No final dos anos 60, ocorreram uma série de catástrofes ecológicas de grande dimensão, que para sempre iriam mudar a consciência humana , no que toca à relação do Homem com o Ambiente. O derrame originado pelo petroleiro “Torrey Canyon” foi o mais significativo, fazendo alastrar uma onda negra pelas zonas costeiras de França e Bélgica e numa extensão de largas dezenas de quilómetros nas Ilhas Britânicas.
Agressões ao Ambiente sempre as houve desde que o Homem começou a fabricar os seus produtos e a transformar as matérias primas. O que se verificava de novo, era que essas agressões punham em causa a capacidade de o Ambiente se assumir como recurso para a actividade económica, uma vez que começava a ser ultrapassada a própria capacidade do Meio para receber e dispersar os efluentes nele descarregados. Numa primeira aproximação, a sociedade respondeu a este problema com uma atitude “curativa”, procurando repor, à posteriori, a qualidade do meio afectado. Porém numa perspectiva de racionalização da gestão de recursos, facilmente se compreenderam as vantagens de passar a ter uma postura mais antecipativa , dando lugar a uma nova forma de política “preventiva”.
Neste âmbito surge em 1970, com a National Environmental Policy Act (NEPA) dos Estados Unidos da América, o processo de Avaliação de Impactes Ambientais. O modelo estrutural norte-americano tem indo, desde então, a ser exportado para diversos Estados.
Na União Europeia, foi pela mão da Directiva 85/337/CEE relativa à Avaliação de Impactes Ambientais que passaram a ser apreciados os efeitos de certos projectos públicos e privados no ambiente. Em Portugal, com o ingresso já tardio no seio da UE, (1986), a directiva só foi transposta em 1990, por meio do Decreto-Lei n.º 186/90 de 6 de Junho que tem sido sucessivamente alterado e actualizado, chegando aos nossos dias sob a forma de Decreto-Lei n.º 197/2005 de 8 de Novembro.
A Avaliação de Impacte Ambiental (AIA) pode ser entendida como uma ferramenta sistemática, reproduzível e interdisciplinar para identificar, prever e avaliar, minimizar e gerir os impactes sobre o ambiente de um projecto e das suas alternativas razoáveis. Desta forma consegue-se assegurar o cumprimento dos Princípios do desenvolvimento sustentável, tendo subjacentes os princípios da prevenção, da precaução e da participação (preambulo do Decreto-Lei n.º 197/2005 de 8 de Novembro). Sem pretensão de efectuar um elenco exaustivo, podem ser nomeados os seguintes objectivos da AIA (IAIA, 1999)1:

· Proteger a produtividade e capacidade dos sistemas naturais e dos processos ecológicos que sustentam as suas funções;
· Assegurar que os recursos são usados apropriada e eficientemente, promovendo o desenvolvimento sustentável;
· Proteger a saúde e segurança humana;
· Antecipar e evitar, minimizar e compensar os impactes significativos adversos relativamente às componentes biofísica e social;
· Assegurar que as considerações ambientais são explicitamente abordadas e incorporadas no desenvolvimento do processo da tomada de decisão.

Apesar de ser um instrumento de indiscutível utilidade a AIA circunscreve-se a um âmbito de actuação com uma escala reduzida. Trata-se assim de uma ferramenta que deve ser complementada com outras que actuam a outras escalas. É necessário, também, fazer uma análise mais a montante e fazer considerações de carácter mais estratégico, procedendo à avaliação do impacte ambiental de planos e programas. Este tipo de avaliação é denominado de Avaliação Ambiental Estratégica (AAE) e tem recebido cada vez mais atenção a nível internacional. Em Portugal temos o recente caso do Quadro de Referência Estratégico Nacional (QREN) para o período de 2007-2013, que “assume como grande desígnio estratégico a qualificação dos portugueses e das portuguesas, valorizando o conhecimento, a ciência, a tecnologia e a inovação, bem como a promoção de níveis elevados e sustentados de desenvolvimento económico e sócio-cultural e de qualificação territorial, num quadro de valorização da igualdade de oportunidades e, bem assim, do aumento da eficiência e qualidade das instituições públicas”. A AAE neste caso dará cumprimento às disposições da Directiva 2001/42/CE relativa aos efeitos de certos planos e programas no ambiente e consiste num instrumento de avaliação de impactes que actua a níveis estratégicos que contribui para a integração das considerações de natureza ambiental e para a prossecução de objectivos de sustentabilidade nos Programas Operacionais sujeitos à sua aplicação.
A Avaliação Ambiental Estratégica deverá permitir alcançar os seguintes objectivos globais:

· Assegurar uma visão estratégica e uma perspectiva alargada em relação às questões ambientais, num quadro de sustentabilidade;
· Assegurar a integração das questões ambientais no processo de decisão, enquanto as opções ainda estão em discussão;
· Auxiliar na identificação, selecção e justificação de opções ganhadoras (win-win) face aos objectivos de ambiente e desenvolvimento;
· Detectar problemas e oportunidades, sugerir programas de gestão e monitorização estratégica;
· Assegurar processos participados e transparentes, que envolvam todos os agentes relevantes;
· Produzir contextos de desenvolvimento mais adequados a futuras propostas de desenvolvimento.
A Directiva 2001/42/CE identifica os planos e programas sujeitos a AAE e aqueles que são avaliados apenas quando os Estados-Membros assim determinarem: o art.º 3º/ 3 e 4 define as circunstâncias em que os Estados-Membros têm de determinar se um plano ou programa é susceptível de ter efeitos significativos no ambiente, enquanto o art.º 3º/ 5 refere o modo como deve ser cumprido o requisito geral. Assim, à excepção dos planos e programas abrangidos pelo art.º 3º/ 2, em relação aos quais a sujeição a AAE é obrigatória, a Directiva atribui discricionariedade aos Estados-Membros para determinar se os planos e programas que constituam enquadramento para futura aprovação de projectos são susceptíveis de ter efeitos significativos no ambiente e, nessa medida, exigirem uma avaliação ambiental nos termos do previsto no seu art.º 3º/ 1.
No exercício da discricionariedade conferida pela Directiva, procedeu-se ao exame individual do QREN e dos respectivos Programas Operacionais, tendo em conta as suas características particulares, com vista a determinar se eram ou não susceptíveis de ter efeitos significativos no ambiente, conforme prescrito pelo art.º 3º/ 5 da Directiva e de acordo com os “critérios de significância” enunciados no seu Anexo II. O processo de verificação concluiu pela necessidade de submeter a AAE as propostas de Programas Operacionais que envolvem uma incidência física e enquadram futuros projectos enumerados nos Anexos I e II da Directiva 85/337/CE de 27 de Junho2. De referir apenas que o Decreto-Lei n.º 232/2007 de 15 de Junho veio “nacionalizar” a Directiva 2001/42/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de Junho, que prevê a avaliação dos efeitos de determinados planos e programas no ambiente. O propósito da referida directiva é o de assegurar que, através da adopção de um modelo procedimental e da participação do público e de entidades com responsabilidades em matérias ambientais, as consequências ambientais de um determinado plano ou programa produzido ou adoptado por uma entidade no uso de poderes públicos são previamente identificadas e avaliadas durante a fase da sua elaboração e antes da sua adopção (Preâmbulo do respectivo Decreto-Lei).
A análise de ciclo de vida, por seu turno, é uma ferramenta que aborda os impactes provocados por um sistema produtivo. A figura que se segue ilustra de forma gráfica as várias escalas possíveis de análise de impactes ambientais.



Não se pretendendo, neste trabalho, fazer uma análise detalhada de todo o Procedimento de Avaliação de Impacto Ambiental em Portugal, passaremos agora a uma breve referência à evolução histórica da implementação deste Procedimento no nosso país, para depois procedermos a um exame descritivo do Decreto-Lei n.º 197/2005 de 8 de Novembro.


Implementação do Procedimento de AIA em Portugal

A Directiva 85/337/CEE, berço Comunitário do Processo de AIA, foi transposta para o direito nacional pelo Decreto-Lei nº186/90 de 6 de Junho que introduziu pela primeira vez em Portugal um Procedimento de Avaliação de Impacto Ambiental . Mais tarde o Decreto-Lei n.º 69/2000 de 3 de Maio veio concretizar, com algum atraso, no nosso ordenamento jurídico, disposições comunitárias, designadamente a Directiva 97/11/CE do Conselho de 3 de Março de 1985 que entre outras matérias importou para a legislação europeia a Convenção de Espoo sobre Impactes Ambientais Transfronteiriços. Deste modo é sob a égide do Decreto-Lei n.º 69/2000 de 3 de Maio que a Administração começa a ter contacto com propostas de definição do âmbito, fase de Pós-avaliação, Impactes ambientais Transfronteiriços, carácter vinculativo da Declaração de Impacte Ambiental (DIA), tendo também sido introduzida a distinção de critérios do caso geral consoante a localização dos projectos em áreas sensíveis.
Recentemente aprovado, o actual regime de AIA consta do Decreto-Lei n.º 197/2005 de 8 de Novembro. Nele são incluídas algumas inovações constantes da Directiva 2003/35/CE relativas à participação pública que incidem sobre certos planos e programas relativos ao ambiente. A participação pública tem outro estatuto, melhorado, que se reflecte no facto de a DIA passar a ter de levar em consideração as opiniões recebidas no âmbito da fase da Participação Pública. De realçar que são previstas duas situações nas quais os projectos não estão sujeitos ao procedimento de AIA:

1) para projectos destinados à defesa nacional, art.º 1.º/ 6 ;
2) para projectos em circunstâncias excepcionais, art.º 3.º/ 1.

Não obstante, para qualquer um dos casos, a isenção tem que ser devidamente autorizada (art.º 1.º/ 6 e art.º 3.º/ 2, 3 e 4) e não significa necessariamente que o impacte ambiental dos projectos não seja considerado de outra forma.
Os projectos que preencham as circunstâncias previstas no Anexo I e os projectos que satisfaçam os critérios do Anexo II, estão sujeitos a AIA. De mais a mais, todos os projectos susceptíveis de provocar um impacte significativo no ambiente podem ser avaliados, segundo os critérios do Anexo V, para que se determine se é necessário proceder à AIA, art.º 1.º/ 4 e 5 (Screening).

Procedimento de Avaliação do Impacto Ambiental

O Professor Vasco Pereira da Silva define o Procedimento administrativo de AIA como o processo que se destina “a verificar as consequências lógicas de um determinado projecto, procedendo à ponderação das respectivas vantagens e inconvenientes em termos de repercussão no meio-ambiente”3. Resulta claro da definição proposta que o procedimento de AIA ao ambicionar evitar ou precaver possíveis lesões futuras do meio-ambiente, tem em linha de conta o Princípio da Prevenção, art.º 66.º/ 2 CRP.
O Procedimento de AIA pode iniciar-se por aquela que se designa habitualmente por fase zero do Procedimento ou Scoping, a proposta de definição do âmbito do Estudo de Impacte Ambiental (PDA), art.º 11.º. A PDA tem por objectivo identificar as áreas nas quais poderão ocorrer impactes significativos e que deverão ser consideradas no Estudo de Impacte Ambiental (EIA), art.º 11.º/1. São essas as áreas que carecem de um estudo pormenorizado de impacte ambiental, deixando de lado as áreas menos relevantes para a tomada de decisão. Deste modo estabelecem-se os postes dentro dos quais se moverá o EIA e o restante Procedimento. As vantagem de se elaborar uma PDA consistem, por um lado na racionalização de recursos (custos e tempo), orientando o EIA para as questões relevantes previamente definidas, de um determinado projecto; por outro, caso a Comissão de Avaliação (CA) nomeada pela Autoridade de AIA, art.º 11.º/ 3 b), emitia parecer favorável à PDA ou pura e simplesmente não se pronuncie sobre ela, art.º 11.º/ 8, a definição do âmbito do EIA vincula o Proponente e a CA quanto ao conteúdo deste, art.º 11.º/ 9.
Sendo uma fase facultativa, caberá ao proponente decidir se apresenta ou não a Proposta à Autoridade de AIA, art.º11.º/ 1. Também sujeita à decisão do Proponente, posteriormente ratificada pela CA, está a possibilidade de abrir a PDA do EIA à participação pública, art.º 11.º/ 5.

Etapa fundamental no Procedimento de AIA é o EIA, art.º 12.º. Normalmente é esta a primeira fase do Procedimento. O Proponente elabora EIA e apresenta-o à Entidade Licenciadora, art.º 12.º/1. De um modo geral, o EIA deve descrever o ambiente afectado pelo projecto e suas alternativas de modo a avaliar a significância dos impactes que se podem prever. É definido um conteúdo informativo mínimo no Anexo III, sem o qual o EIA é fundamentadamente (art.º 13.º/ 8) considerado desconforme pela CA, nomeada pela autoridade de AIA que recebeu os documentos da Entidade Licenciadora, em sede de Apreciação Técnica, art.º 13.º/ 4.
Outras questões que são necessárias abordar no EIA, prendem-se com a proposta de medidas de minimização ou os planos de monitorização a que mais adiante faremos referência, art.º 12.º/ 4.
O cerne do EIA está na determinação de quais são os impactes de um projecto e de entre eles quais são significativos. Existem vários critérios para avaliar se um impacte é significativo ou não. A Directiva 97/11/CE apresenta, no n.º 3 do Anexo III critérios que o legislador nacional reproduziu literalmente no Anexo V (n.º 3) do Decreto-Lei n.º 197/2005 de 8 de Novembro. São eles:

· Extensão do impacte (área geográfica e dimensão população afectada);

· Natureza transfronteiriça do impacte;

· Magnitude e complexidade do impacte;

· Probabilidade do impacte;

· Duração, frequência e reversibilidade do impacte.

Nem a legislação europeia nem a nacional procedem à definição de “significativo”. Entendemos então que a interpretação da significância dos impactes ambientais é um processo altamente contencioso que ocupa a fronteira flexível entre a ciência e a política. De facto, a significância também varia dependendo se é interpretado à luz da lei, pelo público interessado ou pela comunidade científica. No fundo caberá à Administração no uso do seu poder discricionário, densificar caso a caso este conceito.
O Resumo não técnico (RNT) é o documento de consulta pública por excelência e deve tornar a informação técnica do EIA em informação sintetizada, usando uma linguagem corrente, facilmente compreensível por todos os cidadãos, art.º 2.º s) e art.º 13.º/ 5 ex vi art.º 12.º/ 8.
Forte crítica à forma como se inicia o procedimento, por meio da elaboração do EIA pelo Proponente, é a feita pelo Prof. Vasco Pereira da Silva. O ilustre Professor desconfia das boas intenções do proponente e a sua isenção na elaboração do EIA, visto que é ele próprio a parte interessada. Propõe como exemplo a seguir o caso Alemão, onde é a própria Entidade Licenciadora a elaborar e apresentar o EIA.

Após a apresentação do EIA à Entidade Licenciadora ou coordenadora do procedimento autorizativo global, esta remete toda a documentação para a Autoridade de AIA que desde logo nomeia uma CA para proceder à apreciação técnica do EIA. No final a CA emitirá parecer de conformidade ou de desconformidade do EIA, com a lei ou com o PDA se apresentado, que terá de ser devidamente fundamentado, art.º 13.º/ 1,3 e 4. Caso a CA considere que faltam elementos ao EIA poderá requerê-los ao proponente, art.º 13.º/ 5 tendo em vista a declaração de conformidade que abrirá as portas à fase seguinte do Procedimento. Por este motivo é que também é proveitoso proceder à elaboração da PDA.
Algumas das medidas propostas que visão melhorar a qualidade global dos EIA são:

1) Utilização extensiva e, possivelmente, obrigatória de guias e checklists, tais como “Guidance on EIA – EIS Review” (APAI, 2004)4;
2) Formação dos vários intervenientes no processo, entre os quais os consultores e as autoridades locais e regionais (APAI, 2004).

Declarada a conformidade do EIA procede-se a uma fase de consultas em que é pedido parecer às entidades públicas com competências para a apreciação do projecto, art.º 13.º/ 9. Ao mesmo tempo que corre a fase de consultas inicia-se o processo de Participação pública, art.º 14.º/1.
Os processos de Avaliação de Impactes Ambientais desde cedo contaram com a componente da participação pública. Porém esta fase nem sempre assumiu a relevância que tem nos nossos dias. Não obstante, a participação pública é um princípio que tem origem legal relevante com o Tratado de Águas Fronteiriças, de 1909, que já possuía mecanismos de acesso à informação e participação5. A Convenção de Aarhus (1998), ratificada pela UE em 2005, estabelece que as Partes devem tomar as medidas necessárias de modo a salvaguardar os direitos do público ao acesso à informação, participação pública na toma de decisões e acesso à justiça em questões ambientais. Da Convenção surgiram as directivas europeias 2003/4/CE de 28 de Janeiro e 2003/35/CE de 26 de Maio, referentes ao acesso à informação e participação pública, respectivamente. Com a elaboração do Decreto-Lei nº197/2005 de 8 de Novembro Portugal procedeu, para além de outras alterações ao diploma anterior, a uma harmonização do processo de consulta pública com as referidas directivas.
A Participação pública é definida por alguns autores como sendo a comunicação bilateral que envolve a informação do público acerca do progresso e estado dos estudos e implicações do projecto (feed-forward); e a solicitação activa de opiniões e percepções acerca do projecto (feedback). Ou seja, a participação pública pode ir da simples informação (persuasão e educação) à participação propriamente dita através de feedback ou envolvimento real na tomada da decisão6.
A participação pública em processos de AIA apresenta as seguintes vantagens (Rosmaninho, 2003)7:

· Contribui para um melhor conhecimento do local, em termos ambientais, económicos e sociais;
· Estimula o envolvimento local em iniciativas e projectos a desenvolver na região;
· Reduz a resistência à mudança e a possibilidade de se gerarem conflitos;
· Constitui um meio, por vezes o único, do cidadão estar informado sobre os projectos previstos;
· Permite partilhar com o público a responsabilidade da tomada de decisão, podendo conduzir a melhores decisões.

Assim, a participação pública, enquanto não passar do nível de consulta, será sempre uma oportunidade de ouvir os elementos da sociedade (particulares ou associados), sem que no entanto estes tenham poder real na decisão.
O processo de participação pública é promovido pela Autoridade de AIA, por meio de anúncio público segundo critérios a estabelecer por esta mesma entidade. O público interessado tem acesso ao EIA na sua totalidade, embora na prática o RNT seja o documento de consulta preferencial dadas as suas características, art.º 2.º s). Findo o prazo de consulta pública, os pareceres recebidos são sintetizados e é elaborado o relatório de consulta pública pela Autoridade de AIA. A legitimidade para participar no procedimento de AIA pertence a todos os interessados na acepção do art.º 2.º r). O critério de determinação utilizado pela lei, para circunscrever o âmbito do conceito de “Público interessado” é o que está previsto no art.º 53.º/ 1 e 2 do CPA e em traços largos passa por conceder legitimidade a todo e qualquer sujeito (particular ou associativo) titular de interesses difusos ou transindividuais.

Elaborado o relatório de consulta pública, art.º 14.º/ 5, a CA tendo em seu poder todos os documentos já lavrados no processo emite e remete para a Autoridade de AIA o parecer final sobre todo o procedimento, art.º 16.º/ 1, que terá de enviar ao Ministro responsável a proposta de Declaração de Impacte Ambiental (DIA), art.º 16.º/ 2.

A DIA (art.º 2.º g)) deve incluir a decisão a tomar sobre o projecto, a qual pode ser favorável (positiva), condicionalmente favorável (não obstante o juízo global ser positivo é necessário ter em conta o cumprimento de requisitos adicionais tais como as medidas de minimização) ou desfavorável (negativa), art.º 17.º/1. A decisão deve ser fundamentada, incluir as condições em que o projecto pode ser autorizado, as medidas de minimização a adoptar e deve ainda considerar os pareceres recebidos durante a fase de consulta pública, art.º 17.º 1 a), b), c), d) e n.º 2.
De extrema controvérsia é o tão afamado, pelos piores motivos, Deferimento tácito. Previsto no art.º 19.º do Decreto-Lei, esta particularidade do procedimento de AIA leva a que se premeie o proponente com uma DIA favorável, sempre que a Autoridade de AIA não se pronuncie dentro dos prazos previstos no art.º 19.º/1 a 4. A omissão de actuação por parte da administração leva à criação de uma ficção legal de acto administrativo favorável ao proponente. O Professor Vasco Pereira da Silva faz uma avaliação negativa deste mecanismo, referindo que “ é um contrasenso considerar que a AIA é tão importante, tão importante, que deve dar lugar a um procedimento especial e, logo a seguir, considerar que tanto faz que ela tenha lugar, como não, porque o resultado é o mesmo”8. Na opinião do distinto Professor, como o deferimento tácito não significa a aprovação do pedido de licenciamento do projecto, deverá ser feita uma interpretação do art.º 19.º/ 5 conforme à CRP ou mesmo ao Direito Comunitário, pela qual terá de existir sempre uma decisão real que caberá à Entidade Coordenadora do Procedimento de Autorização Global ainda que não possua atribuições ou conhecimentos em matéria de Ambiente. Outra parte da doutrina, não concordando com a posição do autor citado refere que mesmo sendo a solução legal seja desastrosa, terá de se considerar o deferimento tácito como possuidor do mesmo valor do que qualquer outro acto administrativo. Ou seja, não é por neste caso se dar uma clara violação do Princípio da Prevenção, dado que não foi emitido nenhum juízo de prognóse das consequências ecológicas de uma medida, quando a lei e os princípios constitucionais a isso obrigam, que o regime estabelecido para o deferimento tácito no CPA, art.º 108.º, possuirá diferente força jurídica.
De ter em linha de conta é a argumentação proferida pelo Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias no Processo C-230/00, Comissão contra Bélgica. Por considerarmos ser de extrema utilidade, reproduzimos aqui os pontos essenciais do Acórdão, para depois fazermos uma brevíssima análise:

14. A este respeito, deve recordar-se que o Tribunal de Justiça declarou, a propósito da Directiva 80/68, que esta «exige que seja sempre adoptado, após cada investigação e atendendo aos seus resultados, um acto expresso, de proibição ou autorização» (acórdão de 28 de Fevereiro de 1991, Comissão/Alemanha, C-131/88, Colect., p. I-825, n.° 38).
15. Por outro lado, como foi recordado no n.° 52 do acórdão de 19 de Setembro de 2000, Linster (C-287/98, Colect., p. I-6917), o objecto essencial da Directiva 85/337 é que, «antes da concessão da aprovação, os projectos que possam ter um impacto significativo no ambiente, nomeadamente pela sua natureza, dimensões ou localização, sejam submetidos à avaliação dos seus efeitos».
16. Resulta desta jurisprudência que uma autorização tácita não pode ser compatível com as exigências das directivas visadas pela presente acção, uma vez que estas prevêem quer, no que respeita às Directivas 75/442, 76/464, 80/68 e 84/360, mecanismos de autorizações prévias quer, no que respeita à Directiva 85/337, processos de avaliação que precedem a concessão de uma autorização. As autoridades nacionais são, por conseguinte, obrigadas, nos termos de cada uma destas directivas, a examinar, caso a caso, todos os pedidos de autorização apresentados.
(itálico e sublinhados nossos)

Num breve comentário à fundamentação da decisão do acórdão diríamos que fica a suspeita de que Portugal poderá, ao manter em vigor o art.º 19.º, estar numa situação de incumprimento da Directiva Comunitária sendo que num caso destes os tribunais comunitários nunca aceitariam, em sede de recurso, este tipo de mecanismos internos constantes do procedimento de AIA.
O objectivo principal da AIA é, tal como foi referido na Introdução ao presente trabalho, englobar no processo de decisão os factores ambientais. A tomada de decisão é, em última análise, um balanço entre os prós e os contras do projecto em estudo e a comparação relativamente às suas alternativas. O decisor tem que avaliar se o impacte ambiental de um projecto é aceitável tendo em conta as vantagens que poderão advir da sua aprovação. No caso geral, a decisão é invariavelmente um balanço entre as vantagens sócio-económicas e o impacte sobre o ambiente, por vezes reduzindo-se ao dilema “emprego versus ambiente”. Em relação aos vários impactes ambientais de um projecto, o decisor tem que ter em consideração que a uns são “negociáveis” mas outros serão de todo ”inegociáveis”. No caso de existirem impactes inegociáveis, nos quais se incluem a degradação dos sistemas ecológicos essenciais para o sustento da vida ou a perda de vidas humanas, quaisquer que sejam as vantagens de um projecto, ele deverá forçosamente ser chumbado.
A valoração ou atribuição de pesos às diferentes componentes do EIA, está sempre presa à questão de como quantificar bens ou recursos sociais (por exemplo, a qualidade de vida) e de como atender à subjectividade de preferências. Em nossa opinião qualquer DIA deverá ser o produto da soma de alguns dos seguintes factores:

· Balanço eficiente entre custos e benefícios;

· Rigor científico e técnico;

· Redução de impactes negativos significativos;

· Protecção da saúde humana;

· Durabilidade técnica;

· Defensibilidade legal;

· Consistência com a decisão final subsequente.

A emissão do acto de licenciamento ou de autorização é condicionada pela notificação à Entidade Coordenadora do Procedimento Global da DIA (favorável, condicionalmente favorável). Como tal qualquer acto praticado pela Entidade Licenciadora, antes de ser emitida e notificada a DIA, é nulo, art.º 20.º/ 1 e 3. No caso de o resultado do Procedimento de AIA ser desfavorável, aquela entidade está proibida de emitir autorização, estando desse modo vinculada ao resultado da decisão de AIA.

Foi pela mão da Directiva 97/11/CE, do Conselho de 3 de Março que foi introduzida, ao nível Comunitário, a fase de Pós-avaliação no Procedimento de AIA. A legislação nacional define Pós-avaliação como um «processo conduzido após a emissão da DIA, que inclui programas de monitorização e auditorias, com o objectivo de garantir o cumprimento das condições prescritas naquela declaração e avaliar os impactes ambientais ocorridos e com o fim de evitar, minimizar ou compensar os efeitos negativos do projecto, pela adopção de medidas ambientalmente mais eficazes», art.º 2.º n). Inicia-se assim a fase de Pós-avaliação, em que o proponente deve entregar à Entidade Licenciadora, nos casos em que a DIA foi emitida e o EIA executado em fase de estudo prévio ou anteprojecto, o relatório de conformidade ambiental do projecto de execução (RECAPE). Este documento tem por objectivo garantir que o projecto de execução está em conformidade com o estudo prévio ou anteprojecto, e com as condições proferidas na DIA. Podemos então elencar alguns dos objectivos essenciais deste fase:

· Monitorizar a conformidade do projecto com as condições e medidas de minimização apresentadas na DIA, art.º 27.º a);

· Rever os impactes ambientais previstos para melhorar a gestão de riscos e incertezas;

· Modificar a actividade ou desenvolver medidas de mitigação caso existam impactes negativos não previstos, art.º 27.º b);

· Determinar a exactidão das previsões de impactes passados e a eficácia das medidas de mitigação de modo a aplicar a experiência em actividades semelhantes;

· Rever a eficácia da gestão ambiental da actividade;

· Utilizar os resultados da monitorização para determinar a compensação exigida que deve ser paga aos cidadãos locais afectados pelo projecto, art.º 29.º/ 3.

O primeiro ponto é abordado pelo relatório de conformidade legal do projecto de execução (RECAPE), art.º 28.º/ 1. Em relação aos impactes ambientais, a metodologia de monitorização de impactes é estabelecida no Relatório de Monitorização que terá uma determinada periodicidade, art.º 29.º/ 1 e 2, e indicará os resultados obtidos e a eficácia das medidas de minimização.
A Professora Maria do Rosário Partidário9, da análise que faz do regime previsto para a fase de Pós-avaliação, elabora uma distinção entre:

1. Pós-avaliação de verificação da conformidade do Projecto de Execução com a DIA, quando o EIA se realizou em fase de Estudo Prévio ou anteprojecto (RECAPE);

2. Pós-avaliação geral, que inclui monitorização e auditorias.

Em esquema as duas modalidades de Pós-avaliação podem ser retractadas das seguintes formas10:





Tendo concluído a análise do Procedimento de AIA pensamos ser proveitoso fazer uma breve referência a dois factores essenciais do procedimento: Consideração de alternativas e medidas de minimização .

O Decreto-lei nº197/2005 de 8 de Novembro deixa claro que o EIA deve ter em consideração os impactes do projecto, mas também as soluções alternativas razoáveis incluindo a ausência de intervenção, art.º12.º/ 3 e Anexo III. A própria definição legal de AIA faz referência a este passo fundamental do procedimento, art.º 2.º e). Pretende-se com a consideração de alternativas melhorar a decisão a tomar, aprovando um determinado projecto caso se conclua que é a melhor solução razoável para um problema ou oportunidade. As alternativas que podem ser estudadas incluem variantes nas seguintes categorias:

· Tipo de projecto;

· Localização e alinhamentos;

· Dimensão e escala;

· Modalidades de funcionamento ou de gestão;

· Calendário para a construção e exploração;

· Opção de não intervenção.

A prática comum, contudo, tem revelado alguns problemas. Muitos deles têm origem num só causa: os proponentes têm projectos preferenciais. Aqui adiantamos alguns dos entraves, desvendados por Steinemann11, à abordagem de soluções alternativas:

1. Algumas alternativas podem ser eliminadas através da definição limitada de objectivos.
Para serem razoáveis, as alternativas devem satisfazer o objectivo e a justificação do projecto. Considere-se o caso em que uma cidade tem um problema grave de mobilidade. O proponente pode definir o objectivo do projecto de uma estrada como “melhorar a mobilidade na cidade” ou, reduzindo as alternativas, “construir uma estrada para melhorar a mobilidade na cidade”. Esta última versão do objectivo do projecto elimina alternativas como uma nova linha de metropolitano ou de comboio.

2. São apresentados mais “meios alternativos” em detrimento de “alternativas a”.
Os “meios alternativos” são métodos de carácter técnico similar ou métodos que são funcionalmente iguais; “alternativas a” são maneiras funcionalmente diferentes de se atingir o mesmo objectivo. Esta situação surge não só da definição limitada de objectivos, mas também porque a abordagem pode ser feita demasiado tarde. De facto, um proponente pode já ter comprado terrenos, o que limita o número de alternativas.

3. Algumas alternativas podem ser apresentadas, intencionalmente, como menos atractivas.
Uma vez que os proponentes podem construir as alternativas ao projecto, podem também introduzir factores que as tornam inferiores.

4. A participação pública ocorre demasiado tarde no processo.
O público interessado pode identificar alternativas razoáveis que não são consideradas por só participarem numa fase em que o EIA já está concluído.

As medidas de minimização, integradas no universo mais amplo das medidas de mitigação, que englobam a eliminação e a compensação de impactes ambientais negativos, também têm de integrar o EIA, art.º 12.º/ 3 e n.º 7 do Anexo III. Para que se atinja um razoável ponto de eficácia, estas medidas devem ser desenvolvidas e incorporadas nas alternativas consideradas, de forma a durante as fases de concepção, construção, exploração e encerramento do projecto minimizarem todo e qualquer impacto negativo.


REFERÊNCIAS


1 International Association for Impact Assessment (IAIA), 1999, Principles of Environmental Impact Assessmen Best Practice; Disponível em http://www.iaia.org/modx/assets/files/Principles%20of%20IA_web.pdf . Acedido a 15 de Abril de 2008;

2 Relatório final da Avaliação Ex-ante e Ambiental do QREN, Disponível em: http://www.qren.pt/item3.php?lang=0&id_channel=34&id_page=202 . Acedido a 15 de Abril de 2008;

3 Pereira da Silva, Vasco – Verde cor de Direito, Lições de Direito do Ambiente, Almedina 2002, pp.153 e ss.;

4 Associação Portuguesa de Avaliação de Impactes (APAI), 2004, Fundamentos na atribuição de desconformidades de EIA no triénio 2000-2003. Disponível em: http://www.apai.org.pt/m1/1160474885estudoarelatv7.pdf . Acedido a 15 de Abril de 2008;

5 http://www.gdrc.org/decision/001-Thesis.pdf . Acedido a 16 de Abril de 2008;

6 PARTIDÁRIO, M.R., JESUS, J. (2003). Fundamentos de Avaliação de Impacte Ambiental, Universidade Aberta, Lisboa;

7 Rosmaninho, M., 2003, Perspectivas de melhores práticas em AIA, Comunicação apresentada no Encontro “Balanço de três anos de aplicação do novo regime de avaliação de impacte ambiental”, Lisboa; Disponível em: http://www.apai.org.pt/m1/1160483663com.10.ppt. Acedido a 16 de Abril de 2008;

8 Pereira da Silva, Vasco – Verde cor de Direito, Lições de Direito do Ambiente, Almedina 2002, pp.166 e ss.;

9 PARTIDÁRIO, M.R., JESUS, J. Pós-avaliação em AIA, Impactes Ambientais. 9.ª Aula, Instituto Superior Técnico. Disponível em: https://dspace.ist.utl.pt/bitstream/2295/59198/1/9.%20Pós-Avaliação%20em%20AIA.pdf. Acedido a: 17 de Abril de 2008;

10 PARTIDÁRIO, M.R., JESUS, J. Pós-avaliação em AIA, Impactes Ambientais. 9.ª Aula, Instituto Superior Técnico. Disponível em: https://dspace.ist.utl.pt/bitstream/2295/105139/1/4.%20processo%20de%20aia.pdf. Acedido a 17 de Abril de 2008;

11 Steinemann, A., 2001, - Improving Alternatives for Environmental Impact Assessment. Environmental Impact Assessment Review 21: 3-21, 2001. Disponível em: http://water.washington.edu/Research/Articles/2001.EIA.alternatives.pdf . Acedido a 17 de Abril de 2008.

Duarte Beirolas
Subturma 3
N.º 13279

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