Trabalho para a cadeira de Direito do Ambiente

Silenciosamente prevaricando; DIA e deferimento tácito: o caso belga e o fado português


1. Introdução;
2. O caso belga;
3. O fado português;
4. Conclusão.


1. Introdução

Entende-se, tradicionalmente, por deferimento e indeferimento tácito os actos formados a partir da falta de decisão ou do silêncio da administração, durante determinado prazo e ao qual a lei liga automaticamente a produção de um determinado efeito jurídico.
Embora, e em boa verdade, se trate de um efeito que a lei atribui ao silêncio e não um acto tácito enquanto acto implícito, por comodidade de expressão e porque é essa a terminologia usada no diploma que prescreve o regime jurídico da avaliação do impacte ambiental (DL 69/2000, de 3 de Maio) – gozando já de alguma tradição na nossa ordem jurídica, maxime no CPA – seguiremos essa terminologia em detrimento do conceito que nos parece mais correcto de “acto silente” (1).
Qual seja a natureza jurídica do acto tácito – quer negativo quer positivo – é questão controversa e não despicienda. Temos para nós como boa a posição do Professor Freitas do Amaral, o acto tácito não é um acto administrativo (2) nem um mero pressuposto do recurso contencioso (3) mas sim “uma ficção legal de acto administrativo” (4), pois, caso seja um acto tácito positivo – como o previsto na AIA – gera todos os efeitos jurídicos típicos do acto administrativo expresso.
A afirmação atrás expendida não significa uma fuga à discussão da natureza jurídica da AIA, i.e., se é um verdadeiro acto administrativo ou um mero parecer. Se é verdade que a AIA é representada como um parecer na perspectiva da entidade licenciadora, também não é menos verdade que se “aproxima cada vez mais de um verdadeiro acto administrativo se analisada na sua perspectiva orgânica, competencial e material” (5).


2. O caso belga

Acórdão do Tribunal (Terceira Secção) de 14 de Junho de 2001.
Comissão das Comunidades Europeias contra Reino da Bélgica.
Incumprimento de Estado – Não transposição das Directivas 75/442/CEE, 76/464/CEE, 80/68/CEE, 84/360/CEE e 85/337/CEE – Poluição e perturbações – Resíduos – Substâncias perigosas – Poluição do meio aquático – Poluição atmosférica. - Processo C-230/00.·
No processo C-230/00,

Comissão das Comunidades Europeias, representada por H. van Lier, na qualidade de agente, assistido por M. H. van der Woude e T. E. M. Chellingsworth, avocats, com domicílio escolhido no Luxemburgo,
demandante,
contra
Reino da Bélgica, representado por A. Snoecx, na qualidade de agente,
demandado,
que tem por objecto obter a declaração de que, ao não adoptar as medidas legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para transpor integralmente as Directivas
- 75/442/CEE do Conselho, de 15 de Julho de 1975, relativa aos resíduos (JO L 194, p. 39; EE 15 F1 p. 129), na redacção dada pela Directiva 91/156/CEE do Conselho, de 18 de Março de 1991 (JO L 78, p. 32),
- 76/464/CEE do Conselho, de 4 de Maio de 1976, relativa à poluição causada por determinadas substâncias perigosas lançadas no meio aquático da Comunidade (JO L 129, p. 23; EE 15 F1 p. 165),
80/68/CEE do Conselho, de 17 de Dezembro de 1979, relativa à protecção das águas subterrâneas contra a poluição causada por certas substâncias perigosas (JO 1980, L 20, p. 43; EE 15 F2 p. 162),
- 84/360/CEE do Conselho, de 28 de Junho de 1984, relativa à luta contra a poluição atmosférica provocada por instalações industriais (JO L 188, p. 20; EE 15 F5 p. 43), e
- 85/337/CEE do Conselho, de 27 de Junho de 1985, relativa à avaliação dos efeitos de determinados projectos públicos e privados no ambiente (JO L 175, p. 40; EE 15 F6 p. 9),

O Reino da Bélgica não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 9. ° da Directiva 75/442, 3. ° , 4.° , 5.° e 7.° da Directiva 76/464, 3.° , 4.° , 5.° , 7.° e 10.° da Directiva 80/68, 3.° , 4.° , 9.° e 10.° da Directiva 84/360, 2.° e 8.° da Directiva 85/337 e do artigo 189.° do Tratado CE (actual artigo 249.° CE),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),
composto por: C. Gulmann, presidente de secção, J.-P. Puissochet e J. N. Cunha Rodrigues (relator), juízes,
advogado-geral: J. Mischo,
secretário: R. Grass,
visto o relatório do juiz-relator,
ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 8 de Março de 2001,
profere o presente

Acórdão

1. Por petição entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 9 de Junho de 2000, a Comissão das Comunidades Europeias instaurou, nos termos do artigo 226.° CE, uma acção destinada a obter a declaração de que, ao não adoptar as medidas legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para transpor integralmente as Directivas
- 75/442/CEE do Conselho, de 15 de Julho de 1975, relativa aos resíduos (JO L 194, p. 39; EE 15 F1 p. 129), alterada pela Directiva 91/156/CEE do Conselho, de 18 de Março de 1991 (JO L 78, p. 32),
- 76/464/CEE do Conselho, de 4 de Maio de 1976, relativa à poluição causada por determinadas substâncias perigosas lançadas no meio aquático da Comunidade (JO L 129, p. 23; EE 15 F1 p. 165),
80/68/CEE do Conselho, de 17 de Dezembro de 1979, relativa à protecção das águas subterrâneas contra a poluição causada por certas substâncias perigosas (JO 1980, L 20, p. 43; EE 15 F2 p. 162),
- 84/360/CEE do Conselho, de 28 de Junho de 1984, relativa à luta contra a poluição atmosférica provocada por instalações industriais (JO L 188, p. 20; EE 15 F5 p. 43), e
- 85/337/CEE do Conselho, de 27 de Junho de 1985, relativa à avaliação dos efeitos de determinados projectos públicos e privados no ambiente (JO L 175, p. 40; EE 15 F6 p. 9),
o Reino da Bélgica não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 9.° da Directiva 75/442, 3.°, 4.°, 5.° e 7.° da Directiva 76/464, 3.°, 4.°, 5.°, 7.° e 10.° da Directiva 80/68, 3.°, 4.° , 9.° e 10.° da Directiva 84/360, 2.° e 8.° da Directiva 85/337 e do artigo 189.° do Tratado CE (actual artigo 249.° CE).

Enquadramento jurídico

2. As Directivas 75/442, 76/464, 80/68 e 84/360 impõem aos Estados-Membros que adoptem as medidas úteis para se assegurarem de que a actividade ou a instalação que as mesmas regulam estão sujeitas a autorização prévia.
3. A Directiva 85/337 prevê, no seu artigo 2.°, que os Estados-Membros tomem as disposições necessárias para que os projectos que possam ter um impacto significativo no ambiente sejam submetidos a uma avaliação dos seus efeitos, antes de concessão da aprovação.
4. As disposições do direito belga destinadas a transpor as Directivas 75/442, 76/464, 80/68, 84/360 e 85/337 impuseram a obrigação de pedir uma autorização. Contudo, algumas destas disposições, nomeadamente as que figuram na regulamentação das Regiões da Flandres e da Valónia, prevêem um regime de concessão e de recusa tácitas das autorizações.
5. Com efeito, se a autoridade competente não se pronunciar em primeira instância acerca de um pedido de autorização, considera-se que esta é recusada. Pelo contrário, em segunda instância, no silêncio da autoridade competente no prazo previsto, considera-se que a autorização é concedida. Tal é, no essencial, o sistema previsto nos artigos 34.° a 42.° e 49.° a 55.° da Decisão do Governo da Flandres, de 6 de Fevereiro de 1991, que institui o regulamento relativo à autorização ecológica (Moniteur belge de 26 de Junho de 1991, p. 14269), e no artigo 11.° do Decreto do Conselho Regional da Valónia, de 27 de Junho de 1996, relativo aos resíduos (Moniteur belge de 2 de Agosto de 1996, p. 20685).

O processo pré-contencioso

6. Entendendo que o Reino da Bélgica não tinha transposto correctamente as Directivas 75/442, 76/464, 80/68, 84/360 e 85/337, a Comissão, por carta de 6 de Julho de 1998, interpelou este Estado-Membro no sentido de apresentar as suas observações, em conformidade com o procedimento previsto pelo Tratado em matéria de incumprimento de Estado.
7. Uma vez que esta carta ficou sem resposta, a Comissão dirigiu um parecer fundamentado ao Reino da Bélgica, em 18 de Dezembro de 1998.
8. Em 6 de Janeiro de 1999, a Comissão recebeu uma carta das autoridades belgas, à qual estava junta uma carta do Governo da Flandres de 8 de Dezembro de 1998. Nesta última, as autoridades flamengas formulavam as observações solicitadas pela carta da Comissão de 6 de Julho de 1998, insistindo, nomeadamente, no campo de aplicação limitado da autorização tácita e no número restrito de autorizações tácitas concedidas. O Governo da Flandres acrescentava que todas as autoridades competentes e todos os organismos consultivos envolvidos estavam bem informados das consequências de uma ausência de decisão, pelo que continuavam a zelar por que cada pedido de autorização fosse objecto de um exame aprofundado.
9. A resposta do Governo da Flandres ao parecer fundamentado, recebida pela Comissão em 15 de Março de 1999, reproduzia os argumentos formulados na sua carta de 8 de Dezembro de 1998. Aquele Governo regional acrescentava, porém, que uma autorização tácita não implica uma avaliação passiva ou uma negligência por parte da autoridade competente, uma vez que o pedido de autorização dava lugar a uma avaliação circunstanciada.
10. Por considerar que o Reino da Bélgica não tinha tomado todas as medidas necessárias para dar cumprimento ao parecer fundamentado, a Comissão decidiu instaurar a presente acção.

Quanto ao mérito

11. A Comissão alega que o Tribunal de Justiça já declarou que um sistema de autorizações tácitas é incompatível com as exigências da Directiva 80/68 (acórdão de 28 de Fevereiro de 1991, Comissão/Itália, C-360/87, Colect., p. I-791, n.° 31). Esta jurisprudência é igualmente aplicável às autorizações visadas nas Directivas 75/442, 76/464, 84/360 e 85/337.
12 O mecanismo de autorização tácita descrito no n.° 5 do presente acórdão é, por conseguinte, segundo a Comissão, incompatível com as disposições das directivas em causa.
13. Sem contestar o incumprimento que lhe é imputado, o Reino da Bélgica limita-se a indicar, na contestação, que o Governo da Flandres está a elaborar um projecto de decreto na matéria e que o Governo da Valónia adoptou, a este respeito, dois anteprojectos de decisões, bem como diversas medidas de aplicação do Decreto de 11 de Março de 1999 relativo à autorização ambiental (Moniteur belge de 8 de Junho de 1999, p. 21101).
14. A este respeito, deve recordar-se que o Tribunal de Justiça declarou, a propósito da Directiva 80/68, que esta «exige que seja sempre adoptado, após cada investigação e atendendo aos seus resultados, um acto expresso, de proibição ou autorização» (acórdão de 28 de Fevereiro de 1991, Comissão/Alemanha, C-131/88, Colect., p. I-825, n.° 38).
15. Por outro lado, como foi recordado no n.° 52 do acórdão de 19 de Setembro de 2000, Linster (C-287/98, Colect., p. I-6917), o objecto essencial da Directiva 85/337 é que, «antes da concessão da aprovação, os projectos que possam ter um impacto significativo no ambiente, nomeadamente pela sua natureza, dimensões ou localização, sejam submetidos à avaliação dos seus efeitos».
16. Resulta desta jurisprudência que uma autorização tácita não pode ser compatível com as exigências das directivas visadas pela presente acção, uma vez que estas prevêem quer, no que respeita às Directivas 75/442, 76/464, 80/68 e 84/360, mecanismos de autorizações prévias quer, no que respeita à Directiva 85/337, processos de avaliação que precedem a concessão de uma autorização. As autoridades nacionais são, por conseguinte, obrigadas, nos termos de cada uma destas directivas, a examinar, caso a caso, todos os pedidos de autorização apresentados.
17. Quanto às medidas complementares de transposição que as Regiões da Flandres e da Valónia estão em vias de adoptar, importa recordar que, nos termos do artigo 189.°, terceiro parágrafo, do Tratado, as directivas vinculam os Estados-Membros destinatários quanto ao resultado a alcançar. É de jurisprudência constante que esta obrigação implica o respeito dos prazos fixados nas directivas (v., nomeadamente, acórdãos de 22 de Setembro de 1976, Comissão/Itália, 10/76, Recueil, p. 1359, n.os 11 e 12, Colect., p. 559, e de 8 de Março de 2001, Comissão/Grécia, C-176/00, Colect., p. I-2063, n.° 7).
18. Nestas condições, deve concluir-se que, ao não adoptar as medidas legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para transpor integralmente as Directivas 75/442, 76/464, 80/68, 84/360 e 85/337, o Reino da Bélgica não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 9.° da Directiva 75/442, 3.°, 4.°, 5.° e 7.° da Directiva 76/464, 3.°, 4.°, 5.°, 7.° e 10.° da Directiva 80/68, 3.°, 4.°, 9.° e 10.° da Directiva 84/360, bem como 2.° e 8.° da Directiva 85/337.

Quanto às despesas

19. Por força do artigo 69.°, n.º 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas, se tal tiver sido requerido. Tendo a Comissão requerido a condenação do Reino da Bélgica e tendo este sido vencido, há que condená-lo nas despesas.

Pelos fundamentos expostos,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)
decide:
1. Ao não adoptar as medidas legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para transpor integralmente as Directivas
- 75/442/CEE do Conselho, de 15 de Julho de 1975, relativa aos resíduos, na redacção dada pela Directiva 91/156/CEE do Conselho, de 18 de Março de 1991,
- 76/464/CEE do Conselho, de 4 de Maio de 1976, relativa à poluição causada por determinadas substâncias perigosas lançadas no meio aquático da Comunidade,
- 80/68/CEE do Conselho, de 17 de Dezembro de 1979, relativa à protecção das águas subterrâneas contra a poluição causada por certas substâncias perigosas,
- 84/360/CEE do Conselho, de 28 de Junho de 1984, relativa à luta contra a poluição atmosférica provocada por instalações industriais, e
- 85/337/CEE do Conselho, de 27 de Junho de 1985, relativa à avaliação dos efeitos de determinados projectos públicos e privados no ambiente,
o Reino da Bélgica não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 9.° da Directiva 75/442, na redacção dada pela Directiva 91/156, 3.°, 4.°, 5.° e 7.° da Directiva 76/464, 3.°, 4.°, 5.°, 7.° e 10.° da Directiva 80/68, 3.°, 4.°, 9.° e 10.° da Directiva 84/360, bem como 2.° e 8.° da Directiva 85/337.

2. O Reino da Bélgica é condenado nas despesas.

Conclusões do advogado-geral Jean Mischo apresentadas em 8 de Março de 2001.

1. A acção proposta pela Comissão tem por objecto a declaração de que o Reino da Bélgica, ao não adoptar as medidas legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para transpor integralmente o artigo 9.º da Directiva 75/442/CEE do Conselho, de 15 de Julho de 1975, relativa aos resíduos (1), na redacção dada pela Directiva 91/156/CEE do Conselho, de 18 de Março de 1991 (2), os artigos 3.º, 4.º, 5.º e 7.º da Directiva 76/464/CEE do Conselho, de 4 de Maio de 1976, relativa à poluição causada por determinadas substâncias perigosas lançadas no meio aquático da Comunidade (3), os artigos 3.º, 4.º, 5.º, 7.º e 10.º da Directiva 80/68/CEE do Conselho, de 17 de Dezembro de 1979, relativa à protecção das águas subterrâneas contra a poluição causada por certas substâncias perigosas (4), os artigos 3.º, 4.º, 9.º e 10.º da Directiva 84/360/CEE do Conselho, de 28 de Junho de 1984, relativa à luta contra a poluição atmosférica provocada por instalações industriais (5), e os artigos 2.º e 8.º da Directiva 85/337/CEE do Conselho, de 27 de Junho de 1985, relativa à avaliação dos efeitos de determinados projectos públicos e privados no ambiente (6), não respeitou as obrigações que lhe incumbem por força do disposto no artigo 249.º CE bem como das referidas directivas.
2. Neste contexto, a Comissão expõe, sem ser contraditada pelo demandado, que tanto a regulamentação aplicável na Região flamenga como a aplicável na Região Valã recorrem ao mecanismo das autorizações tácitas no domínio da aplicação das directivas acima referidas.
3. Assim, nessas duas regiões, se a autoridade competente não reagir, em determinado prazo, a um pedido de autorização, este considera-se indeferido. Em contrapartida, em caso de recurso, a autorização considera-se concedida na falta de reacção da autoridade competente no prazo.
4. Ora, segundo a Comissão, é incontestável que tais autorizações tácitas são incompatíveis com as exigências das directivas acima referidas.
5. Compartilho desta análise.
6. Com efeito, tal como assinala acertadamente a Comissão, o Tribunal de Justiça já considerou que não se pode considerar que o mecanismo das autorizações tácitas (7) ou mesmo o dos indeferimentos tácitos (8) cumprem as exigências da Directiva 80/68.
7. Ora, não vejo razão para não alargar esta jurisprudência às outras directivas em causa nos presentes autos.
8. Com efeito, todas elas têm por objecto, entre outros, as autorizações a conceder a diversas actividades susceptíveis de afectar o ambiente. Além disso, todas elas têm em comum o facto de precisarem, por um lado, as condições detalhadas quanto aos dados que devem constar de tais autorizações e, por outro, as garantias de que se deve rodear a autoridade competente, que tem o dever de fixar, por meio de diversos estudos, um determinado número de elementos, antes de deferir a autorização pedida.
9. Daí verifico que, relativamente a todas essas directivas, se aplica a exigência de um acto expresso imposta pela jurisprudência acima referida.
10. Com efeito, tal como aliás alega a Comissão, na falta de tal acto, não é possível assegurar que as autorizações só sejam concedidas depois de reunidas todas as condições colocadas pelas directivas, tanto relativas ao conteúdo das autorizações como aos processos de estudos prévios à sua concessão.
11. O demandado admite, aliás, que, no estado actual da regulamentação das duas regiões em causa, essa garantia não existe.
12. Em contrapartida, realça os esforços que actualmente são feitos pelas autoridades em causa para resolver a situação, esforços que, contudo, ainda não deram resultado.
13. No entanto, há que lembrar que decorre de jurisprudência assente (9) que o incumprimento deve ser apreciado no termo do prazo fixado no parecer fundamentado. No caso presente, esse prazo era de dois meses a contar da notificação do parecer fundamentado, por carta de 18 de Dezembro de 1998.
14. Decorre do acima exposto que o incumprimento está demonstrado e que cabe julgar procedente o pedido da Comissão.

Conclusão

15. Nestas condições, proponho que seja julgado procedente o pedido da Comissão de que o Tribunal de Justiça declare que
O Reino da Bélgica, ao não adoptar as medidas legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para transpor integralmente o artigo 9.º da Directiva 75/442/CEE do Conselho, de 15 de Julho de 1975, relativa aos resíduos, na redacção dada pela Directiva 91/156/CEE do Conselho, de 18 de Março de 1991, os artigos 3.º, 4.º, 5.º e 7.º da Directiva 76/464/CEE do Conselho, de 4 de Maio de 1976, relativa à poluição causada por determinadas substâncias perigosas lançadas no meio aquático da Comunidade, os artigos 3.º, 4.º, 5.º, 7.º e 10.º da Directiva 80/68/CEE do Conselho, de 17 de Dezembro de 1979, relativa à protecção das águas subterrâneas contra a poluição causada por certas substâncias perigosas, os artigos 3.º, 4.º, 9.º e 10.º da Directiva 84/360/CEE do Conselho, de 28 de Junho de 1984, relativa à luta contra a poluição atmosférica provocada por instalações industriais, e os artigos 2.º e 8.º da Directiva 85/337/CEE do Conselho, de 27 de Junho de 1985, relativa à avaliação dos efeitos de determinados projectos públicos e privados no ambiente, não respeitou as obrigações que lhe incumbem por força do disposto no artigo 249.º CE bem como das referidas directivas.
16. Em consequência, proponho igualmente a condenação do Reino da Bélgica nas despesas.



Da análise do acórdão acima reproduzido, que condenou o Reino da Bélgica por não ter aprovado as medidas legislativas, administrativas e regulamentares necessárias à correcta transposição das directivas acima referidas, retira-se que, quanto a uma delas: a directiva n.º 85/337/CEE, do Conselho, de 27 de Junho de 1985, (já profundamente alterada pela directiva n.º 97/11/CE, do Conselho, de 3 de Março de 1997, relativa à avaliação de impacto ambiental), também o diploma português que procedeu à sua transposição (o DL 69/2000, de 3 de Maio) não o fez integralmente, não tendo o legislador português “resistido”, à imagem do legislador belga, à tentação de incluir um preceito estatuindo a aprovação tácita da Declaração de Impacto Ambiental (DIA).
Com a agravante de, no caso português, esse deferimento ser obtido num procedimento de primeiro grau, ou seja, enquanto no caso belga só se consagrou o deferimento tácito em fase de recurso de um DIA desfavorável (segunda instância), consagrando-se assim um indeferimento tácito em primeira instância, no caso português esse deferimento opera logo em sede de procedimento de DIA.
Ora, se as directivas em questão estabelecem todas as “condições detalhadas quanto aos dados que devem constar de tais autorizações” e quanto ao dever de as autoridades nacionais estabelecerem “um determinado número de elementos, antes de proferir a autorização” ficam os Estados-Membros vinculados à exigência de um acto expresso de autorização ou de proibição que implica a obrigação de aferir todos os pedidos de autorização apresentados (7).


3. O fado português

A directiva n.º 85/337, de 27 de Junho de 1985 tem-se revelado uma autêntica “pedra no sapato” para o legislador português.
Em 1999 a República Portuguesa foi demandada pela Comissão por tardia e deficiente transposição para a ordem jurídica interna da directiva comunitária sobre avaliação de impacte ambiental (6) na altura transposta pelo Decreto-Lei 186/90, de 6 de Junho, entretanto alterado pelo Decreto-Lei 278/97, de 8 de Outubro, e pelo Decreto Regulamentar n.º 38/90, de 27 de Novembro, alterado pelo Decreto Regulamentar n.º 42/97, de 10 de Outubro.
Na verdade, no âmbito do processo C-150/97 foram dirigidas ao Estado português nove acusações. Entre elas:

- a total ausência de transposição de categorias do Anexo II (eléctricos, metropolitanos ou linhas suspensas, oleodutos e gasodutos, aquedutos, marinas, etc.);
- desconsideração da natureza e da localização dos projectos, como importantes factores a considerar na decisão de sujeição dos projectos de avaliação de impacte ambiental;
- violação das regras relativas à consulta pública, ao não prever a colocação à disposição do público dos pedidos de aprovação, nem o como e o quando da informação do público;
- consagração da ausência de parecer, como acto tácito de conteúdo favorável;
- aplicação da legislação nacional apenas aos procedimentos autorizativos iniciados após a entrada em vigor da legislação nacional, e não a todos os procedimentos pendentes nessa data.

O desfecho do processo, apesar de desfavorável ao Estado Português, não assumiu as consequências fortemente gravosas que poderia ter assumido, em virtude da legislação intercalar entretanto adoptada em Portugal que veio a corrigir as mais graves deficiências do regime jurídico nacional da AIA. Tendo a Comissão desistido de todas as acusações excepto da elencada por nós em último lugar: a não aplicação da legislação nacional aos processos em curso após a entrada em vigor do Decreto-Lei 186/90, de 6 de Junho.
Mau grado os dois anos de atraso na transposição da directiva, argumentou o Estado Português que o princípio da segurança jurídica, consagrado no artigo 12.º do Código Civil, impedia a submissão de tais projectos ao regime da AIA.
O Tribunal de Justiça das Comunidades e a Comissão não deram razão – e bem – ao Estado Português, pois é jurisprudência constante do Tribunal que não podem os Estados-Membros invocar disposições do seu Direito interno para obstar ao cumprimento do Direito Comunitário.
O Estado Português invocou, ainda, que não tinha cumprido mas era sua intenção de vir a cumprir! Também este argumento não foi aceite e, de facto, Portugal veio a cumprir, mas fê-lo já no decurso da acção por incumprimento.

A consagração da ausência de parecer como acto tácito positivo, medida que já tinha sido alvo de acusação no processo movido pela Comissão contra o Estado Português, por constar do diploma que transpôs a directiva n.º 85/337, de 27 de Junho de 1985, artigo 5.º/3 do Decreto-Lei 186/90, de 6 de Junho, passou ao novo regime jurídico da AIA, estabelecido pelo Decreto-Lei 69/2000, de 3 de Maio. Assim, o artigo 19.º desse diploma, elucidativamente epigrafado de “deferimento tácito” dispõe no seu n.º 1: “Considera-se que a DIA é favorável se nada for comunicado à entidade licenciadora ou competente para a autorização no prazo de 140 dias, no caso de projectos constantes do anexo I, ou de 120 dias, no caso de outros projectos, contados a partir da data da recepção da documentação prevista no n.º 1 do artigo 13.º”.
O que dizer de tal opção legislativa!
Em primeiro lugar, não pode deixar de se estranhar tal decisão num regime em que a decisão negativa é sempre vinculativa. Na verdade, o legislador nacional, indo para além do exigido pela directiva, prescreveu que o acto de licenciamento ou de autorização de projectos sujeitos a AIA só pode ser praticado após notificação da respectiva DIA favorável ou condicionalmente desfavorável (cfr. artigo 20.º/1). Ou seja, resulta desta norma que uma DIA desfavorável determinará necessariamente o indeferimento do pedido de licença ou de autorização.
Em segundo lugar, a opção legislativa pelo deferimento tácito em sede de AIA causa admiração, atendendo que a regra geral vigente no direito português quanto ao sentido do silêncio dos órgãos administrativos, esgotados que estejam os prazos procedimentais para as suas decisões, é a do indeferimento tácito (8) (cfr. artigo 109.º/1 do CPA), exceptuando-se apenas os casos em que “a prática de um acto administrativo ou o exercício de um direito por um particular dependam de aprovação ou autorização de um órgão administrativo” (9) (artigo 109.º/1 do CPA).
Ora, no caso da AIA, e perante todas as restrições estabelecidas quanto ao licenciamento dos respectivos projectos, não é de considerar que o proponente goze de qualquer direito antes de iniciado o procedimento para tal licenciamento.
Também o respeito pelo princípio da prevenção – que impõe que as actuações com consequências ambientais sejam sempre consideradas de uma perspectiva ex ante, dando prevalência à redução ou eliminação das causas em detrimento da correcção dos efeitos – deveria ter levado o legislador a optar pela regra do acto tácito negativo e não pela excepção do acto tácito positivo.
Por fim, se a opção legislativa foi, e bem, a do indeferimento tácito no caso de projectos com impactes transfronteiriços (cfr. artigo 33.º/3), porque prevê-la caso o projecto tenha impactes ambientais exclusivamente nacionais, terá, porventura, o legislador nacional sentido receio que os prazos previstos para a emissão da DIA seriam curtos, com a intervenção de mais Entes, Ministério dos Negócios Estrangeiros e o(s) Estado(s)-Membro(s) envolvidos? Nesse caso, teria sido preferível a instituição de um prazo mais longo para os projectos com impactes nos outros Estados-Membros comunitários e, coerentemente, mantinha a previsão de deferimento tácito.

4. Conclusão

Conforme resulta da jurisprudência do Tribunal das Comunidades Europeias (TCE), o deferimento tácito, constituiu uma violação grosseira dos princípios e objectivos fixados pelas Directivas em matéria de avaliação de impacte ambiental e das regras de concorrência comunitárias, como ficou demonstrado com a condenação do Estado belga por aquele Tribunal.
Os prazos gerais de 120 e 140 dias, estabelecidos pelo legislador nacional para a avaliação de impacto ambiental, iniciados com a entrega do EIA pelo promotor à entidade licenciadora e terminando com a DIA pelo Ministro do Ambiente e Ordenamento do Território (10), são deveras curtos. Mas mais, mediante um simples exercício aritmético facilmente se constata que a soma dos prazos individuais para cada fase do procedimento ultrapassa os prazos gerais estabelecidos na lei, ou seja, em sede de AIA o deferimento tácito não visa ultrapassar a inactividade da Administração, pois mesmo que esta cumpra escrupulosamente os prazos, ainda assim pode haver lugar ao deferimento tácito, basta para tal que todas as entidades intervenientes no procedimento utilizam o prazo máximo colocado ao seu dispor.
O legislador português não foi totalmente insensível ao seu pecado original: o de consagrar a possibilidade de deferimento tácito apenas com base no estudo de impacte ambiental (EIA) apresentado pelo proponente. Assim, procedeu à reformulação do artigo 19.º/5 através do Decreto-Lei 197/2005 (já por sua rectificado pela Rectificação 2/2006). Se na versão original do Decreto-Lei 69/2000 se dispunha “no caso previsto no n.º, a entidade competente para o licenciamento ou autorização do projecto deve ter em consideração o EIA apresentado pelo proponente” estatui-se agora “no caso previsto no n.º 1, a decisão da entidade competente para o licenciamento ou autorização enuncia as razões de facto e de direito que justificam a decisão, tem em consideração o EIA apresentado pelo proponente e inclui, quando disponíveis, os restantes elementos referidos no n.º 1 do artigo 17.º do presente diploma” (11).
Com esta rectificação o legislador criou uma “válvula de escape” que pode obstar a uma condenação nas instâncias europeias por incorrecta transposição das directivas comunitárias. Com esta nova redacção terá ainda o legislador pretendido obstar às críticas doutrinais que eram movidas ao diploma em sede de deferimento tácito, pois não podia deixar de ser paradoxal que um regime que consagra uma DIA favorável ou parcialmente favorável como condição sine qua non para a emissão da licença ou autorização pela entidade licenciadora, sob pena de nulidade do acto administrativo, possa prever que o licenciador emita a licença com base numa ficção de AIA (12).
Chegados a este ponto, só uma decisão dos Tribunais Europeus poderá demonstrar se este “emendar de mão” do legislador nacional é suficiente para evitar mais uma condenação do Estado Português nas instâncias comunitárias.





Paulo Curral
Sub-turma 12
Aluno n.º 14354





Bibliografia;

- Esteves de Oliveira et alli, Código de Procedimento Administrativo Anotado – Almedina;
- Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo Vol. II – Almedina;
- Maria Alexandra Aragão, A Avaliação Europeia de Impacte Ambiental: a sina belga e a ventura lusa, in CEDOUA 1.99 pag. 87 e ss.;
- Maria Alexandra Aragão, José Eduardo Figueiredo Dias e Maria Ana Barradas, O Novo Regime da AIA: avaliação de previsíveis impactes legislativos, in CEDOUA 1.2000 pag. 71 e ss.;
- José Eduardo Figueiredo Dias, O deferimento tácito da DIA – mais um repto à alteração do regime vigente, in CEDOUA 2.2001 pag. 67 e ss.;
- Maria da Glória Ferreira Pinto Dias Garcia, Arguição da Dissertação de Doutoramento em Ciências Jurídico-Políticas do Mestre Luís Filipe Colaço Antunes, in Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, volume XXXIX, n.º 2 pag 839 e ss.;
- Vasco Pereira da Silva, Verde cor de Direito, Lições de Direito do Ambiente – Almedina;
- Luís Filipe Colaço Nunes, O Procedimento Administrativo de Avaliação de Impacto Ambiental: Para uma Tutela Preventiva do Ambiente – Almedina;
- Pedro Portugal Gaspar, A Avaliação de Impactes Ambientais, in Revista de Direito do Ambiente e Ordenamento do Território.




(1) Esteves de Oliveira et alli, Código de Procedimento Administrativo Anotado – Almedina.
(2) Marcello Caetano; Manual, I.
(3) André Gonçalves Pereira, Erro e ilegalidade no acto administrativo e Rui Machete, O Acto Confirmativo de Acto Tácito de Indeferimento e as Garantias de Defesa Contenciosa dos Administrados, in Estudos de Direito Público em Honra do Professor Marcello Caetano.
(4) Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo Vol. II – Almedina.
(5) Maria Alexandra Aragão, José Eduardo Figueiredo Dias e Maria Ana Barradas, O Novo Regime da AIA: avaliação de previsíveis impactes legislativos, in CEDOUA 1.2000 pag. 71 e ss.
(6) Processo C-150/97.
(7) Cfr. considerandos 4 e seguintes das observações do Advogado-Geral.
(8) Por todos; Esteves de Oliveira, op. cit. Vasco Pereira da Silva, Verde cor de Direito, Lições de Direito do Ambiente – Almedina.
(9) Aquilo que a doutrina normalmente qualifica como autorizações permissivas
(10) referimo-nos ao procedimento “clássico”, sem consideração das variáveis possíveis e dos casos especiais.
(11) Sublinhado nosso.
(12) Neste sentido, por todos, José Eduardo Figueiredo Dias, O deferimento tácito da DIA – mais um repto à alteração do regime vigente, in CEDOUA 2.2001 pag. 67 e ss.

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