Natureza Jurídica da Licença Ambiental

Uma das questões jurídicas que se colocam em torno das licenças ambientais prende-se com a natureza do acto administrativo que culmina o procedimento de conformidade ambiental.
Para VASCO PEREIRA DA SILVA, na sua concepção ampla de acto administrativo, “a licença ambiental possui a natureza de acto administrativo, enquanto decisão de realização do interesse público de efeitos jurídicos numa situação individual e concreta”[1] .
No mesmo sentido JOSÉ FIGUEIREDO DIAS, na esteira do ensinamento de ROGÉRIO SOARES, considerando todos os elementos que caracterizam um acto administrativo (decisão como estatuição autoritária, relativa a uma situação individual e concreta e produzida por um sujeito de direito administrativo) conclui que a licença ambiental é um acto administrativo.
Para além de tais elementos estarem presentes na licença ambiental, a questão do conteúdo da decisão é das mais relevantes. A verdade é que o DL nº194/2000 de 21 de Agosto não caracteriza a licença, no modo como estabelece os respectivos requisitos, como um parecer ou uma informação.
Seguindo uma tradição jurídica susceptível de críticas, também nesta regulamentação o legislador não se inibiu de definir o que entendia por licença no Art.2º nº1 alínea i) (“decisão escrita que visa garantir a prevenção e o controlo integrados da poluição proveniente das instalações abrangidas pelo presente diploma, estabelecendo as medidas destinadas a evitar, ou se tal não for possível, a reduzir as emissões para o ar, a água e o solo, a produção de resíduos e a poluição sonora, constituindo condição necessária do licenciamento ou da autorização dessas instalações”). Esta definição abre espaço a várias considerações. Embora não se consubstancie numa definição jurídico-dogmática, parece poder concluir-se que se trata de um acto administrativo, uma vez que o legislador se refere a uma decisão sujeita à forma escrita.
Contudo, não nos dá a conhecer, sem mais, qual a natureza da referida decisão, pelo que, levanta-se a questão de saber se estamos perante um acto administartivo autorizativo constitutivo de direitos ou apenas permissivo do exercício de direitos já existentes?! Ou seja, continuamos a procurar resposta á questão de saber se se trata de “um acto administrativo criador de direitos, mas também de deveres e encargos para o seu titular”[2] ou não.
ROGÉRIO SOARES, diz que as autorizações-licenças são actos administrativos em que o legislador permitiu que a Administração Pública “depois duma ponderação das especiais circunstâncias do caso, atribuísse ao sujeito privado o poder que lhe foi retirado, em termos de não suscitar ofensa ao interesse público”[3] . Ou seja, as autorizações são constitutivas de direitos na medida em que vêm permitir que um particular exerça uma actividade ou um direito que, à partida, lhe fora retirado para salvaguarda do interesse público. Já uma autorização permissiva implica, por seu turno, que o particular, mediante o cumprimento de certos requisitos legais, possa exercer um direito ou uma actividade, já integrante da sua esfera jurídica, mas sujeita a um controlo administrativo prévio para o respectivo exercício. Isto é, através da licença, a administração Pública remove os obstáculos ao exercício do direito que já estava na esfera jurídica do particular[4].
Por sua vez, para FREITAS DO AMARAL a autorização e a licença são uma espécie do género “actos permissivos” na categoria mais geral de “actos primários”. Isto é, serão actos que possibilitam a “alguém a adopção de uma conduta ou a omissão de um comportamento que de outro modo lhe estariam vedados”[5] . Distingue depois duas permissões, sustentando que a autorização se relaciona com direitos ou competências preexistentes, cujo exercício a Administração Pública vem permitir, sendo que a licença se caracteriza pela proibição legalmente estabelecida do exercício de uma actividade privada, proibição essa que vem a ser removida, não sendo o particular titular de qualquer direito (como no caso da autorização) face à Administração[6] .
A resposta à questão previamente enunciada, face a todas as divergências classificatórias doutrinais, deve ser encontrada através da análise do procedimento administrativo estabelecido neste diploma.
Todos os autores parecem convergir no sentido de nos encontrarmos perante um acto administrativo que concede vantagens ao particular, e parece inquestionável que o particular tem o direito, até constitucionalmente protegido, de desenvolver actividades económicas, onde se insere, designadamente a actividade industrial. No entanto, é duvidoso que fará parte do conjunto das faculdades associadas ao desenvolvimento de actividades económicas, incluir os valores ambientais que evidentemente aí se manifestam e cujo exercício está sujeito a autorização, interesses esses que cabe à licença tutelar.
O particular está hoje sujeito á obtenção de uma licença ambiental: há liberdade de actuação para o “particular para a prossecução de actividades privadas dentro de certos limites, mais ou menos apertados, em atenção à conciliação de interesses públicos e privados”[7] .
A Administração Pública vai controlar a actividade do particular, no que concerne ao interesse público ambiente, através do estabelecimento de um programa que consta do acto autorizativo. Se analisarmos o teor do disposto no artigo 10º do DL nº 194/2000, encontramos o dito programa: a licença inclui todas as medidas necessárias ao cumprimento das condições referidas nos artigos 8º e 9º a fim de assegurar a protecção do ar, da água e do solo, e de prevenir ou reduzir a poluição sonora e a produção de resíduos. Além disso, o nº2 deste artigo 10º refere a título exemplificativo, condições específicas: valores limites de emissões poluentes; medidas de monitorização,etc.
Também a caducidade faz parte do regime jurídico da licença ambiental. A caducidade enquanto fenómeno extintivo de um direito/obrigação, parece impedir, á partida que se possa sustentar a natureza constitutiva de direitos deste acto administrativo. JOSÉ ROBIN DE ANDRADE sustenta que a declaração de caducidade limita-se a “constatar a verificação de factos mercê dos quais se produz, ou se produziu já, a cessação dos efeitos jurídicos em virtude de assim ter sido previamente previsto e determinado (pela lei ou pelo próprio acto)” [8].
No caso da licença, a lei impõe que esta esteja sujeita a um prazo (termo), o tal facto previamente previsto ou determinado. Sem prejuízo, sublinha-se, de também se encontrar prevista a possibilidade de prorrogação do referido prazo e a duração da licença (temporalmente) ser bastante grande. Não se trata, portanto, de uma revogação (nem a previsão do prazo se pode considerar uma reserva de revogação) porquanto o decurso do tempo previamente previsto é um facto objectivo, facto esse que determina a cessação dos efeitos da licença.
Normalmente, a doutrina entende que os actos sujeitos a caducidade e que até podem ser revogados (em sentido próprio) por incumprimento dos modos impostos, são actos precários[9]. FILIPA CALVÃO entende que o acto precário se distingue “do acto sujeito a um termo final, sempre que esta cláusula se consubstancie na emissão de um novo acto, substitutivo do primeiro…è que o acto precário não assegura uma intervenção ulterior da Administração sobre a mesma situação jurídica”.
MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, em considerações preliminares na anotação ao Código do Procedimento Administrativo, a propósito da revogação, entendem, tal como JOSÉ ROBIN DE ANDRADE, que a situação da caducidadese deve distinguir da revogação. E uma das razões apontadas para a referida distinção passa, entre outras, pela “queda do prazo dentro do qual o acto poderia vigorar”.
Pelo que expusemos, parece que este tipo de actos administrativos não podem ser entendidos como actos constitutivos de direitos, mas apenas e só como actos administrativos permissivos. Olhando para o licenciamento industrial, não haverá muitas dúvidas que, integrando a licença ambiental o procedimento autorizativo-licenciador principal, se pode sustentar que tal acto administrativo contribui para o exercício de um direito que já existe na esfera jurídica do particular, mas que não pode ser exercido sem que antes a Administração Pública, entre outros controlos, avalie e proteja os interesses ambientais. Nesta perspectiva, o acto administrativo licença ambiental parece enquadrar-se nos actos autorizativos permissivos.

[1]In Verde Cor de Direito - Lições de Direito do Ambiente,Almedina,Coimbra,2002 p.207
[2]Vasco pereira da Silva, Verde…, cit., p.207
[3]Rogério Soares, Direito administrativo, Coimbra,1978, p.116
[4]Rogério Soares apresenta como exemplo de uma autorização permissiva do tipo em que a Administração mantém um poder de controlo -como será aqui o caso- a autorização de abertura de uma empresa tóxica ou perigosa.
[5]In Curso de Direito Administrativo, vol II,Almedina,Coimbra,2001,p.256
[5]In Curso…,cit.,p.257
[7]Carla Amado Gomes, A Prevenção à Prova no Direito do Ambiente”, Coimbra editora,200,p.71
[8]In A Revogação dos Actos Adinistrativos,2ª Ed, Coimbra Editora 1985,p.42
[9]Acto precário com o sentido do acto administrativo sujeito a termo e não com o sentido de acto que “se consubstancia na incerteza sobre a evolução da situação jurídica e material que serve de base sobre à regulação por ele fixada”, Filipa Calvão, Os Actos Precários…, p.67

Daniel Almeida nº14687

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