O Acórdão do Tribunal de Justiça de 14/07/2001, Comissão das Comunidades Europeias contra Reino da Bélgica, trás uma decisão que poderá vir a ter impactos na ordem jurídica portuguesa. Como tal propomo-nos a identificar a questão que releva para a ordem jurídica portuguesa e ver quais as consequências da aplicação do critério do acórdão ao nosso direito interno.
O aresto em análise é um processo de incumprimento por não transposição correcta de Directivas Comunitárias. Para aquilo que aqui nos interessa alguma legislação interna belga não cumpria cabalmente as exigências do Direito Comunitário nomeadamente e citando o próprio acórdão “As disposições do direito belga destinadas a transpor as Directivas 75/442, 76/464, 80/68, 84/360 e 85/337 impuseram a obrigação de pedir uma autorização. Contudo, algumas destas disposições, nomeadamente as que figuram na regulamentação das Regiões da Flandres e da Valónia, prevêem um regime de concessão e de recusa tácitas das autorizações.” e também “Com efeito, se a autoridade competente não se pronunciar em primeira instância acerca de um pedido de autorização, considera-se que esta é recusada. Pelo contrário, em segunda instância, no silêncio da autoridade competente no prazo previsto, considera-se que a autorização é concedida”. Este conteúdo da legislação é segundo o entendimento do TJ incompatível com as obrigações impostas pelas referidas Directivas, facto que o TJ no próprio acórdão e fazendo menção de jurisprudência anterior afirma estabelecendo que o regime comunitário não se compadece com autorizações tácitas. Contra este facto de nada valeu a tentativa do Governo Belga de afirmar que não existia registo de ter acontecido qualquer decisão tácita, nem o facto de a autoridade Belga dizer que existiam instruções às autoridades administrativas para que essa situação nunca chegasse a acontecer ou ainda a ideia defendida pela autoridade de que esta decisão não implicava falta total de apreciação.
Isto é o resumo necessário do caso Belga, passemos agora aos impactos que os entendimentos defendidos pelo TJ podem ter em Portugal no que respeita à sua legislação de avaliação de impacto ambiental. O D.L. 69/2000 de 3 de Maio com a redacção dada pelo D.L 197/2005, rectificado pela Rectificação n.º 2/2006 transpõe para a ordem jurídica portuguesa as obrigações decorrentes em especial da Directiva nº 97/11/CE, do Conselho, de 3 de Março de 1997, que veio alterar a Directiva nº 85/337/CEE, precisamente aquela que estava em causa no caso Belga. A legislação portuguesa mencionada, ou seja, o D.L da AIA, consagra no seu art. 19º a figura do diferimento tácito, que é basicamente uma ficção legal de acto administrativo.
A doutrina portuguesa, nomeadamente o Prof. Vasco Pereira da Silva, criticam esta solução, este ultimo autor aponta aquilo que se pode chamar uma contradição axiológica ao afirmar que não tem sentido a instituição de um procedimento especial tão pormenorizado e complexo, que se justifica pela importância da decisão correcta para no final de contas dizer que se não houver decisão está decidido, e em sentido favorável.
No entanto esta crítica e outras que foram feitas não cabem no âmbito deste comentário, o que aqui importa chamar a atenção parece neste momento sair claro do corpo do trabalho. Sendo o regime de decisão tácita belga referente a uma decisão em segunda instância e como tal mais restrito do que o nosso, e não tendo nenhum dos argumentos apresentados pela Bélgica “comovido” o TJ, parece-me que o regime português se encontra em violação do Direito Comunitário devendo portanto ser alterado antes de ser sujeito a um processo por incumprimento.
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