Comentário à Frase 1

"O direito fundamental ao ambiente constitui o fundamento para a criação de relações jurídicas ambientais (multilaterais) de natureza pública e privada" (Vasco Pereira da Silva).Qual o sentido e alcance da afirmação?"

Antes de passarmos à análise da afirmação, cabe-nos dizer qual a significação de relação jurídica multilateral ambiental.
No nosso entender esta apresenta-se como uma categoria de relações jurídicas que se caracteriza por se estruturar em torno de mais de dois sujeitos jurídicos com posições diferenciadas e ainda por relacionar a Administração, enquanto entidade decisora, com outros particulares para além dos destinatários directos do exercício da sua competência dispositiva; ou então por relacionar a Administração com outros órgãos da mesma pessoa colectiva ou de pessoas colectivas diversas da do órgão que exerce competência decisória, e ainda com os particulares directamente visados pela decisão em causa.
Dito isto, cabe analisar a afirmação do Prof. Vasco Pereira da Silva.
Com a entrada em vigor do novo CPTA, evolui-se para um multilateralismo, pois bem deixou de ser necessário alargar o conceito de direito subjectivo como fonte de legitimidade no Contencioso Administrativo, sendo que se equiparou direitos subjectivos a interesses legalmente protegidos, a nível constitucional, quer de um ponto de vista substantivo, quer do prisma da garantia adjectiva - nos termos dos artigos 266º/1 e 268º/4 CRP.
Deixando no contencioso de configurar uma concepção heliocêntrica de acto administrativo, as concepções unitárias, tais como a seguida pelo Prof. Vasco Pereira da Silva, revelam, salvo o devido respeito, uma fórmula vazia, meramente teórica e desnecessária do ponto de vista prático.
Além do mais, a nosso ver o bem em causa é insusceptível de apropriação individual específica, pelo que não se nos configura como um direito fundamental, o suposto direito ao Ambiente.
Ao invés, concordamos com CARLA AMADO GOMES, que a maneira de encarar o bem jurídico ambiente só é passível de ser entendida através de um dever fundamental de respeito ao Ambiente cuja individualização é assim possível.
Argumento decisivo, será o de autónomamente ser raríssimo alguém invocar o direito fundamental ao Ambiente perante as autoridades judiciárias, pois que é através do recurso à acção popular, tendo por detrás a ideia do interesse difuso, que os particulares fazem valer o seu suposto direito ao Ambiente, que na realidade é um interese difuso.
Ora, tradicionalmente, antes da consagração da tutela jurisdicional efectiva, o direito de recurso destinava-se a permitir ao particular lesado directamente nos seus direitos subjectivos pela actuação de uma Administração autoritária, reagir contenciosamente, pela via da anulação do acto administrativo num binómio interesse público versus particular.
Contudo assistiu-se a uma mudança de perspectiva, deixando de se verificar um contexto bilateral na actuação Administrativa, para passarem a ser ponderados todos os direitos e os vários interesses públicos e privados passíveis de afectação por parte de uma actuação Administrativa.
Assim, é neste contexto que o Prof. Vasco Pereira da Silva adopta a teoria da "Schutznorm" - sendo que considera que "o particular será titular de um direito subjectivo em relação à Administração sempre que de uma norma jurídica, que não vise apenas a satisfação do interesse público, mas também a protecção dos interesses dos particulares, resulte uma vantagem objectiva, concedida de forma intencional, ou ainda quando dela resulte a concessão de um mero benefício mas, nesse caso, decorrente de um direito fundamental."
Face ao novo Contencioso esta concepção, salvo o devido respeito, antes dotada de uma enorme importância prática, perde a maior parte da sua razão de ser, pois com este alcança-se o alargamento da legitimidade activa em função da titularidade da relação jurídica controvertida, superando a concepção restritiva do interesse, directo e legítimo.
Admite-se ainda a intervenção processual de terceiros - titulares de uma posição jurídica substantiva, interessados na definição da relação material controvertida, pelo que com este novo CPTA se alcança a inevitável indispensabilidade de fazer a ponderação dos diferentes interesses em jogo, quer sejam públicos ou privados, mas que são afectados pela actuação administrativa.

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