Comecemos com a seguinte consideração: não há poluição “legal” sem autorização para poluir, o que é o mesmo que dizer, não é possível agredir o ambiente sem obter uma licença para o fazer. Como sabemos, o direito do ambiente encontra-se sujeito a princípios fundamentais e, subjacente à ideia mencionada, é inevitável recordarmos o Princípio do Poluidor Pagador. Este princípio goza, entre nós, de natureza constitucional através do artigo 66.º, n.º 2, h) que impõe ao Estado a tarefa de “assegurar que a política fiscal compatibilize desenvolvimento com ambiente e qualidade de vida”. Assim, como bem o refere o Professor Vasco Pereira da Silva, o Princípio do Poluidor Pagador, decorre da consideração de que o Homem, (que, por si mesmo, já é gerador de poluição a todo o momento) se for beneficiário de uma determinada actividade poluente, não deve deixar de ser responsabilizado, pela via fiscal (nomeadamente, via impostos, taxas, entre outros), e assim compensar dos prejuízos que resultam de toda a comunidade do exercício dessa actividade que lhe será, com certeza, lucrativa. Com efeito, numa matéria que implica a modificação da qualidade de vida de todos – numa projecção global - e de cada um – numa projecção individual, na medida em que implica a alteração substancial da referida qualidade de vida daqueles que, directamente, passam a “consumidores passivos” da poluição gerada por outrem – é indispensável que este princípio se imponha (cada vez mais) de forma a evitar e minimizar, o mais possível, a contínua degradação e deterioração do meio ambiente.
Assim, inequivocamente relacionado com o exposto, surge a necessidade de licenciamento imposta pelo Decreto-lei 194/2000, de 21 de Agosto que tem como fonte a Directiva 96/61/CE, do Conselho, de 24 de Setembro que tem como objectivo o controlo integrado da poluição, mediante a prevenção ou limitação de emissões, água, solos e gestão de resíduos e a Lei de Bases do ambiente que já consagra o licenciamento ambiental no seu artigo 33.º. Ora, também a Directiva consagra outro importantíssimo principio em sede ambiental: o Princípio da Prevenção. Este princípio define-se a si mesmo, ou seja, aqui pretende-se evitar, de antemão, as situações que possam, eventualmente, criar risco ou lesar o meio-ambiente. Encontramos não só uma acepção restrita no sentido de evitar perigos imediatos e concretos, como uma acepção ampla por forma a, segundo um juízo de prognose póstuma, afastar futuras lesões, futuros danos ainda que não determinados ou determináveis. O DL do licenciamento não será indiferente nem insensível a este princípio.
O licenciamento, nos termos do art. 1.º, n.º 1 do DL 194/2000, tem por objectivo “a prevenção e o controlo integrados da poluição proveniente de certas actividades” através do estabelecimento de medidas destinadas a evitar ou, se possível, reduzir as emissões de actividades poluentes para o ar, solo e água e assim atingir a prevenção e o controlo dos ruídos e produção de resíduos. Com este objectivo, o DL abrange as instalações previstas nos seus artigos 1.º, n.º 2 e 2.º, n.º 1 f), sempre que consideradas como potenciais criadoras de risco e emissoras de poluição.

Filipa Urbano Calvão realça, a este respeito, que se temeu, antes da concretização legislativa da licença prevista na LBA, que a solução agora consagrada no DL supra mencionado conduzisse a um aumento e à lentidão dos procedimentos autorizativos das instalações poluentes. Porém, tal não se veio a verificar.

É, no entanto, no DL 69/2000 que encontramos a noção de licença ambiental. Segundo o n.º 1, i), do art. 2.º do referido diploma, a licença ambiental corresponde a uma “decisão escrita que visa garantir a prevenção e o controlo integrados da poluição provenientes das instalações abrangidas pelo presente diploma, estabelecendo as medidas destinadas a evitar, ou se tal não for possível, a reduzir as emissões para o ar, água e o solo, a produção de resíduos e a poluição sonora, constituindo a condição necessária de licenciamento ou da autorização dessas instalações”. Como refere o Professor Vasco Pereira da Silva, para além de positivo e negativo, o conteúdo da decisão administrativa pode estabelecer condições ou criar deveres específicos, a cargo dos particulares como por exemplo, fixação dos limites de emissão.

Com efeito, o conteúdo das licenças pode ser caracterizado de duas formas:

1. Temporário: nos termos do artigo 16, n.º s 1 e 2 do DL 69/2000, de 3 de Maio, segue o procedimento de licença ambiental e é concedido por um período determinado findo o qual caduca, a menos que seja solicitada a renovação.

2. Precário: A sua renovação pode ser exigida antes do respectivo termo, por iniciativa administrativa, em caso de alteração de circunstâncias de facto e de direito, que estão na base da sua atribuição. Nos termos do artigo 16, n.º 3, “A Direcção-Regional do Ambiente comunica à autoridade coordenadora do licenciamento a necessidade de renovação da licença ambiental de uma instalação sempre que: a) a poluição causada pela instalação for tal que exija a revisão dos valores limite de emissão estabelecidos na licença ou na fixação de novos valores limite de emissão; b) alterações significativas das melhores técnicas disponíveis permitirem uma redução considerável das emissões, sem impor encargos excessivos; c) a segurança operacional do processo ou da actividade exigir a utilização de outras técnicas; d) novas disposições legislativas assim o exigirem.”

Ora, se os actos autorizativos temporários não suscitam, de facto, qualquer problema jurídico de maior, já não podemos dizer o mesmo relativamente aos actos autorizativos precários.

Questiona-se, então, se a possibilidade de antecipação do respectivo termo final, por decisão administrativa, equivale na prática à consagração de um poder de revogação de actos constitutivos de direito, em termos que se afastam o regime geral estabelecido nos artigos 140º e 142º do Código Procedimento Administrativo (CPA).

Vejamos o que nos dizem os artigos:


140º CPA:

“1. Os actos administrativos que sejam válidos são livremente revogáveis excepto nos casos seguintes:

a) Quando a sua irrevogabilidade resultar de vinculação legal;
b) Quando forem cosntitutivos de direitos ou de interesses legalmente protegidos;
c) Quando deles resultem, para a Administração, obrigações legais ou direitos irrenunciáveis;

2.Os actos constitutivos de direitos ou interesses legalmente protegidos são, contudo, revogáveis:

a) Na parte em que sejam desfavoráveis aos interesses dos seus destinatários;
b) Quando todos os interessados dêem a sua concordância à revogação do acto e não se trate de direitos ou interesses indisponíveis”


141º CPA:

“1. Os actos administrativos inválidos só podem ser revogados com fundamento na sua invalidade e dentro do prazo do respectivo recurso contencioso ou até à resposta da entidade recorrida.
2. Se houver prazos diferentes para o recurso contencioso, atender-se-á ao que terminar em último lugar”.



Como refere Filipa Urbano Calvão, da análise do 140.º resulta como princípio de revogabilidade de actos administrativos válidos, embora, de seguida, se preveja algumas excepções a este princípio. Além disto, de acordo com o 140º, n.º 1, b) CPA, não podem ser revogados actos constitutivos de direitos ou interesses legalmente protegidos. Na opinião da autora da tese “ Os Actos Precários e os Actos Provisórios no Direito Administrativo”, os actos considerados nesta alínea são já os que resultam do exercício de um poder discricionário e refere mesmo que “… parece ser ponto assente na doutrina e na jurisprudência que os actos precários não são constitutivos de direito”. A norma, ao abrigo da qual um dado acto administrativo de carácter precário é praticado, visa em primeira linha a prossecução de um interesse público específico e apenas de modo secundário e indirecto assegura a protecção de um interesse ou bem jurídico do particular. Só se poderia falar em constituição de direitos, se a norma ao abrigo do qual surge este acto tivesse como objectivo principal a protecção daquele bem. Por força do carácter precário autorizativo da norma, Filipa Calvão diz-nos que esta não pode ter pretendido proteger o bem jurídico do particular em primeira linha pois, caso contrário, não o teria deixado ficar na dependência da alteração das exigências do interesse público.
Porém, já poderão surgir algumas dúvidas se tais actos não integram o conceito de actos constitutivos de interesses legalmente protegidos. E que, se é certo que precários não constituem direitos, já há quem entenda que eles dão origem a interesses que são indirecta o reflexamente protegidos pelas normas em que assenta o poder de emanar os referidos actos. Neste sentido, e se concluirmos pelo raciocínio supra, somos forçados a dar razão ao Professor Vieira de Andrade em “A Revogação do Acto Administrativo” na sua crítica ao 140º, onde refere que este artigo é demasiado garantístico. De facto, se se entender, no âmbito deste preceito, a categoria de interesses legalmente protegidos de um modo lato, de forma a integrar aí todos os interesses dos particulares, que não sendo objecto de uma tutela substantiva directa caem ainda no âmbito de protecção normativa, a função de realização do interesse público (que tem exigências estáveis e acompanham a evolução económica e social da comunidade) ficaria seriamente prejudicada. Não podemos subverter a função primordial da Administração que é o interesse público. O regime de revogação dos actos administrativos do CPA não pode ser interpretado no sentido de reduzir a excepção àquilo que é hoje a regra. E, no entanto, se o 140º n.º 1, b), for integrada de forma a integrar todo e qualquer interesse, então só será admissível um acto administrativo de revogação que afecte os interesses simples ou de facto. Não pode ter sido essa a intenção do legislador. O Professor Vieira de Andrade entende ainda um espaço de “Entendimentos habilidosos” dada a letra da lei “não são livremente revogáveis”. Porém, o acto administrativo precário não põe em causa o princípio da legalidade, na dupla vertente positiva e negativa e, dentro dessa reserva de norma jurídica e da reserva de acto legislativo, dado encontrar base no artigo 121 CPA, não violando em abstracto os limites ai fixados. O artigo em causa diz-nos o seguinte “ Os actos administrativos podem ser sujeitos a condição, termo ou modo, desde que estes não sejam contrários à lei ou ao fim a que se destinam”. Assim sendo, não invalida a emanação de actos precários na medida em que a precariedade não prejudique ou não afecte momentos vinculados pela lei ou posições jurídicas conferidas, sem reserva, aos particulares. Defende a autora que deve interpretar-se restritivamente o 140º n.º 1 b) no sentido de não se impedir que se atinjam os interesses legalmente protegidos” que são fruto ou produto de actos precários. A ratio do 140º, n.º 1 b) é proteger a confiança de titulares de interesses legalmente protegidos, na medida em que essa confiança mereça ser protegida. Os interesses constituídos por acto precário só são protegidos na medida em que a Administração não decidir que o interesse público exige a alteração da situação jurídica.

Ora, concordando ou não com a interpretação dada aos actos precários proposta por Filipa Urbano Calvão exposta sumariamente supra, a verdade é apenas uma: a ordem jurídica portuguesa e a Administração Pública consagram o princípio de Interesse Público que não poderá ser, de forma alguma, subvertido! Este é um princípio que, tal como os “princípios ambientais” anteriormente expostos (e sem querer comparar), goza de tutela constitucional efectiva no artigo 266º da Constituição da República Portuguesa (CRP). Porém, se é certo que não podemos esquecer, o interesse público, o interesse de todos em detrimento do interesse de alguns, é igualmente certo que o mesmo artigo também não deixa de referir que ter-se-á também que ter respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos. Como sabemos, o “problema” das relações ambientais prende-se com o facto de exigir respostas rápidas e eficazes. Não deixa espaço para ”manobras de diversão” de forma a prorrogar excessiva e inadvertidamente decisões que têm (e serão) tomadas. Contudo, não é difícil percebermos as implicações que uma decisão precária tem na vida daqueles que confiaram na solidez de uma decisão. Na verdade, também os particulares investiram nos respectivos projectos onde desejavelmente lucravam e depositavam confiança. Não há dúvida que também que os interesses e os direitos legitimamente adquiridos, bem como a sua protecção e tutela das expectativas são valores igualmente consagrados na nossa CRP. Tudo isto, na óptica do Professor Vasco Pereira da Silva justifica, assim, que a revogabilidade destas licenças não seja, de forma alguma, discricionária. E se está justificado carácter temporário das licenças, bem como a flexibilização da possibilidade de revogação pelo carácter da matéria em causa, não se encontra todavia justificada a “revogabilidade incondicionada”. Assim sendo, o professor defende que, à imagem do que acontece na possibilidade de Expropriação por utilidade pública, deve ser atribuída uma indemnização por actos lícitos dos titulares das licenças revogadas, prevista no 9.º do DL 48051, de 21 de 21 de Novembro de 1967.
O Professor também vem então dizer que é precisamente por estarmos perante uma licença de carácter temporário, sujeito a termo final, que possibilita a existência de verificações periódicas e constantes da “eficiência ambiental” das instalações que esta indemnização se impõe. O facto de se poder controlar a referida eficiência ambiental do particular e evitar que este, por lhe ter sido concedida uma licença, por exemplo, sem prazo, se imiscua dos cuidados que tem de ter no lançamento de poluentes e por se tratar de algo temporário, justifica e é razoável que o particular saiba com o que contar da Administração em matéria de parâmetros ambientais relativos ao funcionamento da instalação, pelo que, se estes forem alterados, deve ter lugar a reparação financeira. Sucede, porém, que o Professor considera que, se se tratasse de uma licença vitalícia ou a longo prazo já não justificaria a atribuição desta compensação pecuniária e que, portanto, tudo dependerá da adopção e ponderação de interesses de modo a permitir a adequada conciliação dos interesses ambientais com os interesses privados. Com o devido respeito, parece-me que, pelo contrário, a compensação pecuniária justificar-se-ia ainda mais nas hipóteses em que a licença atribuída (se tal fosse possível) tivesse carácter vitalício. Na minha opinião, nestes casos, há uma expectativa ainda maior da tutela dos interesses dos particulares que confiam na certeza da decisão, na sua longevidade. Nestes casos, não me parece que haja qualquer dúvida quanto à tutela de expectativas legitimamente criadas ao abrigo de uma decisão de tal forma favorável que fora atribuída “for a life time”. Aliás, sendo expectável que uma decisão temporária, precária, rapidamente se transforme em revogação, o sentimento é totalmente o oposto quando se trate de uma decisão que, segundo o juízo do decisor e num juízo de prognose póstuma já referido anteriormente, e por não ser expectável que toda a situação envolta na decisão se altere de forma drástica, que a revogação opere. Nestes casos a compensação pecuniária parece-me indiscutível.

Cumpre, como nota e para finalizar, fazer referência a um acórdão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias de onde podemos retirar algumas conclusões, ainda que indirectamente, sobre a matéria em causa.

Acórdão Kühne & Heitz – Processo n.º C-453/2000

No acórdão Kühne o que está em causa é saber se a Administração Pública nacional tem ou não a obrigação de conformar uma decisão administrativa já definitiva com direito comunitário posterior. Estávamos perante uma decisão administrativa que, naquele caso, não era constitutiva de direitos. Todavia, a referida decisão administrativa fora tomada validamente em sede nacional. O TJCE entendeu neste acórdão responder afirmativamente a esta questão.

Quanto à matéria de facto, a Kühne & Heitz, empresa holandesa, exportadora de carnes de aves de capoeira, tinha recebido certos benefícios pela classificação desta mercadoria numa determinada subposição pautal, que mais tarde, teve de repor por se entender que não se incluíam nessa mesma subposição pautal. A Kühne reclama mas a sua pretensão não só é indeferida (decisão do órgão administrativo), como ao recorrer ao tribunal nacional que decide em última instância ele nega provimento ao recurso (tornando a decisão do órgão administrativo definitiva). Como sabemos temos logo aqui um problema, visto tratar-se de órgão nacional de cuja decisão não cabe recurso e por isso pode entender-se que tendo dúvidas quanto à aplicação do direito comunitário tinha de suscitar uma questão prejudicial nos termos do art. 234.º TCE.
Esgotadas as vias de recurso a Kühne nada mais faz, até que tem conhecimento de um acórdão do TJCE, o acórdão Voogd, que vem dar uma solução diferente para o mesmo problema. Assim sendo, Kühne dirige-se imediatamente ao órgão administrativo, de modo a confrontá-lo com a sua decisão que se revela então contrária ao direito comunitário. No entanto, o órgão administrativo nada faz, o que leva a Kühne a voltar ao tribunal nacional que desta vez coloca então uma questão prejudicial ao TJCE para saber se o princípio da cooperação plasmado no art. 10.º TCE impõe uma reapreciação de uma decisão administrativa definitiva por se revelar desconforme com direito comunitário posterior.
Tal como supra indicado, o TJCE entendeu que sim, desde que se verificassem os seguintes requisitos: a)Que o órgão administrativo tenha, segundo o direito nacional, o poder de revogação dessa decisão (sendo que no direito neerlandês os órgãos administrativos têm a possibilidade de revogar as suas decisões mesmo que tenha carácter definitivo); b)Que a decisão (do órgão administrativo) tenha-se tornado definitiva em consequência de um acórdão do órgão jurisdicional nacional que decidiu em última instância (esgotando por conseguinte as vias de recurso possíveis, como já vimos ser o caso); c)Que esse acórdão em face de jurisprudência posterior do TJCE ( Ac. Voogd) se fundamenta numa interpretação errada do direito comunitário (que deu razão ao órgão administrativo) sem que ao TJCE tivesse sido submetida uma questão prejudicial ( como sabemos os tribunais nacionais que decidem em última instância por regra têm obrigação de suscitar a questão prejudicial quando tenham dúvidas na aplicação do direito comunitário, só se considerando dispensados desta obrigação de acordo com a jurisprudência Cilfit – que como sabemos tem por base a ideia do acto claro, que não levanta quaisquer dúvidas); d) Que o interessado se dirija logo ao órgão administrativo quando tem conhecimento da jurisprudência do TJCE (que como já vimos foi o que aconteceu).


Embora sobejamente apreciada pelo Professor Fausto de Quadros, a doutrina não é unânime em relação à jurisprudência criada com este acórdão. Assim, há quem entenda que o TJCE foi longe demais neste acórdão, sendo que em jurisprudência posterior resolver dar um ligeiro passo atrás. Isto porque o fundamento de que não se viola a eficácia de caso julgado porque o que se põe em causa é uma decisão administrativa e não sentença do tribunal, parece ser uma maneira de contornar a questão visto a decisão do tribunal ter por base a decisão administrativa. Parecia mais sensato que a empresa Kühne tivesse recorrido a uma acção de responsabilidade civil extracontratual para que os seus danos fossem ressarcidos, obtendo assim a indemnização pretendida.

O que podemos retirar da leitura deste acórdão? Uma vez mais, apesar da questão de fundo em nada se relacionar com a matéria em causa neste comentário e de se tratar de uma questão de direito holandês, a verdade é que podemos daqui retirar uma conclusão simples: é sempre possível revogar actos administrativos válidos. Mais, é possível revogar os mesmos actos administrativos tornados definitivos por decisão judicial transitada em julgado, por decisão comunitária. Á priori, houve um acto administrativo constitutivo de direitos. Esse mesmo acto fora revogado posteriormente sem ter a sociedade Kunhe direito a qualquer compensação pecuniária por isto, muito pelo contrário, teve mesmo de devolver todas as quantias pecuniárias recebidas em virtude da sua mercadoria, a princípio, ter sido incluída erradamente na supra mencionada subposição pautal. Em suma, estamos perante um acto administrativo constitutivo de direitos livremente revogado, uma decisão judicial que o confirma e o torna definitivo e, por fim, uma decisão do tribunal comunitário que obriga a revisão daquele mesmo acto administrativo tornado definitivo, já transitado em julgado.

Conclusão:

Conclui-se que, de facto, a matéria ambiental é particularmente sensível e exige estas “particularidades” de regime, apenas permitidas pela sua natureza. Não se substituem direitos fundamentais, não os hierarquizamos para que o interesse público se sobreponha ao interesse particular. O que sucede é que, de facto, pela constante mutação da matéria subjacente ao direito do ambiente e pelas implicações que tem no nosso interesse, no interesse público sob “direcção” da Administração publica, justifica-se que o interesse particular seja tutelado por “outra” via: a da indemnização. Desta forma, como relembra o Professor Vasco Pereira da Silva, compatibilizam-se interesses, conciliando o valor da prossecução do interesse público que nos remete para a revogabilidade dos actos administrativos e para a aplicação retroactiva das leis em matéria de licença ambiental, com a prossecução de interesses privados ou particulares, que nos leva a ponderar a protecção de direitos adquiridos e a tutela da confiança. Não há, de facto, qualquer hierarquia ou tomada de posição sobre a maior ou menor relevância de direitos constitucionalmente consagrados com este raciocínio. Na verdade, é admissível efectuar uma ponderação qualificadora dos direitos primariamente salvaguardados, é igualmente impositivo que tal apenas suceda que não se afaste por completo os direitos dos particulares. É mediante a admissibilidade de responsabilidade civil por actos lícitos que tudo isto se consegue incorrermos a qualquer inconstitucionalidade.

Parece ser também este o entendimento do Professor Freitas do Amaral. Contudo, deparamo-nos aqui com um problema incontornável que é: o nosso CPA não prevê a possibilidade (como podemos concluir da leitura dos artigos 140º e 141º do CPA) de atribuição de qualquer indemnização ou compensação pecuniária. Para que isto suceda, ou aplicamos o artigo 9º do DL sobre a responsabilidade por actos lícitos ou, simplesmente, vedamos a possibilidade de atribuição desta indemnização por incompatibilidade com a legislação administrativa anterior. Este é um problema ainda não solucionado, mas entrará, com toda a certeza, na “mesa de discussão” a quando de uma nova revisão ao CPA português e será, seguramente, alvo de revisão.

Lígia Setúbal, subturma 1, n.º 14413

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