Será que hoje se pode falar num Direito Penal do ambiente?
Na perspectiva tradicional, do modelo francês, a tutela penal existia como reforço das políticas da administração, as sanções penais tinham como objectivo assegurar assegurar que os regulamentos e as ordens seriam cumpridas(valor de obediência).
Não poderá ser esta a perspectiva a adoptar, a intervenção penal tem de ser fundamentada e legitimada quanto à sua intervenção no ambiente: é necessário a protecção do bem jurídico, enquanto bem este é colectivo, pertence a toda a comunidade. A Lei de Bases do ambiente, no seu artigo 5º/2/a define o que é ambiente e a CRP no 9º/e impõem a defesa do ambiente como uma das tarefas fundamentais do Estado e no 66º/1 é atribuído o direito ao ambiente a todos nós. O Direito Penal só intervém onde seja consensual para a sociedade que aquela actuação é desconforme com o Direito(pois o nosso Direito Penal é um direito de culpa). Incriminar uma conduta não pode criar contradições valorativas no sistema e tem de existir uma ineficácia dos outros meios para a protecção do bem jurídico. Certo é, que a qualidade de vida é imprescindível para o Homem, para o presente e futuro é necessário assegurar que os actos de uns não dignifiquem a vida de outros.
Figueiredo Dias sustenta que os crimes contra o ambiente são simultaneamente crimes de dever(e neste sentido de desobediência) e de resultado(podem provocar danos).
A reacção punitiva da ordem jurídica contra agressões ambientais é um fenómeno recente, bem como o próprio Direito do Ambiente em si mesmo como um Direito autónomo. Surge uma discussão na doutrina sobre a tutela sancionatória do ambiente, devendo esta ser realizada pela tutela administrativa ou penal.
os defensores da tutela sancionatória, concebem a via administrativa como a mais eficaz, argumentam que é a forma mais célere e eficaz, pois contrapõem o procedimento administrativo ao processo judicial. Desta forma é possível abranger as pessoas colectivas e singulares, alargando assim o número de responsáveis pela prática de actos danosos. Apontam ao Direito Penal o inconveniente de este imputar a responsabilidade a pessoas singulares( uma vez que não se pode aplicar a pena de prisão a uma pessoa colectiva). Verificam ainda uma incompatibilidade destes dois Direitos, uma vez que o Direito ao Ambiente assenta no princípio da prevenção(tentar antecipar danos futuros e a melhor forma de preservar o ambiente), o Direito Penal orienta-se pela repressão dos comportamentos anti-jurídicos. Um outro argumento é a dificuldade existente em "apanhar e condenar"o agente infractor, são crimes muitas vezes impossíveis de provar quem foi o seu agente. Por último, refere o autor Hassemer que o Direito Penal é «um instrumento auxiliar da Administração» pois deixa de ser o juiz a controlar a delimitação da infracção para passar a ser a Administração Pública.
Surgem vozes discordantes desta tese e que defendem a tutela penal como a melhor forma de tutela sancionatória. Primeiro porque a existência de crimes ambientais confere ao Ambiente uma dignidade jurídica maior, o facto de constar no Código Penal esse elenco a par da protecção da vida e do património, o ambiente surge como um bem jurídico "forte", carecendo de uma tutela eficaz. Sendo considerado crime ambiental, é assegurado a todos os cidadãos meios de defesa decorrentes da exigência do processo penal(princípio do oficiosidade, legalidade, acusação, contraditório...). Consolidam a sua posição, apontando as desvantagens da tutela ambiental ser feita pela via administrativa. os particulares deparam-se com as suas garantias de defesa diminuídas, pois apesar de poderem intervir no procedimento administrativo (através de participação procedimental, e se for num processo judicial pela acção popular-confere legitimidade activa jurisdicional), a transferência do processo judicial para o procedimento administrativo encara o sujeito de forma diferente(o processo penal oferece mais garantias). As actuações contra o ambiente ficam submetidas a sanções pecuniárias, o que para muitos infractores não constitui um verdadeiro problema e transformam a protecção do ambiente numa realidade secundária; pode ainda transformar a actividade poluente como lucrativa, pois é encarada como um custo da actividade.
Analisando as diferentes perspectiva, ponderando os argumentos a favor e contra é necessário tomar posição. sendo racional não adoptar uma posição extremista, a melhor forma é encontrar uma fórmula equilibrada das duas soluções. as sanções penais devem estar ligadas com as sanções de natureza administrativa, cada uma com o seu campo de aplicação relacionado para a sua área de intervenção, de forma a assegurar uma tutela satisfatória ao bem jurídico ambiente, esta é a minha visão.
O Professor Vasco Pereira da Silva entende que a via mais correcta é a junção das duas vertentes, sendo que uma completa a outra e só assim é possível atribuir uma protecção digna ao Ambiente.
A tutela ambiental nos crimes ambientais tem de estar tipificada(esta é uma exigência do Direito Penal, os crimes tem de estar expressamente previstos na lei) e sujeitos a fortes medidas que desincentivem o infractor, sendo para tutelar crimes mais graves. A tutela contra-ordenacional está mais vocacionada para a reparação do dano, servindo para acções menos gravosas.
O nosso ordenamento jurídico prefere o modelo sancionatório pela via administrativa, o que se depreende pelo elenco limitado de crimes ambientais e porque a maior parte dos delitos ambientais são sancionados por contra-ordenações.
Na minha perspectiva, nos dias de hoje o Direito Penal do Ambiente assume cada vez mais importância. Todos temos a noção do perigo que é a exaustão dos recursos naturais, a necessidade crescente de conciliar o desenvolvimento económico e as decisões políticas com a protecção do ambiente.
O legislador em 1995 introduz no Código Penal ilícitos que protegem directamente o Ambiente, surge desta forma um verdadeiro Direito Penal ecológico. O bem jurídico ambiente é encarado pela comunidade como um bem fundamental que carece de tutela. Na tarefa de protecção do Ambiente, não pode o Direito Penal prescindir do Direito Administrativo, pois é a Administração Pública que define os critérios agressores ao ambiente, a solução razoável é actuarem em conjunto.
Surge desta forma o crime 278º, 279ºe 280º com uma estrutura mista, o 278º prêve crimes de dano contra a natureza, o 279º um crime de poluição e o 280º um crime de poluição de perigo comum. A classificação do crime de poluição faz a doutrina divergir quanto à sua classificação: Fernanda Palma concebe-o como crime de perigo concreto, Teresa Quintela De Brito como crime de perigo abstracto-concreto, Paulo Sousa Mendes como crime de perigo abstracto.
As alterações introduzidas na lei penal, e o catálogo hoje existente não respondem por completo aos desafios colocados na actualidade, porém é possível dar uma resposta mais satisfatória aos atentados contra o ambiente. Esta tutela autónoma do Ambiente surge com a progressiva tomada de consciência pela comunidade da gravidade da degradação ambiental.
Depois desta exposição, respondo afirmativamente à questão inicial, hoje existe um Direito Penal do Ambiente em crescente evolução. É de aplaudir esta opção legislativa(crimes ambientais) pois cada vez mais é fundamental encontrar soluções que apresentem resultados positivos. Deixo um apelo aos magistrados do nosso país, apliquem as respectivas penas aos crimes ambientais, fazendo com que todos respeitem o Ambiente e não o encarem como algo secundário.Este tipo de crimes mostra que o bem jurídico ambiental é tão fundamental como os outros tutelados pelo Direito Penal.
Todos os anos arde uma dimensão considerável do nosso país, já é uma noticia que não nos surpreende, mas o mais provável é que não se tenha consciência que muitos dos danos provocados são irreversíveis. Ao arder uma floresta, são árvores que ficam extintas, é o solo que fica poluído, o fumo que contamina a atmosfera, é uma catástrofe com repercussões em diversificados patamares.
As coisas têm de mudar, sobretudo consciencializar a sociedade que o ambiente é de todos e a todos merecido, fazendo de cada um de nós garante do mesmo.
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