O Estado de Necessidade Ambiental

O estado de necessidade é entendido como a possibilidade de um homem ou um órgão sair excepcionalmente das regras estabelecidas, com o fim de assegurar a salvaguarda de um bem precioso que o Direito tem precisamente a finalidade de proteger.

O estado de necessidade ambiental está regulado nos art.os 34 a 36 do Capítulo V da Lei de Bases do Ambiente com a epígrafe “Licenciamento e Situações de Emergência”, designadamente, a declaração de zonas críticas e situações de emergência (art.º 34), a redução e suspensão da laboração (art.º 35) e transferência de estabelecimentos (art.º 36).

Perante esta situação de cariz excepcional e anormal, é necessário identificar dois momentos distintos do ponto vista lógico e sequencial para o seu enquadramento. Um primeiro momento correspondente à verificação pela Administração Pública da ocorrência factual que determine a declaração de zona crítica ou a situação de emergência, através de um juízo interpretativo que preencha o conceito “zona crítica”, ou “situação de emergência”. Portanto, um momento de verificação das condições com vista à sua declaração. E um segundo momento em que se fixam as consequências, as medidas necessárias para responder a tal situação excepcional, designadamente a redução ou suspensão de laboração ou transferência de estabelecimento, previstas nos art.os 35 e 36 na Lei de Bases.

Face a uma situação factual ocorrida, a Administração tem de analisar essa mesma situação e emitir um juízo, o qual pode ser positivo ou negativo, configurando ou não uma situação de excepção. Caso a decisão seja positiva, a mesma é subsumível numa classificação de zona crítica ou situação de emergência, conceitos que são vagos e indeterminados que carecem de concretização e implicam uma apreciação da Administração sobre a sua ocorrência. É, pois, necessário que a Administração aprecie a intensidade da situação factual e fundamente a sua opção, ou seja se se está perante uma declaração de zona crítica ou de situação de emergência. Assim, tal actuação da Administração configura a existência de livre margem de apreciação.

Importa distinguir o conceito “zona crítica” de “situação de emergência”. O art.34 nº 1 relativo à declaração de zona crítica, tem em vista do ponto de vista substancial, salvaguardar a saúde humana ou o ambiente, entendendo-se estar em causa a protecção do homem e a relação do todo envolvente com a qualidade de vida do homem enquanto que o art. 34 nº 2 relativo à declaração de situação de emergência, incide sobre a existência de poluição, a qual constitui um dos componente ambientais humanos de acordo como art. 17 nº3 da Lei de Bases do Ambiente.

A determinação de uma zona crítica como a determinação de uma situação de emergência pode ocorrer pela verificação de uma apreciação objectivo-quantitativa (violação de normas que definam a qualidade ambiental) ou de uma apreciação subjectivo-qualitativa (possibilidade de se atingirem certos valores que ponham em causa a qualidade do ambiente, estando perante situações de eminência de resultado e de um perigo potencial e não de um resultado efectivo). As situações que são alvo de uma apreciação objectivo-quantitativa são aquelas em que “os parâmetros que permitem avaliar a qualidade do ambiente atinjam valores que possam pôr em causa a saúde humana ou o ambiente…” (nº1 do art.34) e “os índices de poluição, em determinada área, ultrapassarem os valores admitidos pela legislação que vier regulamentar a presente lei…” (nº2 do art. 34). As situações de perigo potencial e ou iminente e por isso de apreciação subjectivo-qualitativa são aquelas em que “os parâmetros que permitem avaliar a qualidade do ambiente…se preveja virem a atingir, valores que possam pôr em causa a saúde humana ou o ambiente…” (nº1 do art. 34) e “… índices de poluição… por qualquer forma, puserem em perigo a qualidade do ambiente…” (nº2 do art. 34). As situações objectivo-quantitativas implicam um raciocínio subsuntivo, para uma lógica de actividade vinculada, enquanto que as situações subjectivo-qualitativas ao apontarem para uma situação de perigo potencial, ainda não verificado, apontam para a aplicação de juízos de prognose, juízos de probabilidade

A declaração de zona crítica (art.º 34 nº1) corresponde à situação mais grave pois cabe ao Governo declarar tais zonas e cometer à protecção civil a sua implementação no terreno. Por oposição, para a declaração de situação de emergência (art.º 34 nº2) a lei não indica qual o órgão competente para efectuar tal declaração, nem indica a entidade que coordenaria a sua operacionalização. Há quem entenda que a declaração de situação de emergência, não obstante indicação expressa, cabe ao Governo através de um argumento analógico com o nº1 do art. 34 da Lei de Bases. O autor Pedro Gaspar entende que a declaração de emergência deve ser assumida pelo organismo da Administração competente em razão da matéria e não pelo decisor político, na medida em que tal omissão legislativa configura uma graduação valorativa diferenciada, e por conseguinte o legislador não expressou a mesma preocupação comparativamente com a declaração de zona crítica.

As medidas urgentes e cautelares a aplicar em caso de verificação de uma declaração de zona crítica ou de declaração de uma situação de emergência, em princípio, as constantes nos arts. 35 e 36 não são exaustivas, nem necessariamente gradativas, pelo que podem ser tomadas outras medidas numa situação de crise ambiental, desde que sejam adequadas à situação em causa e que “lhes faça face”, resolvendo a situação de excepção. O Prof. Gomes Canotilho entende que o art.º 34 configura exemplos de actos administrativos, enquanto que o nº1 do art.º 35 e art.º 36 constituem exemplos de mecanismos de reacção.

Há casos em que em virtude de se tratar de uma ameaça inesperada, há a necessidade de uma reacção urgente, configurando a possibilidade de actuação das entidades competentes com preterição da audiência dos interessados, ocorrendo a simplificação das regras procedimentais aplicáveis. O art. 3/2 do CPA determina que os actos administrativos praticados em estado de necessidade com preterição das regras estabelecidas neste código são válidos, desde que os seus resultados não pudessem ter sido alcançados de outro modo, mas os lesados terão o direito de ser indemnizados nos termos gerais da responsabilidade da Administração.

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