Creio que o artigo 268º/2 C.R.P. constitui uma cláusula que admite restrições desde que ponderadas à luz do princípio da proporcionalidade (artigo 18º/2 C.R.P.).
O direito à informação ambiental não é um direito absoluto, sendo que tais restrições admissíveis são também fundamentadas na satisfação de outros interesses e valores constitucionalmente também importantes (artigo 9º d) C.R.P.).
Assim, não quer dizer que o direito à informação ambiental, apesar de não ter restrições expressas, que elas não possam ser conformes com a Constituição.
No acórdão referido existe uma colisão do direito à informação ambiental e o dever de sigilo por parte de uma pessoa colectiva, à qual se podem aplicar certas restrições justificativas do direito à informação (268º/2 2ª parte C.R.P.)
Creio que, tal como é referido na declaração de voto, que não foi respeitado o dever de ponderação em concreto do pedido dos documentos (individualmente considerados) feito pela requerente. Deveria ter sido feita uma ponderação casuística em cada documento e não na generalidade a todos os documentos, pois não quer dizer que todos estivessem sujeitos ao sigilo industrial e comercial. Havia que ponderar documento a documento o conflito de direitos em causa. E havia também que justificar individualmente o motivo justificativo da recusa de acesso à informação, sob pena de inconstitucionalidade.
Existe ao nível legal uma certa discricionariedade da Administração em ponderar quais os documentos que são abrangidos pelo segredo industrial/comercial (artigo 10º/1 da LADA), de acordo com o artigo 18º da C.R.P.. Creio também que o artigo 13.º/1 do Decreto-Lei 321/95 é muito amplo, dando margem para que o artigo 268º/2 C.R.P., seja descuidado, ao permitir que os interessados possam eles próprios optar por considerar confidencial os documentos ou não, e não deveria ser esse o critério da lei. Tal artigo 13º/1 do Decreto-Lei 321/95 não considero que seja inconstitucional, uma vez que pode ser interpretado restritivamente de acordo com o artigo 18º C.R.P. e com a Convenção de Aarhus.
O tribunal não teve em linha de conta o contexto comunitário ao não fazer uma efectiva ponderação dos direitos em conflito no caso em apreço. A Convenção de Aarhus, da qual Portugal faz parte, estabelece uma interpretação restritiva com já foi dito.
Saliente-se também que, não considero a melhor solução o descurar do princípio da prevenção que permite afastar eventuais riscos futuros, mesmo que ainda não inteiramente determináveis, senão perderia todo o sentido os meios de tutela de acesso dos cidadãos à informação ambiental e à própria Justiça. Creio que este princípio tão relevante em matéria ambiental não foi observado, mesmo que posteriormente se concluísse que tais documentos fossem considerados segredo industrial/comercial.
Refira-se que recentemente foi publicada a LADA (Lei 46/2007, de 24 de Agosto) e a própria LAIA (Lei 19/2006, de 12 de Junho), que restringe o segredo industrial/comercial aos casos de perigo de emissões para o meio ambiente. Esta questão do acórdão seria solucionada de modo diferente actualmente.
A Lei de Acesso aos Documentos Administrativos (Lei nº 65/93, de 26 de Agosto, alterada pelas Leis nº 8/95, de 29 de Março, e 94/99 de 16 de Julho), garante a todos o acesso a documentos administrativos já concluídos. Quanto aos processos administrativos em curso o CPA permite aos titulares de interesses difusos intervir em procedimentos administrativos para defender esses mesmos direitos, reconhecendo-lhes o direito a ser informados sobre o andamento dos respectivos processos (53º e 61º e ss do CPA). O CPA impõe também que para todos os processos administrativos (estando em causa questões ambientais ou não) o dever de audiência prévia (101º e ss do CPA).
O direito de qualquer cidadão poder aceder a informação ambiental é uma garantia da promoção dos seus direitos em termos de qualidade de vida, que deverão ser soberanos face a interesses sectoriais ou corporativos e permite uma sociedade mais democrática e mais responsável. Este direito é, como já foi dito, garantido constitucionalmente e vincula directamente o Estado e os particulares, ou seja, fundamenta qualquer litígio sem necessidade de existência de outras normas que o aprofunde (artigos 268º/1 e 2, 17º/1 e 18º C.R.P.), que consubstanciam o princípio da transparência da Administração. Tal direito só pode ser restringido nas áreas definidas pela Constituição e especificadas em normas à parte (dados pessoais; segredo de Estado; segredo de justiça em processos judiciais; arquivo histórico; segredos comerciais e industriais; direitos de propriedade intelectual). Se fosse posta em causa a restrição quanto ao segredo industrial e comercial, também se poderia questionar o segredo de Estado e outras restrições que a própria Constituição permite para casos excepcionais e justificáveis.
Este acórdão permite também discutir uma questão fundamental, que se trata do facto de os cidadãos muitas vezes não saberem até que ponto pode ir o seu acesso à informação, o que dá azo a estes litígios e também o facto de o próprio Estado não disponibilizar meios para os indivíduos acederem à informação. Isto porque, não obstante a legislação existente, perduram ainda lacunas relevantes no plano de acesso dos cidadãos a informação ambiental com relevância para a sua qualidade de vida e para o bem comum.
É certo que estas limitações quanto ao fornecimento de informação em situações de emergência acabam por influenciar negativamente a possibilidade de os cidadãos poderem conhecer as causas reais das situações de emergência, bem como a atribuição de responsabilidades face ao ocorrido.
Este processo entre o que está descrito na Lei e aquilo que na realidade é praticado acaba por estar na base de alguma descredibilização de processo de acesso à informação e à participação dos cidadãos. Por isto, no acesso a documentos como no caso em apreço, deveria ter existido um maior cuidado em ver documento a documento o que poderia ser alvo ou não de segredo industrial/comercial. Este distanciamento parece ser causado pelo fraco investimento do Estado para a aplicação prática dos princípios de acesso, quer ao nível da Administração, quer ao nível dos tribunais. Deveria existir uma maior transparência. Tal contexto acaba por influenciar e estimular a inércia por parte dos cidadãos em participar em procedimentos de acesso à informação ou na participação de decisões.
A Lei deveria prever o carácter activo de dever de divulgação da informação por parte da Administração Pública, e não apenas o carácter passivo, de permissão de acesso à informação. E os dados são muitas vezes incompreensíveis, pelo que deveria existir uma maior actualização dos documentos em tempo útil.

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