Comentário ao Acórdão do STJ de 19 de Outubro de 2004 (Prática desportiva de tiro aos pombos)
Publicada por Subturma 11 à(s) 20:23A tutela jurídica dos animais tem sido abordada desde o Código Penal de D. Pedro V, em 1861. No entanto só incidia sobre os animais domésticos, descurando-se os restantes. Só com a Lei nº 92/95 é que a violência injustificada contra animais ganha uma maior amplitude. Até mesmo a Directiva 86/609/CEE do Conselho de 24 de Novembro de 1986, sobre a protecção de animais utilizados para fins experimentais e científicos foi transposta pelo Decreto-Lei nº 129/92 de 6 de Julho.
Surgiu também legislação sobre a tutela de espécies determinadas da fauna, como os mamíferos marinhos ou o lobo ibérico.
Não obstante tal legislação, sempre se deu prevalência em últimas instâncias ao direito de propriedade e ao direito de iniciativa privada em detrimento de valores ambientais. Veja-se no Acórdão referido neste blogue do STJ de 19.10.2004, processo nº 3354/04. Constata-se que na primeira instância a actividade é considerada ilícita face à Lei nº 92/95 de 12 de Setembro, enquanto que o STJ considera que os conceitos de violência injustificada, de morte, lesão grave, sofrimento cruel e prolongado a que alude o artigo 1º/1 da respectiva Lei significava o acto gratuito de força ou brutalidade causando dor física intensa ou a eliminação vital dos animais, sem justificativa utilidade para o homem. Deste modo, conclui que a actividade de tiro aos pombos é considerada lícita por ser uma modalidade desportiva e tradicional em Portugal. Nota-se aqui uma visão mais conservadora por parte de instâncias superiores face às inferiores. Parece-me que não se pode interpretar de forma tão ampla o conceito de necessidade constante do artigo 1º/1 da Lei 92/95. Não parece, a meu ver, que tal actividade consubstancie uma necessidade do ponto de vista ambiental e ecológico, bem como vital à alimentação humana. E também não considero necessária à luz da tradição portuguesa. Se tal actividade fosse considerada tradição cultural estaria consagrada na lei no nº 3 do artigo 1º da mesma Lei. Ao permitir-se tal actividade, parece-me que se abre caminho a outras eventuais formas “lúdicas” de sacrificar animais para satisfação cultural, tal como lutas de cães, matar animais abandonados, e muitas outras práticas de sofrimento para os animais. Os animais não devem ceder perante o Homem, por não possuírem personalidade jurídica e sim, coexistir com ele. Os pombos não são necessários para satisfação desportiva, pelo que com objectos não-vivos poderia alcançar-se o mesmo resultado de divertimento.
Concordo com a posição do Tribunal da Relação que não considera aceitável a analogia dos casos previstos fora do artigo 1º/1 da Lei 92/95. Ao nível normativo tais práticas são bastante diferentes (apesar de não concordar com as touradas), pois a caça enquadra-se no conceito de necessidade, para alimentação e sobrevivência do homem e as touradas têm uma antiguidade bastante mais acentuada. A “necessidade” requerida pela Lei 92/95, não justifica a morte dos pombos para fins estritamente lúdicos.
Não foi intenção do legislador salvaguardar tal prática, senão teria feito tal como quanto às que se encontram excepcionadas.
É tarefa fundamental do Estado a protecção e valorização do património cultural e a defesa da natureza e do ambiente (artigo 9º e) C.R.P.). E é certo que no nosso ordenamento os animais são considerados como coisas, não sendo titulares de direitos subjectivos à vida e à integridade física (202º/1, 205º/1 e 121º/3 C.C.), mas isso não quer significar que não existam deveres dos indivíduos perante os animais, sendo essa a razão de existência de preceitos como o artigo 1º da Lei 92/95.
Parece-me que o tiro aos pombos não concretiza qualquer utilidade nem justificação razoável face à referida lei. A morte dos pombos causa-lhe sofrimento e dor intensa como em qualquer outro animal, pois são seres vivos.
Até mesmo os trabalhos preparatórios consubstanciam a proibição dos actos para organizar tiro a animais vivos e mesmo a em países europeus se proíbe tal prática, pelo que o ambiente e as suas espécies devem ser um valor a preservar ao nível supra estadual e Portugal deveria seguir os parâmetros europeus, substituindo os pombos vivos por objectos como pratos.
Nem quanto ao elemento sistemático se pode dizer que tais práticas são permitidas, uma vez que não é por serem permitidas certas práticas no artigo 1º da Lei 92/95 que outras tenham que ser englobadas.
Até mesmo o escopo da Lei não é a tortura dos animais gratuitamente, pelo que não há tradição, a meu ver, que justifique tal crueldade com os animais sem utilidade para a sobrevivência humana.
Não é tolerável a constatação de que os pombos se reproduzem facilmente e que não há risco de extinção. De facto, a proibição de sofrimento prolongado e intenso nada tem a ver com o risco de extinção dos animais e sim com o nosso respeito pela sua existência e pela preservação da natureza. Assim, como já referi, seriam admitidas violências com outros animais que não estão em risco de extinção. Além do mais, o facto de ser alegado no respectivo acórdão que tal prática é um factor de desenvolvimento da espécie dos pombos não continua a ser uma justificação suficiente e razoável para a sua prática.
Enquanto a nossa legislação consagrar os animais como coisas, ao abrigo do artigo 202º nº1 e 205º nº1 do Código Civil, em vez de consagrar os animais enquanto tais, como seres vivos que coexistem em sociedade com o homem e que têm sentimentos, estas crueldades continuarão a existir. A defesa dos animais constitui no limite também uma defesa do ambiente como postula Menezes Cordeiro, sendo de reprovar o sofrimento injustificado dos animais. Exceptuam-se os casos de fins alimentares em que o homem tem que sacrificar certas espécies para a sua sobrevivência.
Existe ao nível internacional a Declaração Universal dos Direitos dos animais (1978, UNESCO), a qual carece de força jurídica vinculativa, mas ao nível interno deveria existir uma maior tutela jurídica dos animais, estabelecendo-se mecanismos de responsabilidade de alguém que maltrata ou que abandona um animal.
O Homem integra a Natureza e como tal deve preservá-la. No entanto não faz sentido consagrar uma personalidade jurídica dos animais pela própria natureza das coisas, podendo ser salvaguarda a sua existência digna por outros meios. Concordo com Vasco Pereira da Silva ao salientar que não se deve atribuir aos animais direitos subjectivos, pois estes são intrínsecos ao ser humano, ser humano esse que criou o Direito para coexistir em sociedade com os seus semelhantes. Isto não quer dizer que lá por o Direito ser destinado ao Homem, que não possa ser estendido a protecção dos animais. Muito pelo contrário, deve tutelar-se objectivamente os bens ambientais, nos quais se integram também os animais. Há que considerar as realidades ambientais como bens jurídicos, existindo “deveres objectivos (de actuação e de abstenção) tanto de autoridades legislativas, administrativas e judiciais, como de privados”, tal como menciona Vasco Pereira da Silva. Há que considerar o ambiente como um meio de protecção também dos indivíduos, devendo ser por estes respeitado e preservado. Considero também que deveria existir uma alteração ao nível da protecção dos animais como existe na Alemanha, considerando-os como tal e criar o ónus dos proprietários e restantes indivíduos de os respeitar e sendo responsabilizados quando tal não acontece, podendo até existir seguros próprios para os animais. Deve “partir-se dos direitos das pessoas, mas considerar também a dimensão objectiva da tutela ambiental, já que o futuro do Homem não pode deixar de estar indissociavelmente ligado ao futuro da Terra (…)” (Vasco Pereira da Silva).
Refira-se ainda que o ambiente é tutelado ao nível constitucional como direito fundamental no artigo 66º C.R.P., e é uma tarefa estadual a sua defesa (artigo 9º d) e e) C.R.P.). E por ser tutelado o direito ao ambiente no artigo 66º C.R.P., deve salvaguardar-se a natureza e, por consequência, os seus seres vivos.
Surgiu também legislação sobre a tutela de espécies determinadas da fauna, como os mamíferos marinhos ou o lobo ibérico.
Não obstante tal legislação, sempre se deu prevalência em últimas instâncias ao direito de propriedade e ao direito de iniciativa privada em detrimento de valores ambientais. Veja-se no Acórdão referido neste blogue do STJ de 19.10.2004, processo nº 3354/04. Constata-se que na primeira instância a actividade é considerada ilícita face à Lei nº 92/95 de 12 de Setembro, enquanto que o STJ considera que os conceitos de violência injustificada, de morte, lesão grave, sofrimento cruel e prolongado a que alude o artigo 1º/1 da respectiva Lei significava o acto gratuito de força ou brutalidade causando dor física intensa ou a eliminação vital dos animais, sem justificativa utilidade para o homem. Deste modo, conclui que a actividade de tiro aos pombos é considerada lícita por ser uma modalidade desportiva e tradicional em Portugal. Nota-se aqui uma visão mais conservadora por parte de instâncias superiores face às inferiores. Parece-me que não se pode interpretar de forma tão ampla o conceito de necessidade constante do artigo 1º/1 da Lei 92/95. Não parece, a meu ver, que tal actividade consubstancie uma necessidade do ponto de vista ambiental e ecológico, bem como vital à alimentação humana. E também não considero necessária à luz da tradição portuguesa. Se tal actividade fosse considerada tradição cultural estaria consagrada na lei no nº 3 do artigo 1º da mesma Lei. Ao permitir-se tal actividade, parece-me que se abre caminho a outras eventuais formas “lúdicas” de sacrificar animais para satisfação cultural, tal como lutas de cães, matar animais abandonados, e muitas outras práticas de sofrimento para os animais. Os animais não devem ceder perante o Homem, por não possuírem personalidade jurídica e sim, coexistir com ele. Os pombos não são necessários para satisfação desportiva, pelo que com objectos não-vivos poderia alcançar-se o mesmo resultado de divertimento.
Concordo com a posição do Tribunal da Relação que não considera aceitável a analogia dos casos previstos fora do artigo 1º/1 da Lei 92/95. Ao nível normativo tais práticas são bastante diferentes (apesar de não concordar com as touradas), pois a caça enquadra-se no conceito de necessidade, para alimentação e sobrevivência do homem e as touradas têm uma antiguidade bastante mais acentuada. A “necessidade” requerida pela Lei 92/95, não justifica a morte dos pombos para fins estritamente lúdicos.
Não foi intenção do legislador salvaguardar tal prática, senão teria feito tal como quanto às que se encontram excepcionadas.
É tarefa fundamental do Estado a protecção e valorização do património cultural e a defesa da natureza e do ambiente (artigo 9º e) C.R.P.). E é certo que no nosso ordenamento os animais são considerados como coisas, não sendo titulares de direitos subjectivos à vida e à integridade física (202º/1, 205º/1 e 121º/3 C.C.), mas isso não quer significar que não existam deveres dos indivíduos perante os animais, sendo essa a razão de existência de preceitos como o artigo 1º da Lei 92/95.
Parece-me que o tiro aos pombos não concretiza qualquer utilidade nem justificação razoável face à referida lei. A morte dos pombos causa-lhe sofrimento e dor intensa como em qualquer outro animal, pois são seres vivos.
Até mesmo os trabalhos preparatórios consubstanciam a proibição dos actos para organizar tiro a animais vivos e mesmo a em países europeus se proíbe tal prática, pelo que o ambiente e as suas espécies devem ser um valor a preservar ao nível supra estadual e Portugal deveria seguir os parâmetros europeus, substituindo os pombos vivos por objectos como pratos.
Nem quanto ao elemento sistemático se pode dizer que tais práticas são permitidas, uma vez que não é por serem permitidas certas práticas no artigo 1º da Lei 92/95 que outras tenham que ser englobadas.
Até mesmo o escopo da Lei não é a tortura dos animais gratuitamente, pelo que não há tradição, a meu ver, que justifique tal crueldade com os animais sem utilidade para a sobrevivência humana.
Não é tolerável a constatação de que os pombos se reproduzem facilmente e que não há risco de extinção. De facto, a proibição de sofrimento prolongado e intenso nada tem a ver com o risco de extinção dos animais e sim com o nosso respeito pela sua existência e pela preservação da natureza. Assim, como já referi, seriam admitidas violências com outros animais que não estão em risco de extinção. Além do mais, o facto de ser alegado no respectivo acórdão que tal prática é um factor de desenvolvimento da espécie dos pombos não continua a ser uma justificação suficiente e razoável para a sua prática.
Enquanto a nossa legislação consagrar os animais como coisas, ao abrigo do artigo 202º nº1 e 205º nº1 do Código Civil, em vez de consagrar os animais enquanto tais, como seres vivos que coexistem em sociedade com o homem e que têm sentimentos, estas crueldades continuarão a existir. A defesa dos animais constitui no limite também uma defesa do ambiente como postula Menezes Cordeiro, sendo de reprovar o sofrimento injustificado dos animais. Exceptuam-se os casos de fins alimentares em que o homem tem que sacrificar certas espécies para a sua sobrevivência.
Existe ao nível internacional a Declaração Universal dos Direitos dos animais (1978, UNESCO), a qual carece de força jurídica vinculativa, mas ao nível interno deveria existir uma maior tutela jurídica dos animais, estabelecendo-se mecanismos de responsabilidade de alguém que maltrata ou que abandona um animal.
O Homem integra a Natureza e como tal deve preservá-la. No entanto não faz sentido consagrar uma personalidade jurídica dos animais pela própria natureza das coisas, podendo ser salvaguarda a sua existência digna por outros meios. Concordo com Vasco Pereira da Silva ao salientar que não se deve atribuir aos animais direitos subjectivos, pois estes são intrínsecos ao ser humano, ser humano esse que criou o Direito para coexistir em sociedade com os seus semelhantes. Isto não quer dizer que lá por o Direito ser destinado ao Homem, que não possa ser estendido a protecção dos animais. Muito pelo contrário, deve tutelar-se objectivamente os bens ambientais, nos quais se integram também os animais. Há que considerar as realidades ambientais como bens jurídicos, existindo “deveres objectivos (de actuação e de abstenção) tanto de autoridades legislativas, administrativas e judiciais, como de privados”, tal como menciona Vasco Pereira da Silva. Há que considerar o ambiente como um meio de protecção também dos indivíduos, devendo ser por estes respeitado e preservado. Considero também que deveria existir uma alteração ao nível da protecção dos animais como existe na Alemanha, considerando-os como tal e criar o ónus dos proprietários e restantes indivíduos de os respeitar e sendo responsabilizados quando tal não acontece, podendo até existir seguros próprios para os animais. Deve “partir-se dos direitos das pessoas, mas considerar também a dimensão objectiva da tutela ambiental, já que o futuro do Homem não pode deixar de estar indissociavelmente ligado ao futuro da Terra (…)” (Vasco Pereira da Silva).
Refira-se ainda que o ambiente é tutelado ao nível constitucional como direito fundamental no artigo 66º C.R.P., e é uma tarefa estadual a sua defesa (artigo 9º d) e e) C.R.P.). E por ser tutelado o direito ao ambiente no artigo 66º C.R.P., deve salvaguardar-se a natureza e, por consequência, os seus seres vivos.
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