O direito de acesso à informação não está consagrado constitucionalmente mas o Prof. Jorge Miranda filia-o em vários artigos: artºs 9,e); 66º; 20º,2; 37º; 48º no artº 268,1 e 2 CRP, no qual podemos identificar uma dupla dimensão: subjectiva (nº1, 268) – o acesso à informação é fundamental para que o cidadão compreenda o fundamento e o limite dos seus direitos face aos poderes públicos; objectiva (nº2, 268) o facto dos cidadãos terem esse direito de ter acesso às fontes de informação administrativa, controla a própria decisão administrativa e a intervenção no inter procedimental. Pode dizer-se que este direito assegura a discussão pública de certos temas, subtraindo-os ao total monopólio da administração, tal como afirma Carla Amado Gomes, essa partilha de “poder” que está associado à posse de informação, representa a democracia administrativa (democracia de gestão dos bens comuns) e mais, o direito de saber, o direito ao arquivo aberto! Na minha opinião, será o reverso da medalha, na medida em que se atribui esse poder aos governantes e a toda a administração por eles controlada, mas esse poder tem que ser controlado pelos próprios cidadãos, caso contrário teríamos um estado arbitrário, privilegiador de interesses pessoais e violador de direitos fundamentais. O direito do ambiente é um direito fundamental (artº 66ºCRP), tomo isso como garantido, pois relaciona-se com a qualidade de vida,a preservação dos recursos naturais, tudo o que é a base da nossa existência e como tal cabe a todos preservá-lo, conservá-lo, promove-lo e defende-lo – se todos têm direito a fui-lo, todos têm estes deveres, é o que a doutrina chama de ecocidadania. Essa promoção e defesa deste interesse público, é garantida de várias formas e uma delas é, efectivamente, o direito de acesso à informação ambiental.
A legislação nacional que versa sobre o assunto é recente: Lei 19/2006 de 12 de Junho (LAIA) que transpõe a directiva comunitária 2003/4/CE de 28 Janeiro. Antes desta lei, a matéria regia-se pela Lei 65/93 de 26 de Agosto (LADA) com as subsequentes alterações. Esta ainda está em vigor, mas com um âmbito mais alargado, pois regula em geral o acesso aos documentos administrativos e sua reutilização. Desta forma, a segunda é de aplicação subsidiária, como por exemplo na questão dos meios de impugnação: artº 14 LAIA em que se remete para a LADA.
A nível comunitário, a verdadeira fonte de regulamentação sobre a matéria temos inúmeros documentos. Em termos sucintos temos: Directiva 85/337/CE de 27 de Junho, Directiva 90/313/CEE de / de Junho, duas decisões do TEDH sobre a tutela imediata do ecosistema (problemática da poluição empresarial), a Convenção de Montego Bay, Declaração do Rio de 1992, a Convenção de Aarhus de 1998, que levou à supra citada Directiva 2003/4/CE, e o Regulamento 1367/2006 que faz aplicar as disposições a nível intra-comunitário da referida directiva, entre outros.
Depois desta sumária enunciação dos instrumentos de que dispomos, torna-se mais fácil a análise ao Ac. 136/2005 do Tribunal Constitucional. Estaria em causa o status activae processualis, que se traduz no caso concreto pelo poder de intervenção dos particulares no procedimento administrativo de contratação entre o próprio Estado e uma empresa estrangeira. A requerente (uma associação portuguesa de defesa do ambiente) pedia a consulta de dados com base no seu direito de acesso à informação sobre o ambiente. Embora a actual Lei 19/2006 ainda não estivesse em vigor, a requerente baseou o seu direito na mesma ideia que lhe está subjacente. Inovocou o artº 268º CRP e a inconstitucionalidade do artº 62,1 CPA e artº 10º da lei 65/93 de 26 de Agosto por violação do primeiro artigo enunciado. Perante a recusa da administração ao acesso, pela referida associação, dos documentos referente a este contrato entre o Estado e a Empresa em questão, a requerente considerou que estava em causa a colisão entre o direito à informação e os direitos à propriedade e iniciativa privada, com o inerente segredo industrial e comercial, tendo-se sobreposto um direito de natureza patrimonial a um direito de natureza pessoal que deveria prevalecer. Supostamente, estaria em causa uma possível violação do direito do ambiente, com a instalação unidade industrial, e como tal o acesso ao estudo de impacte ambiental seria essencial (tal como é previsto no artº 14 e 15 do DL 69/2000 de 3 de Maio), entre outros documentos, que foram todos recusados em nome do segredo industrial e da iniciativa privada. O tribunal acabou por concluir, efetivamente, que as normas em causa não seriam inconstitucionais por confronto com o artº 268 e que, não existia um real confronto de direitos. Na verdade, os artigos em questão estariam a concretizar a norma constitucional, dentro dos parâmetros da legalidade, seguindo alguma jurisprudência anterior. Venho manifestar a minha opinião sem sentido contrário, seguindo os votos vencidos do juiz conselheiro Mário Torres e da juiza conselheira Mª Fernanda Palma. O direito de acesso á informação não é, de forma nenhuma, um direito absoluto e inquestionável mas deve ser lido no seguimento do princípio da publicidade e da transparência da administração pública. Os juizes em questão consideram que a interpretação dada pelo TC viola o princípio da proporcionalidade na restrição ao direito à informação, resultante das disposições conjugadas dos artigos 18.º, n.º 2, e 268.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa (CRP). Na verdade, temos que ter em conta o princípio da proporcionalidade em toda a sua dimensão: necessidade e adequação. Era necessária a consulta pela requerente dos documentos em causa?! Penso que sim, em nome do princípio da precaução e da prevenção (artº 3, a) e b) da Lei de bases do ambiente) e da ecodidadania. Seria adequada a consulta, e foi adequada a recusa total?! Penso que a consulta seria, de facto, adequada tendo em conta a legitimação da requente, até como representante da defesa do ambiente em nome de vários cidadãos, e como entidade competente e informada sobre a matéria podia fazer uma boa avaliação das consequências ambientais. Por outro lado, considerando que os princípios do direito de acesso à informação e o direito à propriedade privada tal como ao segredo industrial não estariam numa relação de hierarquia mas de concurso como se afirma no acórdão: “Estaríamos, assim, na presença de uma colisão de direitos consagrados constitucionalmente cujas características não apontam para a existência de uma relação de hierarquia (uma vez que pertencem à mesma categoria de direitos fundamentais) nem de generalidade e especialidade.” , pelo que a ponderação a fazer não era de prevalência de um sobre o outro em termos absolutos, mas uma ponderação casuística – ver no caso concreto se o direito de acesso à informação podia prosseguir, mas tendo, por exemplo acesso só a alguns documentos e não a todos, excluindo aqueles relacionados com o segredo industrial. Esta sim seria uma solução equilibrada: “Só através de uma casuística ponderação, com vista a uma possível harmonização dos referidos direitos em causa, nomeadamente através do critério metódico do melhor equilíbrio possível entre direitos colidentes poderá ser solucionada a questão, dando a possível satisfação ao interesse invocado pelo requerente, sem desvendar ou violar a confidencialidade dos documentos que porventura contenham segredos comerciais ou industriais e se mostrem incorporados no processo em causa.”, pelo citado e pelo seguimento da jurisprudência do TC como no Acórdão n.º 254/99. Esta solução corresponderia assim, a uma das três vias possíveis previstas na Lei 19/2006 – resposta ao pedido de informação parcialmente positiva (artº 12 LAIA), excepto se estivessemos perante um fundamento de indeferimento: artº11, 6 legalmente legitimado.
Deixo, por fim, uma referência curiosa sobre o assunto, a nível comunitário: http://ww1.rtp.pt/noticias/index.php?article=324621&visual=26&rss=0
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