III. Todo este conjunto de intenções, traduziram-se no lançamento, em 2001, do Concurso Público para a elaboração de um “Estudo de Caracterização Ambiental, Geológica e Geotécnica e Plano de Urbanização da Frente Ribeirinha Nascente Cidade de Almada”, ao qual concorreram cinco consórcios (SOM, ERM, Consulplano, Agripro; WS Atkins, Santa-Rita Arquitectos, Richard Rogers Partnership; Parque Expo’98, Transitec, Cised, Geotest, Leopoldo Criner, PL, e outros; Procesl, Vasco da Cunha, Arqpais, Atelier Christian de Portzamparc; e Gibb, Tirone Nunes, Protermia). Um Júri qualificado (integrou representantes do Ministério do Ambiente – Direcção Regional do Ambiente e Ordenamento do Território; Ordem dos Arquitectos; Ordem dos Engenheiros; Associação de Urbanistas Portugueses; AGENEAL (Agência de Energia de Almada); ICLEI (International Agency for Local Iniciatives); e Câmara Municipal de Almada) elegeu como vencedor o consórcio constituído pelas empresas WS Atkins, Santa-Rita Arquitectos e Richard Rogers Partnership.

O Estudo de Caracterização Ambiental, Geológica e Geotécnica (ECAGG) que antecede e se articula directamente com o Plano de Urbanização a desenvolver para aquela parcela do Concelho de Almada, já elaborado e apresentado pelo consórcio vencedor, incide numa área com cerca de 115 hectares entre Cacilhas e a Cova da Piedade (fig.4) , no interior da qual se localizam os antigos estaleiros da Lisnave, ocupando uma área com cerca de 50 hectares e à qual foi dado particular destaque. O estudo em causa concluiu que a contaminação detectada nos solos na área do estaleiro está relacionada com a granalha (pequenos fragmentos em forma de grânulos ou palhetas a que se reduz o metal fundido). Trata-se de uma contaminação devida sobretudo a metais pesados e a substâncias utilizadas como produtos anti-vegetativos aplicados nos cascos dos navios. Este tipo de contaminação encontra-se à superfície, na maioria dos locais onde foi detectada, podendo estender-se em profundidade em locais onde os terrenos foram revolvidos e, em consequência, a granalha foi misturada com os solos; e com a utilização de produtos derivados do petróleo.
A contaminação detectada nas águas subterrâneas na área do estaleiro consiste em compostos orgânicos voláteis, detectados em pequenas concentrações numa área restrita onde se localizavam oficinas; e em metais pesados (cobre, chumbo, estanho e mercúrio), detectados em pequenas concentrações em vários pontos na área do estaleiro, onde se processaram actividades diversas (oficinas, deposição de resíduos, soldadura). (fig.5)



Os resultados obtidos com as análises das amostras de sedimentos, foram avaliados segundo os critérios estabelecidos num Despacho Conjunto dos Ministérios do Ambiente e Recursos Naturais e do Mar datado de 4 de Abril de 1995, tendo-se constatado uma variabilidade significativa na qualidade dessas amostras.
De acordo com os critérios acima referidos, a maioria das amostras analisadas podem ser consideradas como “não contaminadas” ou “com vestígios de contaminação”. Nos casos em que a contaminação se revelou mais significativa tal deveu-se a concentrações de cobre. O facto de o cobre ter sido detectado, de forma consistente, em conjunto com outros poluentes como o chumbo, zinco, estanho e TBT deixa admitir a possibilidade de essa contaminação estar relacionada com a granalha.

Por último, detectou-se, nalgumas sondagens isoladas, a presença de elevados teores em metais pesados (provavelmente devido à presença de granalha). A descoberta na área de estudo destes locais serve, segundo as conclusões do ECAGG, como uma chamada de atenção para a eventual existência de bolsas isoladas de contaminação e, portanto, para a necessidade de procedimentos que permitam garantir a adequada gestão de solos contaminados que possam aparecer no decurso das futuras obras.

Por outro lado, a contaminação detectada nas águas subterrâneas foi considerada aceitável, ou seja, não coloca riscos que obriguem a trabalhos de remediação, todavia a granalha ainda presente à superfície na área do estaleiro, a contaminação detectada nos solos pela granalha e a contaminação dos solos por hidrocarbonetos de petróleo foram consideradas como implicando riscos inaceitáveis e, como tal, deverão ser objecto de medidas de remediação que deverão abranger um vol­ume estimado em cerca de 45 000 metros cúbicos, distribuídos por várias zonas da área do estaleiro.

Segundo os peritos, o grau de contaminação das águas subterrâneas dentro do estaleiro é considerado como ligeiro, estando dentro dos limites aceitáveis em termos de risco para a saúde humana e ambiente, pelo que não condiciona o desenvolvimento futuro da área.

As conclusões do ECAGG enunciam que, para além do aproveitamento de estruturas tão importantes como as docas, às quais podem ser atribuídos usos de grande valor na operação de desenvolvimento urbanístico, a oportunidade mais interessante identificada prende-se com a reciclagem do betão e outros materiais que resultarão da demolição das edificações presentes na área do estaleiro.
Estes materiais poderão ser utilizados como materiais de construção na própria área de intervenção, o que reduzirá a necessidade de materiais vindos do exterior. De igual modo, muitos dos materiais utilizados na construção da plataforma da Lisnave, nomeadamente areias, apresentam características favoráveis à sua reutilização nas futuras obras de modelação e de construção civil.

Em conclusão, o ECAGG refere que as condições encontradas na área de intervenção não constituem restrições profundas ao desenvolvimento urbanístico.

IV. Importa salientar que o ECAGG foi aprovado em reunião de Câmara em Fevereiro de 2004, antes da vigência do decreto-lei 232/2007 de 15 de Junho, todavia, atendendo-se ao conteúdo e objectivo daquele estudo, fazendo uma análise retrospectiva, pode concluir-se que o espírito deste diploma foi respeitado, veja-se que foram avaliados previamente os efeitos da edificação da “Cidade da Água”: a Câmara, por sua iniciativa, estabeleceu um modelo procedimental do qual, através da participação do público e de entidades com responsabilidades em matérias ambientais, foram previamente identificadas e avaliadas, durante a fase da sua elaboração e antes da sua adopção, as consequências ambientais da concretização do projecto “Almada Nascente Cidade da Água”.


Este procedimento parece que antecipou o decreto-lei 232/2007. Foi uma opção acertada do município. Analisando o preâmbulo deste diploma são encontradas as linhas gerais que ditaram a criação do ECAGG tendo em vista a criação do Plano de Urbanização para a área em causa: “ (…) a avaliação ambiental de planos e programas pode ser entendida como um processo integrado no procedimento de tomada de decisão, que se destina a incorporar uma série de valores ambientais nessa mesma decisão (…) constitui um processo contínuo e sistemático, que tem lugar a partir de um momento inicial do processo decisório público, de avaliação da qualidade ambiental de visões alternativas e perspectivas de desenvolvimento incorporadas num planeamento ou numa programação que vão servir de enquadramento a futuros projectos, assegurando a integração global das considerações biofísicas, económicas, sociais e políticas relevantes que possam estar em causa. A realização de uma avaliação ambiental ao nível do planeamento e da programação garante que os efeitos ambientais são tomados em consideração durante a elaboração de um plano ou programa e antes da sua aprovação, contribuindo, assim, para a adopção de soluções inovadoras mais eficazes e sustentáveis e de medidas de controlo que evitem ou reduzam efeitos negativos significativos no ambiente decorrentes da execução do plano ou programa. (…) Sendo certo que a avaliação de planos e programas e a avaliação de impacte ambiental de projectos têm funções diferentes — a primeira uma função estratégica, de análise das grandes opções, a segunda uma função de avaliação do impacte dos projectos tal como são executados em concreto (…)”.

Atendendo-se ao exposto, pode concluir-se que foi realizada uma verdadeira avaliação ambiental estratégica.

Em momento anterior à sua aprovação pela Câmara, realizou-se, por iniciativa desta, um fórum de discussão pública centrado no ECAGG em que participaram os munícipes e vários actores chave de todo este processo. Seguidamente, Com base na “Visão Estratégica” e nos resultados obtidos com o Estudo de Caracterização Ambiental, Geológica e Geotécnica da área de intervenção, a Equipa Técnica que coordena todo o procedimento definiu quatro cenários alternativos de ocupação da zona. As principais diferenças entre cada cenário passam pelo volume de construção e pela área destinada a cada uso - comércio e serviços, habitação e outros usos.

As áreas de construção vão desde os 800.000 m2 aos 1500.000 m2.

Dois dos cenários apostam para um desenvolvimento predominantemente residencial e outros dois conferem à zona uma vocação mais comercial e de serviços, apostando igualmente na criação de emprego.

Assim, a Equipa definiu os quatro seguintes cenários alternativos:

Cenário A0 – área de construção com 800.000 m2. Vocação: emprego (fig.6)
Cenário A1 – área de construção com 800.000 m2. Vocação: residencial (fig.7)
Cenário B – área de construção com 1000.000 m2. Vocação: emprego (fig.8)
Cenário C – área de construção com 1500.000 m2. Vocação: residencial (fig.9)


Depois de analisados os cenários alternativos, a Assembleia Municipal de Almada decidiu recomendar que a elaboração do Plano de Urbanização se desenvolva articulando harmoniosamente as valências da habitação e do emprego, privilegiando o menor impacto em termos paisagísticos.

A decisão, tomada a 30 de Junho de 2004, excluiu o cenário A1, com menor área construtiva que privilegia a vocação residencial, e o cenário C, com maior área construtiva.

Assim, a deliberação municipal propôs que o Plano de Urbanização tenha como referência o cenário A0 (800 mil m2 de construção, com vocação de emprego) e o cenário B (1 milhão m2 com vocação de emprego). Norteada pelos princípios do regime jurídico da avaliação ambiental estratégica, a deliberação baseou-se nos trabalhos de estudo e projecto que decorreram com ampla participação quer das instituições e agentes representativos, públicos e privados, através de reuniões específicas, quer dos cidadãos em geral, através de fóruns de participação.

Todavia, estas conclusões não poderão sonegar uma eventual Avaliação de Impacto Ambiental (AIA), veja-se que o nº2 do artigo 2º e o artigo 13º do decreto-lei 232/2007 revelam a necessária interdependência entre ambos, não podendo a avaliação ambiental estratégica, por si só, dispensar a necessidade de AIA. Esta solução justifica-se por motivos de ordem prática: a avaliação ambiental estratégica é o elemento norteador, ou, por outras palavras, traça um plano de fundo, ao passo que a AIA incide sobre o projecto de execução, e este, pelo facto de ser mais específico, não pode ser dispensado. Antes pelo contrário, será indispensável. Basta vislumbrar os enormes estaleiros de obras que terão de ser construídos, a necessidade de transporte massivo de materiais, o ruído que será produzido, etc., para se compreender a necessidade de AIA. É esta avaliação que poderá ter em conta todos estes efeitos colaterais de um projecto desta magnitude, ficando a cargo da avaliação ambiental estratégica, como demonstrou o ECAGG, a análise das grandes opções.
Apesar de ambos os procedimentos destinarem-se a verificar as consequências ecológicas de um projecto, ponderando as diversas vantagens e inconvenientes que daí poderão advir para o ambiente, é a decisão de impacto ambiental que será determinante para a edificação do projecto.

Contudo, atendendo-se à cronologia de acontecimentos, a AIA será posterior à actual elaboração do Plano de Urbanização da Frente Ribeirinha Nascente da Cidade de Almada decidida a 21 de Julho de 2004, através de Reunião de Câmara.

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