Almada Nascente, Cidade da Água

Almada Nascente, Cidade da Água



No seguimento do post relativo à criação dos estaleiros navais da LISNAVE no concelho de Almada, suas consequências ambientais e sociais, propus-me a elaborar um amplo trabalho de investigação destinado a enquadrar, compreender e avaliar toda a dimensão envolvente à gestão ambiental de uma área que corresponde a uma ampla parcela da cidade de Almada e que foi, em tempos, a ligação, por excelência, dos almadenses ao rio.

I. A LISNAVE, ao longo de quase vinte anos, foi uma empresa-símbolo em Portugal e constituiu durante algum tempo uma espécie de “jóia da coroa” do grupo económico historicamente mais importante do nosso país, a CUF (antecedente directo do hoje menos significativo Grupo Mello).

Este empreendimento foi o corolário de uma evolução empresarial começada em finais do século XIX, a partir de duas pequenas empresas químicas (para fabrico de sabão, sabonetes, velas, óleos e tabaco), a Companhia União Fabril e a Companhia Aliança Fabril. Num percurso a todos os títulos extraordinário, nomeadamente no contexto português, a fusão destas duas pequenas empresas na Companhia União Fabril (CUF) a partir de 1898 deu origem a um notável processo de integração vertical e horizontal. Os produtos das empresas iniciais tinham como subproduto determinados tipos de adubos rudimentares. Daqui para adubos mais complexos (superfosfatos) foi um passo simples de dar, ainda nas últimas décadas do século XIX. A necessidade de embalar estes fertilizantes levou ao desenvolvimento de uma indústria de sacaria e, portanto, a uma diversificação para o ramo têxtil. A necessidade de os transportar levou à construção no Barreiro de um cais de embarque e de uma pequena metalomecânica para construções e reparações diversas. Esta expansão genérica da empresa conduziu à vontade de ter acesso a fontes de financiamento por si directamente controladas, daqui resultando o controlo, através de uma parcela significativa do seu capital, da Casa Bancária José Henriques Totta, em 1921. A partir dos anos 30, a exploração do Estaleiro Naval da Rocha do Conde de Óbidos é concedida ao grupo CUF pela Administração-Geral do Porto de Lisboa. Seria da experiência daqui resultante que, 30 anos depois, o grupo se lançaria num dos seus mais importantes projectos: a criação da LISNAVE, empresa de construção e reparação naval.

Primeiro a CUF genericamente, depois a LISNAVE em particular, são atípicas na precocidade com que contactaram com investidores estrangeiros. Como se sabe, o investimento incorpora tecnologia, e, portanto, a ligação ao investimento estrangeiro desde cedo fez tanto da CUF como da LISNAVE dos raros agentes económicos portugueses a utilizar tecnologia comparável à existente em países mais desenvolvidos. Outro aspecto da dimensão internacional da história dos estaleiros navais da LISNAVE é a estreita ligação da sua actividade às várias conjunturas internacionais do último terço do século XX.

A LISNAVE foi oficialmente constituída a 11 de Setembro de 1961 sendo seu Presidente do Conselho de Administração José Manuel de Mello. O objectivo desta nova empresa era o de continuar a realizar o empreendimento da construção e reparação naval que na época estava ainda apenas confinada ao Estaleiro da Rocha Conde de Óbidos em Lisboa.

Com a crescente laboração, cedo se reconheceu a necessidade de um novo estaleiro. É neste contexto que em 24 de Abril de 1963 o capital social da empresa é elevado para o valor de 250 milhões de escudos, necessários para a realização do objecto deste estudo – o Estaleiro da Margueira, em Almada, que seria inaugurado com a presença do Chefe de Estado (“Novo”), Almirante Américo Thomaz em 23 de Junho de 1967 (fig.1).

Seguidamente, florescem os trabalhos de construção e reparação naval. Logo no ano seguinte à sua inauguração foram docados 153 navios no Estaleiro da Margueira, representando dessa forma um total de 5.384.482 toneladas brutas. Estes números não pararam de crescer até à crise energética dos anos 70, cujas consequências foram agravadas pelo PREC.

Apesar das tentativas de recuperação encetadas nos anos 80, a partir de 1992 a actividade de construção e reparação naval atravessou uma profunda crise em consequência de dificuldades sentidas à escala internacional no sector de transportes marítimos, o que afectou de forma particularmente profunda a construção e reparação de navios de maior porte, segmento para que se encontrava vocacionada a LISNAVE.Com vista a enfrentar esse estado de recessão, a LISNAVE — Estaleiros Navais de Lisboa, S. A., na qualidade de proprietária dos Estaleiros da Margueira, apresentou ao Governo, em 1992, o Projecto de Reestruturação Estratégica do Sector da Reparação Naval, com base no qual se propôs, nomeadamente, desactivar o estaleiro da Margueira e concentrar toda a actividade de reparação naval no estaleiro da Mitrena em Setúbal. É este o princípio do fim. Os estaleiros são oficialmente encerrados a 31 de Dezembro de 2000.

Com este anúncio oficial, Almada sofreu um choque intenso. Foi esta data que ditou a queda do mito de Almada como “cidade operária” – os Census de 2001 (fig.2) revelaram que, com uma população de 160 826 habitantes, dos quais 49,4 % têm idade inferior a 40 anos, Almada é um concelho predominantemente terciário (76% da população activa), onde o comércio (grandes superfícies, restauração e hotelaria) e os serviços públicos (administração pública local e central, educação e saúde) são os maiores empregadores. A Câmara Municipal de Almada (CMA) e os Serviços Municipalizados de Água e Saneamento (SMAS) empregam, no conjunto dos seus Serviços, aproximadamente 2000 pessoas, uma percentagem substancial da força de trabalho activa residente em Almada. O Sector Primário ocupa apenas 1% e o Sector Secundário 23% (para se chegar a este valor, muito contribuiu o encerrar dos estaleiros da Margueira que no auge da sua actividade empregaram cerca de 5000 operários).

A indústria naval desapareceu do concelho e deixou um legado de 50 hectares entregues ao abandono (fig.3).



II. Com esta conjuntura socioeconómica um novo paradigma de desenvolvimento teria de ser adoptado, já não apenas centrado exclusivamente no desenvolvimento económico como a chave para o progresso e qualidade de vida, mas sim focado na protecção do ambiente como o modo pelo qual se alcança o desenvolvimento sustentado.

Na ratificação do Plano Director Municipal de Almada (PDM), em Dezembro de 1996, o Conselho de Ministros determinou “(…) Excluir de ratificação a área com a classificação de espaço industrial denominada Margueira(…)” com base na consideração de que a classificação prevista “(…) prejudica e põe em causa o programa de utilização definido pelo Estado nos termos da Portaria 343/95 de 14 de Outubro de 1995 (…)” que “(…) se encontra actualmente em desenvolvimento, tendo a área em questão sido transmitida para o Fundo de Investimento Imobiliário Fechado Margueira Capital (…)”. Contudo, à data de aprovação do PDM pelos órgãos autárquicos (1993) e respectiva ratificação pelo Governo (1996), o uso existente era industrial e estava classificado no PDM. A LISNAVE apenas encerrou a sua actividade nos estaleiros da Margueira no ano 2000. Posteriormente, o Fundo Margueira desenvolveu sucessivos estudos que, embora tenham contribuído para a reflexão em torno dos destinos desta área, nunca chegaram a produzir resultados que os aproximassem de uma efectiva concretização. Entretanto, afirmando as suas competências em matéria de ordenamento do território, a Câmara decide, em 3 de Novembro de 2000, iniciar a preparação de um concurso internacional para a elaboração dos estudos necessários à definição das condições de ocupação daquela parcela de território do concelho.

Seguindo um novo paradigma centrado no equilíbrio ambiental, a Câmara de Almada propôs-se a devolver o Tejo aos cidadãos e reabilitar uma zona de antigos estaleiros, desenvolvendo o conceito de cidade de duas margens, o que se enquadra na nova estratégia municipal de revitalização urbana e ambiental. A autarquia pretende assim garantir a integração do crescimento económico e do desenvolvimento social, com respeito pela natureza e equilíbrio ambiental. A abordagem para a renovação de “Almada Nascente” (onde se situam os estaleiros abandonados) basear-se-á na sustentabilidade, no sentido de conseguir soluções que vão de encontro aos objectivos de carácter ambiental, social e económico de uma forma equilibrada, e que assegurem uma melhor qualidade de vida para todos, no presente e para as gerações futuras. Para tanto, a autarquia apresentou uma “Visão Estratégica” com o objectivo de potenciar todas as vantagens da localização da “Frente Ribeirinha Nascente” da Cidade de Almada. O documento define como conceito-chave “Almada Nascente, Cidade da Água”. A água é, segundo a “Visão Estratégica”, elemento inspirador que possibilita uma cidade reconciliada com o rio, com o estuário e com Lisboa. Para a “Visão”, “Almada Nascente” capitalizará “[a] sua localização única na frente ribeirinha do Tejo para criar uma nova comunidade urbana para o século XXI, tornando-se num destino de elevada qualidade e actuando como principal “porta de entrada” regional.”.

Estas foram as ideias chave para o denominado “Projecto Estratégico Almada Nascente”, com o qual a autarquia tem como objectivo revitalizar uma vasta área da cidade, privilegiando a sua reaproximação ao rio, com vista à criação de uma frente urbana ribeirinha.
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