De acordo com os arts. 174º a 176º do Tratado da Comunidade Europeia, a Comunidade tem competência para legislar sobre matérias ambientais. É isso que tem feito em vários domínios nos últimos anos, de que são exemplo o Regime Jurídico de AIA, a Lei da Água, a Rede Natura 2000, entre outros. A maior parte desses regimes, regras ou políticas são consagrados em Directivas pelo que cabe aos Estados-Membros a sua transposição, cumprindo requisitos mínimos que se pretendem iguais em toda a Europa mas nunca impedindo o estabelecimento de regimes mais rigorosos. Afinal, atendendo ao princípio da subsidiariedade, cabe Estado sabe o que é melhor e mais adequado de implementar no seu território.
Ora, é neste contexto que o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, em diante apenas TJ, tem sido chamado a interpretar vários conceitos que surgiram em “legislação” europeia ambiental. No acórdão referente ao Processo C 127/02, no qual baseamos esta nossa dissertação, discutiam-se os conceitos de “plano” ou de “projecto” e a avaliação adequada das suas incidências no sítio protegido a propósito da pesca mecânica de berbigão, conceitos esses constantes da Directiva 92/43. Não nos importa a discussão propriamente dita desses conceitos, mas o “princípio” que se retira deste acórdão. Sabemos que o TJ tem sido um importante impulsionador do Direito Comunitário, senão o principal, aquele que mais tem contribuído para o crescimento desse Direito, utilizando como instrumentos dessa missão a interpretação e coerente aplicação do Direito Comunitário em todos os Estados-Membros. Logo, sabendo que a Comunidade Europeia tem sido pioneira no Direito do Ambiente e o tem imposto aos Estados, não podemos esquecer de atentar na jurisprudência comunitária que tem competência para, principalmente em sede de processo de questões prejudiciais, interpretar o Direito Comunitário. Seguindo esta linha, se o TJ dá ao intérprete o critério certo para bem aplicar a directiva e se por sua vez esta é o fundamento de leis e decretos-leis nacionais, a interpretação destes só pode ir na mesma direcção da interpretação da primeira. Sublinhado o papel da jurisprudência comunitária no plano do Direito do Ambiente, cabe retomar o tema que aqui nos trouxe.
No acórdão em apreço, o TJ afirmou que a Directiva em causa devia ser interpretada “no sentido de que qualquer plano ou projecto não directamente relacionado com a gestão do sítio e não necessário para essa gestão será objecto de uma avaliação adequada das suas incidências no mesmo à luz dos objectivos de conservação desse sítio, quando não se possa excluir, com base em elementos objectivos, que tal plano ou projecto afecte o referido sítio de modo significativo, individualmente ou em conjugação com outros planos ou projectos” (sublinhado nosso), que a actividade só pode ser autorizada desde que se tenha “a certeza de que esta é desprovida de efeitos prejudiciais para a integridade desse sítio e assim acontece quando não subsiste nenhuma dúvida razoável do ponto de vista científico quanto à inexistência de tais efeitos”, concluindo que “quando subsista uma incerteza quanto à inexistência de efeitos prejudiciais para a integridade do referido sítio resultantes do plano ou do projecto considerado, a autoridade competente deverá recusar a sua autorização”.
Da leitura desta jurisprudência fica a ideia de que em caso de risco para o ambiente, quando após uma avaliação ou estudo em que não se consiga determinar em termos certos os efeitos nefastos para o ambiente, quando a ciência apenas indica um cenário mas não o confirma, quando a administração fica com um “SE” entre mãos como batata quente, deve decidir a favor do ambiente. Ou seja, perante a dúvida do impacto negativo no ambiente mas havendo risco de que tal se verifique pretere-se a autorização da actividade a favor do ambiente. Ou, aproveitando-nos de brocado latino em matéria penal, in dubio pro ambiente.
Fica a ideia, mas não a certeza. O TJ vai traçando as coordenadas, mas com passos pequeninos, um de cada vez. Em matéria de Rede Natura o intérprete e aplicador deve tomar em conta esta jurisprudência e segui-la se não quiser incumprir Direito Comunitário, mas será que dela se retira já um princípio geral para interpretação do direito do ambiente comunitário?
O art. 174º nº 2 do TCE determina que a legislação comunitária no domínio do ambiente basear-se-á nos princípios da precaução e da acção preventiva. No acórdão em estudo foi este preceito que o TJ chamou á colação para fundamentar a interpretação daquela directiva nos termos acima expostos. Conjugando aquele artigo com esta jurisprudência podemos concluir que o princípio da prevenção ao nível comunitário quer-se amplo, tão amplo que havendo risco para o ambiente esta saia favorecido, não interessando a actividade em causa. Como se o Ambiente se tornasse um gigante, que nem a dúvida consegue abalar, obrigando Administração e cidadãos a porem-se de acordo com ele.
Retirar desta jurisprudência o princípio do in dubio pro ambiente, valendo-nos dele enquanto tal, talvez seja um passo demasiado comprido, mesmo para o Direito Comunitário. Consideramo-la um início. Início da convicção e obrigação de que o Ambiente é para levar a sério, de que as avaliações têm que ser verdadeiras avaliações com conclusões precisas e que o risco não pode funcionar como sinal verde, talvez nem mesmo amarelo, a uma actividade sobre a qual ainda não há certezas quanto às consequências para o meio ambiente.
Aqui se vê o Direito no seu papel impulsionador de novas mentalidades.
Aqui se vê o Direito vestido de Verde.

Catarina Pinto Xavier – Subturma 1

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