Responsabilidade Civil Ambiental

Introdução



Nos últimos anos, ou diria mesmo no último século, a sociedade tem assistido a um crescente desenvolvimento, exacerbado por fenómenos como a Revolução Industrial e mais recentemente pela Revolução Tecnológica.
Todavia, nem tudo são externalidades positivas, já que tudo isto comporta um reverso, ou seja, o aparecimento ou o agravamento dos problemas ambientais, que trazem com eles associados o risco de surgimento de maiores e mais problemas para a humanidade, especialmente na área da qualidade de vida.
Deste modo, necessário se torna que existam meios que possam contornar ou pelo menos atenuar esses problemas, nomeadamente, através da existência de mecanismos que dissuadam ou responsabilizem os agentes que provocam impactos e danos ambientais.
Neste seguimento, ao longo deste trabalho proponho-me abordar o instituto da responsabilidade civil ambiental, tanto do ponto de vista Estadual, em que o Estado aparece dotado de poderes de autoridade, enquanto prossegue o interesse público e age no âmbito dos seus poderes, como da perspectiva em que o Estado se imiscui como agente privado.
Por outro lado, debruçar-me-ei também sobre a eventual responsabilidade civil ambiental dos particulares, área em que, e citando a Professora Ana Perestrelo de Oliveira, existe uma dificuldade de adaptação dos pressupostos gerais da responsabilidade civil, designadamente, o apuramento do nexo de causalidade, de acordo com as clássicas teorias de imputação ¹.
Por fim, terei também em conta, ainda que em moldes menos desenvolvidos, a regulação desta matéria a nível europeu.
Como direito fundamental que é, o direito ao ambiente carece de estruturas de auto-defesa que permitam consolidar a sua vertente subjectiva, para que os particulares encontrem também uma maior efectividade e protecção dos seus direitos.
Índice




Págs.

Introdução-------------------------------------------------------------------------------------------1


1) A responsabilidade do Estado por actos de gestão pública--------------------------2
a) Responsabilidade por facto ilícito culposo--------------------------------------------------2
b) Responsabilidade pelo risco-------------------------------------------------------------------4
c) Responsabilidade por factos ilícitos----------------------------------------------------------4

2) A responsabilidade do Estado por actos de gestão privada------------------------- 4

3) Uma perspectiva do apuramento do nexo causal na responsabilidade civil ambiental------------------------------------------------------------------------------------7
a) A dificuldade de fixação de nexo causal-----------------------------------------------------7
b) Outras soluções possíveis----------------------------------------------------------------------8

4) O apuramento da indemnização--------------------------------------------------------10
a) Restauração natural---------------------------------------------------------------------------10
b) Indemnização pecuniária---------------------------------------------------------------------10

5) Titularidade do direito à indemnização------------------------------------------------11

6) Alternativas à responsabilidade civil--------------------------------------------------12
a) Princípio do utilizador-pagador--------------------------------------------------------------12
b) O eco-imposto----------------------------------------------------------------------------------13
c) O fundo de compensação---------------------------------------------------------------------13

7) O tratamento da responsabilidade ambiental ao nível europeu-------------------14
a) União Europeia--------------------------------------------------------------------------------14
b) Fora da União Europeia----------------------------------------------------------------------15


Conclusão------------------------------------------------------------------------------------------16

Bibliografia----------------------------------------------------------------------------------------17


1) A responsabilidade do Estado por actos de gestão pública


Para o Professor Vasco Pereira da Silva há muito que a distinção actividades de gestão privada e actividades de gestão pública deixou de fazer sentido no seio da Administração Pública, isto porque a noção de acto administrativo sofreu alterações, não correspondendo mais a uma manifestação de Administração autoritária ¹.
Consequentemente, deixaria de existir uma dualidade de jurisdições. De um lado, a jurisdição administrativa, do outro, a jurisdição comum, passando apenas a existir ou a ser utilizada para litígios administrativos, independentemente, de se referir a actos de gestão pública ou privada.
Contudo, para o regime da responsabilidade civil ambiental o professor defende um regime unificado de responsabilidade civil, em virtude das suas próprias características.
Analisando o cerne da questão, que é o da responsabilidade administrativa por actos de gestão pública, importa referir que esta matéria se encontra regulada pelo decreto-lei 48051 de 21 de Novembro de 1963.
Segundo este decreto-lei esta responsabilidade divide-se em responsabilidade por facto ilícito culposo, responsabilidade pelo risco e responsabilidade por actos lícitos.


a) Responsabilidade por facto ilícito culposo


Trata-se de uma responsabilidade subjectiva, que tem como pressuposto a culpa do agente, encontrando-se prevista no artigo 2º do citado diploma.
Causadoras de responsabilidade tanto podem ser actuações jurídicas danosas, como por exemplo a decisão de construção de uma indústria poluente, como actividades mais técnicas, como seja a utilização de uma ETAR.
Esta responsabilidade pode ser causada tanto por omissão como por acção.
Implica os demais pressupostos da responsabilidade civil subjectiva, como sejam a ilicitude, a culpa, o prejuízo e o nexo de causalidade.
Se tivermos em consideração que estamos perante bens ambientais, o apuramento ou o preenchimento destes pressupostos fazer-se-á de forma mais
complexa em virtude da própria natureza do direito ao ambiente, nomeadamente para a quantificação ou individualização do prejuízo causado.
No caso de um incêndio florestal quais seriam os lesados, e os consequentes titulares, que poderiam vir reclamar a reparação dos danos paisagísticos? A população? Uma Organização Ambiental? A Câmara Municipal? Ou os próprios munícipes? E a que título?
São questões como estas que do ponto de vista prático levantam algumas dificuldades.
Ainda assim, para uma quantificação dos prejuízos a doutrina entende que deve haver uma separação entre os danos admissíveis e os danos inaceitáveis, cabendo nos primeiros a fixação de uma indemnização razoável, acabando por ficar à apreciação do juiz.
Por outro lado, o pressuposto do nexo de causalidade também apresenta alguns problemas.
Torna-se difícil encontrar um caso em que exista apenas uma causa que tenha gerado o dano ambiental, mas antes uma multiplicidade de causas ou concurso de causas ², para além de poderem ser condicionadas por situações meteorológicas.
Como referia na introdução, a Convenção de Lugano adopta um sistema em que o grau de exigência de prova para se efectivar o nexo de causalidade é menor.
O mesmo se passa com os Direitos Francês e Alemão, chegando mesmo a ir utilizar cláusulas de presunção do nexo de causalidade.
No Direito Português não existe uma cláusula desse tipo nem em matéria ambiental, nem no regime geral da responsabilidade civil.
Todavia, penso que atendendo as dificuldades que se colocam neste âmbito não seria repugnante que existisse casos tipificados na lei que permitisse presumir o nexo de causalidade, ou pelo menos exigir um menor grau de prova, em determinadas circunstâncias, não obstante poder-se admitir que em certas situações tal presunção acarretaria, eventualmente, alguma insegurança jurídica e uma banalização da responsabilidade civil ambiental. Mas se tivermos em consideração que os critérios de presunção seriam fixados na lei e atendendo também à própria natureza da responsabilidade e aos valores em causa, nomeadamente, saúde pública, bem-estar social ou se quisermos ir mais longe dignidade da pessoa humana, como princípio parametrizador de todos os outros, não seria de todo uma solução desapropriada, cabendo em última análise ao juiz o apuramento do nexo de causalidade entre os factos e os danos.


b) Responsabilidade pelo risco

Encontra-se presente no artigo 8º do decreto-lei 48051, ao referir que a Administração responde pelos prejuízos de serviços administrativos excepcionalmente perigosos ou de coisas e actividades da mesma natureza, salvo se, nos termos gerais, se provar que houve força maior estranha ao funcionamento dessas actividades, ou culpa das vítimas ou de terceiro.
Trata-se no fundo de estabelecer um regime idêntico para as situações de responsabilidade pelo risco presentes no Código Civil, tendo em conta a natureza perigosa de certas actividades.

c) Responsabilidade por factos lícitos

Trata-se também de uma responsabilidade independente de culpa, presente no artigo 9º do referido diploma, e que tem como finalidade proteger os particulares no caso de uma determinada actividade, apesar de lícita, impor encargos e sacrifícios.
São situações de ponderação entre os interesses público e privado que legitimam certas actividades, como sejam as construções ETAR’s, que acarretam problemas e sacrifícios para a vida das populações.




2) A responsabilidade do Estado por actos de gestão privada


Disciplinada pelos artigos 483º e seguintes do Código Civil, a responsabilidade da Administração neste âmbito segue moldes idênticos em relação à responsabilidade que regula condutas entre privados.
Afinal, estamos frente a situações em que o Estado se relaciona como um particular, despido de poderes de autoridade.
No entanto, como se disse na parte introdutória deste tema, e como refere o professor Vasco Pereira da Silva, torna-se cada vez menos necessário ou lógico fazer a separação jurídica entre estes dois tipos de actos, para além de que, por muito que se admita que o Estado estabelece relações paritárias com os particulares neste domínio, ele conserva sempre, ainda que de forma inconsciente alguns dos seus poderes e privilégios.
Necessário se torna que, não só para a responsabilidade em geral, mas também para a responsabilidade ambiental, que exista um regime processual e substancial unificado, agindo o Estado como privado ou não, de forma a garantir uma maior coerência do sistema da responsabilidade civil.
Importante para a responsabilidade civil ambiental na área de actividade privada do Estado é o artigo 509º do Código Civil, pois refere-se a danos causados por instalações de energia eléctrica ou de gás, podendo configurar-se como uma hipótese de lesão do ambiente.
Outro preceito relevante para a responsabilidade ambiental do Estado por actos de gestão privada é o artigo 41º da lei de Bases do Ambiente.
No entanto, o número 2 deste artigo, ao referir que o quantitativo da indemnização a fixar por danos causados no ambiente será estabelecido em legislação complementar suscita uma dificuldade como aponta o Professor Diogo Freitas do Amaral.
A legislação complementar a que se refere este número ainda não existe, pelo que podem ser tomadas duas posições: ou se entende que este artigo não tem ainda aplicação, enquanto não for aprovada a lei que regula a indemnização, ou entende-se, por outro lado, que este preceito tem aplicação imediata, independentemente de existir ou não lei que regule a responsabilidade do artigo 41º.
Fazendo uma interpretação sistemática e conforme à Constituição, não obstante não existir lei que discipline o número 2 do artigo 41º, parece que não há fundamento para excluir a existência de responsabilidade civil ambiental neste preceito, designadamente porque como direito fundamental que é, o direito ao ambiente tem aplicação imediata e vincula entidades públicas e privadas, como salienta o professor Vasco Pereira da Silva (artigos 17º e 18º da CRP).
Por outro lado, a existir a regulamentação deste artigo teria como objectivo fixar o quantitativo da indemnização, pelo que na sua falta poderemos atender a lei geral, na ausência de lei especial.
Mais, a inexistência de critérios do quantitativo da indemnização não pode excluir todo o regime da responsabilidade civil, bastando a existência dos seus pressupostos para se poder desencadear as suas consequências.
3) Uma perspectiva do apuramento do nexo causal na responsabilidade civil ambiental



a) A dificuldade de fixação de nexo causal


As dificuldades com que o Direito em geral, mas especialmente o Direito do ambiente, se depara para a imputação dos factos a uma determinada conduta, levam a que as diferentes teorias encontrem algumas contrariedades neste âmbito.
Segundo a teoria da conditio sine qua non concorriam para o apuramento da responsabilidade todas as condições, ainda que não directamente ligadas com os danos e por mais remotas que fossem. Ou seja, estaríamos a assentar num critério de imputação que iria conduzir à responsabilização de agentes que nada teriam a ver com os prejuízos causados.
Por fim as terias da adequação e do escopo da norma falham também no domínio ambiental porque, para além de apresentarem as dificuldades que estão inerentes à teoria da conditio sine qua non, falham ou não apresentam um critério de imputação constante.
Se tivermos em consideração que a teoria do escopo da norma define que há nexo causal quando um determinado dano ocorre dentro do núcleo que uma norma visa conferir, somos levados para outro cenário que é o de saber o que visa proteger aquela norma concreta. Deste modo, e porque no Direito do Ambiente é cada vez mais difícil saber qual o interesse que a norma visa tutelar (dificuldade que, não obstante estar também presente em todo o Direito, encontra nesta sede maiores especificidades, já que como refere a Professora Ana Perestrelo de Oliveira existem problemas ambientais que são difíceis descortinar quem originou ou de onde advém aqueles factos ¹, designadamente porque na questão ambiental os mesmos se vão revelando ao longo do tempo).
Para que todo o critério de imputação seja juridicamente aceitável deve seguir dois pressupostos: por um lado, deve ter como objectivo seleccionar os danos a atribuir ao agente, por outro lado, deve ser conformado em função das exigências de protecção ambiental, atendendo à natureza específica e às dificuldades em matéria ambiental que foram já mencionadas quando analisámos a responsabilidade Estadual.
Assim, e porque o dano ambiental se vai repercutindo no tempo ou antes apenas se repercute muitos anos mais tarde em relação aos factos que efectivamente estiveram na sua origem ou ainda porque há situações de concurso de causas e circunstâncias externas, torna-se necessário encontrar soluções justas que determinem ou imputem estes factos aos danos.
Segundo o entendimento da professora Ana Perestrelo, a solução passaria pela ideia de risco, ao referir que devemos considerar que o dano ambiental é imputável ao agente quando a conduta deste cria ou aumenta um risco não permitido ou previsto na previsão legal, sendo o resultado ou evento danoso materialização desse risco. ²
De facto, e contrapondo o Direito Civil ao Direito Público, podemos referir que a solução apontada não seria de todo estranha, já que um dos princípios em matéria de ambiente refere-se ao princípio da prevenção (artigo 3º da lei 11/87; artigo 3º da lei 58/2005).
Ora, assente neste princípio da prevenção está a ideia da existência de um risco que comporta a vivência em sociedade, que tende precisamente a diminuir esse risco.
Deste modo, se o risco for aumentado ou criado existirá fundamento para imputar determinados factos ao dano, seguindo o mesmo raciocínio da responsabilidade penal.
Por outro lado, a responsabilidade civil prossegue também funções preventivas, pelo que pode, por isso, constituir justificação para a protecção do bem ambiente, e não apenas instrumento de repressão de condutas.


b) Outras soluções possíveis

Se quisermos ir mais longe na fixação do nexo causal ambiental poderíamos seguir duas perspectivas: a primeira passaria pela fixação de uma presunção do nexo causal em domínio de responsabilidade civil ambiental; a segunda passaria pela criação de uma lei autónoma nesta matéria.
Começando pela primeira solução possível podemos referir que é o sistema adoptado, entre outros, pela lei Alemã é o da presunção do nexo causal, de acordo com as circunstâncias do caso concreto.
Por outro lado, também a Convenção de Lugano, ainda que não crie uma presunção de nexo causal, não obstante para alguns autores estabelecer praticamente esse resultado, confere já aos lesados uma menor exigência quanto à prova.
Todavia, transpor este sistema, pelo menos ao nível do Direito do Ambiente, para o sistema Português seria desvirtuar o sistema da responsabilidade civil, tal como ele se encontra definido no nosso ordenamento jurídico, para além de passar a existir uma maior onerosidade sobre os possíveis lesantes.
Utilizando a máxima do Direito Penal, em que até prova em contrário todos serão inocentes, ao utilizarmos sem quaisquer adaptações ou limitações este princípio da presunção do nexo causal estaríamos a considerar determinados agentes como responsáveis em relação a certos danos (ainda que não se confunda a prova com a imputação do nexo causal, seria já um grande passo nesse sentido).
No que concerne à segunda solução, que passaria pela criação de uma lei exclusiva em matéria de responsabilidade civil ambiental, em que regularia a responsabilidade das entidades estaduais e também a responsabilidade dos particulares, podemos dizer que seria uma solução mais coerente com todo o sistema jurídico português, tendo também em ponderação as especificidades, dificuldades e autonomia que o Direito do ambiente apresenta, especialmente na fixação do nexo causal e no apuramento da prova.
Referia-se que, como mais adiante se poderá ver, existe já uma directiva, que deve ser transporta e que acaba por consagrar, ainda que numa vertente mais restritiva porque cobre apenas alguns danos ambientais, esta solução.

4) O apuramento da indemnização


a) Restauração natural


A fixação da indemnização no momento em que se apura a existência de responsabilidade ambiental pode seguir ou adoptar o critério da restauração natural, conforme expõe o artigo 48º da Lei de Bases do Ambiente, quando refere que os infractores são obrigados a remover as causas da infracção e a repor a situação anterior à mesma, ou equivalente.
Ou seja, pretende-se, deste modo, recuperar a capacidade do bem ambiental e da capacidade de aproveitamento humano do mesmo, pressupondo a sua capacidade de auto-regeneração.

Ainda assim, a indemnização do dano através da restauração natural pode assumir dois modos diferentes: a restauração ecológica e a compensação ecológica.
No que concerne à primeira situação, tem como finalidade a recuperação dos bens ambientais lesados. Já na segunda situação, opta-se pela substituição dos bens afectados por outros.
De facto, torna-se cada vez mais impossível ou difícil a fixação de uma indemnização pecuniária, porque complexa se torna o apuramento ou a transformação pecuniária daquilo que foi efectivamente lesado.
Assim, sempre que seja possível, a restauração natural deve prevalecer sobre a indemnização pecuniária, até porque aquela parece ser a única forma de indemnizar completamente o dano, recolocando a situação que existiria caso aquele prejuízo não tivesse ocorrido.


b) Indemnização pecuniária

Encontra-se reservada para aquelas situações em que a restauração natural é impossível ou completamente desajustada porque desproporcional ao caso.
O problema reside aqui na dificuldade que existe na apreciação do quantitativo da indemnização.
No Direito Português, a indemnização pecuniária vem prevista no número 3 do artigo 48º e no artigo 41º da Lei de Bases do Ambiente.
Contudo, como atrás se referiu a indemnização destas normas não se encontra ainda regulamentada, o que não impede o tribunal de fixar a indemnização segundo critérios de equidade.



5) Titularidade do direito à indemnização

Segundo o número 3 do artigo 52º da CRP os particulares possuem o direito à indemnização por danos ambientais, pessoalmente ou exercido através de associações de defesa dos interesses ambientais.
Trata-se pois da possibilidade de todos os cidadãos, independentemente de terem interesse ou qualquer relação com o bem em causa, fazerem uso da acção popular.
Esta lei de acção popular reflecte uma visão que não é meramente publicística, em que o dano ambiental surge apenas como uma agressão ao Estado, mas também reflecte a sua vertente subjectiva, pois permite aos particulares exercer os seus direitos caso se sintam lesados.
Tratando-se de um bem colectivo, o exercício da acção indemnizatória não poderia também deixar de caber ao Estado, enquanto prossecutor do interesse público, como refere o artigo 9º alínea e) da CRP.
6) Alternativas à Responsabilidade Civil


Existem situações em que não é de todo possível recorrer à responsabilidade civil ambiental. Não é possível apurar o agente poluidor ou nem sempre o dano ao ambiente afecta interesses individualizáveis.
Consequentemente, existem alternativas ao instituto da responsabilidade civil e que permitem a criação de contrapartidas dos encargos ambientais.
Importa analisá-los ainda que de forma sucinta:


a) Princípio do Poluidor-Pagador

É um princípio, e como refere o Professor Fernando Araújo, que assenta nas relações de custo/benefício.
Ou seja, quem tem uma vantagem no exercício de determinada actividade, que é lesiva ao ambiente, deve arcar com os encargos que daí resultam.
No fundo, estamos perante a ideia de justiça ambiental, pois quem retira benefícios de uma actividade que pode ser prejudicial ou lesiva para o meio ambiente ou para os possíveis lesados, deve suportar com os pesos ambientais.
Vem, deste modo, colmatar as falhas deixadas pela aplicação dos esquemas de responsabilidade civil, aqueles casos em que não é possível imputar os danos a um agente em concreto e em que também não há um lesado determinado.
Pretende-se com este princípio que haja uma compensação financeira destinada a toda a colectividade, para que os lesados com estas condutas poluidoras sejam ressarcidos ainda que de forma indirecta.
Não questionando a utilidade deste princípio, nem as suas vantagens práticas, se considerarmos que a sua generalização pode conduzir a efeitos perversos, nomeadamente, na ideia que é permitido poluir, bastando apenas que se tenha meios financeiros para isso ou, por outro lado, que se pode praticar um acto lesivo do ambiente através de o pagamento de um valor, a sua utilidade já se mostra mais questionável.
Seria, em suma, e levarmos a situação aos extremos, estar a pagar para praticar um acto que, caso o agente fosse determinável ou as pessoas lesadas determináveis, é ilícito.
b) O eco-imposto

Trata-se de um imposto que tem como objectivo tributar os rendimentos auferidos por aqueles que têm lucros com o desenvolvimento de actividades lesivas do ambiente.
É, portanto, uma consequência do princípio acima enunciado, com a diferença que apenas terá o seu âmbito de actuação depois de terem sido retiradas vantagens daquela actividade.


c) O fundo de compensação

Os fundos de indemnização compensatórios são entidades de natureza pública, privada ou mista, e a sua principal finalidade é ressarcir as vítimas e restaurar o meio ambiente.
São financiados por quotizações pagas por um grupo de empresas de sectores específicos de actividades.
Estes fundos têm a vantagem de responder aquelas situações em que a entidade responsável pela poluição se torna insolvente.
7) O tratamento da responsabilidade ambiental ao nível Europeu



a) União Europeia:

Especialmente importante nesta matéria é a Directiva 2004/35 CE, na qual se estabelece uma responsabilidade ambiental em termos de prevenção (inspirada, em certa medida, nos princípios ambientais de alguns dos seus Estados-Membros) e reparação de danos ambientais.
Pode observar-se logo no seu artigo 1º que a Directiva tem a finalidade de estabelecer um modelo de responsabilidade apoiado no princípio do poluidor-pagador, prevenir e reparar danos ambientais, traduzindo-se estes, como dispõe o artigo 2º, em danos causados às espécies e habitats naturais protegidos, solos e água.
A Directiva de Responsabilidade Ambiental coloca, desde logo, desafios às seguradoras. Os danos transfronteiriços são um dos desafios da directiva para as empresas, pelo que as seguradoras têm que saber como trabalhar com sinistros que abrangem outros países
Observando em traços gerais o conteúdo da Directiva, podemos observar que estamos perante uma responsabilidade ambiental em sentido estrito, entendida como dano ecológico ¹, ou seja, aquela que determina o dano causado directamente ao ambiente.
Não se fala, deste modo, em dano ambiental em sentido amplo, que se reporta aos danos causados pelo estado do ambiente às pessoas e património.
Parece-me que seria importante que o Direito da União Europeia devesse tutelar de forma directa e imediata os danos ambientais causados pelo ambiente no seu sentido amplo e não somente de uma perspectiva do dano ecológico acima referido.
Se assim fosse, e olhando para a crescente importância que cada vez mais o Direito Comunitário vai tendo, seria assegurada uma maior uniformidade e protecção do bem ambiente, e a sua consequente valorização e efectividade.



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No entanto, apenas onze países transpuseram até hoje esta directiva, sendo que Portugal ainda não adoptou quaisquer medidas nesse sentido, pelo que será mais uma situação (o prazo fixado foi até ao final do mês de Abril) em que a Comissão poderá suscitar um processo por incumprimento contra o Estado Português.



b) Fora da União Europeia:

Exterior à Comunidade Europeia, ainda que com repercussões na Europa, encontra-se a Convenção de Lugano (Convenção do Conselho da Europa sobre Responsabilidade Civil resultante de Actividades Perigosas para o Ambiente) que tem como principal finalidade a adopção de um regime de responsabilidade objectiva por danos ambientais, conferindo às Organizações não Governamentais uma legitimidade alargada para intentar acções.
Outra questão importante que esta Convenção terá trazido refere-se à existência de uma menor exigência em relação à prova, exigindo-se um nível de prova dos danos menos rigoroso.
Conclusão



Após a elaboração deste trabalho, pudemos constatar que o instituto da responsabilidade civil destinada a ressarcir os danos causados ao meio ambiente ou pelo meio ambiente à colectividade é uma área híbrida, no sentido que precisa de um maior apuramento e objectivação, em virtude das suas peculiaridades e características específicas.
Trata-se de um bem que diz respeito a todos, mas que também sofre atentados por todos e que por essa razão precisa de mecanismos de protecção e prevenção ou pelo menos de reparação.
Começa já a haver essa consciencialização que o ambiente é um valor importante para a vida e o bem-estar em sociedade. Deste modo, há já alguns anos que os Estados, tanto individual como colectivamente, começam a tomar medidas que visam prevenir a degradação do meio ambiente, tanto através de Convenções como de medidas unilaterais.
Analisamos também que a reparação dos danos ambientais enfrenta, contudo, alguns problemas ao nível do preenchimento dos pressupostos clássicos da responsabilidade civil, designadamente, na prova do dano e no apuramento do nexo causal.
De facto, as lesões ao ambiente têm características específicas que dificultam muitas vezes quer a identificação do responsável pelo dano, quer a prova da culpa, como também o nexo de causalidade, pelo que, como foi demonstrado, é importante a criação de novos meios ou de alternativas ao regime clássico da responsabilidade civil, em sede ambiental, que facilitem a prova e a imputação do nexo causal ou até mesmo que exista presunções nesse sentido.
Bibliografia




· Oliveira, Ana Perestrelo, Causalidade e Imputação na Responsabilidade Civil Ambiental



· Sendim, José Cunhal, Responsabilidade Civil por danos Ecológicos, Cadernos CEDOUA



· Silva, Vasco Pereira, Responsabilidade Administrativa em matéria de ambiente



· Carvalho, Sandra Leitão, Novas Tendências da Responsabilidade Civil
























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