TOURADA - "Tradição presente nos países ibéricos que consiste na lide de touros bravos através de uma série de artes, a pé ou montando a cavalo. A lide passa por espetar no corpo do touro aguilhões que perfuram a carne, causando o esvaiamento em sangue do animal".
Bom, antes da definição já todos sabiamos ao que nos estávamos a referir. A verdade de uma tourada é esta, não há porque escondê-lo - " (...) aguilhões que perfuram a carne, causando o esvaiamento em sangue do animal".
Duro. Àspero. Rude. Grotesto. Irracional, diriam. Será assim tão linear?
A verdade é que esta tradição colhe o ódio e o repúdio de muitos mas também faz vibrar alguns Aqui fica uma breve análise da questão.
Em jeito de anotação, e até porque a questão partiu em muito deste ponto, importa relembrar que as touradas de morte foram proíbidas no tempo do Marquês de Pombal sendo que em 2002 a lei foi alterada para permitir touros de morte em locais justificados pela tradição (a tão emblemática vila de Barrancos).
Vamos então a uma das fações.
Para muitos as corridas de touros são um costume bárbaro mantido por um sector minoritário e ultrapassado da sociedade portuguesa. O que está em causa por detrás da bravura dos cavaleiros tauromáquicos e forcados será tão só a simples perseguição e molestação de touros e cavalos. Assim, a tortura passa a demonstração de cultura e a arte um simples sinónimo de violência.
Ao entrar na arena os touros já fortemente enfraquecidos e feridos sentirão um pânico e sofrimento atroz. A isto, e resumindo, seguir-se-à o sofrimento nos curros onde os arpões são finalmente retirados a sangue frio.
Sensionalista? O suficiente.
Verdadeiro? Também.
Existe quem defenda que a tourada é equiparada ao antigo costume do apedrejamento público. Aqui, talvez estejemos a ir longe demais. Bem longe.
Analisemos um outro lado.
À partida é normalissímo que não se goste de touradas mas pretender justificar este gosto denegrindo moralmente quem gosta é que é um exercício inadmissível. Parece à partida errado dizer que as touradas são coisa de monárquicos absolutistas, antes pelo contrário, são uma festa intrinsecamente popular e pacífica (veja-se a comparação com jogos de futebol).
O que prende então o povo à arena? O que faz com que se lancem flores e se aplauda uma lide?
Alguém escreveu que o que está em causa são dois mundos distintos mas que não correspondem necessariamente a progresso e regressão. Num o homem usa o animal em rituais e noutro as pessoas humanizam "bichinhos" de companhia compensando o artificialismo da sua vida enquanto os alimentam a latinhas num espaço não poucas vezes claustrofóbico. Podíamos escolher aqui um lado menos sensionalista que seria dizer que os animais não têm deveres, logo, não têm direitos - sabemos que este argumento dificilmente poderá ser defensável.
O que prende então os aficcionados?
A arte, a bravura, o destemor e o movimento contemplativo do toureiro. Defendem que os touros de lide são uma raça especialmente apurada que têm no toureio a sua única finalidade - se não existisse o toureio, não existiriam estes touros.
O toureiro respeita a bravura e a nobreza do seu touro que inclusivamente pode ser poupado através do "indulto" e assim contribuir para um posterior apuramente da raça. Vamos ser sinceros: é pelo espectáculo, pelo sangue a ferver que corre nas veias, pela dicotomia Homem - Animal, pelos instintos humanos mais ancestrais. Há quem reconheca a este espectáculo beleza e engenho.
Os toureiros e forcados que ferem o touro são também aqueles que lhes dedicam a sua vida.
Parece-me pouco honesto não deixar aqui o meu cunho pessoal.
Efectivamente percebo os dois lados, entendo-os e sobretudo RESPEITO-OS.
Sim, é verdade. Já aplaudi de pé uma lide e já me arrepiei enquanto alguém arriscava a vida só para nos agradar a nós, nas bancadas.
Isto significa necessariamente que não perceba a agressão que está em causa? Nem por isso. O que não percebo então?
Não percebo que, e centrando-me nos touros de Barrancos, se defenda que a morte não é para ver e que deixemos as nossas crianças passar o dia a exercitar a imaginação em jogos de computados salváticos sendo que, enquanto isto, vamos a correr comprar-lhes uma G3 de brincar mas que até "faz barulho" e parece "de verdade". Pois. A morte não é para ver e os touros de morte impressionam mas se ficarem nos curros a agonizar já não faz mal?
O touro é ferido. É. Mas há alguém a vestir-se de gala para entrar numa arena e chamar "lindo" ao touro que segundos depois lhe pode dar uma cornada fatal. Porque o faz? Por muitas razões, mas fá-lo certamente com paixão.
É este o segundo peso de uma balança...que existe.
O CRUCIAL? Para mim? Será ter uma opinião sem denegrir a contrária.
ISTO SIM DEVERIA SER CULTURA.
Etiquetas: Ana Rita Crespo st3
Antes de se poder fazer qualquer análise sobre este tema é necessário ter bem presente que o que aqui se trata mais do que gostar de assistir a um espectáculo é uma tradição com todo o peso e importância que uma tradição acarreta. Todos nós crescemos envoltos num mundo em que nos são incutidos gostos, prazeres e tendências e até mesmo opiniões e o que se passa numa tradição é esta injecção ao mais alto nível. Quando somos introduzidos numa prática tão fortemente reiterada e aceite, rodeados por pessoas que por ela possuem uma imensa paixão e muitas vezes deixamo-nos entrar nesse mundo sem ter a oportunidade de discernir, de reflectir, de analisar e ponderar se realmente aquilo nos desperta estes sentimentos que nos atraiam para esse mundo. E isso acontece porque as tradições nos são dadas a conhecer em crianças quando não temos ainda essa capacidade. Quando crescemos as tradições transformam-se em hábitos, em momentos de prazer, em divertimento, e pior, em paixões, paixões essas que agora, em adultos, não nos permitem fazer a mesma a análise que deveriamos ter feito antes de as conhecer. E o que acontece é que as tradições se enraízam.
O conflito que aqui se levanta é o de saber como conciliar esta enorme paixão por uma tradição com o bem estar de um animal que é instrumentalizado às mãos daqueles que se congratulam com tamanha bravura e destemor. E aqui, a tradição é mais importante que tudo? Sou obrigada a criticar a ênfase dada à reacção humana, à paixão, ao fervor, para justificar a existência desta tradição. Estes sentimentos explicam-na, sem dúvida, mas não podem servir para justificar, para consentir, para aplaudir uma tradição assente numa barbárie. O facto de ser um acto arrepiante, o facto de encher bancadas com aplausos e flores, o facto de admirarmos alguém que dedica a sua vida a esta arte não pode ser fundamento suficiente para a mesma existir. E porque não? Porque está em causa um sacrifício, um sofrimento, um inferno para um animal. E porque não podemos ignorar que é cruel e por isso mesmo se sentiu a necessidade de proteger os animais legalmente, o que revela que os eles importam, que não são meros sujeitos de um mundo no qual todos vivemos acreditando que somos os seus donos e que podemos dispor dele a nosso belo prazer.
Pergunta-se aqui o que prende o povo à arena. Muito mais do que uma tradição é um temor, sim porque o homem teme tudo aquilo que não pode dominar e jamais poderá dominar um touro. O que aqui se passa é a tentativa de superiorização do ser humano perante outro animal que lhe é visivelmente superior em inúmeras acepções e se assim não fosse o toureiro não estaria em cima de um cavalo armado com arpões. E neste sentido devo dizer que admiro os forcados, esses sim enfrentam um animal apenas com a sua própria destreza, esses sim possuem bravura. E isto sem esquecer o estado degradado em que o seu adversário se encontra no momento do confronto porque mesmo assim, não deixa de ser um fortíssimo adversário. A esses, aplaudo eu.
Relativamente à questão de Barrancos concordo totalmente, afinal, onde está a polémica da morte de um touro quando horas antes se produz um espactáculo de sofrimento que ninguém parece contestar? Parece-me que ficamos aqui em pé de igualdade, em ambos os casos existe uma crueldade aterrorizadora. É uma hipocrisia centrar a polémica naquilo que se passa após o “espectáculo” e ignorar o cerne da questão, o “espectáculo” em si.
Consigo compreender as touradas e consigo respeitar a paixão que move multidões no entanto, essa compreensão não é suficiente para deixar de as criticar, para deixar de defender que este espectáculo atroz e bárbaro não deveria ser permitido e pior, aplaudido. O peso de uma tradição não deveria ser suficiente para permitir o sacrifício que ela comporta.
Assim, devo admitir a minha visão de uma tourada como algo “Duro. Àspero. Rude. Grotesto. Irracional”, compreendendo ao mesmo tempo a paixão e acreditanto que muitos daqueles que a sentem também sentirão um conflito interno. Afinal, nem sempre é possível dirimir um conflito e este parece-me ser eterno.