O recurso a conceitos indeterminados na Avaliação de Impacte Ambiental: perigo ou salvação do ambiente?
Publicada por Subturma 11 à(s) 21:42Na lei que regula o procedimento de Impacte Ambiental. (Lei n.º69/2000, com as alterações introduzidas pelo Decreto-lei n.º197/2005) entrecruzam-se duas tendências antitéticas do legislador: elenco de definições (herança comunitária) e uso e abuso de conceitos indeterminados.
As maiores críticas que têm sido avançadas a esta indeterminabilidade são as que podem obstaculizar a uma correcta ponderação do ambiente em projectos potencialmente lesivos, veja-se como exemplo o art.º3 deste diploma, que admite a dispensa do procedimento de AIA “em circunstâncias excepcionais”. Aqui surgem vozes alarmadas para a perigosidade de restrições abusivas ao direito fundamental ao ambiente.
Parece, atentando à justa ponderação entre bens fundamentais exigida constitucionalmente, que não nos devemos esquecer que neste balancear há sempre significados valorativos que não podem ser actualizados, e, por conseguinte, outros direitos fundamentais podem ser inconstitucionalmente restringidos.
Julgamos especialmente merecedor de uma leitura atenta o art.º1, n.º4 e 5, na medida em que alargam o elenco de projectos sujeitos a AIA com recurso a conceitos indeterminados. No n.º4 coloca-se esta prerrogativa à mercê da entidade licenciadora ou competente para a autorização do projecto, no n.º5, nas mãos de dois membros do Governo. Em ambas, atribui-se uma nova esfera de poder à Administração Pública.
O leitor menos atento poderia ser levado a pensar que o preenchimento destes conceitos indeterminados pela Administração era aparente, porquanto em ambas as disposições referidas limita-se esta actividade aos critérios estabelecidos no anexo V, o qual também só é susceptível de concretização através da interpretação administrativa de conceitos indeterminados, entre os quais nos parecem mais alarmantes as que se referem a características de impacte ambiental.
Poder-se-ia ainda afirmar que esta é uma necessidade, visto muitas das normas terem de ser maleáveis para garantir a sua vigência. Mas, até onde pode ir essa abertura? Que riscos acarreta?
Outra tentativa de compreensão desta opção legislativa poderia ser o facto de estarmos perante uma área na qual a normatividade se confunde com saberes técnico-científicos, implicando juízos de probabilidade que só com recurso às últimas pode ser solucionado (repare-se, no anexo V, na menção a “probabilidade do impacte ou risco de acidentes, atendendo às substâncias ou tecnologias utilizadas”).
Apesar destes argumentos, entendo estarmos perante uma danosa habilitação do legislativo ao administrador, com o fim de fazer incluir neste controlo projectos que, aquando de prévia ponderação, foram considerados merecedores de tutela, e, consequentemente, provocam uma limitação do controlo em nome do ambiente, como única forma de garantir a efectividade dos direitos que com ele podem conflituar.
O raciocínio acima exposto não é isento de consequências, pois se estivermos perante uma restrição a um direito fundamental não habilitada legalmente ou uma subtracção da competência reservada do legislador em prol da Administração, dificilmente se pode afirmar a constitucionalidade destes normativos, para além de colocarem problemas concernentes ao princípio democrático, às formais normais de publicidade e à uniformidade de soluções de casos similares.
Decorre do que acima se refere a desconfiança de estarmos apenas perante a margem de livre apreciação administrativa, enquanto preenchimento de conceitos indeterminados, e não antes em face de verdadeira discricionariedade, uma vez que o preenchimento valorativo dos conceitos indeterminados é realizado mediante outras normas que admitem uma interpretação nem sempre uniforme do aplicador.
Logo, a Administração poderá não ter uma liberdade limitada pela obrigação de agir sempre que se verifiquem critérios objectivos, porque, na realidade, a ausência deste tipo de critérios permite ser ainda o administrador quem decida da oportunidade de sujeição a AIA, bastando para tal que manuseie os conceitos indeterminados do anexo V com habilidade.
Concluindo, a introdução de um excessivo número de conceitos indeterminados no regime jurídico de avaliação de impacte ambiental, mais do que uma porta aberta para a salvação do ambiente em situações que o legislador não previu, corresponde a uma forma de tornar a Administração Pública senhora de decisões que envolvem direitos fundamentais (a ela retiradas por decisão constitucional), quer seja colocando em risco o direito ao ambiente (art.º3 do diploma em análise), quer seja pela elasticidade que possuí na definição em concreto de outros direitos dos particulares, entre os quais o direito de propriedade (pois mesmo que entendamos que este não é pleno, aqui o que acontece é a subtracção de prerrogativas nele incluídas, não por via legal, mas meramente administrativa).
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