Pretensos direitos dos animais.

Tendo em conta as propostas de trabalho existentes em relação aos animais, e as noticias que diariamente ouvimos sobre os mesmos, penso que a questão que se coloca, de modo mais pertinente, é saber se eles possuem direitos, e se sim que direitos são esses e como são tutelados.
Devido à sociedade de informação e à globalização em que vivemos, chegam ao conhecimento público histórias sobre animais e os maus tratos que são alvo constantemente, e que põem em causa não só a sua dignidade, como muitas vezes a própria sobrevivência!
A título exemplificativo podemos citar as lutas de galos, de cães, as condições a que são submetidos nos espectáculos itinerantes, a forma como vivem nos alojamentos estatais, e até mesmo os sacrifícios que têm de suportar em exposições (o exemplo mais flagrante e recente trata-se de uma exposição em que um cão foi preso e deixado a definhar sem água nem comida até morrer! Foi considerado arte e o autor convidado a repetir o feito!). Há mesmo espaços nocturnos em que se promove o contacto sexual entre animais e clientes.
São um sem fim de situações que podem ser citadas e que chocam qualquer um, tendo em conta as crueldades que lhes são infligidas, levando-nos a questionar que protecção têm estes seres tão indefesos e que não possuem viva voz para se poderem defender. Assim sendo pode desde já concluir-se que no mínimo existe uma obrigação moral que recai sobre o Homem.
Fazendo uma breve resenha histórica em Portugal, apercebemo-nos que há uma omissão legislativa nesta área que durou 57 anos (1928-1985) e que os primeiros passos foram dados tendo em conta uma perspectiva económica, a protecção dos animais é um meio para atingir um outro fim. Só posteriormente se evolui no sentido de ter consciência que é tão importante proteger as espécies como os seus habitats naturais que permitem a sua sobrevivência e reprodução.
Um dos primeiros problemas com que o direito se confronta diz respeito à natureza jurídica dos animais. Por um lado temos a consagração jurídica nos artigos 202, 204 e 205 do Código Civil, que qualifica o animal enquanto coisa móvel; por outro temos defensores acérrimos que visam atribuir personalidade jurídica aos animais como forma de garantir uma maior e melhor tutela!
A realidade é que se por um lado o animal é aos olhos do Código Civil uma coisa, por outro tem-se assistido a uma descaracterização por parte do legislador sem no entanto lhes atribuir personalidade jurídica. Essa descaracterização tem-se justificado sobretudo face às semelhanças existentes entre o ser humano e os animais, no entanto serão estas parecenças o suficiente para um corte tão grande com a corrente legislativa, ou existirá uma terceira via que permita conjugar as diferenças e as ditas semelhanças (posição defendida por Helena Telino Neves, em “ a Natureza Jurídica dos Animais”).
Para já basta saber que aos olhos do legislador os animais merecem protecção e que a mesma é tutelada quer por diplomas legislativos nacionais quer internacionais independentemente da sua qualificação jurídica! A alteração da mesma visa apenas garantir uma maior e melhor tutela e efectivar a responsabilidade dos proprietários ou daqueles que lhes infligem maus tratos.
Olhando para o regime vigente não se pode dizer que os animais são sujeitos de direito nem titulares de relações jurídicas, no entanto têm direitos que advém da obrigação moral supra referida, que é reflexo dos deveres do homem para com os animais. Assim sendo, e tendo por base a Declaração Universal dos Direitos dos Animais (DUDA), a Convenção Europeia para a Protecção dos Animais de Companhia (CEPAC) (aprovada pelo decreto 13/93 de 13 de Abril), a Lei n.º 92/95, o Decreto-Lei 276/2001 (que complementa as normas da CEPAC e permite a sua correcta aplicação), e a Constituição da República Portuguesa (CRP) obtemos o seguinte elenco de direitos, ou seja o tal conjunto de deveres e obrigações que o homem tem para com os animais.
Em primeiro lugar e como base de todos os outros direitos temos o direito à vida, consagrado no preâmbulo e no art. 2 n.º 2 da DUDA, em que o homem reconhece não só o direito à existência de outras espécies animais, o que se revela fundamental para a coexistência de espécies no mundo, mas também admite que ele próprio enquanto animal não pode exterminar ou explorar ou outros animais. Fala-se mesmo em biocídio e genocídio consoante a morte desnecessária seja contra um animal ou uma espécie respectivamente. Também o art. 1 n.º1 da Lei 92/95 proíbe a morte desnecessária, logo só em caso de urgência e como forma de por termo ao sofrimento do animal é que se pode por fim à sua vida, sempre recorrendo a meios o mais indolores possíveis e de preferência sendo uma intervenção realizada por veterinários (CEPAC e DL276/2001). O mesmo se estabelece quanto aos animais errantes no art. 5 da L92/95.
Têm igualmente direito à integridade física e psíquica; neste âmbito pretende-se evitar que os animais sejam alvo de maus tratos, de violências injustificadas, proíbe-se o uso de determinados objectos perfurantes (art.1 n.3 al a) da L92/95); reforça-se a ideia de morte indolor e instantânea em caso de necessidade, assim como o direito a uma boa alimentação, a um alojamento e transporte com condições. Direito a uma verificação periódica do seu estado de saúde, assim como a proibição da utilização de animais feridos em circuitos comerciais (art.4 L92/95) e quando feridos ou doentes devem ser logo que possível socorridos, (art.1 n.2 L92/95). Os animais, sobretudo, os de companhia não devem ser submetidos a situações que lhes causem angustia desnecessariamente, art. 3 e 10 CEPAC! Têm direito a um ambiente sadio, em condições de higiene, com comida, água e espaços adequados. De um modo geral esta tutela resulta igualmente dos arts. 3, 6 e 9 da DUDA.
Como complementar a estes dois direitos surge o direito à saúde e ao bem estar, neste caso tratam-se sobretudo de deveres positivos, quem possuir animais deve ser responsável pela sua saúde e bem estar de modo a torná-los felizes, têm direito a uma boa alimentação (art. 4 n.ºs 2 a) e 3 a) da CEPAC), boas condições de alojamento, (reguladas no DL 276/2001, que define conceitos como jaula, recinto fechado… no seu art. n.º 2 e depois concretiza nos deus diferentes capítulos as condições adequadas a cada situação) e à realização de exercício fisíco adequado (art. 49 n.º 2 al b). Nenhum tratamento lhes deve ser ministrado nem devem ser submetidos a nenhum processo que lhes altere as suas capacidades naturais, arts. 4 n.º 1 e 9 n.º 2 da CEPAC.
Possuem o direito à liberdade, que não está só relacionado com a captura e detenção dos animais, mas também se prende com as condições de alojamento dos mesmos, é um dever que se impõe ao proprietário ou detentor em qualquer circunstância, arts. 4 e 5 da DUDA e o já citado DL 276/2001.
Por último resta referir o direito ao respeito, consagrado no preâmbulo da DUDA e no art. 2 n.º 1 e 13 n.º 1, assim como no Estatuto da Ordem dos Médicos Veterinários, consiste sobretudo em afirmar a necessidade de mútuo apreço entre o homem e o animal.
Nos exemplos de crueldade dados no início desta explanação é patente a violação de todos estes direitos, nomeadamente o direito ao respeito, à saúde, integridade física…e infelizmente se a população em geral acha piada às habilidades levadas a cabo pelos animais, raramente toma uma atitude perante o sofrimento dos mesmos, demonstrando mesmo indiferença, desinteresse e insensibilidade face ao sofrimento que lhes é imposto. Apesar das proibições constantes no art. 1 n.º 3, nomeadamente alíneas e) e f), do DL 92/95, a realidade actual ultrapassa muitas vezes a imaginação do próprio legislador e à conclusão a que chegamos é que é patente a ausência de disposições de responsabilização eficaz, as lutas entre animais existem, os maus tratos em circos, os tiros aos pombos…e um sem fim de exemplos que se podiam dar, mas a verdade é que quem os pratica grande parte das vezes sai ileso!
Situação excepcional é a utilização dos animais para fins científicos, uma vez que o progresso cientifico está dependente da sua utilização em detrimento do uso de seres humanos como cobaias numa primeira fase!
Para além dos proprietários cabe também ao Estado, enquanto tarefas fundamentais, defender a natureza e o ambiente, garantido um aproveitamento racional dos recursos, salvaguardar a sua capacidade de renovação e a estabilidade ecológica. Sendo necessário dar-se acento tónico à protecção dos habitats tão importantes para o bem estar dos animais. (cf. art. 9 alíneas d) e e), e o art. 66 n.ºs 1 e 2 alíneas b) c) e d)). Assim sendo também a Lei de Bases do Ambiente, a Rede Natura 2000, entre outros diplomas, acabam por proteger reflexamente os animais.
Segundo o Sr. Professor António Menezes Cordeiro, “prevaleceu o entendimento segundo o qual, para a tutela dos animais, era conveniente a sua não recondução pura e simples às coisas”, avançando um pouco mais, o Sr. Professor Vasco Pereira da Silva diz que “ a tutela jurídica objectiva dos animais é manifestamente incompatível com o tratamento pela ordem jurídica como simples coisas móveis”. Penso que é neste sentido que o legislador tem evoluído, no entanto ainda falta a concreta responsabilização dos infractores, e até mesmo do Estado quando não prossegue a sua tarefa fundamental. Mas acima de tudo é também necessário educar e sensibilizar o Homem, incutir que respeitar um animal é respeitar-se a si mesmo, que um animal é mais do que uma prenda que se pode dar, ou um objecto de exposição em casa, exige cuidados continuados, espaço, exercício, e até afecto, é nesse sentido que também vai a CEPAC!

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