ao Primado do Direito Comunitário, Fausto de Quadros (14) diz o seguinte:”o Primado está implícito no Tratado CE nos arts. 10/par.2ª e 249. Este autor diz que o Primado foi criado e elaborado pela jurisprudência do TJCE. São importantes três acórdãos na construção deste conceito (Costa/Enel, Simmenthal, Factortame).”

Poderá dizer-se que a ideia de Primado do Direito Comunitário, significa o seguinte: o Direito Nacional tem de respeitar o Direito Comunitário, pois, caso contrário, estaremos diante de uma situação de incumprimento susceptível de desencadear o Processo por incumprimento plasmado nos arts. 226 a 228 TCE.

Atentem nos seguintes exemplos que vou dar em seguida:
Há uma Directiva Comunitária sobre a participação na elaboração de planos e programas relativos ao ambiente: 2003/35 CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 26 de Maio de 2003, e outra Directiva que versa sobre o procedimento administrativo de avaliação de impacto ambiental: 2001/42 CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 27 de Junho de 2001.
Ora, como se sabe, a Directiva encontra consagração no art. 249/par. 3ª TCE. Na hipótese de o Estado Português, enquanto destinatário da Directiva, não a tivesse transposto, dentro do prazo fixado para o efeito, ou no caso de, de algum modo, os seus órgãos (do Estado Português) não a tivessem cumprido ou não a cumpram (a Directiva), ele incorre em situação de incumprimento nos termos dos arts. 226 a 228 do TCE (ex. arts. 169 e 171). Isto decorre do facto de o prazo para a transposição da Directiva ter carácter imperativo. À mesma conclusão se chega em caso de errada ou deficiente transposição da Directiva.
Vejamos um caso da vida real comunitária: houve um acórdão do TJCE de 19 de Novembro de 2002 que versava sobre uma acção por incumprimento proposta pela Comissão Europeia (arts. 211 e SS.) contra o Reino da Bélgica (226 TCE), devido ao incumprimento por parte deste Estado-Membro da Directiva 97/11/CE que versava sobre os efeitos de determinados projectos no ambiente – processo C-319/01. Nesta Decisão o TJCE acabou por condenar o Reino da Bélgica, por não ter posto em vigor todas as disposições legislativas, regulamentares e administrativas, necessárias para dar cumprimento À Directiva, 97/11/CE, do Conselho de 3 de Março de 1997, que alterava a Directiva 85/337/CEE, relativa à avaliação de efeitos de determinados projectos públicos e privados no ambiente. Este facto levou á declaração de incumprimento pelo TJEC das obrigações decorrentes da Directiva 97/11/CE Por parte do Reino da Bélgica, que também foi condenado no pagamento de todos os custos do processo. Este é um bom ex. Para se perceber que os incumprimentos dos Estados-Membros em matéria de ambiente, pelo menos na CE, não passam impunes.


Todavia, como Bem nota Fausto de Quadros (14):”O processo por incumprimento previsto nos arts. 226 a 228 TCE, pode ser substituído por uma acção de responsabilidade civil extracontratual a propor contra o Estado faltoso nos seus tribunais nacionais, segundo as regras processuais próprias do respectivo estado. A responsabilidade do Estado é, nesse caso, uma responsabilidade Comunitária, a aferir, inclusive no que toca à reparação do dano, pelos critérios próprios do Direito Comunitário.”


Como dizem Fausto de Quadros e Ana Maria Guerra Martins (15): “o processo por incumprimento tem, em 1º lugar, como objectivo dar prevalência aos interesses comunitários, prosseguidos pelos tratados em detrimento das acções ou abstenções contrárias por parte dos estados. Em 2º lugar, este processo permite determinar a interpretação correcta das obrigações dos Estados-Membros, previstos nos Tratados; em 3º lugar, o processo por incumprimento, possibilita ainda, uma vez declarado o incumprimento em que o TJ censura o comportamento positivo ou negativo de um Estado-Membro, a propositura de uma acção de responsabilidade contra esse Estado.”
Quanto à tramitação processual, os trâmites são diferentes como referem FQ e AMGM: “consoante se trate de um processo da Comissão contra o Estado 226 TCE ou de um processo de um Estado contra outro Estado 227 TCE.”
Se um Estado-Membro violar uma obrigação ambiental que decorra do TCE ou de um acto de Direito Comunitário derivado que verse sobre matéria ambiental, a Comissão Europeia (arts. 211 e SS.). TCE ou um outro Estado-Membro (227 TCE) da Comunidade Europeia podem propor uma acção por incumprimento no TJCE (arts. 220 e SS. TCE) contra o Estado incumpridor.
Para ver aprofundadamente o procedimento da Comissão versus Estado-Membro págs. 235 e SS. Fausto Quadros e Ana Maria Guerra Martins (16).
Para ver profundamente o processo de Estado contra Estado págs. 244 e SS. Fausto Quadro e Ana Maria Guerra Martins (16).


No que toca Às medidas possíveis de aplicação a um Estado-Membro em caso de incumprimento de uma medida ambiental decorrente do TCE u de acto de Direito Comunitário Derivado, o art. 228/2/Pars. 2 e 3, utilizam expressamente o vocábulo «sanção pecuniária».
Em consonância com a letra do art. 228/2 TCE a doutrina emprega frequentemente o termo «sanção» ou «sanções». CN. A Timmermans (17) qualifica a inovação do originário art. 171 TCE como um «mecanismo de sanção»; e Cláudio Zanghi (18) como prevendo a possibilidade de o TJCE «cominar sanções contra os Estados-Membros». Já Maria José Rangel de Mesquita (19) refere que: “a medida representa também uma novidade conceptual de relevo porque introduz, no sistema das sanções comináveis nas relações entre Estados uma específica sanção económica.”
Fausto Pocar (20) qualifica a condenação no pagamento de uma quantia fixa ou progressiva como uma sanção acessória em relação ao objecto principal do acórdão do TJ: “a imposição de uma sanção pecuniária (…) não transforma a sentença em sentença de condenação a não ser na parte relativa à própria sanção. O seu objecto continua a ser a verificação do incumprimento; o pagamento de uma soma não tem carácter satisfatório do mesmo, mas representa uma sua sanção acessória ficando sempre o Estado inadimplente obrigado a tomar as providências necessárias para a execução da sentença. A imposição daquela sanção não altera a natureza da actividade jurisdicional do tribunal.” Este autor considera ainda que a possibilidade de impor uma sanção pecuniária vem reforçar concretamente a eficácia do processo por incumprimento previsto nos Tratados e pode constituir um instrumento útil para uma mais pontual e tempestiva actuação ao nível estatal dos actos comunitários, com particular importância em relação Às directivas.


Quanto À acção de responsabilidade Extracontratual, ela vem prevista no art. 288/2ª par. TCE (ex. art. 215) ex vi do 235 TCE (ex. art. 178). Neste caso, os Estados incumpridores de Directivas Comunitárias (entre as quais, aquelas que versem sobre matérias ambientais), poderão ser obrigados a pagar montantes elevados, devido a danos causados a terceiros.


Na década de 90, o TJCE reconheceu aos particulares o direito de obter da parte de um Estado-Membro a reparação dos prejuízos que sofreram na sequência da ausência de transposição de uma directiva comunitária na ordem jurídica interna. Referem Fausto de Quadros e Ana Maria Guerra Martins o seguinte: “é no Direito Comunitário (e não já no Direito Nacional) que reside o fundamento do dever do Estado de indemnizar os prejuízos por ele causados pelas suas infracções ao Direito Comunitário e é este que define as “condições de responsabilidade” do Estado pela violação do Direito Comunitário, ficando aos Estados-Membros um papel meramente residual, que é o de indicar os meios processuais adequados para a efectivação da responsabilidade e o tribunal competente.”

Para ver detalhadamente o processo da Responsabilidade civil Extracontratual dos Estados-Membros art. 288/ 2º par TCE ex vi 235 TCE VER Fausto Quadros e Ana Maria Guerra Martins (21) págs. 284 e SS.



C) Conclusão:
Parece, portanto, que nos dias de hoje, a consagração dos objectivos de política ambiental previstos nomeadamente no art. 174 TCE (Preservação, Protecção e melhoria da qualidade do ambiente; protecção da saúde das pessoas; utilização prudente e racional dos recursos naturais; promoção no plano internacional, de medidas destinadas a enfrentar os problemas regionais ou mundiais do ambiente) é salvaguardada, e bem, do ponto de vista jurídico, por dois mecanismos, que têm demonstrado a sua eficácia (ver p. ex. jurisprudência do TJCE de 14 de Junho de 2001 acerca da má transposição por parte do Reino da Bélgica de uma directiva sobre o regime jurídico de avaliação do Impacto Ambiental), o processo por incumprimento (art. 226 a228 TCE) e a acção de responsabilidade civil extracontratual (art. 288 ex vi 235 TCE).

Nem poderia deixar de ser assim. Qualquer violação do Direito Comunitário (entenda-se aqui o conceito de violação de Fausto de Quadros e Ana Maria Guerra Martins (21) como sendo: “a aprovação, adopção e a manutenção de medidas legislativas, regulamentares ou administrativas por parte de um Estado-Membro incompatíveis com o Direito Comunitário, bem como a execução incompleta ou tardia de obrigações que são impostas ao Estado pelo Direito Comunitário.”) terá repercussões a nível da acção por incumprimento ou da acção de Responsabilidade civil Extracontratual; portanto, estando as matérias de política ambiental previstas no TCE arts. 174 a 176 TCE, qualquer acto comunitário, portanto, Regulamentos, Directivas, e Decisões art. 249 TCE, atinente a essas matérias que não seja acatado por determinado Estado-Membro terá as consequências gravosas que marcam esses procedimentos.

Assim, não só a nível Nacional mas também num patamar Comunitário, podemos ter a certeza de que o Direito ao Ambiente, de todos e de cada um de nós, enquanto seres Humanos vivos que habitamos o Planeta se encontra tutelado.







Bibliografia:
1) Prof. Fernando, Condesso Dos Reis, Direito do Ambiente, págs. 483 e SS;
2) Prof. Gomes Canotilho, introdução ao Direito do Ambiente, Universidade Aberta, págs. 25 e SS;
3) Prof. Jorge Miranda, Direito do Ambiente, págs. 353 e SS;
4) Prof. Vasco Pereira da Silva, Verde Cor de Direito, pág. 103;
5) Prof. Rui Sanha, tese de Doutoramento, Direito ao Ambiente Sadio, pág. 8;
6) Prof. Jorge Miranda, Prof. Rui Medeiros, CRP anotada, anotação ao art. 66;
7) Prof. Jorge Miranda, Prof. Rui Medeiros, CRP anotada, págs. 683 tomo I;
8) Prof. Nicolas Moussis, as políticas Das Comunidades Europeias, Livraria Almedina, Coimbra;
9) Prof. Gomes Canotilho, Introdução ao Direito do Ambiente, Universidade Aberta, pág. 72;
10) Prof. Gomes Canotilho, Introdução ao Direito do Ambiente, Universidade Aberta, pág. 79;
11) Prof. Nigel Haigh, Direito Comunitário do Ambiente, Direito do Ambiente, 1994, pág. 175;
12) Prof. Vasco Pereira da Silva, Verde Cor de Direito, págs. 37 e 38.
13) Prof. Gomes Canotilho, Introdução ao Direito do Ambiente, Universidade Aberta, pág. 91;
14) Prof. Fausto de Quadros, Direito da União Europeia, págs. 423, 424;
15) Prof. Fausto de Quadros e Prof. Ana Maria Guerra Martins, contencioso da União Europeia, pág. 277;
16) Prof. Fausto de Quadros e Prof. Ana Maria Guerra Martins, contencioso da União Europeia, págs. 235 e SS; e págs. 244 e SS;
17) Prof. N, Timmermans, Compliance, pág 116;
18) Prof. Cláudio Zanghi, instituzioni, Pág. 193;
19) Prof. Maria José Rangel de Mesquita, O Poder Sancionatório da União e das Comunidades Europeias sobre os Estados-Membros;
20) Prof. Fausto Pocar, Diritto, pág 187;
21) Prof. Fausto de Quadros e Prof. Ana Maria Guerra Martins, contencioso da União Europeia, pág. 281;
22) Prof. Fausto de Quadros e Prof. Ana Maria Guerra Martins, contencioso da União Europeia, pág. 284 e SS.






Rafael Lopes Raimundo, 5º ano, vertente jurídicas, Sub turma 5 da Faculdade de Direito Da Universidade De Lisboa. 20 De Abril de 2008.

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