Tal como em relação a toda a temática penal, a transposição dos mecanismos clássicos de investigação criminal para a área do ambiente coloca particulares problemas.
Com efeito, quando comparado com a criminalidade em geral, o crime ambiental evidencia especificidades importantes, no que se refere aos agentes, aos modos de actuação e mesmo às acções típicas. Estas especificidades exigem um tratamento diferenciado por parte dos investigadores.
As grandes agressões ao ambiente têm origem no sector industrial, nas actividades económicas. É, de facto, no âmbito destas actividades que são praticados os factos com maiores incidências ambientais.
Ainda no âmbito das actividades económicas, mas já fora do sector produtivo industrial, existem outras formas de agressão ao ambiente, condutas, por exemplo, abrangidas pelos crimes contra a natureza. São exemplo destas condutas a destruição de habitats ou ecossistemas, atentados contra a paisagem ou a destruição de espécies protegidas.
Estas infracções já não surgem como uma decorrência normal do funcionamento de uma actividade produtiva mas caracterizam-se mais como acções identificáveis e autónomas entre si.
A complexidade da investigação destes tipos criminais reside principalmente na determinação da intensidade da lesão ambiental penalmente relevante, na desconformidade destas acções com os enquadramentos legais próprios das actividades económicas e depois na descoberta dos seus autores.
Na tentativa de individualização dos responsáveis pelo incumprimento das regras administrativas ambientais, é necessário, por parte do investigador, um cuidado especial já que, terá que o fazer através da determinação de uma cadeia de responsabilização dentro das empresas. Terá que interrogar quem faz o quê em matéria ambiental dentro da empresa, tendo a consciência de que, quanto maior a empresa, mais diluída será essa responsabilidade.
É possível, hoje, tentar fazer uma sistematização das várias formas que assume a criminalidade ambiental, isolando um sector respeitante à criminalidade ambiental clássica e outro que se refere à criminalidade ambiental internacional.
· Criminalidade ambiental clássica: descargas clandestinas de efluentes, descontrole das emissões atmosféricas, poluição do sôo ou da água derivada de resíduos perigosos, bem como os atentados à natureza;
· Criminalidade ambiental internacional: destruição e tráfico de espécies protegidas a nível internacional, comercialização clandestina de produtos que atentam contra a camada do ozono, tráfico e eliminação clandestina de resíduos perigosos e a comercialização clandestina de materiais nucleares. É uma forma de criminalidade organizada e o seu combate exige uma cooperação policial e judiciária internacional.
A abordagem da criminalidade ambiental clássica deve afastar-se dos tipos de crime que se encontram consagrados no Código Penal, tomando como referência um conceito de crime ambiental suficientemente abrangente para enquadrar o conjunto de actividades que nele se podem integrar. Esta necessidade mostra-se premente no caso português em que as soluções adoptadas na lei se revelam insuficientes e de difícil aplicação prática.
Feita uma pequena exposição da panorâmica de actividades em que a investigação criminal deverá incidir, passaremos ao tratamento da problemática da investigação em si mesma.
Como anteriormente focado, a investigação de crimes ambientais exige a concertação de várias entidades cuja articulação se afigura fundamental para o sucesso do combate a esta forma de criminalidade. No âmbito do combate à criminalidade ambiental clássica terá que existir uma cooperação entre os serviços da Administração Pública Ambiental e os órgãos da polícia criminal, sob a supervisão global do Ministério Público. Deste diálogo permanente e da exposição clara, por parte do Ministério Público, dos objectivos globais, dependerá o êxito das investigações.
É ao Ministério Público que incumbe a direcção do inquérito e a responsabilidade pela realização dos seus objectivos.
A caracterização da actividade ilícita surge como ponto de partida de qualquer investigação e é fundamental no seu desenvolvimento, situando o investigador no plano do direito que enquadra essa actividade. Para além desta caracterização dos factos a investigar, terá que ser identificado o serviço da administração a recorrer.
Para isto, o Ministério Público terá de saber o que é a administração ambiental, quem licencia o quê e qual, por exemplo o papel do licenciamento industrial. Os departamentos da administração pública são gestores de informação sobre os diferentes intervenientes em actividades com consequências ambientais, sendo esta informação relevante para a investigação criminal.
Feita a caracterização dos factos a investigar e identificado o serviço da administração a recorrer, o investigador deverá, então, proceder com a urgência necessária a constatação da infracção e à recolha de vestígios que possam existir.
Análise do papel específico do Ministério Público.
A existência do Ministério Público é, em grande parte, justificada pela consciencialização de que existem interesses do conjunto dos cidadãos que devem ser prosseguidos através dos tribunais. A evidência desta necessidade revelou-se através da constatação, ao nível da consciência social, da permanência das agressões ao ambiente e da necessidade de os cidadãos encontrarem formas de reagir. Para além da intervenção no âmbito da protecção de menores e de outros incapazes, é a luz do processo penal, dos instrumentos processuais que estão ao seu dispor, que se legitima a intervenção do Ministério Público. É, no fundo, o porta-voz da colectividade junto dos tribunais.
No âmbito dos seus poderes de iniciativa processual, tem a possibilidade de intervir tanto na jurisdição cível como administrativa, assumindo o instrumento das providências cautelares um papel deveras relevante na reacção rápida e imediata perante agressões inaceitáveis ao ambiente.
A actuação do Ministério Público nestes procedimentos é, no entanto, algo limitada.
Este tipo de magistratura não tem ao seu alcance poderes de natureza inspectiva sobre a Administração Pública que lhe permita desencadear inquéritos sobre esses mesmos serviços, limitando-se a sua intervenção ao espaço dos tribunais. É mesmo inexistente um dever de colaboração por parte das entidades administrativas, restando ao Ministério Público, tal como a qulaquer particular, os meios legais que lhe permitam o acesso à informação administrativa. Em suma, apesar dos poderes de iniciativa importantes, generosamente atribuídos pela lei, por falta de meios de intervenção, o Ministério Publico jamais poderá fazer um exercício pleno destas competências.
O Ministério Público tem também ao seu dispor os procedimentos de natureza sancionatória, em concreto os processo penal e de mera ordenação social.
· Processo Penal: incumbe ao Ministério Público a direcção dos inquéritos relativos aos crimes ambientais e a intervenção nas fases subsequentes do processo. Trata-se de matérias de elevada tecnicidade, o que torna difícil a apreensão por parte dos magistrados resultando em intervenções de menos qualidade. O Ministério Público deve ter uma perspectiva de terreno, informada, assente numa compreensão das actividades com incidências ambientais e das realidades económicas que estão na sua origem.
· Processo relativo aos ilícitos de mera ordenação social: estes ilícitos chegam aos tribunais pela via do recurso de impugnação e o Ministério Público tem em relação aos mesmos as intervenções que derivam da Lei Quadro das Contra-ordenações. Justifica-se doutrinariamente a autonomia das contra-ordenações face ao direito penal por serem ilícitos de menor gravidade. No âmbito destes ilícitos, o Ministério Público deverá actuar como potenciador do diálogo entre a administração e os tribunais.
Uma presença activa do Ministério Público é reclamada na audiência de julgamento do recurso, tornando possível um verdadeiro contraditório sobre os factos e também a supressão de algumas lacunas verificadas na intervenção dos juizes. A sua intervenção, estudada e fundamentada, na produção de prova contribuirá de forma basilar para o esclarecimento dos factos e para a desmontagem das estratégias da defesa.
Será de concluir que, em Portugal, a complexidade e a heterogeneidade das tarefas que se propõem ao Ministério Público na defesa do ambiente evidenciarão a necessidade de se criarem plataformas de actuação especializadas nesta disciplina.
Bibliografia: - A. Leones Dantas, “Crimes ambientais e metodologias de investigação”, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 15, nº2, Abril-Junho de 2005;
- A. Leones Dantas, “A intervenção do Ministério Público na Defesa do ambiente”, in Revista do Ministério Público, Ano 26, nº102, Abril-Junho de 2005.
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