"O direito fundamental ao ambiente constitui o fundamento para a criação de relações jurídicas ambientais (multilaterais) de natureza pública e privada" (Vasco Pereira da Silva).
Qual o sentido e alcance da afirmação?
A Constituição da República Portuguesa consagra como “tarefa fundamental do Estado” – alíneas d) e e), do artigo 9º- a defesa da Natureza e do Ambiente, assim como a promoção e efectivação dos “direitos ambientais”, constituindo este um princípio jurídico objectivo de tutela ambiental. Esta regra constitui “uma norma programática, que fixa um programa de actuação jurídico-estadual, o qual deve ser concretizado através da actuação dos diferentes poderes do Estado (legislativo, executivo e judicial)”, nas palavras de VASCO PEREIRA DA SILVA.
Porém, a Constituição não consagra apenas um princípio objectivo de protecção do Ambiente, consagra também um direito fundamental ao Ambiente – artigo 66º - o qual representa uma clara opção do legislador pela “defesa do ambiente através da protecção jurídica individual”, pelo facto de os direitos fundamentais criarem posições de vantagem na esfera jurídica dos indivíduos, posições essas erigidas contra o Estado, mas também contra outras entidades privadas. Os direitos fundamentais possuem uma dupla dimensão – objectiva e subjectiva - , porém, a natureza de direitos subjectivos – que visam a defesa individual - prevalece sobre a sua vertente objectiva pelo facto de a função de protecção do indivíduo perante agressões provenientes de poderes públicos e privados – ancorada no princípio da dignidade da pessoa humana – consistir na função principal dos direitos fundamentais (seguindo este entendimento, GOMES CANOTILHO E VASCO PEREIRA DA SILVA, contra, JORGE MIRANDA).
A consagração constitucional do direito fundamental ao Ambiente apresenta-se da maior importância na medida em que se apresenta como o fundamento da existência de relações jurídico-públicas de Ambiente, isto é, como o fundamento para a criação de “relações jurídicas ambientais (multilaterais) de natureza pública e privada”: permite o alargamento da titularidade de direitos subjectivos nas relações jurídicas ambientais, as quais deixam de ser vistas numa perspectiva bilateral autoridade administrativa/particular, passando antes a constituir verdadeiras relações jurídicas ambientais na medida em que permitem aos particulares titulares desse direito ao Ambiente deixarem de ser vistos como terceiros em relação à Administração e aos outros indivíduos que com ela entram em contacto, passando a ser considerados como sujeitos autónomos de uma relação jurídica ambiental multilateral e podendo fazer valer os interesses resultantes do seu direito fundamental ao Ambiente perante os outros sujeitos da relação jurídica ambiental – numa perspectiva clássica, sempre se consideraram como sujeitos dessa mesma relação a Administração enquanto representante do poder público a quem cabe a tarefa fundamental de protecção ambiental, e os indivíduos/outras entidades privadas enquanto agressores dos bens jurídicos ambientais - , passando a existir como que uma relação triangular que tem como sujeitos a Administração e o poluidor (potencial ou efectivo), mas também a vítima da poluição, que vê o seu direito fundamental ao Ambiente ser violado, por vezes de forma bastante gravosa.
Para protecção desse direito, são atribuídos pela lei aos particulares direitos de intervenção no procedimento administrativo, assim como uma tutela judicial efectiva, a qual se consubstancia quer seja pela via do recurso de anulação, quer seja pela via das acções de defesa de direitos, ou ainda, através de indemnização.
Em conclusão, percebe-se perfeitamente a afirmação de VASCO PEREIRA DA SILVA quando este considera que "o direito fundamental ao ambiente constitui o fundamento para a criação de relações jurídicas ambientais (multilaterais) de natureza pública e privada", na medida em que a consagração constitucional deste direito fundamental de terceira geração permite que deixe de caber unicamente ao sujeito Estado a tutela dos bens jurídicos ambientais, passando essa tutela a estar repartida entre o Estado e os particulares enquanto titulares de um direito fundamental ao Ambiente, os quais podem fazer valer os interesses assegurados por esse direito, passando a constituir mais um sujeito nas relações jurídicas de índole ambiental. Citando VASCO PEREIRA DA SILVA, in Pereira da Silva, Vasco; Verde Cor de Direito – Lições de Direito do Ambiente, “o recurso ao direito fundamental ao ambiente e a utilização da técnica da relação jurídica (bilateral e multilateral) permite-nos enquadrar todo o universo das ligações jurídicas neste domínio, as quais tanto podem ser estabelecidas apenas entre sujeitos privados, apenas entre sujeitos públicos, entre um sujeito público e um sujeito privado, ou ainda entre múltiplos sujeitos privados e públicos”.
João Marques, aluno nº 14733, Subturma 3
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