Direitos dos Animais?

A problemática suscitada pelo presente texto prende-se com a existência ou não de direitos dos animais. Sem dúvida que os animais, por toda a sua importância no ecossistema merecem um olhar atento do legislador, por forma a que a tutela da sua preservação seja uma realidade dos ordenamentos jurídicos de todo o mundo. Contudo, parece-nos excessivo adoptar a posição que defende a existência de verdadeiros direitos dos animais com o mesmo sentido com que se fala em direitos das pessoas.

Com o decorrer dos tempos e com as modificações sociológicas assistimos a um fenómeno, cada vez mais notório nos países ditos desenvolvidos, de humanização dos animais. A preocupação com o reino animal faz todo o sentido e deve ser defendida incondicionalmente, contudo não devemos permitir uma banalização daquilo a que entendemos ser uma construção do Homem para o Homem – o Direito.

Estender aos animais a titularidade de direitos subjectivos, numa perspectiva pessoal, é excessivo e deve ser vista com a devida atenção, sob pena de uma profunda descaracterização do conceito de Direito.

Não obstante, actualmente, podemos sintetizar em três blocos o posicionamento dos juristas perante as questões ambientais: a total desconsideração ecológica; a preocupação e tentativa de resolução da problemática ambiental, harmonizando com todos os restantes direitos; e, o “ecofundamentalismo”.

Ora, é na visão “ecofundamentalista” que nasce a ideia de personificação das realidades da natureza e com estas a defesa de direitos subjectivos de animais.

Esta posição suscita, com o devido respeito, uma certa confusão sobre os conceitos que compõem o direito do ambiente num todo. Neste sentido o direito do ambiente é fruto da conjugação de um plano de direitos subjectivos das pessoas relativamente ao meio ambiente e, de um outro, de direitos objectivos enquanto meio de tutela dos bens ambientais, implicando um conjunto de “deveres objectivos (de actuação e de abstenção), tanto das autoridades legislativas, administrativas e judiciais, como privadas ( Prof. Vasco Pereira da Silva).

São, deste modo, realidades diferentes. O direito do ambiente, numa construção subjectiva nasce com a necessidade de integrar a preservação do ambiente no âmbito de uma condição fundamental da vida humana e, neste sentido, dever ser visto como um direito fundamental. Só entendido enquanto direito fundamental, o direito do ambiente encontra uma adequada defesa contra as agressões resultantes da acção humana tanto numa perspectiva de sujeitos privados como de entidades públicas.

Partir de uma concepção de direito do ambiente enquanto direito fundamental permite uma correcta ponderação de todos os valores em presença na existência humana enquanto realidade que o Direito pretende tutelar.

Nesta perspectiva torna-se impossível defender uma posição fundamentalista do ambiente e, designadamente, a aceitação do conceito de direito dos animais.

O Direito não trata os animais como sujeitos jurídicos, não lhes sendo reconhecida personalidade e, consequentemente, capacidade jurídica. Aceitar que os animais possuem direitos subjectivos despoleta uma contradição basilar na construção da ordem jurídica, levantando, desde logo, a questão: como concretizar direitos subjectivos sem sujeitos jurídicos que lhes correspondam?

Apenas duas soluções poderiam ser apontadas para esta questão. Ou reformaríamos, num todo, a concepção de direitos subjectivos, desfigurando por completo a sua linha mestra, que é precisamente a correspondência de um direito subjectivo a um sujeito jurídico; ou, reforçamos a clareza do conceito e defendemos que apenas ao ser humano é reconhecido direitos subjectivos pelas ordens jurídicas.

Salvo melhor opinião, a minha posição aponta no sentido deste último caminho. Direito subjectivo é, e deverá continuar a sê-lo indiscutivelmente, um meio de protecção jurídica directa e imediata de um interesse que relaciona um sujeito jurídico e um bem, mediante a concessão de um feixe de poderes ou faculdades, destinado a assegurar a realização do interesse protegido e que inclui o recurso à tutela jurisdicional (Prof. Marcelo Rebelo de Sousa)

Não obstante, em momento algum desvalorizo a necessidade de defesa dos animais. Os animais são elementos integrantes da natureza e a protecção desta obriga à “tomada de medidas destinadas à salvaguarda futura do equilíbrio fundamental” (Prof. Vasco Pereira da Silva). O ser humano deve ter consciência do compromisso moral que tem perante a preservação do meio ambiente e esse dever é consagrado através de normas jurídicas enquanto resultado de uma concepção sociocultural de Direito.

Preservar o ambiente, adoptando uma postura predominantemente subjectiva, em nada impossibilita a defesa do ecossistema e em particular dos animais. Deve caminhar ao lado da concepção subjectivista, a tutela objectiva dos bens ecológicos, pois só assim é possível tornar efectivo a concretização do direito fundamental ao ambiente.

Os animais devem, nesta perspectiva, ser vistos, não como sujeitos de direito e, portanto, detentores de direitos subjectivos, mas sim, como bens jurídicos dignos de um máximo de tutela objectiva, pois a sua preservação e defesa é condição essencial da realização da dignidade da pessoa humana (concepção antropocêntrica ecológica defendida pelo Prof. Vasco Pereira da Silva).

Esta mesma formação antropocêntrica encontramos espelhada na Constituição, na medida em que se impõe a todo o ordenamento um dever de defesa da natureza e ambiente enquanto princípio jurídico objectivo; e, efectivação de direitos ao ambiente, numa perspectiva subjectivista (art. 9º e 66º da C.R.P.).

Neste sentido, cabe ao Estado promover a concretização do direito ao ambiente sendo que, deste modo, é estabelecida uma ligação entre a tutela objectiva e subjectiva do ambiente.

Admitindo o raciocínio exposto não chocará a não atribuição de direitos aos animais. O direito ao ambiente, enquanto direito fundamental assumindo a “dupla natureza” de direito subjectivo e de tutela objectiva, defende da melhor forma possível a posição dos animais enquanto bem jurídico.

Contudo, entendo que é tarefa de todos, e não só do Estado, tornar real a defesa dos animais enquanto bens fundamentais para o equilíbrio de todo o ecossistema. A concretização do direito fundamental ao ambiente só é possível com o correspondente esforço no sentido da sua protecção. Sem este esforço o direito subjectivo ao ambiente ficaria vazio de sentido porque deixaria, em última análise de haver objecto a tutelar.

Em conclusão, defendo o afastamento das posições que consideram os animais como sujeitos jurídicos e deste modo detentores de direitos subjectivos; aceitando, contudo, a sua tutela objectiva enquanto bens jurídicos. Só deste modo é possível harmonizar os interesses em conflito, minimizando os danos ambientais provenientes da acção do Homem, com o intuito de tornar efectivo a concretização do direito do ambiente enquanto, mais um, direito fundamental.

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