"(...) Só a consagração de um Direito Fundamental ao Ambiente (...) pode garantir a adequada defesa contra agressões ilegais, provenientes quer de entidades públicas quer de entidades privadas." Vasco Pereira da Silva
Comentário:
A evolução do tempo e consequentemente das mentalidades trás consigo, inegavelmente, novas concepções, novos enquadramentos, novas estruturas e novas preocupações. Assistimos pois, hoje, a uma nova consciência ecológica que recuando alguns anos não era, nem de perto, tão vincada como a que agora nos é dada a conhecer. No fundo, apercebemo-nos cada vez mais da necessidade de preservação da natureza dada a indesmentível perenidade dos recursos o que faz com que a defesa do ambiente seja, tal como o diz o Professor Vasco Pereira da Silva, um problema cívico da máxima importância. Para além do crescente interesse da opinião pública passa cada vez mais a existir uma preocupação ambiental a nível estadual e internacional que se traduz na luta pela salvaguarda do ambiente procurando evitar as consequências nefastas e muitas vezes irreversíveis trazidas por uma política de irresponsabilidade.
Posto isto, importa estabelecer o cerne da questão avançada pelo Professor sendo que o que está em causa, numa primeira linha, será a forma como a Constituição se ocupa da problemática ambiental. A Lei Fundamental apresenta, já o sabemos, uma estrutura bifronte no que respeita a esta matéria uma vez que de um ponto de vista objectivo encontramos o ambiente enquanto tarefa fundamental do Estado (art 9º alíneas d) e e) CRP) e de um ponto de vista subjectivo, o estabelecimento de um Direito Fundamental ao ambiente e à qualidade de vida (art 66º CRP). Assim, os direitos atinentes ao ambiente ficam sujeitos ao regime dos Direitos, Liberdades e Garantias (arts 17º e ss. CRP) e ao regime dos Direitos económicos, sociais e culturais. Objectivo fulcral: harmonização e optimização de todos os direitos.
A primeira questão a colocar, ainda antes da análise da esfera de protecação avançada pela lei constitucional, será saber se se consagra de facto um Direito Fundamental ao ambiente. A dúvida, apesar de podermos já adiantar uma resposta positiva, surge nos termos também elencados por Vasco Pereira da Silva: não estaremos perante uma tarefa estadual disfarçada? Analisemos.
Ab inicio podemos considerar a definição de Direito Fundamental. Tal como o indica o Professor Jorge Miranda, os Direitos Fundamentais podem ser entendidos em sentido formal e em sentido material. Em sentido formal temos em conta tão só a sua consagração na Lei Fundamental. Quanto ao sentido material, falamos de direitos inerentes à própria noção de pessoa, direitos que constituem a base jurídica da vida humana no seu nível actual de dignidade. Como enquadrar nesta sede o Direito do ambiente? Penso pois que o podemos fazer de forma quase intuitiva o que se comprova pela relevância recorrente do ambiente em quase todos os novos textos constitucionais. Conhecemos, defende-o a doutrina, uma verdadeira Constituição ambiental.
O legislador constituinte pronunciou-se inequivocamente sobre a questão - art 66º CRP. O outro ponto de análise, a doutrina, não é infelizmente tão claro e coloca a possibilidade de se tratar de uma tarefa estadual disfarçada dada a necessidade de intervenção do Estado para a concretização da disposição constitucional em causa. Tal como o entende Vasco Pereira da Silva, e de resto grande parte da doutrina, os Direitos Fundamentais estão intimamente relacionados com a dignidade da pessoa humana sendo que os parâmetros de avaliação desta mesma dignidade se alteram ao longo do tempo tendo o Direito a obrigação de acompanhar a mudança e dar resposta a novas questões. Em que se traduz? Os Direitos Fundamentais têm certamente de ser alargados e daí conhecermos o conceito de gerações de Direitos Fundamentais. No nosso caso, estará em causa a 3ª geração, fruto de um Estado Pós-Social, que revela uma vertente "garantista" dos Direitos Fundamentais - é este o resultado da constante e necessária reconstrução da Lei Fundamental. Dada esta nova realidade, e tendo em conta a introducão que fizemos acima, pensamos que será de concluir que estaremos perante um verdadeiro e próprio Direito Fundamental que apesar de novo beneficia da mesma dignidade.
Mas de que forma se garante a defesa contra agressões de entidades públicas ou privadas? É esta, no fundo, a questão que nos é colocada.
Não esquecendo a vertente social deste direito e a sua consagração tendo em conta a dignidade da pessoa humana temos que considerar a sua vertente negativa - criação de uma esfera protectora de agressões. Tanto as entidades estaduais como as privadas são pois obrigadas a absterem-se de tomar iniciativas que colidam ou lesem gravemente este direito constitucionalmente consagrado. No que respeita à vertente positiva, como se adivinha, esta "obriga à intervenção dos poderes públicos de modo a permitir a realização plena e efectiva dos direitos".
Em suma, é o facto do Direito ao ambiente se traduzir em Direito Fundamental que assegura a sua melhor protecção uma vez que impõe balizas estreitas no que respeita a actuação de poderes públicos ou privados. Os direitos ambientais consagrados no texto constitucional mais não são que direitos de defesa das pessoas perante estes poderes - são imediatamente aplicáveis e a sua vinculação é inultrapassável.
Daria sobretudo um maior relevo à estrutura negativa que visa no fundo a abstenção, o non facere, a verdadeira conservação do ambiente que se fará em primeira linha e precisamente pela ausência de qualquer tipo de lesões. É sobretudo este o escudo trazido pelo texto fundamental, a proibição de agir ilegalmente. Que concluir? A integração do ambiente no quadro dos Direitos Fundamentais obriga a radicais alterações de comportamentos por parte do Estado e dos cidadãos em geral e é precisamente esse o maior trunfo de que se dispõe face a actuações lesivas. Assim, o papel do texto constitucional é de grande protagonismo no movimento da tutela jurídico-ambiental: cada vez se implementa um sistema mais lato e eficaz de protecção.
Etiquetas: Ana Rita Crespo st3