Introdução

Entende-se por Organizações Não Governamentais de Ambiente (ONGA), de acordo com o disposto no art.2º, n.º1 da Lei n.º35/98 de 18 de Julho que define o seu estatuto, “as associações dotadas de personalidade jurídica e constituídas nos termos da lei geral que não prossigam fins lucrativos, para si ou para os seus associados, e visem, exclusivamente, a defesa e valorização do ambiente ou do património natural e construído, bem como a conservação da Natureza”.
A alteração de nomenclatura de Associações de Defesa do Ambiente para ONGA deveu-se à procura de harmonização e conformidade com a tendência internacional, após a denominação ONG ter tido a sua origem na Europa, no âmbito da ONU, para identificar as “organizações internacionais que, embora não representassem Governos, pareciam significativas o bastante para justificar uma presença formal na mesma”.[1]
As Organizações Não Governamentais do Ambiente desempenham um papel activo na protecção e promoção do meio ambiente, o que justifica um conjunto de prerrogativas que lhes são atribuídas a fim de efectivarem, da melhor forma, os seus fins, designadamente: o direito ao acesso à informação; direito de participação; o direito de representação; a legitimidade para intervir nos procedimentos legislativo e administrativo; a legitimidade processual; a isenção de emolumentos e custas; isenções fiscais; o direito ao apoio do Estado através da Administração Central e Periférica; e o direito de antena.
Com o reforço da consciência ambiental, nomeadamente a partir dos anos 80, coincidente com a adesão de Portugal à União Europeia e com o período que se sucedeu às Conferências Mundiais das Nações Unidas sobre o ambiente, cresceu o ímpeto de união de interesses ambientais, ainda sob a tradicional forma das Associações de Defesa do Ambiente.


Data de Construção das Associações de Defesa do Ambiente

Dados IPAMB


O papel das ONGA, no nosso entender, devia ser estimulado, nomeadamente através de um esforço público no sentido de as encarar como verdadeiros parceiros. Ao proferir esta afirmação não descuramos dos eventuais riscos que, sem mais, surgiriam. Todavia, cabe-nos desfazer eventuais equívocos.
Só com um primeiro esforço público, dado que a sociedade portuguesa ainda se encontra pouco desvinculada do tradicional Estado paternalista, se conseguirá que as ONGA sejam eficazmente divulgadas na comunidade, donde, afinal, lhes provém o seu reconhecimento e, consequentemente, o seu poder.

Relação entre as ONGA e os Cidadãos

No confronto de dados estatísticos, denota-se que, “em Portugal, a adesão dos cidadãos é muito escassa, pelo que a influência das ONGA fica limitada”[2], o que é justificável pela tradição portuguesa e pelos seus antecedentes de predomínio do sector primário e de um certo recalcamento do espírito crítico provocado pelo Estado Novo.
“Uma das características que tem marcado a atitude dos portugueses na avaliação comparativa do ambiente é uma certa bonomia face à realidade nacional quando comparada com a dos restantes países europeus. A tendência tem sido dramatizar a situação à escala externa e aligeirá-la internamente”[3].
Alguns dos sintomas desta apatia social têm vindo-se, progressivamente, a desvanecer, embora os primeiros passos sejam lentos e difíceis, e, por isso, a caminhada das ONGA para o reconhecimento como autênticos actores ambientais se advinha ainda demorada.
É, contudo, inegável uma maior adesão às ONGA’s regionais e locais, devido sobretudo aos fins específicos para que se acham vocacionadas e ao factor de maior proximidade das populações. Falta-lhes, porém, estabilidade, uma vez que, após a concretização cabal e ultimação dos seus interesses, acabam por se extinguir, o que demonstra que apenas a dimensão positiva do ambiente, enquanto posição de vantagem, assume relevo na consciência social, já mais adormecida para os correlativos deveres que daí dimanam.
A comprovar a inércia social em torno dos associativismo e activismo ambientais surgem os dados de um estudo do OBSERVA de 1998, segundo o qual, 37% dos inquiridos nunca ouviram falar de ONGA.[4]
Num estudo mais recente, as ONGA ainda não conseguem ser fonte de informação ambiental para as populações, incumprindo assim os seus objectivos ao não estimularem a população para os problemas ambientais. Apenas 14.7% dos inquiridos consideram as associações ambientalistas fonte de informação ambiental; dado muito preocupante, nomeadamente quando comparado com o estudo anteriormente feito no qual “se destacavam como sendo as que despertavam o mais alto grau de confiança”[5], o que se poderá dever ao descrédito provocado por algumas actuações menos felizes destes grupos encarados hoje como “ecofundamentalistas”[6].
Os portugueses demonstram pouco interesse em participar em ONGA, esquecendo este dever de cidadania. Menos de 10% dos inquiridos pertencem a qualquer associação cívica, nas palavras do inquérito “verifica-se que os níveis de militância (nas ONGA) são irrisórios, assim como a subscrição de abaixo-assinados e/ou participação em sessões públicas organizadas por estas associações. A atitude dominante é apenas e tão só a enorme simpatia que a larga maioria dos portugueses parece nutrir por estas organizações voluntárias e pelas actividades que elas desenvolvem (considerando até que elas deveriam ter mais poder e influência na sociedade portuguesa) ”[7].
Veja-se o seguinte gráfico sobre a relação com as ON GA, o qual demonstra a desconsideração do papel importante que estas deveriam ter nos processos legislativo e administrativo, menorizado pela pouca correspectividade que obtêm das populações.


Dados OBSERVA

Contudo, são as próprias populações que reconhecem a incapacidade do Estado para obstar aos riscos ambientais. De acordo com o mesmo estudo, a “grande maioria tem uma opinião muito pouco abonatória da prestação oficial: praticamente metade (48%) considera que o Estado não se ocupa suficientemente deles; cerca de 13,7% afirma mesmo que o Estado não se ocupa deles; e 25,4% refere que o Estado ocupa-se deles mas não é eficaz”[8].
Na verdade, sendo estas organizações compostas por recursos humanos especializados, dotadas de vocação próxima das populações e dos locais susceptíveis de lesão, correspondem a um conhecimento único e indispensável ao decisor diligente, que procura agir em conformidade com o princípio da prevenção, cujo juízo de prognose pressupõe uma aproximação à realidade fáctica inalcançável globalmente ao legislador.

Como gerar uma maior interacção entre as populações e as ONGA?
É esta a questão que nos propomos a responder adiante.



Relação entre as ONGA e o Estado

A efectividade do papel das ONGA deve ser garantia por uma relação de parceria entre estas e o Estado, o que relembra os ensinamentos que recomendam a alteração das formas de governação tradicionais em prol de políticas de Governança e da adopção de procedimentos decisórios informais.
Não entendemos que a associação entre Estado e ONGA seja nociva, é a melhor forma de combater problemas ambientais através de políticas públicas e agir privado. O meio de relacionamento mais eficaz tem sido o exercício de pressão nos procedimentos legislativo e administrativo, em nome de um interesse colectivo superior.
Um reforço da colaboração entre Estado e ONGA será um garante do efectivo respeito de princípios base das políticas ambientais, entre os quais destaco o princípio da prevenção.
Mas será admissível e desejável esta participação privada em áreas de tutela pública?
Parece-nos que sim, até mesmo numa perspectiva pragmática e eficiente, tão elevada numa sociedade mercantilista como a actual, pois assegura maior legitimidade da actuação dos entes públicos; é um meio de dissolução das tensões sociais inerentes às questões do ambiente (nomeadamente atendendo à sua natureza multipolar); compensa a falta de conhecimento da Administração sobre a realidade local; fortalece a interligação entre Administração Pública e particulares; favorece a selecção das actuações pela ponderação entre interesses públicos e privados em confronto; dá maior entusiasmo e adesão aos destinatários das normas ou actos administrativos; contribui para uma gestão saudável dos recursos ambientais, em prol do desenvolvimento sustentável.
Assim, a participação das ONGA deve ser estimulada, embora sem nunca descurar princípios reitores das actividades públicas, os quais estão na indisponibilidade do próprio Estado.
Um dos óbices a este estímulo é o facto de uma das formas de financiamento das ONGA ser através de dinheiros públicos, o que leva a questionar-se da legitimidade e isenção destas para observar criticamente a actividade estadual.
Em conformidade com dados da Agência Portuguesa do Ambiente, foram atribuídos pelo Estado apoios a diversas ONGA (e equiparadas) no ano de 2007, assim, no que se refere a apoios para organizações de acções (tipo 1) a dotação foi de 21549.80€, distribuídos por 23 entidades[9]; quanto a apoios à participação de representantes das organizações em acções nacionais e internacionais que contribuam para o aumento da capacidade de intervenção das entidades beneficiárias (tipo 2), o Estado atribuiu apoios a 16 ONGA, no valor total de 10811.77€[10]; um terceiro tipo de apoios (tipo 3), destinado à edição de publicações não periódicas que contribuam para a sensibilização, formação e divulgação de informação na temática do ambiente e do desenvolvimento sustentável contabilizou um total de 6938.36€, partilhado entre 11 associações[11]; um último tipo de apoios (tipo 4), concernente à edição de publicações periódicas que contribuam para a sensibilização, formação e divulgação de informação na temática do ambiente e do desenvolvimento sustentável, perfez um total de 5100€, distribuído por 12 organizações[12].
Atendendo à pouca notoriedade das organizações sem fins lucrativos entre a população, como demonstrámos[13], e à tradição do Estado Providência ainda muito enraizada nas nossas mentalidades, o financiamento estadual apresenta-se como essencial à sua sobrevivência, ao representar a maioria do financiamento. Daqui resulta esta ligação de dependência, incrementando as dúvidas sobre a sua imparcialidade, como se concluí da análise da tabela que se segue[14]:

TIPO DE FINANCIAMENTO
MÉDIA
Apoios públicos contratualizados
58.3%
Taxas cobradas aos utentes
24.6%
Apoios privados
7%
Apoios públicos não contratualizados
5.3%
Outros recursos financeiros
2.6%
Eventos de angariação de fundos
2.2%

A atribuição do financiamento público (modalidade legalmente autorizada pelo disposto no art.14º da Lei n.º35/98) rege-se pelo Regulamento do Apoio Financeiro das Organizações Não Governamentais de Ambiente (ONGA)[15], o qual estabelece como condicionantes da celebração do contrato de financiamento[16], a actualização dos elementos constantes do registo nacional[17] e o cumprimento das obrigações resultantes de apoio financeiro recebido em anos anteriores[18].
Para além deste diploma, serão ainda objecto de financiamento outras actividades nele excluídas, as quais são integradas no Regulamento do Programa de apoio a acções na Área do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável[19].
Não nos parecem de criticar, à partida, estas condicionantes, que resultam de necessidades de segurança e de controlo dos dinheiros públicos, corolário do princípio democrático.[20]
Julgamos compreensível, e até benéfica, a limitação temporal referente ao financiamento de instalações e ou reorganização das ONGA e equiparadas, o qual não pode ser requerido pelas entidades que dele beneficiaram em um ou dois anos consecutivos no prazo de cinco anos[21]. De facto, atendendo à natureza destas despesas é injustificável uma utilização racional de recursos para lá de um prazo inicial de implementação da ONGA.
Entendemos como garante da isenção das ONGA o não financiamento de despesas com pessoal, porque, apesar de, para que nelas exista pessoal qualificado, sejam necessárias verbas em conformidade, não é o Estado que as deve assegurar, sob pena de se criar uma nova forma de funcionários ao serviço do Estado como que integrantes da Administração Indirecta, esses sim nutrindo sentimentos próximos da relação laboral, em virtude dos laços pessoais de dependência económica que surgiriam.
Dentro do elenco dos critérios de atribuição de financiamento[22] para instalação e ou reorganização das ONGA e equiparadas e destinados à execução de pequenos projectos, estudos ou acções concretas que se enquadrem nos planos de actividades das ONGA (modalidades A e B, respectivamente), julgamos questionáveis os que dependem da adequação do orçamento e da importância do subsídio para o funcionamento e reorganização da associação, tendo em consideração que estes conceitos indeterminados, referentes apenas a questões de mérito, irão ser objecto de concretização pelo Instituto do Ambiente (actualmente, Agência Portuguesa do Ambiente), da qual depende a atribuição do financiamento, operada por via da margem de livre apreciação administrativa.
O preenchimento de conceitos indeterminados pela Administração Pública merece as maiores reservas. Com o recurso a esta técnica, o legislador reconhece a sua inaptidão de acompanhar a mutação da realidade, tornando o administrador no ente que determina e conforma a actuação das ONGA que pretendam aceder ao financiamento estadual, uma vez que a liberdade deste implica a sua titularidade do poder de seleccionar as ONGA e hierarquizá-las, sem prévia determinação objectiva pelo poder legislativo, o que implica a perda de legitimidade desta atribuição.
De duvidosa compreensão parece o art.º9 do Regulamento do Apoio Financeiro às ONGA, o qual visa apoiar financeiramente programas, projectos, ou acções desenvolvidos pelas ONGA e equiparadas, de acordo com prioridades anualmente estabelecidas pelo membro do Governo que detém a tutela do Instituto do Ambiente (actual Agência Portuguesa do Ambiente)[23] (modalidade C), pois predetermina a actuação das ONGA às preferências do Governo, as quais não explicita como são alcançadas, havendo o risco de não auscultação suficiente das ONGA para esse efeito, vindo depois a condicioná-las, nomeadamente ao conhecer da dependência destas para com o financiamento estadual.
Desta modalidade de financiamento, decorrem outros entraves à isenção das ONGA perante o Estado, uma vez que os critérios predefinidos exigem, novamente, o preenchimento de conceitos indeterminados (carácter inovador; relevância para a sensibilização, formação e informação das populações e para a protecção do ambiente; importância do subsídio e adequação da equipa, da metodologia e do faseamento proposto aos objectivos constantes do projecto de estudo ou acção[24]). Avulta-se este problema quando, em ponderação, é dado maior relevo a estes índices indeterminados, em detrimento de outros objectivos, como decorre da disposição do art.º16, nº3 e 4 do regulamento em análise.
Não nos parece contraposição suficiente a estas críticas o facto de a análise destes critérios ser feita por avaliadores externos, pois estes são designados pelo presidente do Instituto do Ambiente (actual Agência Portuguesa do Ambiente), sem haver a susceptibilidade de recomendação das ONGA (por exemplo, através da chamada a eleição de todas as entidades previstas no Registo Nacional ou de um organismo comum a estas), o que não assegura a imunidade destes face a eventuais pressões estaduais.

Criticas às ONGA. Propostas de Solução

Comentários pejorativos sobre a actuação das ONGA têm sido recorrentes, nomeadamente pela sua confusão com grupos desinformados e mediáticos, que dizem agir em nome do ambiente.
ONGA não significa esquecimento dos demais valores estruturantes da nossa ordem jurídica, mas antes ponderação efectiva do interesse ambiental em todas as actuações públicas e privadas, motivando actuações promotoras do ambiente.
Tem-se alertado para o facto de as ONGA poderem desempenhar “papéis “oportunistas” relativamente aos seus interesses e ao modo como se relacionam com o Governo, prejudicando, em alguns casos, a imagem do sector e a actuação de organizações mais antigas”[25]. Principalmente, no que se refere a ONGA que”recebem de verbas públicas”.[26]
Em resposta, fala-se na estipulação de um Código de Conduta[27] destas organizações. Não nos parece necessário, embora fosse uma tentativa de harmonização, uma vez que o direito assegura o cumprimento de obrigações para com os outros, especificamente no respeito dos direitos fundamentais, sob pena de se desencadear acções coercivas do seu cumprimento.
Surgem também vozes críticas perante a factualidade de alguns dos membros das ONGA exercerem, a título profissional, actividades remuneradas, entre as quais a elaboração de estudos de impacto ambiental, o que provoca um eventual conflito de interesses.

Como ultrapassar a desconfiança das populações para eliminar a ligação umbilical com o Estado, de modo a contribuir para mais e melhores intervenções das ONGA?

Julgamos que a resposta passa por dois vectores essenciais: a educação ambiental e a avaliação de desempenho das ONGA.


A educação ambiental, traduzida numa forma abrangente de educação dos cidadãos, através de um processo que procura incutir no educando uma percepção crítica sobre a problemática ambiental, é essencial, tanto como estímulo da consciência em questões ambientais, como da participação em associações de protecção do ambiente, através da co-responsabilização dos particulares, verdadeiros actores das políticas ambientais.

Ao nível internacional, já é antiga a preocupação em torno desta temática, relembre-se a Conferência Intergovernamental realizada em 1977, em Tbilisi, sob a égide da UNESCO, subordinada ao tema da Educação Ambiental, onde se sugeriu o desenvolvimento desta de acordo com algumas linhas orientadoras, como a atenção global e multidisciplinar sobre a questão ambiental, isto é, as suas repercussões políticas, sociais, económicas, científicas, tecnológicas, éticas, culturais e ecológicas, de modo a apreender a natureza complexa do ambiente.
É incontestável a maior atenção que tem sido conferida à educação ambiental, sendo já notórios os efeitos desta, como se conclui da análise comparativa de seguida apresentada, a propósito da consideração dos sectores económicos em que deveria haver maior investimento:

Dados OBSERVA

Todavia, tem de haver um reforço na educação ambiental, verdadeiro garante da evolução de pessoas atentas ao mundo que as rodeia e cientes dos deveres que resultam da sua acepção como cidadão. O que já foi reconhecido pelo Conselho Nacional do Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, de acordo com o qual “mais do que a promulgação de novas leis, ou a revisão das leis actuais, deve ser assumida pelo poder político, como prioridade nacional, uma estratégia sustentada de informação e de educação para a cidadania activa”[28], promovendo a atitude crítica, motivada pela tendência de maior ênfase em práticas sociais menos rígidas, centradas na cooperação entre os actores, através de processos informais de decisão.
Se já foi incluído nos currículos do ensino obrigatório menções que permitem entender o conteúdo do vínculo cidadania, parece-nos já estar aberto o espaço para o debate multidisciplinar sobre o ambiente nas escolas, demonstrando que é um assunto do qual não nos podemos demitir, por ser comum a todos, e por revestir, de uma forma facilmente demonstrável, carácter intergeracional, como compromisso entre o ontem, o hoje e o amanhã.
Mais do que conceitos científicos de difícil explanação, educação ambiental tem de significar o suscitar curiosidade intelectual sobre a actualidade, com efeitos inevitáveis no ambiente, dando aplicação ao mote “Think global, act local”.
Como afirma Carla Amado Gomes, é de salientar a “importância da educação para a criação de um espírito de responsabilidade partilhada na gestão dos bens ambientais, quer ao nível material, quer ao nível procedimental e processual. O enraizamento do imperativo de solidariedade no aproveitamento de bens naturais nas consciências individuais deve ser fruto de um processo de apreensão de uma necessidade de respeito por uma necessidade.”[29]
A educação para o ambiente, desperta as populações para o compromisso com os demais, com espírito altruísta, o qual demanda a optimização de todas as decisões atendendo à necessidade de conservação dos recursos naturais escassos para as gerações vindouras, garantindo a sua qualidade, de modo a não lhes negar o acesso a estes.
A interiorização do dever fundamental para com o ambiente é essencial ao significar a “noção de que cada pessoa é simultaneamente credora e devedora nesse âmbito”.[30]

A avaliação de desempenho das ONGA, segundo critérios objectivos e sujeita a publicação, parece-nos outra das formas de retirar a nebulosidade que contraria uma maior adesão dos particulares e um verdadeiro poder de negociação perante o Estado, destas organizações.
Primordialmente, as ONGA têm de estabelecer um objectivo claro, de modo a nortear as fontes de investimento e o seu próprio modo de actuação, o que poderá ser realizado através de vários meios que procuraremos desvendar de seguida.
Em primeiro lugar, as ONGA deverão proceder à inquirição do público, periodicamente, para determinar a sua divulgação nas comunidades. Sendo de mais fácil realização nas ONGA de carácter local ou regional, exige-se uma maior preocupação nas de carácter nacional, o que pode ser garantido pela itinerância das ONGA e por um melhor uso dos direitos que lhe são conferidos, especificamente os que possam ser exercidos através dos meios de comunicação[31] (por exemplo, o direito de antena previsto na CRP e em especial no art.º15 da Lei n.º35/98[32]). Repare-se que a ONGA mais reconhecida entre os portugueses é a Quercus, o que se justifica por deter várias delegações ao longo do território nacional e pelo recurso frequente aos mass media para despertar a consciência ambiental, vezes demais adormecida.
Por outro lado, a realização de inquéritos e a abertura a críticas, contribuem para o processo de credibilização das ONGA junto das populações, só assim garantindo qualidade e responsabilidade nas suas actuações, associadas a um reforço da sua imagem externa.
Devem também ser analisados os objectivos alcançados, por exemplo, aquando do fim de um processo de consulta pública prévia a qualquer decisão ambiental, as ONGA devem ponderar a eficácia da sua postura negocial e repensar, se caso disso, as suas formas de interacção.
Como medida de reforço da sua relação com os membros, e com o intuito de captar novos interessados, as ONGA deverão proceder a consultas sobre todos os aspectos mencionados, procurando, de igual modo, sugestões futuras de actuação, como forma de incrementar o sentimento de contributo pessoal nas actuações da organização, o que provoca o reforço da responsabilização individual na intervenção colectiva.
O ponto essencial desta avaliação é, sem dúvida, referente ao modo de financiamento das ONGA.
Para se garantir a imunidade basilar às suas actuações, dever-se-á analisar a eficiência destas, medida na correcta utilização dos recursos, independentemente da sua origem, isto é, não basta comprovar que os recursos estaduais foram racionalmente aplicados[33] para garantir a sua continuidade, é também necessário evidenciar a boa utilização dos recursos privados como estímulo a estes. Ambas estas demonstrações podem ser acompanhadas de angariações de fundos, por serem momentos propícios à comprovação da utilidade e correcta afectação destes.
Numa sociedade tão dependente da imagem projectada no exterior, será uma forma bem estruturada de garantir novos financiamentos, a publicitação (quando autorizada) dos investidores privados, contribuindo para o seu sentimento de apoio real a uma “causa nobre” de inegável utilidade pública.
Resulta destas últimas considerações que a capacidade de atracção de novos doadores é essencial para a manutenção das ONGA, sendo recomendável, por isso, a preocupação em acompanhar a evolução dos apoiantes.
Por último, e como resposta aos ímpetos liberais que defendem a negatividade dos apoios fiscais por criarem uma relação de dependência sobre quem os recebe, as ONGA devem procurar adoptar uma estratégia de sustentabilidade, mesmo que tal seja apenas alcançável a longo prazo ou possa levar a uma afectação dos recursos racionalizada a favor de apenas específicos atentados contra o ambiente.
Parecem-nos carecidas de justificação as críticas em torno das actividades profissionais dos membros das ONGA, que acarretam múltiplos benefícios para estas, pela pluralidade de contributos, majorados quando se referem a recursos humanos especialmente qualificados nestas matérias, os quais, como já foi avançado, não poderiam subsistir com a remuneração a auferir da actividade prestada na ONGA. Assim, parece-nos demasiadamente cauteloso e pouco proveitoso o raciocínio de desconfiança delineado nestes termos, pois a alternativa será não ter contribuições especialmente informadas dentro das ONGA, o que impossibilitaria a prossecução efectiva das funções por elas assumidas.
Concluindo, se houver esta preocupação de publicitação da actividade, parece que serão afastados grande parte dos temores que recaem sobre as ONGA, quer a propósito dos incentivos públicos, uma vez que, como foi mencionado, são a maior fonte de financiamento das ONGA, que, como tal, não lhes pode ser subtraída, sem antes se ter promovido os apoios privados suficientes; quer em relação à profissionalização dos seus membros em matérias relacionados com o ambiente.




Conclusões

As ONGA são um actor essencial das políticas públicas em matérias concernentes ao ambiente, ao desempenharem um “papel decisivo, com vista à sedimentação da ideia de solidariedade como suporte essencial da utilização colectiva dos bens ambientais”[34].
Para lá dos direitos que lhes foram já consagrados, o que procurámos expor neste trabalho foi a urgência de se incentivar uma nova relação entre ONGA e Estado, conformes a uma nova realidade de actuação deste, mais conforme à parceria e menos propícia a actuações unilaterais, nas quais os particulares são renegados para um segundo plano dentro do procedimento, cuja decisão final é apenas conformada pelo ente público.
Numa área ainda por descobrir como o direito e a defesa do ambiente, devemos permitir a experimentação de diferentes modos de agir, em busca dos melhores resultados que garantam um desenvolvimento sustentável.
As ONGA, através da sua componente organizacional, como conjunto de pessoas especialmente habilitadas e preocupadas com questões ambientais, representam um parceiro particularmente capaz para confrontar a complexidade dos processos de análise de questões ambientais, cuja incorrecção pode provocar múltiplos prejuízos irreversíveis.
Ainda há um longo percurso na assunção das ONGA como parceiros credíveis, tanto na óptica do Estado, como na das próprias populações.
Procurámos elencar os maiores óbices de relacionamento com as ONGA, mas assinalando que não são irreversíveis, tudo dependendo de um primeiro esforço público de conhecimento próprio e de divulgação destas, para efectivar, em matéria ambiental, o principio da democracia participativa, o que apenas acontecerá pela compreensão da defesa do ambiente como um verdadeiro dever de cidadania ao qual não nos podemos escusar.
Somos um povo de brandos costumes e isso dificulta este despertar social, porém, já demonstrámos na nossa história, a veracidade do mote “A união faz a força”, só assim podemos garantir um efectivo controlo das políticas públicas e intervenções privadas susceptíveis de lesar interesses ambientais.
Quando as ONGA forem encaradas com seriedade pela população e pelo Estado, termina a necessidade de se imporem de um modo extremista que em nada contribui para a sua credibilização, por isso, preocupámo-nos em propor linhas orientadoras da sua actuação, que, em grande parte, recaiem sobre a origem do financiamento que recebem, porquanto só quando a névoa que recai sobre as ONGA se esvanecer e os cidadãos compreendam a dimensão de dever imposta pelo respeito do ambiente, aquelas serão melhor preparadas e irão ter um verdadeiro poder de atracção, o qual contribuirá para a sua confirmação como núcleo aglutinador de vontades, obstáculo a todas as intervenções lesivas do direito ao ambiente.
Cidadãos formados numa cultura ambiental asseguram representação pública e privada directamente responsável pelo seu agir, pela imposição de ponderar todos os interesses em causa, embora com a consciência que a fundamentalidade do bem ambiente nunca pode originar, sem avaliação em concreto, repressões a outros bens, igualmente merecedores de tutela.
Em suma, parafraseando Carla Amado Gomes, “quebrado o jejum de individualismo com o advento do Estado Social, a solidariedade carrega-se de sentido.[35] O que remete o Estado para um plano organizacional e faz avultar o papel de cada indivíduo no contexto da sua vivência comunitária”[36]. Os quais agregados nas ONGA possibilitam “trocas de experiências e conhecimentos extremamente salutares para a divulgação e enraizamento da missão colectiva de protecção do ambiente”[37].
[1] F. C. Fernandes, “O que é o Terceiro Sector”, in Terceiro Sector e Desenvolvimento Sustentado, 1994, pg.25-34
[2] Marta Sofia Pereira Grosso, “As ONGA como actores da política ambiental. O caso dos resíduos hospitalares”, dissertação de Mestrado em Estudos Europeus, Universidade Católica, Março 2000, pg. 76
[3] Idem.
[4] João Ferreira de Almeida, “Os Portugueses e o Ambiente: 1º Inquérito Nacional. Relatório Final, 1998
[5] João Ferreira de Almeida, “II Inquérito Nacional, Os Portugueses e o Ambiente”, 2001
[6] Nas palavras de Vasco Pereira da Silva
[7] João Ferreira de Almeida, “II Inquérito Nacional, Os Portugueses e o Ambiente”, 2001
[8] Idem.
[9] Por exemplo, à Liga para a Protecção da Natureza para a promoção do ciclo de debates subordinado ao tema “60 anos a pensar ambiente”
[10] Exemplificando, à Sociedade Portuguesa de Ecologia conferiu-se 620€, para participar na Reunião Anual da European Ecology Federation
[11] Entre os quais, o Grupo de acção e intervenção ambiental recebeu 630.76€ para editar a publicação “Dívida Ecológica - Quem deve a Quem?”
[12] Incluindo a verba de 425€ ao Fundo para a protecção dos animais selvagens destinados ao Boletim dos Clubes da Cegonha Branca
[13] Parafraseando, Marta Sofia Pereira Grosso, “As ONGA como actores da política ambiental. O caso dos resíduos hospitalares”, dissertação de Mestrado em Estudos Europeus, Universidade Católica, Março 2000, pg. 79: “À pergunta quantos sócios têm, a resposta surgiu assim: temos x, mas apenas y pagam quotas”.
[14] João M. S. Carvalho, in “Organizações não lucrativas. Aprendizagem organizacional, orientação de mercado, planeamento estratégico e desempenho”, Edições Sílabo, 2005, pg. 118
[15] Aprovado pelo Despacho n.º24208/2002, de 22 de Outubro (II série) do Secretário de Estado do Ambiente
[16] Art.º20 do Regulamento do Apoio financeiro às ONGA
[17] Obrigatório de acordo com a previsão dos art.º17 e 18 da Lei n.º35/98
[18] Art.º3º, n.º 2 e 3 do Regulamento do Apoio financeiro às ONGA
[19] Aviso n.º387/97, de 15 de Abril (II série), aprovado por despacho do Secretário de Estado adjunto da Ministra do Ambiente
[20] Já nos suscita maiores reservas a excepção a este regime para o caso das ONGA objecto de declaração de utilidade pública (art.º4, n.º5 Lei n.º35/98), visto esta ser da competência do Primeiro-ministro (art.º4, n.º2 Lei n.º35/98), competente também para ajuizar da sua cessação, porquanto algumas ONGA poderão encarar esta declaração como uma bonificação do Estado em virtude da conformidade da sua actuação com os propósitos deste, apesar de este ser um sentimento patológico, pois o dever de boa administração e o princípio da prossecução do interesse público obstam a actuações públicas motivadas por estes objectivos, sob pena de desvio de poder.
[21] Art.º5º, n.º3 do Regulamento do Apoio financeiro às ONGA
[22] Art.º13 e 14 do Regulamento do apoio financeiro às ONGA
[23] Art.º9 e 10 do Regulamento do apoio financeiro às ONGA
[24] Artº16 do Regulamento do apoio financeiro às ONGA
[25] Daniel Siqueira Pitta Marques, “A Questão da Avaliação da Legitimidade de ONGS”, in Cadernos de Pesquisa em Administração, v.12, nº2, Abril/Junho de 2005, pg.68
[26] Idem., pg.72
[27] Idem.
[28] Conselho Nacional do Ambiente e Desenvolvimento sustentável, in “Reflexão sobre o Acesso à informação, a Participação Pública nos Processos de Tomada de Decisão e o Acesso à Justiça”, pg.53
[29] Carla Amado Gomes, “Risco e Modificação do acto autorizativo concretizador de deveres de protecção do ambiente”, Dissertação de Doutoramento, FDL, 2006, pg.174
[30] Idem, pg.171
[31] Esta sugestão é de maior relevo quando, de acordo com o inquérito de 2001 a que temos vindo fazer menção, mais de 50% dos inquiridos preferem ter acesso à informação ambiental através dos meios de comunicação e 89.2% afirmam ser esta a única forma de acesso a esta informação, donde se retira que “Os portugueses, ao privilegiarem as fontes mediáticas e «domésticas», revelam-se mais passivos do que activos na procura da informação ambiental, preferindo que a informação venha ao seu encontro de uma forma fácil e prática, sem implicar grande esforço”, in João Ferreira de Almeida, “II Inquérito Nacional, Os Portugueses e o Ambiente”, 2001
[32] Como num outro trabalho realizado no âmbito da disciplina de Constitucional III afirmámos, o canal público de televisão tem uma função primordial para assegurar este direito, a qual é menosprezada ao ser relegada para o segundo canal, com audiências mais baixas do espectro nacional, ficcionando, deste modo, o cumprimento das obrigações que constitucionalmente lhe são atribuídas. Para mais, numa época de forte critica à concorrência do canal público no mercado da publicidade, este silenciaria muitas vozes se, para além de reservar no primeiro canal tempo de antena para as ONGA e outras organizações, assegurasse a transmissão de publicidade institucional.
[33] Exigência prevista no art.3º, n.º3 do Regulamento do apoio financeiro às ONGA
[34] Carla Amado Gomes, “Risco e Modificação do acto autorizativo concretizador de deveres de protecção do ambiente”, Dissertação de Doutoramento, FDL, 2006, pg.174
[35] Carla Amado Gomes, “Risco e Modificação do acto autorizativo concretizador de deveres de protecção do ambiente”, Dissertação de Doutoramento, FDL, 2006, pg.160
[36] Idem., pg.161
[37] Idem., pg.174 e 175

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