Trabalho nº 2
A tutela penal do Ambiente
1. Enquandramento
1.1. O fenómeno de alargamento da tutela penal a novos bens jurídicos
A Revisão do Código Penal que teve lugar em 1995 implicou uma viragem no modo como o Direito encara a tutela do Ambiente: ao criar os crimes de danos contra a natureza (278º do CP) e poluição (279º do CP), o Código penal passa a proteger o Ambiente como um bem em si mesmo.
Este fenómeno de neocriminalização tendo em conta novos bens jurídicos merecedores de tutela penal vai contra uma tendência desformalizadora que se fez sentir na Reforma, nomeadamente através da substituição de penas de prisão.
A propósito desta contraposição de tendências na mesma Reforma, Fernanda Palma afirma: “Há um novo Direito Penal a gerir as antigas formas de criminalidade e há um velho Direito Penal a gerir as novas formas de criminalidade”.
1.2. Justificação da tutela penal do Ambiente
Esteve essencialmente na base desta modificação da tutela ambiental a progressiva mas efectiva tomada de consciência pela comunidade civil da gravidade da degradação ambiental e os difíceis futuros problemas de sustentabilidade ecológica. Cada vez é mais aceite pela sociedade em geral que comportamentos contra o meio ambiente sejam devidamente sancionados.
No entanto devemos ter em atenção que o Direito penal deve ser a ultima ratio, já que visa proteger os direitos e interesses essenciais (art. 18º nº2 da CRP) através de penas que podem significar graves restrições à liberdade, como a prisão. A tutela penal deve ser excepcional e o máximo consensual possível, já que implicam consenso social primário. Foi exactamente esta consciencialização das comunidades que permitiu em termos de legitimação penal a neocriminalização de infracções ambientais.
Por outro lado, a existência na Constituição de um Direito ao Ambiente enquanto Direito fundamental autónomo, legitima o legislador penal a agir em conformidade à defesa desse bem jurídico fundamental. Se encararmos a Constitução enquanto lei suprema de um ordenamento jurídico, ela expressa exactamente o projecto que uma determinada comunidade visa realizar, pelo que se exige uma congruência entre os bens constitucionais e os bens defendidos infraconstitucionalmente, nomeadamente no Código penal.
1.3. Fontes e conteúdo
Antes de 1995 em Portugal apenas existia tutela ambiental indirecta. Os arts. 269º e 271º 2 do CP protegem o Ambiente através da proibição de certas actividades mas o fim último das incrinações é a tutela da saúde. Igualmente na legislação penal extravagante, como a Lei da Caça ou a Lei dos Incêndios florestais, o valor patrimonial ou económico-social são o objecto da protecção.
Uma questão cada vez mais discutida é a de saber se poderá existir um Direito Penal Comunitário, vinculativo de todos os cidadãos portugueses em matéria ambiental.
Entretanto, do Código Penal surgem os tipos autónomos de crimes ambientais: Danos contra a Natureza (art. 278º); Poluição (art. 279º); Poluição com perigo comum (280º).
Nestes casos o crime tem uma natureza autónoma ou tendencialmente autónoma, já que o bem tutelado é o Ambiente em si próprio. Este facto afirma um conteúdo completamente diferente àqueles que até aqui eram denominados crimes ambientais: o objecto da protecção é o meio ambiente, delimitado enquanto fauna ou flora, habitat natural ou recursos de subsolo no crime de dano contra a natureza e água, solo, ar e poluição sonora no crime de poluição.
2. Os crimes contra o Ambiente
O primeiro crime ambiental do Código Penal é o crime de danos contra a natureza, consagrado no art. 278º. Para se verificar a existência deste crime é necessária desobediência das disposições legais e regulamentares protectoras do objecto protegido pelo art. 278º e ainda um efectivo dano ecológico. Deste modo, o crime de danos contra a natureza é um crime de desobediência qualificada pela ocorrência de um dano ambiental. Por outro lado, exige-se que este dano revista carácter de especial gravidade (“de forma grave”).
Outro crime ambiental é o crime de poluição, previsto no art. 279º do CP. È també um crime de desobediência qualificada pelo dano. Implica portanto desobediência a normas legais ou regulamentares mas exige-se um dano efectivo em medida inadmissível sob a forma de poluição da água, solos, ar ou som
Por fim o crime de poluição com perigo comum, presente no art. 280º do CP. Este não é já um crime ambiental autónomo na medida em que se visa proteger essencialmente a vida e integridade física dos seres humanos e não já o ambiente enquanto valor em si mesmo. De qualquer modo acaba por ser mais um meio de agravamento da tutela penal quando estão em causa valores ambientais, ainda que não primacialmente.
3. Dificuldades da criminalização dos danos ambientais
Em primeiro lugar deparamo-nos com a dificuldade de o bem jurídico ambiental ter um carácter misto – simultaneamente individual e supra-individual, ou seja é qualificável como interesse difuso, o que em termos de objectividade penal se revela complicado. Por outro lado, na maior parte das vezes o prejuízo ambiental existe com a contribuição de múltiplos agentes, o que traz uma dificuldade acrescida de responsabilização criminal.
Independentemente da qualificação do crime dificuldades surgem: se se tratar de um crime de dano verifica-se a exigência indispensável de provar que a lesão ambiental foi causada por uma determinada conduta; se se tratar de crime de perigo concreto há que provar que aquela conduta criou um perigo efectivo para o ambiente; se o crime for de perigo abstracto-concreto há que provar que uma dada conduta é em si mesma apta a produzir perigo.
Como predomina em Portugal a consagração de crimes de dano e tendo em atenção a crítica do dano ambiental acumulado já feita, existe ainda uma dificuldade maior que se prende com uma intervenção tardia, por se ter de verificar uma lesão efectiva, que é o que se devia evitar.
Bibliografia
- Ana Rita Campos, O problema da autoria no domínio da criminalidade ambiental, Relatório de Mestrado, 2006
- Fernanda Palma, Estudos Comemorativos do 150º Aniversário do Tribunal da Boa-Hora, 1995, Ministério da Justiça, pags.199 a 211
- José Gomes Canotilho, Introdução ao Direito do Ambiente, Universidade Aberta, pags. 153 a 169
- Paulo de Sousa Mendes, Vale a pena o Direito Penal do Ambiente?, 2000, AAFDL
- Vasco Pereira da Silva, Verde Cor de Direito, 2005, Almedina, pags. 275 a 285
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