O direito de acesso à informação surge no art.268º nº1 e 2 da Constituição de 1976, numa dupla dimensão:
No nº1 surge numa dimensão subjectiva, na medida em que a informação e o acesso às suas fontes são essenciais para que o cidadão compreenda o fundamento e o limite dos seus direitos em face dos poderes públicos. No nº2 surge numa dimensão objectiva, visto que o controlo da transparência da decisão administrativa depende da possibilidade dos cidadãos se informarem e serem informados sobre os passos do iter procedimental. Como refere SÉRVULO CORREIA, os nº1 e 2 do art.268º da CRP são manifestações de uma realidade: o princípio da publicidade ou transparência da Administração. No entanto, algo os distingue: o direito à informação dos interessados insere-se num quadro subjectivo e cronológico de um procedimento concreto; o direito de acesso à documentação administrativa existe independentemente de qualquer procedimento administrativo. Esta diferença está bem patente na sistemática da lei procedimental (CPA), traduzindo-se o nº1 do artigo 268º da CRP nos artigos 61º a 64º do CPA, e o nº2 do artigo 268º no artigo 65º do CPA.
A partilha do “poder” que está associada à posse da informação representa um estádio de evolução superior do Estado de Direito. Este amadurecimento da ideia de que a democracia se realiza através do procedimento, gerando um status activae civitatis (na terminologia de Jellinek), explica, porventura, a ausência do direito à informação nas Constituições anteriores à Constituições de 1976 e mesmo do texto desta, relativamente ao nº2 do art.268º (introduzido na revisão Constitucional de 1989).
O ambiente enquanto valor de interesse público e colectivo induz a solidariedade entre os membros da comunidade no sentido da prevenção de condutas lesivas de bens essencialmente frágeis e fundamentais ao equilíbrio do ecossistema global.
A protecção ambiental é uma tarefa partilhada entre entidades públicas e privadas, sendo que, do ponto de vista do sujeito, traduz-se no dever de proteger o ambiente -dimensão impositiva - e em dimensões pretensivas, de natureza procedimental e processual.
Como diz CARLA AMADO GOMES, “o imperativo de protecção do ambiente investe cada indivíduo na dupla qualidade de credor e devedor: é um dever de cada pessoa, cujo cumprimento reverte, quer a favor de si própria, quer a favor dos restantes membros da comunidade, existentes e futuros. O interesse na preservação e promoção da qualidade dos bens ambientais pressupõe uma certa concepção de vida em comunidade, ou seja, é um interesse de realização comunitária, solidária, assente numa cidadania activamente empenhada no respeito e promoção da causa ecológica - uma ecocidadania”.
O acesso à informação ambiental assume, por si só, diversas dimensões:
Uma dimensão de participação política, que se traduz num simples desejo de estar informado sobre as intervenções, públicas e privadas, em bens de fruição colectiva;
Uma dimensão pedagógica, dotando o individuo do conhecimento essencial à determinação da sua interacção, nos planos pessoal e profissional, com o ambiente;
Uma dimensão instrumental, no seu entrelaçamento com o direito à participação na tomada de decisões com incidência ambiental.
Ainda que o direito à informação ambiental não esteja expressamente consagrado na Constituição, parece-nos de subscrever a posição de JORGE MIRANDA, quando filia este direito nos artigos 9º alínea e), 66º, 20º/2, 37º, 48º e 268º/1 e 2 da CRP, interpretados no contexto do Estado de Direito democrático que conta entre as suas tarefas fundamentais a da protecção do ambiente.
O Direito Internacional e Comunitário:
Foi em 1990 que a Comunidade Europeia despertou para a necessidade da consagração formal de um direito à informação ambiental, através da directiva do Conselho 90/313/CEE, de 7 de Junho. Importante foi a aprovação da directiva 85/337/CEE, de 27 de Junho, que foi a primeira directiva sobre a avaliação de impacto ambiental, uma vez que esta permitiu uma consciencialização do acesso à informação como instrumento essencial da participação pública e do incremento da vigilância partilhada da qualidade ambiental. Um papel importante teve também a Jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, que, apesar de não ter a seu cargo a protecção do ambiente, proferiu em 1990 duas importantes decisões nas quais, através da tutela da personalidade e apelando ao artigo 8 (direito à inviolabilidade do domicílio e à privacidade), se alcançava uma tutela mediata do ecossistema (Casos Powell and Rayner de 21 de Fevereiro de 1990 e Caso Nuclear Plant de 17 de Maio de 1990). A doutrina viu nesta jurisprudência uma forma de sustentar, através da ligação ao artigo 10 da Convenção ( liberdade de informar e ser informado), um verdadeiro direito de acesso à informação ambiental a que corresponde um dever estadual de a publicitar, sempre que a informação tenha relevância generalizada ou para um grupo numeroso de pessoas – características que a informação ambiental reveste.
No entanto, nenhum destes quadros assume no direito à informação como um direito absoluto.
Ainda em 1990, com a criação da Agência Europeia para o Ambiente (Regulamento 1210/90 de 7 de Maio), a Comunidade dotou-se de uma estrutura permanente e centralizada de tratamento e difusão de informação ambiental.
Na Conferência de Sofia, que se realizou em Outubro de 1995, reuniram-se os Ministros do Ambiente de 55 países europeus, passando a escrito um conjunto de directrizes sobre o direito à participação pública em matéria ambiental e todas as faculdades a ela inerentes, a montante (informação) e a Jusante (acesso à justiça). Desse documento não vinculante, saiu o apelo para que os Estados se determinassem a tornar estes direitos uma realidade, tendo este alerta resultado num intenso processo diplomático entre 1996 e 1998, que integrou Estados e Organizações não governamentais. Deste esforço resultou a Convenção de Aarhus, assinada a em 25 de Junho de 1998 por 35 Estados e pela União Europeia.
A assinatura da Convenção de Aarhus pela União Europeia teve duas consequências fundamentais, que foram a revisão da directiva 90/313/CEE, através da directiva 2003/4/CE de 28 de Junho, do Parlamento e do Conselho, e a aprovação do regulamento 1367/2006 de 6 de Setembro, relativo à aplicação das disposições da Convenção no âmbito intra-comunitário.
A Convenção de Aarhus visa harmonizar os pressupostos de exercício de três direitos: o direito de acesso à informação ambiental (artigos 4º e 5º), o direito de participação em procedimentos tendentes à aprovação de actividades específicas (artigo 6º) e de planos, programas e políticas em matéria de ambiente (artigos 7º e 8º), e o direito de acesso à justiça (artigo 9º). Na sequência da ratificação pela A.R. da Convenção de Aarhus e em virtude da necessidade de transposição da directiva 2003/4/CE, sobre direito à informação ambiental, Portugal criou um diploma específico sobre o acesso à informação ambiental, a Lei 19/2006, de 12 de Junho (LAIA), que se assume, em virtude da natureza pública e colectiva do bem ambiente, como lei especial relativamente à Lei de acesso aos documentos administrativos (Lei 65/93 de 26 de Agosto – LADA), sendo esta última de aplicação subsidiária (artigo 18º da LAIA).
A Lei de Acesso à informação ambiental:
O artigo 4º da LAIA, em virtude da necessidade de promover a “cidadania ambiental”, estabelece as tarefas a que estão vinculadas as autoridades públicas no âmbito da divulgação da informação.
A artigo5º dispõe sobre o dever de actualização, activa e sistemática, da informação ambiental, que deverá ser progressivamente disponibilizada em bases de dados electrónicas facilmente acessíveis ao público através de redes públicas. A actualização da informação é um imperativo em sede ambiental, uma vez que se verifica uma célere mutação do estado de preservação dos elementos naturais e uma progressiva consciencialização das entidades públicas e privadas para a necessidade da sua protecção.
O acesso á informação ambiental pode traduzir-se em duas modalidades, nomeadamente, a mera consulta de dados e a obtenção documentada de dados informativos (artigo 6º nº2 e 3).
O requerente tem direito a uma resposta sobre o pedido de disponibilização da informação no prazo de 10 dias, seja ela positiva (artigo 9º nº1 alínea a)) ou negativa (artigo 13º). Na opinião de CARLA AMADO GOMES ainda que o artigo 9º nº1 alínea b) aponte um prazo de um mês (nos casos em que a autoridade pública não tenha a informação tratada e coligada), a Administração deve sempre responder-lhe, ainda que suspensivamente, no prazo de 10 dias, a fim de o esclarecer da dilação, sob pena de o requerente poder presumir que a Administração não pretende fornecer-lhe a informação e avançar espuriamente para a apresentação de uma queixa à Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (nos termos do artigo 104º/2 do CPTA), ou mesmo para a propositura de uma intimação judicial para consulta de documentos.
A resposta ao pedido de disponibilização da informação pode ser positiva, parcialmente positiva (artigo 12º), negativa ou nenhuma das três, em virtude de o acesso à informação dever ser diferido para momento posterior (artigo 11º nº2 e 5).
O artigo 6º nº2 assume grande importância uma vez que estabelece os fundamentos de indeferimento (á semelhança do artigo 4º nº4 da Convenção de Aarhus e do artigo 4º nº4 da directiva 2003/4/CE).
A lei estabelece três cláusulas flexibilizadoras dos fundamentos de recusa de acesso à informação ambiental, nomeadamente, no artigo 11º nº7 que neutraliza o efeito fundamentante da recusa nos casos das alíneas a),d),f),g) e h), sempre que o pedido de informação se referir a fontes de emissões poluentes; no artigo 11º nº8 que impõe a interpretação restritiva dos fundamentos de indeferimento e os submete ao crivo da proporcionalidade; e no artigo 12º, onde se estabelece o principio da preferência da disponibilização parcial sobre a não disponibilização, sempre que a distinção entre dados acessíveis e não acessíveis seja facticamente possível.
Sempre que o requerente se defrontar com uma resposta negativa ou apenas parcialmente positiva, ou mesmo com uma não-resposta, pode reagir intra-administrativamente, apresentando queixa à Comissão de acesso aos Documentos Administrativos (CADA), nos termos do artigo 16º da LADA.
Ao recorrer à intervenção da CADA, o requerente não perde o direito de accionar judicialmente o órgão faltoso. O meio processual mais adequado e eficaz para fazer face a estas situações é a intimação para a prestação de informações, consulta de processos e passagem de certidões, nos termos dos artigos 104º e sgts do CPTA. Trata-se de um processo especialmente célere e sumário, que pode ou não ser acessório de uma acção principal para cuja instrução os documentos cujo acesso é recusado se revelam fundamentais.
Daniel Almeida nº14687
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