Direitos dos Animais

Após uma leitura atenta do artigo proposto para comentar e de algumas das respostas, dadas pelos meus colegas, ao problema em questão, entendo que poderá ser retirada uma conclusão consensual. A forma mais adequada de prover à defesa dos animais contra agressões desnecessárias por parte do ser humano, enquanto manifestação particular de um problema mais vasto que se enquadra na problemática relativa à tutela do Ambiente contra qualquer tipo de agressão gratuita, não passa certamente pela concessão ou extensão de direitos subjectivos a seres vivos que pela patente impossibilidade de se enquadrarem na definição dada pelo Direito à Personalidade Jurídica, enquanto susceptibilidade de ser titular de direitos e obrigações reconhecida a toda a pessoa humana, são por este considerados como coisas (artigos 202.º e ss. do Código Civil) e enquanto coisas, são susceptíveis de apropriação individual e passíveis de serem objecto de tutela jurídica objectiva.
Entendo também que se deverá ter em conta que a controvérsia suscitada no seio da população sobre a existência de direitos dos animais é uma falsa questão. Em discussão pública, na esmagadora maioria das vezes, a expressão “direitos dos animais” é utilizada com um conteúdo predominantemente afectivo e não jurídico. Isto porque o aparecimento dos grandes espaços urbanos levou a que a relação entre o “homem-citadino” e algumas espécies animais, em vez de se distanciar, se estreitasse de tal modo que estes passaram a ser considerados os nossos “melhores amigos”. Deixando-se embriagar pela confusão afectiva que trouxe a excessiva domesticação de seres vivos que noutros tempos eram espécies selvagens, o homo-urbanus deixou de revelar uma clarividência racional que no mundo rural sempre foi uma realidade clara e evidente porque fundamental, em que os animais são essencialmente instrumentos de trabalho indispensáveis.
Afastadas que estão algumas pré-concepções que poderiam turvar a nossa análise, tendemos a acompanhar a posição do Professor Vasco Pereira da Silva, ao rejeitar quer uma “visão negacionista que desconhece a relevância jurídica autónoma dos fenómenos ambientais, quer o fundamentalismo jurídico e ecológico que tudo reduz à lógica ambiental”, não considera “adequadas nem soluções que ignorem a tutela dos direitos e dos bens ambientais , nem aqueloutras que (…) conduzem à personificação das realidades da natureza”, não se podendo confundir os direitos individuais com a tutela jurídica objectiva. A personificação das realidades naturais levaria à inutilização da noção de direito subjectivo, dado que teríamos direitos sem sujeito.
A fauna enquanto elemento integrante da realidade ambiental (art.º 6.º f) da LBA) carece de tutela jurídica objectiva, sendo que a sua efectivação passa pela concessão aos particulares (individualmente considerados ou representados em Associações de defesa do ambiente) de um direito subjectivo público tendo em vista a defesa dos seus interesses concretizados pela protecção dos bens jurídicos ambientais. Deste modo existem deveres de actuação e de abstenção que deverão ser regulados pelo legislador e aplicados pelo poder judicial, enquanto que os diversos sujeitos que compõem a relação jurídica ambiental, administração e particulares, estão incumbidos na obrigação/dever de os respeitar.
Chegados a este ponto torna-se necessário enunciar e dar resposta a duas questões que em nossa opinião estão subentendidas no artigo em análise.

1. De que forma pode ser conferida uma tutela eficaz a todos os animais que não tendo sido objecto de apropriação individual, pertencem ao domínio público?
2. De que modo poderão ser protegidos todos aqueles animais, que tendo sido objecto de apropriação individual, são sujeitos a tratamento indigno. Pergunta-se então se poderão existir limites ao livre exercício do direito de propriedade quando esta se consubstancia num animal.

Por tudo o que ficou dito, a resposta à primeira questão já foi avançada. A melhor forma de proteger os animais que integrando o domínio público são alvo de todo o tipo de atrocidades, passará pela tutela jurídica objectiva. Este instituto jurídico permite-nos atribuir aos particulares direitos subjectivos públicos pelos quais se torna possível a defesa de qualquer tipo de lesões a bens jurídicos ambientais. A tomada de consciência por parte dos particulares e da administração dos direitos e obrigações de que são destinatários, quer a nível constitucional quer a nível infra-constitucional, no domínio do ambiente, terá de ter como consequência a tomada de medidas em sede judicial face a agressões ilícitas à dignidade da vida animal, sendo que é deste modo que os interesses particulares levam a que se exerça uma protecção dos animais por via indirecta.
Plasmada nesta solução está o conceito de antropocentrismo ecológico que não instrumentaliza a natureza, antes considera que o ambiente deve ser tutelado pelo Direito e que essa tutela é condição de realização da dignidade da pessoa humana. Assim concluímos que qualquer ofensa aos deveres de abstenção ou de actuação, que consubstanciam a tutela jurídica objectiva do bem jurídico ambiente, é susceptível de desencadear mecanismos de protecção semelhantes aos utilizados para a defesa do erário público, como sejam as coimas.
Do nosso ponto de vista, a segunda questão, levanta um conflito de direitos fundamentais. De um lado está o legítimo proprietário do animal que adquirindo-o fica investido no Direito de Propriedade, direito fundamental de primeira geração. Do outro temos um direito fundamental de terceira geração, o direito do Ambiente que tem a fauna como um dos seus componentes. A colisão, em nosso entender, dá-se no momento em que o legítimo proprietário ao usufruir do seu direito de propriedade viola os deveres jurídicos de actuação ou de abstenção que consubstanciam a tutela jurídica objectiva que é dispensada ao animal, objecto do direito de propriedade, enquanto bem jurídico ambiental por meio de violência desnecessária, condições de tratamento e manutenção indignas, entre outras.Existindo uma colisão de direitos fundamentais recorrer-se-á, como sugerido pelo Professor Vasco Pereira da Silva, ao “método da concordância prática” que nas palavras de Vieira de Andrade, “impõe a ponderação de todos os valores constitucionais aplicáveis para que não se ignore nenhum deles, para que a Constituição seja preservada na maior medida possível”. Em resumo, o direito de propriedade sobre um animal não confere ao proprietário o direito de exercer livremente e sem qualquer restrição o seu direito subjectivo privado, quando o modo de exercício do direito colida com a tutela jurídica objectiva dispensada pela CRP aos animais. Isto porque essa colisão é já uma ofensa a um direito subjectivo público, conferido a todos os sujeitos para a defesa dos seus interesses. Perguntar-se-á: Será esta conclusão um limite ao exercício da propriedade privada? Parece-nos que sim, mas um limite justificado pela tutela jurídica objectiva conferida aos animais enquanto realidade integrante do direito fundamental ao Ambiente, conferido aos particulares, que se traduz no direito subjectivo público que a todos é concedido para defesa do seu direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado (art.º 66.º/1 CRP). Por esta via o ser humano ganha consciência que tem responsabilidades/deveres de preservação do meio ambiente em todas as suas componentes e obrigações perante gerações vindouras.

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