Acórdão da subturma 2

ACÓRDÃO N.º 007/2010
Processo n.º 69/08
2ª Secção
Relator: Evilásio da Portelinha

Acordam na 2ª Secção do Tribunal Administrativo de Círculo de Rio de Oliveira:


I. Relatório

1. No dia 3 de Dezembro de 2007, o R. Amílcar Santos, Industrial no ramo dos produtos alimentares congelados, requereu à Câmara Municipal de Rio da Oliveira, uma licença para instalação de uma unidade de criação de gado bovino para abate num terreno de que é proprietário, situado numa zona de Rede Natura 2000. O R. Amílcar pretendia ser o primeiro a implementar em Portugal técnicas de clonagem eugénica de animais com características físicas adequadas à conservação da qualidade da carne congelada.


2. Estando o referido projecto localizado no Parque Natural do Paúl do Alquimista, a Câmara Municipal considerou fundamental a sua sujeição à Avaliação do Impacto Ambiental (AIA). A 1 de Janeiro de 2008 o R. Amílcar entregou à entidade licenciadora competente um Estudo de Impacto Ambiental (EIA) solicitando, ao mesmo tempo, a dispensa do procedimento de AIA, que lhe foi concedida através de despacho conjunto.


3. Dado o silêncio da Administração, o R. Amílcar procedeu ao início da instalação do laboratório genético e à criação de gado.


4. O A. Bernardim Silva é proprietário de um terreno contíguo onde o R. Amílcar instalou o laboratório e deu início à criação de gado e o A. Camilo Sousa é munícipe de Rio de Oliveira. Ambos os AA. ficaram indignados com a inexistência de consulta pública uma vez que o R. Amílcar exerce uma actividade danosa para os munícipes de Rio da Oliveira e para o meio ambiente.


5. Em 31 de Maio de 2008, os AA. apresentaram, no Tribunal Administrativo do Círculo de Rio da Oliveira, um requerimento com vista à impugnação da dispensa da fase da participação pública da AIA (art. 50º CPTA), à condenação da prática do acto devido (art. 66º CPTA) e ao pedido de indemnização pelos danos sofridos.


6. Chamado a pronunciar-se, o R. Amílcar vem defender-se por excepções, alegando, nos termos do art. 83º do CPTA, a incompetência do Tribunal para julgar o pedido de indemnização e a sua ilegitimidade passiva.


7. Ainda assim, acautela-se invocando a inexistência de danosidade da sua actividade, na medida em que, na sua opinião, contribuiu para a melhoria do meio ambiente, nomeadamente da qualidade da água tendo em conta a instalação de uma Estação de Tratamento das Águas (ETAR). Considerando-se de boa fé, o R. Amílcar pede, ainda, ao tribunal que tenha em conta o elevado investimento e importância do projecto, de forma a não lesar as suas legítimas expectativas adquiridas ao longo do processo.


8. Contestando, o também R. Ministro do Ambiente, Ordenamento do Território e Desenvolvimento Regional, afirma que as formalidades de procedimento não podem obstar aos elevados interesses nacionais do projecto em causa. Segundo o mesmo, o prazo de 20 dias, constante do art. 3º, n.º 7 do Decreto-Lei 69/2000, é objectivamente curto para proceder a estudos que eram adequados para o conhecimento da questão, na medida em que a duração dos mesmos não podiam ser encurtados. Considera ser apenas uma decisão tardia, não sendo, deste modo, possível a aplicação do art. 3º, n.º 11 do Decreto-lei supra referido.

II. Fundamentação

9. Tendo em conta o pedido dos RR. e dos representantes do Ministério Público, ficou decidido, por este tribunal, na audiência de julgamento, a absolvição do R. Amílcar do pedido de indemnização cível, declarando-se incompetente. A possibilidade de cumulação de pedidos está prevista no art. 4º do CPTA. Contudo, não compete a este tribunal apreciar este pedido de indemnização estando fora do seu âmbito de jurisdição (art. 4.º ETAF e art. 5.º, n.º 2 do CPTA).


10. O R. Amílcar considera-se parte ilegítima na presente acção. Nos termos do art. 10.º, n.º 1 do CPTA, a acção deve ser proposta contra a outra parte na relação material controvertida e, sendo necessário, contra as pessoas titulares de interesses contrapostos aos do autor. O n.º 7 do mesmo preceito estabelece, ainda, que “ podem ser demandados (perante os tribunais administrativos) particulares ou concessionários, no âmbito de relações jurídico-administrativas que os envolvam com entidades públicas ou com outros particulares”. De acordo com a melhor doutrina, (Professor Doutor Mário Aroso de Almeida), “ O sentido mais óbvio e, ao mesmo tempo, mais importante do preceito (art.10.º, n.º 7 CPTA) é o de tornar claro, com a maior abrangência possível, que os processos intentados perante os tribunais administrativos não têm necessariamente de ser dirigidos contra entidades públicas, mas podem ser dirigidas contra (ou também contra) particulares”. Pelo exposto, o tribunal considera o R. Amílcar parte legítima na presente acção, considerando improcedente a excepção constante do artigo 1.º da contestação do mesmo.


11. Os projectos de potencial interesse nacional (PIN) classificados como de importância estratégica são designados por projectos PIN+. Compete ao Ministro responsável em razão da matéria a classificação destes projectos, art. 2.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 285/2007, de 17 de Agosto. A CAA-PIN é a única entidade que estabelece a relação entre o proponente e a administração, sendo o seu parecer não vinculativo. No entanto, o reconhecimento destes projectos como PIN+ depende de despacho conjunto dos ministros responsáveis pelas áreas do ambiente, do ordenamento do território e desenvolvimento regional e da economia, bem como dos demais ministros competentes em razão da matéria, art. 6.º, n.º1 do Decreto-Lei supra referido. Não ficando provado na audiência de julgamento a existência do referido despacho e não tendo sido cumpridos os requisitos previstos nos arts. 2.º, n.º 1, 3.º e 6.º do mesmo diploma, este Douto tribunal recusa-se a considerar o referido projecto como PIN+. O elevado investimento e extrema importância do projecto para o país invocado pelos RR. não prevalece sobre o princípio da prevenção que está subjacente ao regime da AIA e, consequentemente, sobre a legalidade dos actos administrativos. Na verdade, a administração pública está sempre vinculada ao princípio da legalidade constante no art.3.º do CPA, não podendo, em violação deste princípio, lesar o meio ambiente. Quanto ao prazo de 20 dias, referido no ponto 8 deste acórdão, independentemente de ser suficiente ou não, é o que está estabelecido no referido Decreto-Lei, podendo o Governo a todo o tempo alterar o mesmo, art. 198.º, n.º 1 alínea c) da CRP. Improcede, deste modo, os argumentos invocados no artigo 13.º da contestação do R. Amílcar e nos artigos 14.º a 18.º da contestação do R. Ministro do Ambiente, não havendo neste caso expectativas jurídicas a tutelar.


12. Dispensa parcial do procedimento da AIA. Face ao pedido de dispensa parcial apresentado pelo R. Amílcar, os AA. invocaram a impossibilidade de dispensa parcial do procedimento (artigo 25.º da Petição Inicial). Porém, este tribunal, ao abrigo do disposto no art. 3.º, n.º 1 do Decreto-Lei 69/2000, considera que é possível a dispensa parcial, embora não da fase de participação pública, sob pena de violação do princípio do contraditório. Ainda que não se entenda assim, o pedido não foi dirigido à entidade competente uma vez que a referida dispensa não é da competência do Ministro do Ambiente, mas da entidade licenciadora competente (art. 3.º, n.º 2 do referido diploma).


13. Perante o silêncio da administração, o R. Amílcar dá inicio à instalação do laboratório genético e à criação de gado agindo como se tivesse havido um deferimento tácito nos termos do art. 19.º, n.º 1 do Decreto-Lei 69/2000. De acordo com o mesmo artigo, não havendo uma Decisão de Impacto Ambiental (DIA) dentro do prazo estabelecido (120 dias, neste caso) considera-se que ocorreu um deferimento tácito, equivalendo este a uma DIA favorável. O Tribunal de Justiça já se pronunciou sobre esta questão no acórdão Comissão contra Bélgica, concluindo pela incompatibilidade do mesmo com o Direito Comunitário.


14. Este acórdão, mesmo sendo uma acção por incumprimento contra um outro Estado-Membro, tem grande relevância para o Direito português. De facto, em Portugal, o Decreto-Lei n.º 69/2000, que estabelece o Regime Jurídico da Avaliação do Impacto Ambiental, estabelece no seu artigo 19.º o deferimento tácito. O Sistema português consagra o deferimento tácito em primeira instância, o que consubstancia um incumprimento mais grave do que o incumprimento da Lei Belga, que só o consagra em segunda instância. Independentemente do incumprimento do Direito Comunitário resultante da consagração desta solução, há ainda que alegar que o deferimento tácito consagrado no Decreto-Lei 69/2000 aparece como algo contraditório a todo o regime consagrado. O legislador nacional, por um lado, foi mais longe do que aquilo que era exigido pela Directiva, uma vez que esta não impõe que a avaliação do impacto seja vinculativa para a decisão final de autorização ou licenciamento, ao impor a não concessão de autorização ou licença em caso de DIA desfavorável, por outro lado, admite que em caso de silêncio da autoridade competente vale como uma decisão favorável à autorização ou licenciamento, pondo em causa os objectivos da comunidade. De acordo com o Professor Vasco Pereira da Silva, “ a AIA tem por objectivo autonomizar a apreciação das consequências ecológicas de uma decisão, no quadro de um procedimento especial, para que a autoridade licenciadora tome uma decisão mais adequada, em razão também da dimensão ambiental dos projectos”. Deste modo, não faz sentido que o legislador considere que o silêncio da entidade competente vale como deferimento. Mas em todo o caso, para este Professor o deferimento tácito de um acto de avaliação não significa a sua aprovação.


15. O Tribunal de Justiça, no acórdão Cilfit, mesmo considerando que o art. 234.º, n.º 3 do TCE visa particularmente evitar que se estabeleça divergências jurisdicionais no interior da comunidade, vem afirmar que o juiz nacional não está obrigado a suscitar questões prejudiciais se existir jurisprudência anterior do Tribunal de Justiça que já tenha decidido questão idêntica ou similar e/ou se o acto for claro e evidente (teoria do acto claro). De acordo com o acórdão Deufil, sempre que um Estado-Membro praticar um acto contrário ao Direito Comunitário tem o dever de o revogar. Havendo tal incompatibilidade o Direito interno é inaplicável, devido ao primado do Direito Comunitário sobre o Direito interno (salvo algumas excepções que não importa aqui referir). Com base na presente jurisprudência do Tribunal de Justiça, entende este tribunal que o art.19.º, n.º 1 do Decreto-Lei 69/2000 não é aplicável ao caso sub judice, não havendo deste modo deferimento tácito.


16. Ainda que não se entenda assim, o referido deferimento tácito seria sempre inválido, por ser contrário à ordem jurídica (uma vez que não ficou provado que a entidade competente para o licenciamento respeitou o art. 19.º, n.º 5) por violar o princípio da prevenção (art.66.º, n.º 1 e n.º 2 alínea a) da CRP). Este princípio “tem como finalidade evitar lesões do meio-ambiente, o que implica capacidade de antecipação de situações potencialmente perigosas, de origem natural ou humana, capazes de pôr em risco os componentes ambientais, de modo a permitir a adopção dos meios mais adequados para afastar a sua verificação ou, pelo menos, minorar as suas consequências” (Professor Vasco Pereira da Silva). Para além disso não ficou provado, na audiência de julgamento, que houve fundamentação ecológica da decisão, sendo que a Administração estava obrigada a decidir e não o fez, violando assim os Direitos, Liberdades e Garantias dos Cidadãos (art. 18.º da CRP). Deste modo, o procedimento devia ter sido seguido fielmente, pelo que em caso de dúvida aplicamos o princípio do “ in dúbio pro ambiente”. Argumentaram, também neste mesmo sentido, os representantes do Ministério Público, nas suas alegações finais.



III. Decisão

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Administrativo de Círculo de Rio da Oliveira decide:

a) Julgar improcedente o pedido de indemnização, absolvendo o R. Amílcar deste pedido;
b) Impugnar o acto de dispensa da fase de participação pública do procedimento da AIA;
c) Condenar a entidade licenciadora competente à prática do acto devido.




Rio da Oliveira, 28 de Maio de 2010
Evilásio da Portelinha


Carla Maria Fernando Lourenço, N.º 14967
Dulcelina Sanches Rocha, N.º 15008
Tiago André Paes Gaudêncio de Oliveira, N.º 14447



















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