Comentário ao Acórdão de 14 de Junho de 2001 – C.E. contra Reino da Bélgica
Este acórdão tem extrema relevância para uma análise crítica do nosso regime jurídico de avaliação de impacto ambiental, pois esta decisão consubstancia uma condenação do Reino da Bélgica, pela não adopção de medidas legislativas, regulamentares e administrativas imprescindíveis para a transposição integral de algumas Directivas, de modo semelhante ao que sucede no ordenamento jurídico nacional.
Em concreto, trata-se da Directiva 85/377/CEE, do Conselho, de 27 de Junho de 1985 (ainda que entretanto alterada, com um alcance profundo, pela Directiva 97/11/CE, do Conselho, de 3 de Março de 1977), respeitante à avaliação de impacto ambiental.
A nosso ver, o DL 69/200, padece dos mesmos vícios que motivaram a propositura de uma acção por incumprimento proposta pela Comissão contra a Bélgica, sendo julgada esta procedente pelo Tribunal de Justiça e tendo este condenado o Reino da Bélgica pela não transposição integral da directiva em causa.
Passemos a analisar o regime da Directiva 85/377 CEE.
Trata-se de uma das Directivas comunitárias mais conhecidas relativas à tutela ambiental, pois procedeu à imposição da criação e realização de avaliações de impactos ambientais de todos os projectos susceptíveis de os produzirem e tendo uma influência directa no direito português, pois dela resultou a instituição do regime da AIA, através do DL 186/90 e Decreto Regulamentar 38/90.
Com a posterior modificação do regime comunitário, através da Directiva 97/11/CE, Portugal viu contra si instaurada acção de incumprimento, tendo sido o nosso legislador obrigado a alterações pontuais àqueles dois diplomas e posteriormente a uma revisão global do regime através do DL 69/2000.
Será importante dado o carácter bastante preciso e dadas as imposições directas ao legislador nacional, referir e chamar à atenção para alguns trechos da Directiva.
Artigo 1º/2 – onde se define noção de aprovação enquanto: ”a decisão da autoridade ou das autoridades competentes que confere ao dono da obra o direito de realizar o projecto”.
Artigo 3º - “ A avaliação de impacto ambiental identificará, descreverá e avaliará (…) os efeitos directos e indirectos de um projecto sobe os seguintes factores (…)”
Artigo 6º/2 – “ Os Estados-membros deverão assegurar que todos os pedidos de aprovação (…) sejam postos à disposição do público (…) para que o público em causa tenha possibilidade de dar o seu parecer antes de ser emitida a autorização”
Artigo 9º/1 – “Quando a aprovação tiver sido concedida ou recusada, a autoridade ou autoridades competentes deverão informar o público (…) e facultarão ao público (…) o teor da decisão e as condições que eventualmente a acompanhem, os principais motivos e considerações em que se baseia a decisão (…)”.
Ora, dos preceitos mais relevantes transcritos, assim como de toda a Directiva, não se retira de modo algum, nem expressa ou implicitamente, ser possível a tomada de decisões tácitas, ou seja a possibilidade de por decurso de prazo se permitir sem a prática de acto expresso se deferir ou indeferir a pretensão do particular.
Mais estranha é a posição do legislador quanto a esta transposição, na medida em que tentando ser mais “Papista que o próprio Papa”, consagra a paradoxal nulidade a cominar os actos em desrespeito pelo regime do DL 69/2000, nomeadamente no artigo 20º do mesmo diploma.
Face ao contraditório deferimento tácito do artigo 19º do DL 69/2000, consideramos ser necessária uma revisão global deste instituto, tal como já tivemos oportunidade de referir a este propósito no nosso estudo acerca do Deferimento Tácito no Direito ao Ambiente.
Contudo iremos aflorar a posição do Prof. VASCO PEREIRA DA SILVA a este respeito.
Relativamente a esta ficção legal de um acto administrativo, considera o Professor Vasco Pereira da Silva que representa uma má solução, pois se a finalidade da avaliação ambiental é a de autonomizar a apreciação das consequências ecológicas de uma decisão, no quadro de um procedimento especial, para que a autoridade licenciadora tome uma decisão mais adequada, em razão também da dimensão ambiental dos projectos, não faz sentido que o legislador permita que o silêncio equivalha ao deferimento.
Considera ainda, é preciso ter presente que o deferimento tácito do acto de avaliação não significa a aprovação do pedido de licenciamento do projecto. E que não tendo havido acto de avaliação isso significa que ainda não foi avaliada nem ponderada a dimensão ambiental da actividade proposta, pelo que tal juízo deve ser obrigatoriamente realizado, tanto através da licença ambiental quando ela ainda deva ter lugar, como pela entidade competente para o licenciamento ou autorização do projecto, sob pena de nulidade que através de interpretação conforme à CRP, do disposto no artigo 20º/3 DL 69/2000, por violação ao princípio da prevenção, o desvalor seria a nulidade, mas que também chegaríamos à nulidade por via do disposto no artigo 133º g) CPA, por se tratar de uma ilegalidade de tal maneira grave, que o conteúdo do acto em causa seria legalmente impossível, sendo que o vício seria o mesmo por se tratar também de ofensa ao conteúdo a um direito fundamental, nomeadamente o Ambiente.
Já tivemos a oportunidade de nos pronunciar a este respeito, pelo que apenas relembramos a nossa posição, sendo que consideramos que mais importante do que arranjar uma forma de ultrapassar este deferimento descabido, será insistir numa revisão global do regime do Deferimento Tácito.
Consideramos que este regime parece envolto em habilidade jurídica sublime, pois permite ainda outra incoerência, basta olharmos para o disposto no art. 33º/3 DL 69/2000, onde se exclui expressamente a produção de um acto tácito positivo, quando o projecto possa produzir um impacto ambiental significativo no território de outro (s) Estados-membros da União Europeia.
É um afastamento incoerente, mas a aparente esquizofrenia do legislador ambiental revela-se agora prudente, receando aplicar um regime, da qual ele teria certamente dúvidas face às disposições comunitárias, tenta harmonizar, uma deficiente técnica legislativa, mas sabendo que erra ao consagrar um deferimento descabido, tenta acautelar um possível processo por incumprimento.
Relativamente ao acórdão em causa, gostaríamos de começar por evidenciar a transposição defeituosa das Directivas em sede de matéria ambiental: reportam-se a resíduos, à poluição causada por substâncias perigosas lançadas no meio aquático, à protecção de águas subterrâneas contra a poluição causada por substâncias perigosas e à poluição atmosférica provocada por instalações industriais.
Além deste facto, todo o acórdão se reporta à contínua violação das Directivas em causa e do disposto no artigo 249º do TCE, quanto à previsão de autorizações tácitas no direito belga.
Este regime de concessão tácita de autorizações tem duas vertentes: uma em sede de primeira instância, onde se a autoridade administrativa em causa não decide-se após decurso do dever legal de decisão, a pretensão do particular considerava-se recusada.
Outra, em sede de segunda instância onde se consagrava o deferimento da pretensão na falta de resposta da autoridade competente para a decisão.
Concordou quer o Tribunal de Justiça, como o Advogado-Geral e a Comissão Europeia, que destas Directivas se retira uma exigência de um acto expresso para o regime de pedidos de licenciamento ou autorização. Não sendo dada relevância aos argumentos invocados pelo Reino da Bélgica, que se reportavam ao âmbito de aplicação limitado da figura da autorização tácita e o número restrito de autorização tácitas concedidas, assim como a abundante informação dos organismos envolvidos sobre as consequências da ausência de decisão.
Em suma, deste acórdão podemos essencialmente retirar que a jurisprudência comunitária aponta no sentido claro, que até já resultava das Directivas objecto de matéria controvertida neste caso concreto, de que se exige um acto expresso e que a ausência desse acto nunca poderá valer como deferimento.
Assim, podemos de facto considerar que temos tido sorte em o nosso País não ter ainda sido alvo de um processo de incumprimento, e nada obstará até que possamos vir a ser parte num processo deste género, tudo depende da audácia e astúcia do nosso legislador, tão preocupado e intencional no que toca a determinadas matérias.
Terminaremos com uma pergunta pertinente – Será o art. 33º do DL 69/2000 uma “cláusula de salvaguarda”?

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