A crescente antropomorfização da realidade natural (visão do ambiente enquanto bem que produz utilidades ao Homem, visão instrumental da Natureza), principalmente nos países mais desenvolvidos, correlacionada com a consciência e preocupação crescentes quanto aos deveres e obrigações do Homem para com essa mesma realidade que o envolve, leva hoje à necessidade de elaboração dum novo relacionamento Homem-Natureza, de uma “global governance”.
A problemática da protecção ambiental surgiu simultaneamente com a ideia de uma “sociedade de risco”, através do reconhecimento pelo Homem de estar a provocar a sua própria destruição, da sua actuação insustentável ser suficiente para esgotar os recursos naturais.
Também no nosso país, esta problemática da garantia da qualidade de vida e da necessidade de compaginar um desenvolvimento económico sustentado com a protecção do ambiente, tem ganho alguma relevância e importância espelhadas em diferentes áreas do ordenamento jurídico que nos enquadra.
Desde logo, é o quadro Constitucional, referência basilar de todo o edifício jurídico, que impõe ao Estado a assunção e concretização de uma política ambiental. A “Constituição Ambiental”, nas suas dimensões objectiva (tutela ambiental como tarefa estadual, art. 9.º da CRP) e subjectiva (ambiente como direito fundamental, art. 66.º da CRP), fornece vectores de actuação, tanto para o Estado como para os particulares, através de princípios como o Princípio da Prevenção, o Princípio do Desenvolvimento sustentável, o Princípio do aproveitamento racional dos recursos naturais e o Princípio do poluidor-pagador. Estatui-se também no art. 91.º da CRP que os planos de desenvolvimento económico e social terão por objectivo, entre outros, a preservação do equilíbrio ecológico, a defesa do ambiente e a qualidade de vida do povo português.
A concretização, em lei ordinária, de todos estes vectores constitucionais, veio a ser efectuada através da Lei de Bases do Ambiente (Lei 11/87, de 7/4).
Para que possa existir uma efectiva protecção ambiental, verdadeiramente eficaz, penso ser necessário balizar, definir numa ideia, o tipo de actuações humanas que deverão ser limitadas e consequentemente reprimidas. É o Prof. Diogo Freitas do Amaral que, depois da análise da Lei de Bases do Ambiente, avança com um conceito de “ofensa ecológica”, definindo-a como “todo o acto ou facto humano, culposo ou não, que tenha como resultado a produção de um dano nas componentes ambientais protegidas por lei”. A poluição integra-se, obviamente, nesta ideia de ofensa ecológica.
É evidente na nossa Constituição a defesa de um “ambiente e qualidade de vida” sadios e ecologicamente equilibrados, nomeadamente através da imposição ao Estado de realizar esforços no controlo da poluição e na protecção da natureza. Poderá questionar-se, no entanto, se esta actuação estadual passará pela utilização do Direito de punir, que apenas ao Estado assiste, já que o texto constitucional não se refere, de todo, à responsabilidade dos autores das descritas “ofensas ambientais”. Será de concluir que esta omissão não obsta à existência de uma responsabilização, inclusivamente, de natureza penal. O ambiente, bem jurídico-constitucional, é também claramente um bem jurídico-penal.
No nosso ordenamento jurídico faz-se uso, tradicionalmente, de dois sistemas de normas com o objectivo de reagir às agressões dirigidas ao meio ambiente: o direito penal clássico, dirigido à aplicação de penas de prisão ou multa, e o direito de mera ordenação social que dispõe de sanções de natureza administrativa – as coimas – mas que também recorre a uma série de sanções acessórias que se mostram particularmente adequadas à punição das pessoas colectivas ou equiparadas. Já o direito civil, focando-se na questão da indemnização do dano, estará mais vocacionado para lidar com as lesões individuais de direitos do que para o tratamento do problema do dano ambiental enquanto problemática colectiva.
Antes da Revisão de 1995 do Código Penal, a única referência penal existente em relação a bens jurídicos ambientais, era a presente no art. 46º da Lei de Bases do Ambiente, introduzindo na nossa legislação a expressão “crimes contra o ambiente” já que, até essa data, o ambiente era apenas reflexamente protegido através de previsões no âmbito dos crimes de perigo do Código Penal.
É necessário trazer à discussão, nesta problemática da extensão da tutela penal ao meio ambiente, o princípio da intervenção mínima do Direito Penal. Este deverá configurar-se como a última ratio de intervenção da política sancionatória do Estado, sendo necessário um consenso social que venha enraizar a noção de nocividade de determinados comportamentos. Ora, hoje em dia, parece-nos que os comportamentos que de alguma forma ofendem valores como o equilíbrio ecológico ou a manutenção da vida animal, serão alvo de uma censura social praticamente indiscutível.
A reforma do Código Penal português estruturou um crime de dano – art. 279.º - e um crime de perigo comum – art. 280.º. A estes, a revisão ministerial acrescentou o tipo de danos contra a natureza – art. 278.º - cuja vocação é mais genérica, expressando a preocupação do legislador com a deterioração do meio ambiente e com o esgotamento e exploração desordenada de recursos naturais. Como diz Figueiredo Dias, a construção dos crimes ambientais através da sua consagração positiva, definiu-os como “delitos de desobediência à autoridade estadual encarregada de fiscalizar os agentes poluentes ou com competências para autorizações ou licenciamentos”. Esta referente “desobediência”, segundo a Comissão parlamentar, será condicionante de parte substancial da incriminação penal (Relatório da Comissão de Direitos, Liberdades e Garantias, in “Reforma do Código Penal”, I, Lisboa, 1995).
Segundo a opinião da Prof.ª Fernanda Palma, o direito penal do ambiente é, ainda, em Portugal, “remanescente e dependente de decisão administrativa” configurando mesmo “um instrumento de discricionariedade administrativa”. Estas afirmações têm o seu fundamento no facto de, por exemplo, no art. 279.º, n.º 3 do CP ( crime de poluição), se fazer depender da Administração, através de acto concreto, a possibilidade de certas infracções virem a ser qualificadas como infracções penais.
Em jeito de conclusão e concordando com a opinião acima citada, parece certo afirmar o carácter pouco repressivo da nossa política ambiental. A Administração e o seu poder discricionário parecem não deixar grande espaço onde o direito penal possa actuar. O papel desempenhado pelo direito penal do ambiente é, ainda, um papel secundário. Actua na sombra e dependência do poder executivo que, na ponderação consecutiva e necessária entre os interesses ambientais e valores económicos e industriais, relativiza os primeiros. É urgente a adopção de uma posição mais arrojada e firme, principalmente no nível preventivo da tutela penal.
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