A questão em análise levanta o problema ,entre outros ,da natureza jurídica e operatividade dos Princípios de Direito do Ambiente, colocando-se o acento tónico na possibilidade de autonomização dogmática de certas máximas que, na opinião de CARLA AMADO GOMES, se circunscrevem a aplicações casuísticas ou se reconduzem a "considerações de oportunidade política", revestindo um carácter meramente ético.
Antes de entrar nesta discussão cumpre tecer algumas considerações sobre a própria noção de Princípio ; partindo de uma noção indicada por BOBBIO, "os princípios são normas fundamentais ou generalíssimas do sistema, as normas mais gerais", o que nos leva a concordar com palavras de SIDNEY GUERRA quando refere que "os princípios, que são mais genéricos e abstratos do que as regras, não estão subsumidos a uma situação de fato, possuindo uma dimensão de peso ou importância".
Salientando a função ordenadora dos Princípios, JORGE MIRANDA, diz-nos que estes "não se colocam, pois,além ou acima do Direito(ou do próprio Direito positivo); também eles [...] fazem parte do complexo ordenamental.";referindo igualmente que "os princípios, admitem ou postulam desenvolvimentos, concretizações, densificações, realizações variáveis. Nem por isso o operador jurídico pode deixar de os ter em conta, de os tomar como pontos firmes de referência, de os interpretar segundo os critérios próprios da hermenêutica e de, em consequência, lhes dar o devido cumprimento."
Partindo desta concepção de Princípio cabe referir qual o seu papel no Direito do Ambiente, atendendo ao seu carácter geral e função ordenadora, revelando a sua utilidade, segundo GOMES CANOTILHO, no facto de "serem um padrão que permite aferir a validade das leis, tornando inconstitucionais ou ilegais as disposições legais ou regulamentares ou os actos administrativos que os contrariem", como também "no seu potencial como auxiliares da interpretação de outras normas jurídicas" e ainda "na sua capacidade de integração de lacunas."
Como base jurídica dos Princípios de Direito do Ambiente, podemos indicar desde logo a Constituição da República Portuguesa que se ocupou desta matéria numa dupla perspectiva,ou seja, numa dimensão objectiva enquanto tarefa fundamental do Estado[artigo 9º d) e e)] e numa dimensão subjectiva, enquanto direito fundamental[artigo 66º], sendo estes concretizados na Lei de Bases do Ambiente, o que nos dá , na esteira de FERNANDO CONDESSO, "uma visão global do quadro básico em que assenta o nosso ordenamento jurídico, no domínio do ambiente, e de cujo conjunto resulta o verdadeiro sentido e alcance de todos os preceitos ambientais."
Diante deste cenário poderia, precipitadamente, afirmar-se que se estaria perante verdadeiros Princípios gerais de Direito do Ambiente com todas as suas características de generalidade e vinculatividade perante Administração Pública e particulares; contudo um dos principais problemas , tal como é apontado pela questão em análise, prende-se precisamente em definir quais os Princípios vigentes na matéria, havendo alguma divergência doutrinária em relação a alguns deles (em especial a autonomização do Princípio da Precaução face ao Princípio da Prevenção), não deixando, no entanto, de existir um certo consenso expresso pelo Legislador no artigo 3º da Lei de Bases do Ambiente.
Esta problemática fica a dever-se essencialmente, tal como nos indica VASCO PEREIRA DA SILVA, ao facto de se tratarem de "Princípios novos, alguns deles,[...] ainda "verdes", no sentido de que se encontram em "fase de maturação jurídica", o que é consequência do facto de resultarem de um «processo lento, de consciencialização social e de integração efectiva no ordenamento jurídico de novas ideias»( TOMÁS-RAMÓN FERNÁNDEZ).Daí a necessidade do seu tratamento e aprofundamento científico, ao nível de Direito do Ambiente."
Chegados a esta fase do comentário, estamos em condições de afirmar de que é o "tratamento e aprofundamento científico" que virá evitar que se caia em formulações vagas e sem força vinculativa, apresentando-se como máximas de carácter ético sem significado jurídico, como refere CARLA AMADO GOMES, quase sempre presentes nas agendas partidárias (somente em altura de campanha eleitoral!), imposto por um despertar social (infelizmente tardio) provocado por documentários norte-americanos de pendor sensacionalista, em conjunto com o "boom" de celebridades ligadas à defesa do meio-ambiente.
A construção da dogmática jus-ambientalista terá de partir da "Constituição do Ambiente", que considerando que "os princípios e valores ambientais representam bens jurídicos fundamentais,que se projectam na actuação quotidiana de aplicação e de concretização do direito, para além de imporem objectivos e finalidades que não podem ser afastados pelos poderes públicos e que é sua tarefa realizar.",seguindo a orientação de VASCO PEREIRA DA SILVA, o que implicará tarefas para o Legislador na medida em que "tem o dever de emitir normas necessárias à realização dos princípios e das disposições constitucionais ao ambiente.",podendo dar origem a inconstitucionalidades por omissão, como por acção; para a "Administração que se encontra vinculada pelas normas e princípios constitucionais"; e para os Tribunais que "na sua tarefa de julgamento dos litígios, devem concretizar as normas e os princípios em matéria de ambiente.
Analisando agora, mais em pormenor, os Princípios visados na questão - Precaução e Desenvolvimento Sustentável- podemos começar por afirmar em relação ao primeiro que ,não obstante as tendências autonomizadoras face ao Princípio da Prevenção na doutrina nacional e estrangeira, como também em legislação comunitária e portuguesa[como por exemplo o artigo 3º e) da Lei 58/2005], se perfilha a orientação professada por VASCO PEREIRA DA SILVA, nos termos em que " preferível à separação entre prevenção e precaução como princípios distintos e autónomos é a construção de uma noção ampla de prevenção, adequada a resolver os problemas com que se defronta o jurista do ambiente.", para tal o Professor apresenta razões de natureza linguística e de conteúdo material pois " algumas das interpretações defendidas acerca da ideia de precaução não são razoáveis enquanto princípio jurídico [...] a melhor maneira de defender o meio ambiente passa pela filtragem, de acordo com regras de "bom-senso", de algumas das preocupações inerentes a essa tentativa de autonomização principial, adoptando uma noção ampla de prevenção [...] e aplicação de um "princípio de prevenção" às construções dogmáticas de Direito do Ambiente."; o mesmo Professor apresenta ainda razões de técnica jurídica " já que o ordenamento português eleva a prevenção à categoria de princípio constitucional, com todas as consequências que isso implica relativamente à actuação dos poderes públicos."
Quanto ao Princípio do Desenvolvimento Sustentável, "enquanto condição de realização do direito do ambiente", o problema que se coloca-se noutros moldes (podendo, no entanto ,colocar-se a questão da sua assimilação pelo Princípio da Proporcionalidade na actuação da Administração Pública) , pois o "seu alcance inicial era, sobretudo , de natureza económica, visando chamar a atenção para a necessidade de conciliação da preservação do meio-ambiente com o desenvolvimento sócio-económico.",levantando-se assim a questão se este princípio pode apresentar uma dimensão jurídica; para VASCO PEREIRA DA SILVA este princípio " obriga assim à "fundamentação ecológica" das decisões jurídicas de desenvolvimento económico, estabelecendo a necessidade de ponderar tanto os benefícios de natureza económica como os prejuízos de natureza ecológica de uma determinada medida, afastando por inconstitucionalidade a tomada de decisões insuportavelmente gravosas para o ambiente.", já para GOMES CANOTILHO " a densificação do desenvolvimento sustentável não é isenta de dificuldades", mas no entanto " um conceito expandido de desenvolvimento sustentável não é incompatível com uma densificação normativa no campo do Estado Constitucional ecológico, de forma a tornar transparente a articulação entre desenvolvimento justo e duradouro e solidariedade com as futuras gerações."; pode então dizer-se, na senda destes dois Autores, que este Princípio apresenta já um carácter eminentemente jurídico, necessitando, no entanto, de concretizações normativas para uma maior aplicabilidade e determinabilidade do seu conteúdo, o que não impede a sua vigência na Ordem Jurídica Portuguesa.
Por último convém referir a relação dos Princípios de Direito do Ambiente com a Administração Pública, nomeadamente no campo da actividade administrativa , no que diz respeito à sua força vinculativa; neste aspecto segue-se ,mais uma vez, os ensinamentos de VASCO PEREIRA DA SILVA, entendendo que a Administração se encontra vinculada a estes Princípios, o que "significa a adopção pela ordem jurídica de critérios materiais de decisão, que obrigam a Administração Pública mesmo nos domínios da respectiva "margem de apreciação" e de decisão.", tendo como consequência para este Professor "que se trata de princípios autónomos, directamente vinculantes para a Administração, que criam parâmetros decisórios específicos em matéria de ambiente [...]geram por si só a invalidade das decisões administrativas.", concepção esta adoptada por três ordens de razões:" a)porque se trata de princípios jurídicos que decorrem, ou estão intimamente ligados ao direito fundamental do ambiente[...] b)porque o critério da proporcionalidade[...] se revela insuficiente para abarcar as especificidades dos princípios ambientais[...] c) porque face à nossa Constituição-de-Ambiente, a protecção ambiental possui a natureza de valor fundamental da ordem jurídica e tarefa principal do Estado, o que postula a necessidade de autonomizar os critérios específicos da dimensão ecológica de todas as decisões administrativas."
Em jeito de conclusão, pode dizer-se que o processo de construção dogmática jus-ambientalista se deve pautar pelo maior rigor jurídico, envolvendo neste processo o Legislador, a Administração Pública no exercício da actividade administrativa e também os Tribunais, na sua função de aplicação do Direito, não devendo estes agentes coibir-se de afirmar os Princípios de Direito do Ambiente, visto que a especificidade e carácter inovador a isso reclamam, contribuindo desse modo para uma tutela efectiva do direito fundamental ao Ambiente, constitucionalmente consagrado.
Quando se apela ao rigor jurídico, está-se a pensar sobretudo na ponderação das consequências jurídicas que a consagração destes Princípios acarreta para a Administração Pública e para os particulares; não sucumbindo,no entanto, á tentação de uma multiplicação infértil de produção normativa, quase sempre por via de normas programáticas, que carecem por sua vez de posterior concretização legislativa( que tarda,quase sempre, em ver a luz do dia) e que muitas das vezes redunda em novas normas programáticas!
Assim sendo, e para abandonar o campo das meras "boas intenções" políticas ,citando VASCO PEREIRA DA SILVA, "o grande desafio que se coloca actualmente à dogmática jusambientalista é o de « afinar ao máximo as técnicas jurídicas gerais e , em especial , as que respeitam ao controlo jurídico dos poderes discricionários".
Tiago Mateus nº13181 ST1
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