1. Introdução:

O tema proposto versa sobre a REN e o jus aedificandi, o qual me parece bastante interessante. Nos dias que correm, a questão ambiental e do direito ao ambiente, ganham cada vez mais importância. Todos os problemas do aquecimento global de que tanto se fala ultimamente, vieram despertar a consciência mundial para o problema do ambiente e da sua preservação. Além disso, para que haja um desenvolvimento sustentável, o ambiente não pode ser posto de parte, pois a sustentabilidade das gerações futuras, dependerá na sua grande maioria do ambiente. É por isso que nos surgem actualmente regimes jurídicos como o da REN e preocupações a nível de protecção de áreas naturais e paisagísticas, por forma a que no futuro, não esteja tudo enconberto em betão.
Isto leva-nos a equacionar várias questões de articulação entre estes instrumentos jurídicos e o direito fundamental de propriedade. Será a REN uma forma de limitação dos direitos dos particulares, nomeadamente o direito de propriedade privada? Será o jus aedificandi um elemento fundamental integrante deste mesmo direito? E qual a posição da vinculação situacional da propriedade no meio de tudo isto? Haverá direito a uma indemnização nos casos em que a REN venha proibir a construção num determinado terreno, ou seja, retsringir o respectivo jus aedificandi?
O que me proponho então neste trabalho é a resolver alguns destes problemas que nos vão surgindo à medida que vamos analisando os seus vários regimes.
Para que toda a questão se possa compreender melhor, é necessário começar com uma pequena análise quanto ao regime jurídico da REN, sem a qual não será possivel compreender tudo o resto.


2. A Reserva Ecológica Nacional – REN
2.1. Conceito:

Apontada, nos termos da alínea d) do art 27º da Lei de Bases do Ambiente, como instrumento da política de ambiente, a REN caracteriza-se, essencialmente, como o conjunto de parcelas ou áreas do território nacional, devida e previamente delimitadas, afectas a um fim de interesse público específico a que corresponde um regime jurídico comum. Como esta primeira aproximação conceptual em nada afasta a REN de outras áresas de afectatação específica como por exemplo (p.e) a RAN e as áreas protegidas, é míster fazer uma aproximação mais específica ao conceito.
Desta forma, nos termos do art 1º do Decreto-lei (DL) nº 93/90 de 19 de Março, a REN define-se como uma “estrutura biofísica básica e diversificada que, através de condicionamentos à utilização de áreas com características ecológicas específicas, garante a protecção de ecossistemas e a permanência e intensificação dos processos biológicos indispensáveis ao enquadramento equilibrado das actividades humanas”. Neste sentido e de acordo com Rodrigo Simeão Versos, a REN parece enunciar-se como uma criação jurídico ambiental, que visa integrar, sob o mesmo regime jurídico, áreas, que pelas suas características específicas, onde devem estar condiconadas as intervenções humanas, por forma a garantir e perpetuar os recursos naturais nelas existentes.

2.2. Regime jurídico da REN:

A REN é disciplinada pelo DL 93/90 com as alterações introduzidas pelo DL 180/06, aprovado no seguimento do já referido art 27º da Lei de Bases do Ambiente (Lei nº 11/87). Como já foi anteriormente dito, o art 1º dá-nos o conceito da REN, a qual pretende salvaguardar os valores ecológicos e o homem.
A constituição do regime da REN, integração e exclusão de áreas na REN compete ao Governo (Gov), por meio de resolução do Conselho de Ministros como se vê pelos art 3º nº 1, 8º e 9º do DL 93/90. Esta questão suscitou probelmas de inconstitucionalidade do regime, resolvidos pelo Tribunal Constitucional no âmbito do Acordão (AC.) 544/2001 (o qual será analisado mais adiante) em que o TC, após uma análise das teses do jus aedificandi (a qual faremos mais a frente) se pronunciou pela não inconstitucionalidade do regime da REN, visto o jus aedificandi não estar ínsito ao direito de propriedade e, mesmo para quem o entenda como tal, o mesmo não fazer parte da essência do direito de propriedade tal como definido na Constituição da República Portuguesa (CRP).
As áreas integradas na REN, têm obrigatóriamente de ser objecto de demarcação em todos os instrumentos de gestão territorial (art 14º DL 380/99), constituindo assim, um importante limite ao princípio da discricionariedade de planificação da Administração. Limite esse que encontra razão de ser num interesse público inderrogável que as áreas em causa visam prosseguir

2.2.1. Actividades proibidas:

Nas áreas incluídas na REN, são em geral, proibídas operações de loteamento, obras de urbanização, construção ou ampliação, obras hidraúlicas, vias de comunicação, aterros, escavações e destruição do coberto vegetal, ou seja, quaisquer obras urbanísticas que destruam ou danifiquem o seu valor ecológico, como se vê pelo art 4º nº 1 do regime da REN.
Apelando a uma interpretação lógica (racional e sistemática) da norma em análise, parece ser legítimo afirmar que, apesar de não o ter feito expressamente, foi intenção do legislador alargar o âmbito da norma, a todas as acções que se traduzam em aterros, escavações ou destruições do coberto vegetal, quer tenham relevância urbanística, quer em consequência do exercício de actividades de natureza agrícola, pecuária ou florestal. Esta interpretação extensiva, é a que melhor efectiva o princípio, constitucionalmente consagrado, da protecção e defesa do bem jurídico ambiente.

2.2.2. Actividades permitidas:

Ainda que desenhado essencialmente em torno dos condicionalismos inerentes à vinculação situacional das áreas integrante na REN, o regime em causa não estabelece uma proibição absoluta de actividades humanas nas áreas em referência. Assim, como é possivel verficar pelo art 4º nº 2 do DL 93/90, excluem-se das proibições, “as acções insuspectiveis de prejudicar o equilibrio ecológico nas áreas integradas na REN”, identificadas no Anexo IV observados vários requisitos do Anexo V e, sujeitas às formalidades enunciadas nas várias alineas daquele artigo.
Salvaguardam-se desde logo, as acções de loteamento, as obras de urbanização, as obras hidraúlicas, as obras relativas a vias de comunicação, os aterros, as escavações e as destruições do coberto vegetal, que tenham sido objecto de acto autorizativo emitido em data anterior ao da entrada em vigor da resolução do Conselho de Ministros que procede à delimitação das áreas incluídas na REN (art 4º nº 3 a).

2.2.3. A REN, os Planos de Ordenamento do Território e as consequências jurídicas da violação do regime:

As áreas integradas na REN são especificamente demarcadas em todos os instrumentos de planeamaneto que definam ou determinem a ocupação do solo, designadamente os planos especiais e municipais” é o que nos dita o art 10º do DL 93/90 bem como os artigos 53º e), 70º e), 72º nº2 a), 73º nº4 c) e 85º c) do DL 380/99.
As áreas integradas na REN, bem como todas as zonas de valor ecológico constituem interesses públicos com expressão territorial , cuja identificação e harmonização com outros interesses públicos com repercussão espacial devem ser feitas por todos os instrumentos de gestão territorial, como se constata da observação dos art 8º, 9º, 10º d) e 14º do DL 380/99.
Desta forma, as áreas que fazem parte da REN são assinaladas na planta de condicionantes dos planos directores municipais (PDM), planos de urbanização (PU) e planos de pormenor (PP), como vemos nos termos dos art 86º nº1 c), 89º nº1 c) e 92º nº1 c) do DL 380/99.
Por fim encontramos no regime da REN, um conjunto de normas respeitantes às consequências jurídicas da violação do respectivo regime. Assim, encontramos no art 12º os ilicitos de mera ordenação social, como p.e. as “operações de loteamento, obras de urbanização, construção e ou amplificação, obras hidraúlicas, vias de comunicação(...)”. No art 14º o embargo e demolição das obras realizadas em violação do diploma, bem como a reposição dos terrenos na situação anterior à infracção. A nulidade dos actos administrativos que licenciem a realização das obras que destruam ou danifiquem o valor das áreas integrantes na REN, vem consagrada no art 15º e pode ser geradora de responsabilidade civil das entidades que procedam a tal licenciamento, pela nulidade do respectivo acto, como se vê pelo art 16º.

2.3. Natureza jurídica da REN:

Deve o acto de delimitação dos solos a integrar na REN, a par de ser considerado como uma vinculação heterónoma ou um limite à liberdade de conformação dos planos municipais, como se viu anteriormente, ser também encarado com um plano sectorial?
Segundo Rodrigo Simeão Versos, a simples qualificação de uma determinada área como objecto de vinculação situacional, pressupõe, um cuidado juízo de prognose, equiparável, ao realizado aquando da elaboração de um plano de ordenamento do território. Enquanto fórmula juridicamente estruturada, de protecção e defesa do bem jurídico ambiente – entendido como bem susceptível da sua protecção integrar o conceito de actividade de interesse público – a REN constitui uma forma de planificação ambiental. Querendo isto dizer, uma elaboração jurídica, geral e abstracta, tendente a ordenar a preservação, defesa e protecção do bem jurídico ambiente, através da imposição de condicionamentos às actividades realizadas por entidades públicas e privadas em determinada e específica parcela do território. Assim, a REN compreenderia uma dupla natureza: por um lado, constitui um instrumento jurídico de restrição ao uso do solo, por outro, um meio através do qual se procede a um ordenamento ambiental.
No meu entender e na esteira do que diz o Professor Fernando Alves Correia, a REN nunca poderá ser um plano sectorial, uma vez que isso acarretaria como consequência a reponderação da eficácia jurídica do acto que delimita a REN. Esta delimitação apenas poderia ser oposta ao particular se fosse recebida por planos com eficácia plurisubjectiva, como os planos municipais, o que não é o caso dos planos sectoriais. Desta forma o regime jurídico da REN e a delimitação dos solos que a integram, constituem uma disciplina dos solos, que deve ser observada pelos planos, uma vez que como já foi dito estes devem conformar-se com aquela. Logo nunca poderia a REN estar ao mesmo nível que aqueles, caso contrário qualquer plano especial ou municipal, poderia, numa relação de hierarquia mitigada com o plano sectorial, introduzir alterações expressas a este, modificando assim o regime da REN, o qual deveria ser imperativo. Este é um regime directamente vinculativo para a Administração e para os particulares, com reflexos na ocupação, uso e transformação do solo. Sendo assim, a integração e exclusão de áreas da REN só podem ser realizadas pelos orgãos legalmente competentes, daí que os planos tenham que estar em conformidade com este regime, não podendo nunca derrogá-lo. Apesar dos planos municipais terem eficácia plurisubjectiva, a REN nunca poderia ser um destes pois respeita a uma área sectorial (o ambiente) e estes planos não são elaborados nem pelo Gov nem pela Assembleia da República (AR), mas sim pelas câmaras municipais (art 74º DL 380/99). Alem disso a REN tem prevalência sobre os planos como vemos pelo art 3º nº 13 do DL 93/90, pois o plano terá que ser objecto de alteração rapidamente, caso não coincida com a delimitação feita pela REN.


3. Propriedade privada do solo e o jus aedificandi:
3.1. Direito Constitucional à propriedade privada:

A propriedade privada constitui um dos princípios basilares do Estado de Direito. A sua existência é essencial à liberdade e dignidade das pessoas, participando na satisfação das suas necessidades fundamentais. O direito de propriedade encontra-se consagrado na Constituição da República Portuguesa, no seu art 62º, entendendo-se como sendo um direito fundamental de natureza análoga aos direitos liberdades e garantías por força do art 17º CRP.
O direito de propriedade é garantido “nos termos da Constituição”, logo não é garantido em termos absolutos mas dentro dos limites e nos termos previstos na CRP . Sendo assim a lei pode modelar o seu conteúdo e limites, como se vê pelo art 165º nº1 als e) e l) CRP. Compete AR legislar sobre algumas restrições à propriedade privada. O próprio projecto económico, social e político da CRP implica um estreitamento do âmbito dos poderes tradicionalmente associados à propriedade privada e à admissão das restrições das liberdades de uso, fruição e disposição. Alguns dessas limites são os que ocorrem no âmbito da REN. Elemento essencial do direito de propriedade é o direito de não ser privado dela, mas este direito não é absoluto estando apenas garantido o direito de não ser arbitrariamente privado da propriedade e ser indemnizado no caso disso, como acontece no caso por exemplo de expropriação por utilidade pública.


3.1.2 Constitucionalidade do regime da REN:

Levantou-se no TC a questão da constitucionalidade do regime jurídico da REN (como já referenciámos anteriormente), devido ao facto de ser o Gov por resolução de Conselho de Ministros a delimitar as áreas abrangidas pela REN, o que levaria a uma supressão do jus aedificandi ou direito de edificar, o qual, para alguns autores, é parte integrante do direito de propriedade, pelo que haveria uma inconstitucionalidade material e orgânica, por violação da competência legislativa da AR em matéria de direitos, liberdades e garantias. O TC veio a pronunciar-se pela não inconstitucionalidade do mesmo
Quanto à inconstitucionalidade orgânica, esta foi negada pelo TC, visto que o jus aedificandi não seria parte integrante do direito de propriedade e mesmo se o fosse, não seria elemento essencial, pelo que não caberia a sua restrição no âmbito da reserva da AR, pois esta faculdade não é essencial à realização do Homem como pessoa. Além do que o regime da REN, foi estabelecido por DL na sequência da Lei de Bases do Ambiente, a qual define no seu art 27º nº 1 d) a REN como instrumento da política de ambiente. Portanto o Gov não necessitava sequer de uma autorização legislativa para estabelecer o regime da REN, uma vez que a AR aprovou anteriormente a este, a Lei de Bases do Ambiente. Sendo que, esta mesma lei dispõe no seu art 37º nº 1 que “compete ao Gov (...) a adopção das medidas adequadas à aplicação dos instrumentos previstos na presente lei”.Até porque, esta seria uma matéria da reserva relativa da AR nos termos do então art 168º nº 1 b) e l) (versão da revisão de 1989) CRP, pelo que haveria uma competência concorrencial.
Quanto à constitucionalidade material, foi também esta posta de parte pelo TC, pois face ao já exposto em relação ao jus aedificandi, este não seria parte essencial do direito de propriedade, não haveria qualquer violação do art 62º CRP. Haveria além disso, uma quetão de conflito entre direito de propriedade e ordenamento do território, a qual se resolve harmonizando os bens jurídicos em causa, através das restrições permitidas no âmbito do art 18º. Face à vinculação situacional dos terrenos (a qual iremos analisar mais à frente), tal restrição seria imposta pela própria natureza da propriedade privada, logo nunca poderia ser inconstitucional
Face a isto, cabe então analisar a discussão doutrinária relativa ao jus aedificandi, para que possamos perceber melhor a decisão do Tribunal Constitucional.

3.2. Jus aedificandi e direito de propriedade:

O direito de propriedade privada garantido no art 62º CRP, inclui, como componente o direito de edificar. Mas estará o exercício deste direito dependente de uma autorização da Administração Pública? Ou será que este direito nem sequer se inclui na garantia constitucional da propriedade privada, sendo antes atribuído pelos Planos de Ordenamento do terrritório? É uma probelmática muito discutida a que cabe aludir.

3.2.1. O jus aedificandi como parte integrante do direito de propriedade:

Para esta tese privatista, o jus aedificandi é uma faculdade inerente ao direito de propriedade. Existem vários argumentos da doutrina favoráveis a esta opinião:

Uma primeira corrente baseia-se nos artigos do Código Civil (CC) para responder a esta questão. Começando pelo art 1305º que, segundo alguma doutrina leva a supor que o jus aedificandi se encontra no direito de uso, o qual faz parte integrante do direito de propriedade. Já o Professor Oliveira Ascenção entende deste art, que o jus aedificandi decorre não do direito de uso, mas do poder de transformação, que está ínsito no poder de disposição.
Surgem-nos depois os art 1344º, 1524º, 1525º e 1534º todos do CC. Sendo que o 1344º incluiria o direito de edificação tanto em altura como em profundidade. O art 1524º, que consagra o direito de superficie, fala em faculdade de construir ou manter uma obra. O 1525º diz-nos que o objecto da construção é uma obra e por fim o 1534º que consagra a transmissibilidade inter vivos e mortis causa do direito de propriedade do solo. De todos estes artigos, conclui o Professor Freitas do Amaral que o proprietário é titular do direito de construir mesmo antes de um acto público o regular. O Professor Fernando Alves Correia critica esta posição, arguindo que as normas do CC têm que ser interpretadas com o ordenamento jurídico-urbanistico. Aqui o proprietário só cede o direito de construir a terceiros, se as normas urbanísticas lho atribuirem. Já o Professor Oliveira Ascenção defende que o direito de edificar é um direito imanente ao direito de propriedade, apesar das limitações. Tem que haver uma autorização administrativa para se poder exercer o direito. O proprietário perde assim a faculdade de determinar per si o destino dos seus prédios. Portanto o jus aedificandi etaria então no direito de propriedade mas precisa de uma autorização pública para poder ser exercido. Mais uma vez o Professor Fernando Alves Correia vem criticar esta tese, contrapondo como sendo uma visão distorcida da realidade jurídico-urbanística. Concebendo-a como inconciliável com os planos e autorizações administrativas.

Uma segunda tese diz-nos que, só o proprietário pode construir ou permitir que outros construam. Encontramos novamente uma crítica do Professor Fernando Alves Correia, que demostra que tal não é verdade, uma vez que também o superficiário, que não é proprietário, pode construir.

Outra teoria, vem dizer que o jus aedificandi tem que ser considerado na indemnização por expropriação. Mais uma vez O Professor Fernando Alves Correia critica, dizendo que, é verdade que tal é levado em conta na indemnização, mas isso não tem o alcance que lhe querem atribuir aqui. O Tribunal Constitucional exige a aptidão edificativa como certa e que exista em termos concretos e objectivos, logo tem que existir no instrumento administrativo de ordenamento do território, caso contrário criavam-se factores de valorização do terreno que iriam distorcer a avaliação e a indemnização . Encontramos esta jurisprudência reflectida no art 25º nº2 do Código das Expropriações (CE).




3.2.2. O jus aedificandi como faculdade jurídico-pública atribuída pelo ordenamento urbanístico:

Segundo esta teoria, o jus aedificandi, não decorre do direito de propriedade, mas é antes atribuído pelas normas jurídico-urbanísticas. Esta é a tese sufragada pela nossa jurisprudência.
Encontramos p.e. o Acordão (Ac.) do Supremo Tribunal Administrativo (STA) de 1/2/2001, P. 46 825 no qual este tribunal conclui que “ o jus aedificandi não se apresenta, à luz do texto constitucional, nomeadamente do seu art 62º, como parte integrante do direito fundamental de propriedade privada, devendo, antes, configurar-se como uma concessão jurídico-pública, resultante, em regra, dos planos urbanísticos ou do que outra lei disser. Desta forma, a restrição declarada do direito de construir, não só não confronta o art 62º nº1, como está em conformidade com a disciplina ordinária do direito de propriedade, decorrente das restrições (...) já previstas, nomeadamente, no art 1305º CC”. Também o Tribuanal Constitucional veio já em alguns Ac. dizer que o direito de edificar só pode constituir-se onde os planos consentirem. Só existe nos solos qualificados como urbanos. É modelado pelos planos atenta a função social da propriedade.
Toda esta tese se baseia em alguns argumentos como princípio da reserva do plano, o qual consagra que só pode construir-se quando o plano atribui ao terreno vocação edificativa, ou o qualifica/classifica como solo urbano nos termos do art 72º e 73º do DL 380/90. Este princípio é o que está também sujacente ao art 41º do DL 555/99. Um outro argumento é o da garantia do princípio da igualdade face às medidas do plano. Isto porque, se o jus aedificandi fosse privado, só a expropriação clássica ou de sacrifício davam direito a indemnização. Se for público, considera-se ab initio que o particular não tem direito a construir, sendo este objecto de atribuição do plano, e coloca-se o problema do princípio da igualdade em face das medidas do plano sob o ângulo do princípio do tratamento igual dos particulares pela Administração. Além disso é mais consentâneo com a adopção de medidas de perequação dos beneficios e encargos dos particulares, que encontramos nos art 135º a 143º do DL 380/99 e no art 18º da Lei 48/98.

A professora Fernanda Paula Oliveira considera que o direito de edificar não é atribuído pelo plano, porque este é geral, não especifica o caso em concreto, se for pelo plano, só o Plano de Urbanização (PU) ou o Plano Pormenor (PP). Para esta autora, o jus aedificandi, só é atribuído pelo plano quando este classifica uma zona como de urbanização intensiva. De resto, este direito será atribuído por actos administrativos de autorização.

3.2.3. Conclusão:

Face a tudo quanto foi dito, parece-me claro que o jus aedificandi nunca poderá ser um um direito imanente ao direito de propriedade consagrado no art 62º CRP. Para começar a tese privatista não poderá ser de aceitar uma vez que esta norma constitucional consagra que “ A todos é garantido o direito á propriedade privada (...) nos termos da Constituição”, logo não remeterá para o CC, que é aliás, anterior à CRP. Além do mais, se o direito de edificar fosse um direito implícito no direito de propriedade, isso tiraria qualquer sentido útil aos planos, uma vez que o plano disporia no sentido de não edificação do terreno e o proprietário do solo não o respeitaria construindo a seu bel prazer. Além disso, todas as normas urbanísticas do nosso ordenamento jurídico, partem, como já foi referenciado e demonstrado com as mesmas, dum princípio de que o jus aedificandi é uma faculdade atribuída pelo ordenamento jurídico urbanístico, nomeadamente pelos planos, e não, um elemento integrnte do direito de propriedade. Por tudo isto, e por tudo quanto referido do Professor Fernando Alves Correia, só me resta concordar com a posição deste autor e considerar que o jus aedificandi é uma faculdade jurídico-pública atribuída pelo ordenamento urbanístico, pelo que não é um direito que o particular tenha per si, como inerente ao seu direito de propriedade.




4. Vinculação social da propriedade:

A propriedade tem uma relevante função social, visto ser um meio com aptidão para a realização de objectivos colectivos. Quando a lei estabelece regras que moldam o uso da propriedade sem afectar a sua essência, não estamos perante uma expropriação, mas uma vinculação social da propriedade a qual não dá origem a qualquer direito à indemnização.
A Constituição não menciona expressamente a função social como um limite imanente ao direito de propriedade privada, mas tal limitação deve considerar-se implícita em várias regras e princípios constitucionais como por exemplo o art 61º onde se refere que a iniciativa económica privada deve ser exercida “tendo em conta o interesse geral”. Além disso encontramos também a ideia de função social do direito de propriedade no art 334º CC ao prescrever que “é ilegitimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos (...) pelo fim social ou económico desse direito”. Devemos pois concluir que os direitos subjectivos, que cada pessoa titula, têm um fundamento material, que remete à respectiva inserção comunitária, e esta sua dimensão há-de manifestar-se no momento em que são exercidos, sob pena de o autor do acto jurídico-normativamente censurável se expor às sanções cominadas pelo direito. Assim, o facto de a Constituição não fazer uma alusão expressa no art 62º à função social da propriedade, tal não significa, que tenha rejeitado este princípio.
A Vinculação social implica que o propreitário dê uma utilização socialmente justa ao objecto do direito de propriedade. Introduziu no direito de propriedade um interesse que pode não coincidir com o do propritário: o interesse geral. O direito de propriedade, tem assim como conteúdo o poder de livre decisão sobre os bens, mas em contrapartida está limitado pelos direitos fundamentais dos outros. A vinculação social faz, assim, parte da essência da propriedade e não é apenas um encargo ou um onús.
A eficácia vinculativa da função social da propriedade não se restringe contudo, ao legislador. A vinculação social da propriedade pode ser concretizada por meio de uma sentença judicial ou de um acto administrativo. A Administração poderá assim estabelecer restrições ou limitações às faculdades de utilização do solo, sem que se verifique uma obrigação de indemnização.
Surge-nos então o conceito de vinculação situacional da propriedade do solo como subsespécie de vinculação social. Tem como significado o de que, “todo o terreno é caracterizado pela sua situação e pela sua qualidade, bem como pela sua inserção na natureza e na paisagem”. Expressa-se assim a ideia de que um terreno não pode ser isolado do ambiente em que se encontra, da sua inserção territorial concreta. Desta forma, o significado do conceito de vinculação situacional da propriedade do solo, apresenta um interesse especial, quando utilizado como critério justificativo de várias medidas legislativas e administrativas que estabelecem limitações ou restrições às faculdades de utilização do solo, e que não assumem dignidade expropriativa.
Sendo assim, da situação factual do solo, designadamente da sua localização numa área de protecção da natureza, pode resultar para o proprietário a obrigação de não realizar ou renunciar a certas utilizações do mesmo, que seriam admissiveis, como p.e. a edificação. Quando o legislador estabelece, de acordo com a situação factual do terreno, certas proibições de utilização, não está a fazer mais, que actualizar uma limitação inerente à propriedade do solo, de tal forma que se está perante uma definição de conteúdo e não uma expropriação que obriga a indemnização. O conceito de vinculação situacional, ganha uma grande imprtância no âmbito dos conflitos de interesses resultantes da protecção da natureza, da paisagem e dos sitios naturais.
O acto administrativo que vem limitar o uso do solo em face da sua vinculação situacional, desempenha uma função que corresponde às características próprias dos bens naturalmente paisagísticos e por isso não comprime o direito de propriedade. Portanto, como diz o Professor Fernando Alves Correia, a Administração ao declarar o interesse paisagístico, não modifica a situação preexistente, antes aclara a correspondência das suas qualidades concretas à prescrição normativa. A Administração pode assim, proibir de modo absoluto a possibilidade de edificação das áreas abrangidas pelo vínculo paisagístico, sem que a tal corresponda uma indemnização, uma vez que como já foi referido anteriormente, o direito de propriedade nasceu já com o referido limite (imanente), não está de modo algum a ser restringido.
Este princípio da vinculação situacional tem sido acolhido pelo ordenamento jurídico português, na medida em que diversos diplomas legislativos que determinam restrições à utilização da propriedade, designadamente a proibição de edificação, não possuem índole expropriativa. Englobam-se nessa categoria as áreas situadas nas zonas especiais de protecção dos imóveis classificados como monumentos, conjuntos e sítios históricos, as margens de rios e zonas ameaçadas por inundações, as áreas da REN, entre outras.


5. Conclusão:

Por tudo quanto foi dito, conclui-se então que, o regime jurídico da REN, não é de forma alguma inconstitucional, tal como foi pronunciado pelo TC, visto não se violar o direito fundamental de propriedade ao restringir o seu jus aedificandi, quando se determina por acto administrativo as áreas que ficarão integradas na REN. Isto porque, tal como se concluiu anteriormente, o jus aedificandi não é parte integrante do direito de propriedade, sendo antes atribuído pelos planos e através de um acto de licenciamento. Portanto, não sendo parte integrante daquele direito fundamental, não haverá qualquer reserva da AR quanto à sua restrição e pode o Gov através de acto administrativo definir per si legitimamente quais as áreas non aedificandi incluídas no rigime da REN.
Mesmo não sendo o ius aedificandi parte integrante do direito fundamental de propriedade privada, poderia haver direito a uma indemnização do proprietário, caso houvesse uma expropriação do plano por sacrifício. Ou seja, p.e. o plano definia uma zona edificável privada como espaço verde, neste caso, apesar de não atribuir ao terreno a faculdade de edificar e esta não ser inerente ao direito de propriedade privada, há um dever de indeminizar o proprietário nos termos do art 143º nº2 do DL 380/99 e art 18º da Lei 48/98, pois está a restringir uma faculdade inerente à situação do terreno.
Ora, chegamos assim à quetão da vinculação situacional do terreno, num caso de expropriação por sacrificio haveria aquele direito á indemnização, mas já no caso de inclusão do terreno na REN, tal não acontecerá. Isto porque, como vimos anteriormente, o acto administrativo que vem integrar certas áreas na REN, apenas vem confirmar a vinculação situacional de tais áreas, não está a proceder a qualquer tipo de expropriação. Além disso, chegámos também à conclusão que a REN não tinha a natureza de plano, era um regime autónomo, pelo que não haveria também qualquer expropriação pelo plano, que pudesse conferir qualquer direito de indemnização. Por fim, na esteira da jurisprudência do TC, podemos também dizer que, a sujeição a aprovação das operações de loteamento em certas áreas sujeitas ao regime da REN ou não traduz qualquer restrição do direito de propriedade (para quem entenda que não são inerentes a este direito as faculdades de urbanizar, lotear e edificar, como nós), ou (quando se entenda o contrário) mostra-se tal restrição perfeitamente justificada pela hipoteca social que onera a propriedade privada do solo e , como tal, conforme com a tutela constitucional da propriedade privada e com os princípio da igualdade, justiça, proporcionalidade, prossecução do interesse público e da boa administração . Isto devido à vinculação situacional do terreno, pois face à sua situação factual, o proprietário também não poderia ter quaisquer expectativas em contrário e sendo assim, não terá o proprietário qualquer direito a indemnização, em consequência do acto administrativo que integra o seu terreno na REN, pois este vem apenas limitar o uso do solo em face da sua vinculação situacional, desempenhando assim uma função que corresponde às características próprias dos bens naturalmente paisagísticos e por isso não comprime o direito de propriedade. Desta forma a Administração ao declarar o interesse paisagístico, não modifica a situação preexistente, antes aclara a correspondência das suas qualidades concretas à prescrição normativa, daí que não haja qualquer direito a indemnização, pois o terreno sempre teve aquelas caracteristicas e portanto o seu proprietário não estará assim a ser privado de nada.
A REN não constitui portanto qualquer restrição ao jus aedificandi, nem ao direito de propriedade, limitando-se a dar aos terrenos o destino que sempre tiveram em virtude da sua situação factual, não havendo por isso qualquer direito de indemnização dos proprietários desses terrenos em face da afectação dos mesmos ao regime da REN.










Bibliografia:


- Rodrigo Simeão Versos, Os actos administrativos nulos no âmbito do regime jurídico da REN

- Fernando Alves Correia:

. As Grandes Linhas da recente reforma do Direito do Urbanismo Português

. Manual de Direito do Urbanismo

. O plano urbanistico e o princípio da igualdade

- Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada

-José de Oliveira Ascenção, O Urbanismo e o Direito de Propriedade, in Direito do Urbanismo

-Jurisprudência:

.Ac. do Tribunal constitucional nº 544/2001, DR, II Série, de 1 de Fevereiro de 2002

.Ac. STA de 1/2/2001, P. 46 825, Cadernos de Justiça Administrativa nº 43

.Ac. do tribunal Constitucional nº 329/99, www.tribunalconstitucional.pt





Mónica Pimenta subt 12 nº 14577

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