O crime de Poluição

Artigo 279º

Poluição

1 - Quem, em medida inadmissível:

a) Poluir águas ou solos ou, por qualquer forma, degradar as suas qualidades;

b) Poluir o ar mediante utilização de aparelhos técnicos ou de instalações; ou

c) Provocar poluição sonora mediante utilização de aparelhos técnicos ou de instalações, em especial

de máquinas ou de veículos terrestres, fluviais, marítimos ou aéreos de qualquer natureza;

é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa até 600 dias.

2 - Se a conduta referida no nº 1 for praticada por negligência, o agente é punido com pena de prisão

até 1 ano ou com pena de multa.

3 - A poluição ocorre em medida inadmissível sempre que a natureza ou os valores da emissão ou da

emissão de poluentes contrariarem prescrições ou limitações impostas pela autoridade competente

em conformidade com disposições legais ou regulamentares e sob cominação de aplicação das

penas previstas neste artigo.







O crime de poluição previsto no art. 279º do nosso Código Penal consubstancia, segundo Figueiredo Dias, um crime de perigo comum. Na base da punição, se tivermos em conta o seu nº 3, parece estar ínsita uma ideia de desobediência, embora a conduta proibida seja a de poluir.

Antes de qualquer análise mais detalhada do referido artigo, contudo, será, de alguma forma, útil procurar uma definição do que seja poluir, já que o legislador parece tomar como adquirido este conceito, antes estranho ao direito penal. Este conceito, embora de alguma forma comummente assimilado pela população, deverá ter um conteúdo determinado.

“Poluir” é um verbo que tanto faz alusão ao acto como ao efeito. É possível, no entanto, retirar de expressões contidas no texto legal que prevê o crime (art. 279º CP), como “degradar as suas qualidades (da água e solos)” ou “provocar poluição sonora”, que a perspectiva pretendida será a do efeito (daí consubstanciar também um crime de resultado; poluição será um resultado típico). Nas palavras de Paulo Sousa Mendes, a poluição traduzir-se-á numa “afectação mensurável de um microssistema natural”. Corresponderá a um estrago numa área do mundo envolvente, tornado visível através de vários epifenómenos (catástrofes naturais, mutações e escassez de recursos naturais, extinção de espécies animais). Teremos ainda em consideração a definição de poluição constante do art. 21º da Lei de Bases do Ambiente (Lei nº 11/87 de 07/04) que, ao mesmo tempo que faz uma recepção legal de conceitos extra-jurídicos, enuncia diferentes espécies e características desta agressão ambiental (poluição atmosférica, hídrica, sonora, química, etc.).

O art. 279º, nº 1, exige como elemento constitutivo do crime um certo grau de poluição – em medida inadmissível – e o seu nº 3 define o que é a poluição em medida inadmissível: aquela que viola prescrições ou limitações impostas pela autoridade competente em conformidade com disposições legais ou regulamentares e sob cominação de aplicação da penas previstas nos nº 1 e 2 do mesmo artigo. Parece, portanto, estar aqui patente a já mencionada (ver trabalho anterior, “A protecção penal do Ambiente – uma perspectiva geral ) dependência exagerada do Direito Penal do Ambiente em relação à Administração. Esta poluição em medida inadmissível depende da violação de uma autorização ou acto administrativo emanado em conformidade com disposições legais, o que supõe a existência de uma Administração séria, eficiente, atenta e dotada dos meios humanos e financeiros necessários.

Deixando de lado considerações valorativas sobre a Administração, é possível afirmar que a estrutura deste crime é claramente de um tipo aberto, como diz Germano Marques da Silva, de um tipo em branco. O facto típico não é integralmente descrito no tipo legal incriminador, tendo que ser completado e integrado por prescrições ou limitações impostas pela autoridade competente. Também no entendimento de Fernanda Palma, a delimitação administrativa do dano tem o inconveniente de deixar em aberto a definição do conteúdo do bem jurídico-penal ambiente [tendo em atenção o princípio da legalidade e os seus particulares efeitos em Direito Penal (art. 1º, nº3 CP), apesar de ser admissível o recurso a conceitos indeterminados]. A tutela penal terá o seu fundamento na actuação da Administração através de licenças, prescrições e autorizações.

Segundo Germano Marques da Silva, não será bastante a mera desobediência às imposições da autoridade administrativa. Este seria só o primeiro dos requisitos para a efectiva repreensão penal. Seria necessária a realização de um evento material como a efectiva degradação das qualidades das águas, dos solos ou do ar. Se um evento deste tipo não tiver lugar, não se terá verificado uma lesão de um bem jurídico, não se constituindo o crime do art. 279º.

Já para Paulo Sousa Mendes, o tipo legal da poluição configuraria um crime de perigo abstracto em que o próprio perigo não é um elemento integrante do tipo legal. Bastaria a caracterização da situação indesejável, ficando o julgador desobrigado de proceder à avaliação judicial do perigo, caso a caso.

Para chegar a esta conclusão este autor apresenta-nos duas ordens de razões:

1. Razão Formal: constatação de que o legislador não menciona expressamente o perigo. Parece bastar-se com a mera presunção de que toda a poluição, em regra, acarreta riscos para o ambiente. Não estaríamos perante um crime de lesão, porque um acto isolado contra o ambiente seria, em si mesmo, insignificante;

2. Razão Material: dada a natureza caótica dos fenómenos ambientais, qualquer exigência de prova de perigo, quer concreta quer abstracto-concreta, estaria sempre condenada ao fracasso.

Admitimos a dificuldade da mensurabilidade da poluição, apesar desta ser actualmente possível através de meios técnicos. Mas será exactamente por causa desta mesma dificuldade que o crime de poluição está sujeito, como decorre do nº 3 do art. 279º, à verificação do não cumprimento de prescrições ou limites impostos por autoridade competente. No entanto, os agentes administrativos não poderão determinar a imputação de crimes através de uma simples imposição não suportada num diploma. Em suma, só cometerá o crime de poluição o agente que violar os valores legais ou regulamentares pré-estabelecidos e, cumulativamente, essa lei ou esse regulamento estipular expressamente a aplicação das penas do art. 279º, como consequência dessa violação.

Sumariando e concluindo, o art. 279º do CP apresenta uma estrutura deveras complexa. Exige-se a existência de prescrições ou limitações impostas pela autoridade administrativa competente e a imposição das penas expressamente previstas no artigo. Aquela remissão apresenta uma razão de ser prática e compreensível: seria tecnicamente impossível e, se não, altamente desaconselhável, tentar definir de forma fixa, duradoura e estável na previsão legal, o grau de poluição que nos diferentes elementos naturais são suficientes para o despoletar de uma intervenção penal.


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