(continuação )

Iniciei este meu trabalho tecendo algumas considerações sobre a importância dos acordos sectoriais em matéria ambiental. De seguida, analisei as partes e o objecto no que toca a estes acordos, o seu regime jurídico e função, os elementos fundamentais e o conteúdo dos mesmos, a forma como é feita a avaliação dos objectivos, a monitorização dos mesmos e as suas garantias adicionais. Explicitei, ainda, todo o procedimento a que estão sujeitos, o papel da Administração nesse mesmo procedimento e concluí tecendo uma opinião relativamente ao papel destes acordos no futuro.

Seguidamente, retomo a análise desta temática começando pela afirmação destes acordos no ordenamento jurídico português.

Em Portugal, a figura mais idêntica aos acordos que se encontram no espaço europeu surgiu em 1994, através dos Acordos Voluntários de Adaptação à Legislação Ambiental. Estes acordos surgem na sequência da assinatura do Acordo Global em matéria de Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, celebrado nesse mesmo ano, entre os Ministérios do Ambiente e Recursos Naturais, da Indústria e Energia e da Agricultura e as confederações dos Agricultores de Portugal e da Indústria Portuguesa.
Tinham essencialmente como objectivo dar um prazo razoável à indústria portuguesa para se modernizar e adaptar à legislação ambintal, com vista a reduzir ou eliminar a poluição causada pelas descargas de águas residuais no solo ou em meio aquático.
Assim, as indústrias comprometiam-se a cumprir todo um programa de reconversão e adaptação dentro de um determinado prazo - Plano de Adaptação do Sector à Legislação Ambiental. A Administração comprometia-se a tolerar durante o prazo concedido a emissão de cargas poluentes superiores às legais.

Na época, os acordos sectoriais eram, de facto, um instrumento privilegiado de concretização da política ambiental dado, nomeadamente:

1 - o atraso verificado na adaptação à legislação ambiental da maioria dos sectores industriais;

2 - a dispersão dos sectores de pequena e média dimensão;

3 - a necessidade de dar prioridade e tratamento especial às zonas mais sensíveis e críticas;

4 - a existência de meios de financiamento comunitários para serem utilizadosem curto espaço de tempo (até 1999).

Estes acordos surgiram, então, como um instrumento óptimo para permitir ao governo ajudar os agentes económicos e os sectores em questão a adaptarem-se à legislação ambiental, canalizando os apoios comunitários de forma mais eficiente e adequada.


Apreciação crítica

Os Acordos Voluntários estiveram em vigor durante dois anos e essa experiência não conduziu aos resultados esperados.
Um dos problemas prendia-se com o incumprimento dos prazos fixados nos protocolos assinados, o que levava a atrasos na apresentação do plano de adaptação à legislação ambiental e comprometia o êxito do acordo.
As estruturas associativas alegavam dificuldades de ordem técnica e financeira e cada sector apresentava problemas específicos e diversificados.

Do ponto de vista jurídico, estes Acordos suscitaram uma série de críticas.
Desde logo, quanto à denominação utilizada: alguns autores defenderam que a expressão " acordo voluntário " era redundante dado que um acordo pressupõe liberdade de negociação.

Em segundo, no que toca às partes intervenientes nos acordos. Estes, eram assinados pelas estruturas associativas por razões de ordem prática (seria complicado negociar individualmente com as empresas). No entanto, esta situação acabava por trazer problemas à Administração, dado o poder negocial forte das mesmas que gerava uma situação incómoda para a Administração.

Terceiro, no que toca à definição do objecto dos acordos: estes usavam a expressão "moratória" o que parece ter induzido os industriais na ideia de que adesão significava total impunidade, ou seja, não haveria sanções para eventuais incumprimentos.

Em quarto, a existência de um processo de formalização do acordo demasiadamente longo e com deficiências na monitorização e avaliação.

Quinto, a ausência de clarificação da relação entre o conteúdo dos acordos e a regulamentação ambiental existente.

Por último, a ausência de uma definição clara do estatuto jurídico do acordo. Tratava-se de meros protocolos de intenções, sem natureza contratual. Não havia clarificação das obrigações assumidas e não existiam sanções para o incumprimento.


Fundamento jurídico

Uma das críticas era a alegada ilegalidade, por falta de base legal e pelo alegado carácter derrogatório das normas ambientais.
Através do Acordo, a Administração comprometia-se a tolerar durante um determinado período a emissão de cargas poluentes que atingiam níveis superiores aos legalmente admitidos, apesar de progressivamente menores.
No entanto, o fundamento para a via contratual, defendem vários autores, seria, desde logo, o artigo 35º, nºs 2 e 3 da Lei de Bases do Ambiente, que aflora um princípio de abertura da via contratual no domínio ambiental.
Os objectivos ambientais a alcançar eram os patentes no Decreto-Lei 74/90 de 7 de Março. O que se passa é que a Administração, ao invés de fixar por despacho um prazo de adaptação para cada sector de actividade, produz o mesmo efeito através da celebração de um contrato, por via do artigo 40º/3 do DL 74/90. Segundo estes autores, o fundamento legal destes Acordos é, portanto, inequívoco.

Realçaria ainda a existência de um outro Decreto-Lei, o 236/98 que previa outro tipo de contratos - "Contratos de Promoção Ambiental"~, que pretendeu fixar normas mais exigentes no que toca às descargas poluntes, para cada sector de actividade (68º/3 do DL).

Os Contratos de Adaptação Ambiental

Com vista a obter uma maior eficácia dos mesmos, os Acordos Voluntários foram objecto de profunda remodelação, surgindo então os chamados "Contratos de Adaptação Ambiental", tendo sido celebrados contratos com dezoito sectores diferentes.
Esta nova figura baseia-se em novos pressupostos: uma prévia existência de um diagnóstico ambiental do sector ou região e a elaboração de um plano de adaptação à legislação ambiental, os quais serviriam então de base à celebração dos contratos, depois de submetidos à apreciação da Administração.
Preve-se, ainda, sanções ao incumprimento das prescrições e dos prazos definidos, nomeadamente, a possibilidade de exclusão das empresas dos contratos se a situação de incumprimento se reiterar.

No entatnto e apesar das melhoras, os Acordos e este novo regime continuava a conter domínios problemáticos. São eles:

1º ) a questão dos não aderentes. As empresas cumpridoras acabavam por ficar penalizadas perante as incumpridoras, dado os custos elevados que o cumprimento dos Acordos acarretava. Inevitavelmente, geravam-se efeitos perversos ao nível da concorrência.

2º ) as descritas situações de concorrência desleal, que geravam desiquilíbrios e desigualdades entre as empresas que aderiam e as que não aderiam aos Acordos.

3º ) a ausência de incentivos às empresas para aderirem aos acordos, dado o carácter mais oneroso daí resultante.

4º ) a fraca intervenção da Administração no processo, que punha em causa a eficácia dos Acordos, pela falta de divulgação e debate dos problemas relacionados.


Balanço crítico


Finalizaria este trabalho com um balanço daquele que é o actual papel dos Acordos Voluntários no ordenamento jurídico português.
A questão do cumprimento da legislação ambiental é, julgo, o maior dos problemas a enfrentar, afectando toda a comunidade. Será necessário um amplo debate em torno desta problemática para que seja gerada uma consciência crítica face às consequências ambientais da poluição industrial.
Considero que, de facto, os acordos, independentemente da sua designação e do seu regime, poderão ser o meio mais adequado de efectivação da legislação ambiental, aliados a uma estratégia definida, que articule um enorme número de meios que permitam a concretização de objectivos bem definidos no domínio do Direito do Ambiente.
Será também imperioso criar um poder de fiscalização e de inspecção que actue directamente no terreno, quotidianamente.
Independentemente das vantagens e desvantagens que expus neste trabalho, relativamente aos Acordos existentes até hoje em Portugal e das críticas a que a eles foram apostas, considero que os mesmos tiveram, pelo menos, o mérito de permitir um diagnóstico actualizado dos sectores industriais no que respeita ao cumprimento da legislação ambiental existente.


Bibliografia

- Revista do Centro de Estudos de Direito do Ordenamento, do Urbanismo e do Ambiente

- "Legalidade e Autonomia Contratual nos Contratos Administrativos", Almedina Coimbra, 1987, de Sérvulo Correia;

- "Contratos Fiscais: reflexões sobre a sua admissibilidade", 1994, de Casalta Nabais;

- Comunicação da Comissão ao Conselho e ao Parlamento Europeu relativa a Acordos em matéria de Ambiente, da Comissão das Comunidades Europeias, Bruxelas, 27/11/96, COM (96) 561.

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