Responsabilidade penal das pessoas colectivas

A responsabilidade penal ambiental das pessoas colectivas constitui hoje uma questão em plena evolução. Nas palavras de Faria Costa, o homem passou a agir em sociedade através da personagem que a empresa representa. A empresa é a expressão da realidade social, é o modo de ser essencial das sociedades modernas, constituindo também o núcleo em redor do qual se podem conceber diferenciadas actividades ilícitas.

É hoje óbvio que o principal foco irradiador de problemas ambientais, com verdadeira capacidade, pelos meios técnicos mobilizados, de aniquilamento de inteiros ecossistemas, as mais das vezes a troco de enormes vantagens de índole económico-financeira, é constituído pelas pessoas colectivas. Sendo assim, e tendo como preenchido o pressuposto de que a empresa não é só o lugar onde e por onde mas também o de onde a criminalidade pode advir, é possível apresentar a empresa como um verdadeiro centro de imputação penal, aparecendo esta em paralelo ao lugar que o agente assume ao nível da doutrina geral da infracção criminal. Nestes termos, uma tutela penal idónea à protecção eficaz do bem jurídico ambiental deverá, uma vez ocorrido o dano, ou o perigo da sua verificação acima de grau considerado pela lei como suportável, estar em condições de proceder à punição dos seus agentes, sejam eles pessoas singulares ou colectivas, com as punições adequadas.

A punibilidade penal das pessoas colectivas deve assentar em razões substanciais, pelo que importa abordar a questão sob a égide do princípio da unidade do direito penal.

Figueiredo-Dias, partindo do postulado da necessidade, sustenta que “se em sede político-criminal se conclui pela alta conveniência ou mesmo imperiosa necessidade de responsabilização das pessoas colectivas em direito penal secundário, não se vê razão dogmática de princípio a impedir que elas se considerem agentes possíveis dos tipos de ilícito respectivos”.

Consagrados os crimes ecológicos na actual versão do Código Penal, há que esclarecer 3 pontos:

1. Compatibilização do princípio da culpa com a responsabilidade penal das pessoas colectivas;

2. Sanções penais adequadas às pessoas colectivas;

3. Solução prosseguida no campo dos crimes ecológicos.

1. Compatibilização do princípio da culpa com a responsabilidade penal das pessoas colectivas

A análise deste primeiro problema põe a descoberto uma questão fundamental que consiste na manifesta incapacidade das pessoas colectivas em suportarem um juízo de culpa. O reconhecimento da capacidade de culpa implica que se pressuponha a sua imputabilidade delitual, “isto é, a concreta possibilidade de actuar ilicitamente” (Frederico Isasca).

As pessoas colectivas são ainda uma expressão de liberdade em certos impérios, substituindo-se ao homem individual. Pelo que o critério da culpa será substituído pelo critério da liberdade, afinal o pressuposto primário da culpa. Como já acima descrito e de acordo com a opinião do Prof. Figueiredo Dias, a analogia com a dogmática do direito penal secundário e em coesão com o princípio da unidade do direito penal, é possível encontrar-se a legitimação da punibilidade das pessoas colectivas quer ao nível da fundamentação alicerçada no princípio da necessidade (onde predominam razões de prevenção), quer pela efectiva possibilidade de acção e capacidade de culpa.

Como compreender, então, a excepção do art. 11º CP?

No direito penal a atribuição de responsabilidade penal a uma pessoa colectiva é totalmente inovadora e, quando ocorra, só é plausível em situações excepcionais. É assim natural que a opção legislativa não tenha consagrado qualquer norma especial de adesão à excepção que transparece do disposto na parte inicial do art. 11º do CP, no domínio do direito penal do ambiente.

O referido art. 11º do CP obriga, ainda, a uma interpretação restritiva do conceito de culpa, afastando qua tal, e em obediência ao princípio da legalidade, a punibilidade das pessoas colectivas. Apenas torna operativo o art. 12º do mesmo código. É neste sentido que é urgente repensar legislativamente a matéria da responsabilidade criminal das pessoas colectivas por crimes ambientais e ecológicos.

Segundo Pedro Garcia Marques, seria aceitável uma criminalidade das pessoas colectivas em sentido sociológico já que, é certo, que não é admissível falar-se da criminalidade de pessoas colectivas em sentido jurídico, na medida em que não podem praticar crimes, por si mesmas, nem são sujeitos activos de infracções criminais. Seria uma criminalidade exclusiva das pessoas colectivas, distinta da criminalidade individual, que só poderia ser combatida através de medidas contra os próprios entes colectivos.

Basta a punição dos autores individuais para combater a criminalidade das pessoas colectivas? Parece-nos que não. Nem o titular do órgão nem a pessoa colectiva virão a sentir os efeitos da pena que venha a ser aplicada ao agente. Segundo João de Castro e Sousa, “A punição não atinge os actores do palco económico e social. Estes são as pessoas colectivas e não os órgãos”.

2. Sanções penais adequadas às pessoas colectivas

Tendo como limite da pena a culpa do agente e pressupondo que esta deriva de uma “vontade pessoal e livre”, será forçosa a conclusão de que uma pessoa colectiva é insusceptível de culpa, não sendo concebível a punição desta por uma pena. Aparece, então, como única alternativa à pena a medida de segurança.

Esta não tem qualquer fundamento ético, não se referindo à culpa e apresenta uma função inteiramente preventiva de defesa da sociedade.

3. Solução prosseguida no campo dos crimes ecológicos

A Comissão de Revisão do Código Penal, apercebendo-se da importância preponderante das pessoas colectivas como intensos agentes poluidores, estabeleceu, no art. 273º, nº4, do Projecto, a incumbência do legislador ordinário proceder à regulamentação da responsabilidade das pessoas colectivas por prática de crimes contra a natureza e de crimes de poluição. Tal referência não passou, todavia, ao texto final.

Até hoje, não foi gerada qualquer legislação avulsa que tenha procedido à definição dos termos de responsabilização das pessoas colectivas quando adoptem comportamentos integráveis no tipo de crimes ambientais criados.

Será, então, de concluir que apenas serão punidas, perante a aplicação dos artigos 278º e 279º, as pessoas individuais, não ultrapassando as suas condutas a “dimensão bagatelar” (Paulo Sousa Mendes). Desta forma não será possível atingir uma protecção idónea e real do bem jurídico ambiente, na medida em que ficam de fora as condutas que sobre ele têm maior gravida consequências definitivas.

0 comentários:


 

Copyright 2006| Blogger Templates by GeckoandFly modified and converted to Blogger Beta by Blogcrowds.
No part of the content or the blog may be reproduced without prior written permission.