- O percurso da consciência ambientalista no “velho continente” e a tutela jurídica dos ecocidadãos europeus.
A Europa esteve até os anos 50 do século XX indiferente à problemática da protecção do ambiente pois, até esta altura, o índice de poluição não rompia as fronteiras do aceitável.
Com o Tratado de Roma que instituiu, em 1957, a Comunidade Económica Europeia (CEE) 1, este cenário de vazio de compromissos com o ambiente não sofreu, num primeiro momento, qualquer alteração. Isto deve-se ao facto de este Tratado não fazer, explicitamente, qualquer referência ao ambiente. Aliás, dos Tratados que deram origem à Comunidade Económica Europeia, em 1957, o único que previa expressamente a existência de uma política europeia de ambiente, como sublinha CARLOS PIMENTA2, era o Tratado do EUROTOM ( referência feita, por exemplo, nos artigos 30º, 35º e 37º), assinado em Roma em 24 de Março de 1957, que pela sua própria natureza continha vários artigos destinados a proteger o ambiente e a população das radiações ionizantes relacionadas com o funcionamento das centrais e outras instalações nucleares.
A letra do art. 100º do aludido Tratado de Roma que instituiu a CEE só permitia a adopção de medidas quanto a matéria que tivessem “incidência directa no funcionamento do mercado comum3”. Esta limitação era, no entanto, aparente, como se veio a verificar com uma hábil interpretação tanto do artigo 2º do Tratado de Roma onde se previa que “A Comunidade tem como missão promover (…) um aumento acelerado do nível de vida”, como do Preâmbulo que prescrevia que um dos objectivos principais da Comunidade era “(…) a melhoria constante das condições de vida (…) dos povos”. Estas escassas referências no tratado foram suficientes para que, considerando o ambiente como um dos principais factores condicionantes do nível de vida, se estabelecesse a protecção do ambiente como um objectivo essencial da Comunidade Europeia4.
Com relação à consciência dos Estados-membros propriamente ditos, consta que estes, sobretudo os mais industrializados, só no inicio dos anos 70 é que começaram a constatar alguns reflexos negativos advenientes da poluição, para além de, também por esta altura, ter-se dado alguns acidentes com consequências ambientais nocivas e profundas como são exemplos paradigmáticos os naufrágios de petroleiros e as consequentes “marés negras” e as explosões de instalações industriais.
Estes e outros acontecimentos para além de investirem os Estados no dever de remediar os profundos danos causados ao meio ambiente, fizeram com que a temática do ambiente fosse parar ao centro do debate político. Os custos económicos, políticos e sociais que daí resultaram levaram os Estados a se aperceberem que também em matéria do ambiente “mais vale prevenir do que remediar”, obrigando-os a tomar medidas preventivas rigorosas.
Porém, a adopção destas medidas de forma unilateral e desconcertada entre alguns Estados Europeus teve como consequência o abrandamento das suas capacidades de produção e competitividade da indústria nacional. Surge assim uma dicotomia de situações. Por um lado, estão as empresas situadas nos Estados que adoptaram as aludidas medidas, nomeadamente a do poluidor-pagador5, com elevados custos de produção, por outro, encontram-se as empresas sitas nos países que não adoptaram quaisquer medidas preventivas de defesa do ambiente ou que o fizeram mas com o agravamento fiscal, com baixos custos de produção, facto que desembocava em disparidades inaceitáveis.
Cedo se apercebeu que só com a adopção, por parte de todos os Estados, sem excepção, das mesmas políticas de protecção do ambiente se poderia resolver esta questão. É com este propósito, o de combater a poluição e de acabar com as assimetrias nocivas da concorrência resultantes de políticas ambientalistas heterogéneas, que se realiza, em Junho de 1972, a Conferencia das Nações Unidas sobre o meio ambiente celebrada em Estocolmo, onde esteve presente a Comunidade Europeia. Seguiu-se o “Sommet” de Paris de Julho de 1972, de Chefes de Estado e de Governo da CEE, onde se estabeleceu um conjunto de Princípios ambientais básicos e se adoptou uma declaração onde se podia ler que “a expansão económica não constitui um fim em si mesma. De acordo com a tradição europeia, deve-se prestar especial atenção aos valores não económicos e à protecção do ambiente ”5-A. Em Outubro de 1972, esta comunidade de países, na sequência da reunião de Chefes de Estado e de Governo realizada em Paris, formulou uma declaração pública onde demonstrava a sua preocupação com as questões ambientais e se comprometia em elaborar um programa de acção em matéria do meio ambiente, nomeadamente comprometendo-se em conciliar o desenvolvimento económico com a defesa do meio ambiente. Pode-se dizer que nesta reunião-cimeira se encontra a génese da acção comunitária em prol do ambiente6.
O primeiro fruto desta cimeira viria a nascer em Novembro 1973 com a aprovação pelo Conselho7 da Comunicação elaborada pela Comissão8 sobre um “programa de acção das Comunidades Europeias em matéria de ambiente”. Este foi portanto o primeiro programa comunitário sobre o meio ambiente, a que se iriam seguir outros quatro (para além da reunião do Conselho de 22 de Novembro de 1973) com agenda até ao ano 2000. Estes cinco programas da comunidade europeia de política ambiental concertada, segundo MICHAEL PRIEUR, visavam alcançar três causas fundamentais9. Em primeiro lugar factores físicos, pois os dirigentes Europeus se consciencializaram que uma fonte poluidora de um determinado país não afecta apenas este país onde se situa o local de emissão, é antes transfronteiriça (o “caso Chernobyl” é um exemplo paradigmático). Em segundo lugar, factores económicos, na medida em que (como de resto já tínhamos sublinhado) os Estados ou as empresas que se preocupavam em combater as fontes poluidoras do ambiente tinham custos acrescidos no preço final dos seus produtos, ficando penalizados na concorrência internacional por serem menos competitivos, ao passo que os seus concorrentes ambientalmente insensíveis tinham baixos custos de produção praticando concorrência desleal no mercado globalizado. Em terceiro lugar,
A mudança de paradigmas no contexto do Tratado de Roma relativamente ao ambiente, mesmo sem uma norma formal que a suportasse, levaria a Comunidade Europeia a dar passos significativos e marcantes no que toca ao ambiente. Conforme nos dá conta JÚLIO DE PINA MARTINS10, apenas em 1972 a Comunidade decidiu avançar com uma estratégia ambiental através da adopção do seu primeiro programa de acção quinquenal em matéria de ambiente, definindo os princípios e as prioridades que a sua política futura deveria respeitar. Por seu turno, NIGEL HAIGH11 refere que a partir de 1972 a comunidade decidiu passar a ter uma política de ambiente, tendo nos anos subsequentes adoptado cerca de 350 disposições legislativas relacionadas com esta temática. Vejamos alguns casos concretos. Em Abril de 1979, se adopta a Directiva 79/409 sobre a protecção de aves selvagens e seus habitats; em 1982, o Tribunal de Justiça quando foi chamado, pela associação francesa de incineradores do óleos usados, a pronunciar-se sobre a validade da directiva nº 75/439, directiva esta que incentivava os Estados-membros a reciclarem óleos usados, pronunciou-se pela validade da Directiva pois, no entender deste Tribunal a Comunidade tinha competência para a adopção de actos vinculativos em matéria ambiental, independentemente de incidirem directamente sobre o estabelecimento e o funcionamento do mercado comum, pois, continua o mesmo Tribunal, “(…) a protecção do ambiente (…) é um dos objectivos essenciais da comunidade”.
O Reconhecimento formal do ambiente como bem jurídico comunitário, só acontece em 1987 com a entrada em vigor do Tratado que encarna a primeira grande revisão do Tratado de Roma – o Acto Único Europeu12. Este Tratado aditou o art. 130ºR. Como previa o nº 1 deste artigo, “A acção da Comunidade em matéria do ambiente tem por objectivo: - preservar, proteger e melhorar a qualidade do ambiente; - contribuir para a protecção da saúde das pessoas; - assegurar uma utilização prudente e racional dos recursos naturais”. Já o seu nº 2 fixava os princípios fundamentais orientadores da acção da Comunidade em prol do ambiente, os princípios: da prevenção, da reparação na fonte, do poluidor-pagador e da integração13. A emenda feita pelo Acto único Europeu introduziu ainda o art. 100º-A, relativo ao mercado Único que também faz menção ao ambiente14.
Com a entrada em vigor do Tratado da União Europeia, a política de ambiente da União continua ancorada no art. 130ºR. Porém, este Tratado introduziu algumas alterações que merecem a nossa atenção. Assim, no art. 2º acrescentou-se que “A comunidade tem como missão, (…) promover (…) um crescimento sustentável (…) que respeite o ambiente, (…) o aumento (…) da qualidade de vida (…)”. Nesta esteira fixa-se como o primeiro objectivo da União Europeia “ (…) a promoção do progresso económico e social equilibrado e sustentável (…)”15. Portanto, deixa-se de falar de crescimento económico (conceito que apenas contabiliza a riqueza nacional ignorando a existência e o estado de conservação dos recursos naturais), para se passar a falar de desenvolvimento sustentável. Para além disto, o art. 130ºR também sofreu algumas modificações. No seu nº 1 acrescentou-se um quarto objectivo: “(…) a promoção, no plano internacional, de medidas destinadas a enfrentar os problemas regionais e mundiais do ambiente”. Aditou-se ao art. 130ºR/2, antes dos princípios do Direito do Ambiente, a seguinte afirmação: “ A política da Comunidade no domínio do ambiente visará a um nível de protecção elevado, tendo em conta a diversidade das situações existentes nas diferentes regiões da Comunidade”. Esta adenda surge como reacção à possibilidade introduzida pelo Tratado da União Europeia de algumas decisões nesta matéria serem adoptadas por maioria e não por unanimidade, como até então. Ora, receava-se que os Estados-membros menos sensíveis às questões ambientais, conseguissem reunir a maioria necessária e tomassem decisões que se consubstanciassem numa redução da protecção do ambiente. Podemos concluir que assim se consagrou o princípio do não retrocesso em matéria de defesa do ambiente. Mas pode-se dizer, ainda a propósito da adopção da regra da maioria em detrimento da de unanimidade, que se retirou aos Estados-membros um direito de veto quanto à legislação ambiental16. Ainda no nº 2 do art. 130ºR, ao elenco dos princípios adicionou-se mais um: o princípio da precaução17.
Com o tratado de Amesterdão não se procede a alterações estruturais no que tange à filosofia ambientalista da Comunidade18. Mesmo assim pensamos haver alterações merecedoras de alusão. Assim, para além duma alteração meramente formal em que, na sequencia da renumeração dos artigos, o art.130ºR (tão nosso conhecido!) passa a ser o art. 174º. O princípio da integração, antes pertencendo ao elenco do art.130ºR, passa a estar inserido na parte I do Tratado, mais precisamente no art. 6º (epígrafe: “Os Princípios”). O antigo art. 130ºS, que passa a ser o art. 175º, anterior base legal do procedimento deliberativo de cooperação institucional19 passa a prever, ao invés, o procedimento de co-decisão20, que passará a ser a regra de deliberação em matéria de ambiental.
Quanto à tomada de decisões, nesta matéria passa-se a exigir, para além da consulta prévia ao Comité Económico e Social (o que já vinha de trás), a consulta do Comité das Regiões. Finalmente, introduz-se o desenvolvimento sustentável no preâmbulo do Tratado da União Europeia.
Segundo reza o artigo 174º/2 do Tratado que Institui a Comunidade Europeia “a politica da comunidade no domínio do ambiente (...) Basear-se-á nos princípios da precaução e da a acção preventiva, da correcção, prioritariamente na fonte, dos danos causados ao ambiente e do poluidor-pagador. Densifiquemos os princípios consagrados neste preceito de Direito Comunitário originário.
Comecemos pelo Principio da precaução. Segundo o Professor VASCO PEREIRA DA SILVA21, o princípio da precaução se destina, em sentido estrito, a evitar perigos imediatos e concretos, de acordo com uma lógica imediatista e actualista, já em sentido amplo (que é o sentido que o professor adopta) este princípio visa afastar eventuais riscos futuros, mesmo que não sejam imediatamente determináveis, de acordo com uma lógica mediatista e prospectiva. O Professor entende que, não obstante a letra do 174º/2 do Tratado, preferível à separação entre prevenção e uma incerta precaução, é a construção de uma noção ampla de prevenção, de modo a nele incluir a consideração tanto de perigos naturais como de riscos humanos (até porque nos dias que correm cada vez mais é difícil encontrar um perigo natural que não tenha uma causa humana), tanto a antecipação de lesões ambientais de carácter tanto actual como futuro.
Outros autores entendem, através duma interpretação literal do 174º/2 do Tratado, que o que o professor VASCO PEREIRA DA SILVA chama de Princípio da Prevenção em sentido estrito, é o Principio da Prevenção a que o preceito (174º/2) faz menção, e o que este erudito chama de Princípio da Prevenção em sentido amplo já é o Princípio da Precaução referido na mesma disposição do Tratado22.
Quanto ao Principio da correcção, prioritária na fonte, dos danos causados ao ambiente. Segundo este princípio, uma determinada região ou entidade local (por exemplo, uma Região Autónoma ou uma Autarquia Local), deve tomar as medidas apropriadas para assegurar a recepção, o tratamento e a eliminação dos seus próprios resíduos. Ou seja, todo o material com potencial poluidor deve ser eliminado o mais próximo possível do local da sua produção.23
No que concerne ao Principio do poluidor-pagador. Este princípio aparece referido na recomendação C(72)128 da O.C.D.E., de 26 de Maio de 1972 onde está previsto que “o poluidor deve suportar as despesas da tomada de medidas pelas autoridades publicas para assegurar que o meio ambiente se mantenha num estado aceitável”. Noutros termos, os beneficiários de uma determinada actividade poluente devem, pela via fiscal, compensar a comunidade afectada por aquela actividade não só dos prejuízos efectivamente causados mas também dos custos de reconstituição da situação24. Este princípio desdobra-se em quatro subprincípios coexistentes: 1. a obrigação do poluidor suportar os custos do tratamento do material poluente que produziu; 2. o pagamento de multas ou coimas, de valor superior ao custo que adviria caso a norma fosse cumprida; 3. o pagamento de uma taxa proporcional à quantidade de poluição emitida; finalmente, 4. a responsabilidade pelos danos causados às vítimas, primacialmente tentar, se possível, repor a situação anterior (in natura), caso não for possível, então, a título residual, recorrer a uma compensação pelos danos25.
Tendo em conta que as fontes do Direito Comunitário – as directivas; os regulamentos; as decisões, os Tratados da CEE, os actos de adesão dos Estados-membros; o Acto Único Europeu; Maastricht; o Tratado da União Europeia e, ainda, a jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades, designadamente a interpretativa dos instrumentos jurídicos comunitários26 – onde se encontra ancorada a protecção europeia do ambiente, que, diga-se de passagem, é um exemplo para o mundo, são tão densas e garantísticas da protecção do cidadão dos ataques injustificados ao ambiente, cumpre saber se existe um mecanismo funcional de tutela do ecologista27 europeu. Por outras palavras, pode o cidadão europeu, estribado em normas comunitárias ambientais, resolver conflitos de interesses, ou levar terceiros a adoptarem medidas que se harmonizem com o disposto nestes mesmos comandos normativos comunitários? Ou, pelo contrário, só tem ao seu dispor as fontes jurídicas nacionais e com eles tem de se conformar?
Na verdade a jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias há muito que desfez estas interrogações. Assim, em 1964 este tribunal no caso COSTA/ENEL, caso 6/64, pronunciou-se pela autonomia do Direito Comunitário (originário) face aos Direitos Nacionais, a sua inserção no ordenamento jurídico dos Estados-membros e o seu primado. Consagrou-se assim o Princípio do Primado, essencial, absoluto e incondicional do Direito Comunitário. Posteriormente, em 1970, com o caso INTERNACIONALE HANDELS-GESELLSCHAFT e em 1971, com os processos POLITI SAS e SPA MARINEX, este tribunal foi mais longe consagrando que todo o direito derivado – regulamentos, directivas, decisões ou até acordos – são superiores às normas nacionais. Mais tarde, na sequencia do caso SIMMENTHAL (106/77), a jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades veio entender que os Estados-membros, com o acto de transferência de direitos e obrigações, correspondentes às expressões do Tratado, da sua ordem jurídica interna, em proveito da ordem jurídica comunitária, limitaram definitivamente os seus direitos soberanos. Esta delegação parcial de soberania justifica que o Direito Comunitário seja parte integrante com carácter de prioridade da ordem jurídica de cada um dos Estados-membros – consagrou-se assim o Princípio do efeito directo do Direito Comunitário29. Assim, os regulamentos são obrigatórios e directamente aplicáveis em todos os Estados-membros; as directivas, embora necessitam de um acto de transposição do seu conteúdo para que possam ser eficazes, decorrido o prazo de transposição (normalmente é de 18 meses a 2 anos) sem que seja transposta, ou em caso de transposição incorrecta, as suas disposições podem ter efeito directo, conforme o entendimento jurisprudencial manifestado na sequência do caso FRANZ GRAD; e as decisões que são directamente aplicáveis aos seus destinatários, quer sejam Estados-membros, particulares ou pessoas colectivas.
Uma tal realidade leva o Professor GOMES CANOTILHO a defender que não se pode contornar a abordagem da temática da importância nacional do Direito Comunitário do Ambiente, ou não fosse a aplicabilidade directa e a primazia sobre o Direito Nacional, características fulcrais do Direito Comunitário30.
O ecocidadão – cidadão activamente empenhado no respeito e promoção da causa ecológica31 – tem ao seu dispor um considerável acervo de garantias no sentido de conseguir alcançar uma efectiva aplicabilidade do Direito Comunitário na ordem jurídica interna.
Antes de mais, no caso português, com base na Lei Orgânica do Ministério Público e no artigo 45º da Lei de Bases do ambiente, sempre que haja violação de lei ou estejam em causa a defesa de interesses subjectivos ambientais referentes a uma generalidade de cidadãos, o Ministério público deve actuar.
Com efeito, deve o ecocidadão participar ao Ministério Público, toda e qualquer acção violadora dos valores protegidos pelas leis ambientais, ainda que não seja directamente lesado (interesses difusos).
Pode ainda, o entusiasta da ecocidadania activa, recorrer aos órgãos jurisdicionais nacionais para a defesa do meio ambiente. Esta faculdade de recurso aos tribunais nacionais para a defesa do ambiente face a actos ou actividades não conformes com o Direito Comunitário, passou a ser uma garantia especialmente reforçada com o surgimento do instituto do Reenvio Prejudicial consagrado no artigo 234º do Tratado que institui a Comunidade Europeia. Nos termos deste instituto se, por exemplo, na sequência do intento da acção acima referida, o Magistrado do Tribunal tiver dúvidas sobre a aplicabilidade directa do Direito Comunitário (quer originário, quer derivado), mesmo depois de se socorrer de todos os meios ao seu alcance visando dissipar a aludida incerteza (designadamente recorrendo à jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades), o Tribunal Nacional tem a faculdade de pedir ao tribunal de Justiça das comunidades que se pronuncie sobre a questão. Nesta senda, à luz do referido artigo 234º do Tratado, o Tribunal de Justiça das Comunidades, tem a competência necessária para decidir a título prejudicial sobre a interpretação do tratado e dos actos adoptados pelas instituições da comunidade, bem como sobre as questões relativas à validade destes actos que os órgão jurisdicionais nacionais lhe submetam. Esta faculdade de recurso prejudicial se transforma, porém, numa obrigatoriedade quando o órgão jurisdicional nacional, onde foi suscitado o problema, seja o tribunal de última instancia, para o caso concreto em análise32.
Mais: O ecocidadão-europeu tem ainda o direito a fazer uma queixa oficial junto da Comissão Europeia contra um Estado-membro por violação do Direito Comunitário. A Comissão, em conformidade, pode abrir um processo de infracção contra o Estado-membro em causa e leva-lo ao Tribunal de Justiça das Comunidades.
Acresce ainda, a possibilidade de enviar ao Parlamento Europeu solicitações que são analisadas pela Comissão de Petições, e podem levar o Parlamento a intentar uma acção oficial.
Finalmente, sempre que o Tribunal entende que há interesse em agir, as Associações de cariz ecologista podem constituir-se como «assistentes» para sustentar uma acção pendente contra um Estado-membro. Reside aqui a possibilidade de os ecocidadãos de, junto das Associações Ambientalistas, se fazerem representar em casos concretos no tribunal de Justiça das Comunidades.
Pensamos que a Convenção de Aarhus33, que tem por missão disciplinar as regras de exercício de três direitos fundamentais em matéria ambiental : o direito de acesso à informação ambiental (artigos 4º e 5º), o direito de participação em procedimentos tendentes à aprovação de actividades específicas (art. 6º) e de planos, programas e políticas em matéria de ambiente (artigos 7º e 8º), e, ainda, o direito de acesso à justiça, veio reforçar, ainda mais, as garantias de respeito incondicional ao bem fundamental ambiente na Europa.
Por tudo isso, somos obrigados a concluir que a relação entre a Europa, o Ecologista e o Ambiente pode parecer ser uma “salada russa”, mas, na verdade, é um “creme verde”, se nos permitem a metáfora.
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1Organização internacional europeia fundada por seis Estados – França, Alemanha, Itália, Bélgica, Países Baixos e Luxemburgo – à qual foram aderindo outros nove Estados europeus – Dinamarca, Irlanda, Reino Unido, Grécia, Portugal, Espanha, Áustria, Finlândia e Suécia.
2 In «Cidadania e construção europeia», coordenação de Viriato Soromenho-Marques.
3 Designação atribuída à união aduaneira que resultou do Tratado de Roma, visando a livre circulação de mercadorias, pessoas, serviços e capitais.
4 CANOTILHO, J.J. GOMES – coordenação – “Introdução ao Direito do Ambiente”, Universidade Aberta, 1998, pp. 81 e 82
5 vide infra, pg. 11, o conceito
5-A Hermida, Rui Manuel Santos, in. Direito Comunitário do Ambiente, p. 15
6 CANOTILHO, J.JGOMES – coordenação – “Introdução ao Direito do Ambiente”, Universidade Aberta, 1998, pp. 79 e 80.
7 Instituição das Comunidades Europeias, art. 146º do Tratado de Roma
8 Instituição das Comunidades Europeias
9 In. Droit de l´environement”, Dalloz, 1984, pp. 54 e 55
10 In “Direito do Ambiente”, Instituto Nacional de Administração, 1994, pp.189 e 190, coordenação de DIOGO FREITAS DO AMARAL e MARTA TAVARES DE ALMEIDA
11 in “Direito do Ambiente”, Instituto Nacional de Administração, 1994, p.175, coordenação de DIOGO FREITAS DO AMARAL e MARTA TAVARES DE ALMEIDA
12 Como refere Gomes Canotilho, ob. cit., pp. 82 e 83. Referencia também feita por Haigh, ob. cit., p. 175.
13 CANOTILHO, J.J. GOMES, ob. cit., pp. 82 a 84.
14 Haigh, Nigel, in. “Direito do Ambiente”, Instituto Nacional de Administração, 1994, p.182, coordenação de DIOGO FREITAS DO AMARAL e MARTA TAVARES DE ALMEIDA.
15 Segundo a Comissão Mundial do Ambiente e Desenvolvimento das Nações Unidas, o desenvolvimento é sustentável quando “satisfaz as necessidades do presente sem comprometer a capacidade de as gerações futuras satisfazerem as suas próprias necessidades ”. Transcrição feita in “Introdução ao Direito do Ambiente”, Universidade Aberta, 1998, p. 88, coordenação de J.J. GOMES CANOTILHO.
16 Haigh, Nigel, ob. Cit., p. 182
17 Infra veremos que para o Professor Vasco Pereira da Silva este princípio não se autonomiza do princípio da prevenção. Já o Professor Canotilho o chama de “o moderno princípio da precaução (…) talvez a mais importante alteração”, ob. cit., p. 86.
18 CANOTILHO, J.J. GOMES, ob. cit., pp. 90 e 91.
19Procedimento necessário para a adopção de um acto comunitário previsto no art. 252º/c) do Tratado que institui a Comunidade Europeia. Tem as seguintes características: 1. A circunstancia de o Parlamento Europeu ser consultado duas vezes – a seguir à proposta da Comissão Europeia e após à adopção pelo Conselho Europeu da sua posição comum; 2. Em caso de rejeição pelo Parlamento europeu da posição comum do Conselho Europeu, este só pode ultrapassar tal recusa através duma deliberação por unanimidade.
20 Procedimento previsto no art. 251º do Tratado que institui a Comunidade Europeia. O processo inicia-se sob proposta da Comissão Europeia (e após parecer do Parlamento Europeu), o Conselho Europeu, deliberando por maioria qualificada, adopta uma posição comum. O acto é adoptado definitivamente se o Parlamento Europeu aprovar a posição comum ou não se pronunciar dentro e certo período. Mas se o Parlamento Europeu rejeitar a posição comum por maioria dos seus membros, o acto não será adoptado; não existe aqui a possibilidade de o Conselho, nem mesmo por unanimidade, ultrapassar a oposição do Parlamento.
21 In., «Verde Cor de Direito – Lições de Direito do Ambiente», Almedina, 2.ª Reimpressão da Edição de Fevereiro de 2002, pp.65 a 74)
22 Silva, Vasco Pereira da, ob. cit., p. 67.
23HERMIDA, Rui Manuel Santos ob. cit., p. 37
24 Silva, Vasco Pereira da, ob. cit., PP. 74 e 75).
25 Hermida, Rui Manuel Santos, ob. cit., pp. 35 e36.
26Como refere JÚLIO DE PINA MARTINS, ob. cit., pp.190 e 191.
27O termo “ecologia” foi proposto inicialmente por HAECKEL em 1878, nesta altura ecologista era aquele que estudava a economia dos organismos vivos ou a economia da biosfera. Hoje em dia, no entanto, ser-se “ecologista” é ter uma postura social contra todas as disfunções ambientais, provocadas desmesuradamente pelo Homem. (assim MARTINS, JÚLIO DE PINA, in “Direito do Ambiente”, Instituto Nacional de Administração, 1994, p.187, coordenação de DIOGO FREITAS DO AMARAL e MARTA TAVARES DE ALMEIDA).
28Significa que as normas de Direito Comunitário gozam de prevalência hierárquica sobre o Direito Nacional, obrigando a uma interpretação conforme com o Direito Comunitário e à desaplicação do Direito Nacional que o contrarie.
29Significa que algumas normas de Direito comunitário produzem efeitos automaticamente, a partir do momento em que entram em vigor, vinculando o Estado e os Cidadão.
30 In. “Introdução ao Direito do Ambiente”, Universidade Aberta, 1998, p. 91.
31Conforme refere CARLA AMADO GOMES, in «O direito à informação ambiental: velho direito, novo regime», p.5, o conceito de “ecocidadania” foi construído por M. PRIEUR.
32Martins, Júlio de Pina, ob. cit., p. 194.
32Martins, Júlio de Pina, ob. cit., pp. 195 e 194).
33conforme nos dá conta CARLA AMADO GOMES, ob. cit., p. 12, a convenção de Aarhus, assinada em 25 de Junho de 1998, é o fruto principal dos trabalhos da Conferência de Sofia, realizada de 23 a 26 de Outubro de 1995, onde estiveram reunidos os Ministros do Ambiente de vários países europeus, que no final dos trabalhos rubricaram um documento escrito onde assumiam o compromisso de enveredar esforços no sentido de materializar um conjunto de directrizes sobre o direito à participação pública em matéria ambiental e todas as faculdades inerentes, nomeadamente informação ambiental e acesso à justiça para a defesa do ambiente.

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