As Contra-Ordenações Ambientais

A Lei das Contra-Ordenações Ambientais, ou Lei-Quadro das Contra-Ordenações Ambientais (LQCA), publicada através da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, concebe um regime jurídico especial para as contra-ordenações ambientais relativamente ao regime geral previsto no Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro.
Dissociado em cinco partes, a Lei começa por definir na primeira parte intitulada «da contra-ordenação e da coima» o conceito de contra-ordenação ambiental: «Constitui contra-ordenação ambiental todo o facto ilícito e censurável que preencha um tipo legal correspondente à violação de disposições legais e regulamentares relativas ao ambiente que consagrem direitos ou imponham deveres, para o qual se comine uma coima.». E descreve os princípios e as regras a que, a sua aplicação se encontra curvada e, atribui às autoridades administrativas, no exercício dos poderes de inspecção, vigilância e fiscalização que legalmente lhes são atribuídos, o direito de livre acesso aos estabelecimentos e locais onde se exerçam as actividades a inspeccionar. As autoridades administrativas dispõem, analogamente, da faculdade de determinar, por iniciativa própria, o embargo administrativo de construções em áreas de ocupação proibida ou condicionada, em zonas de protecção estabelecidas por lei ou em contravenção à lei, aos regulamentos ou às condições de licenciamento ou de autorização. A Lei prevê coimas que podem variar entre, um mínimo de 500 euros e, um máximo de 2,5 milhões de euros, mediante a gravidade da contra-ordenação. Metade do produto das coimas reverterá para o Fundo de Intervenção Ambiental, criado por este diploma, e que se destina a «prevenir e reparar danos resultantes de actividades lesivas para o ambiente, nomeadamente nos casos em que os responsáveis não os possam ressarcir em tempo útil». No que respeita à classificação, as contra-ordenações ambientais passam a catalogar-se como «leves», «graves» e «muito graves», cifra-se artigo 21º da Lei nº50/2006, e, os montantes em causa, variam consoante a infracção for cometida por negligência ou com dolo, conforme as substâncias perigosas em causa afectarem a saúde, ou segundo for praticada por uma pessoa singular ou colectiva. Quando praticadas por pessoas singulares, aplicar-se-ão coimas que variam entre os 500 e 2500 euros em caso de negligência e entre 1500 a 5000 euros em caso de dolo; no caso de pessoas colectivas, oscilam entre 9000 e 13 000 euros em caso de negligência e entre 16 000 a 22 500 euros em caso de dolo. Para as contra-ordenações graves, estão previstas para as pessoas singulares coimas de 12 500 a 16 000 euros em caso de negligência e de 17 500 a 22 500 euros em caso de dolo, e para pessoas colectivas de 25 000 a 34 000 euros em caso de negligência e de 42 000 a 48 000 em caso de dolo. Por fim, para as contra-ordenações muito graves, praticadas por pessoas singulares, a lei estabelece coimas de 25 000 a 30 000 euros em caso de negligência e de 32 000 a 37 500 se se tratar caso de dolo. Quando as contra-ordenações forem praticadas por pessoas colectivas, as coimas podem ser de 60 000 a 70 000 em caso de negligência e de 500 000 a 2 500 000 euros em caso de dolo (cifra-se artigo 22º da Lei).
Prevêem-se ainda, sanções acessórias que podem conduzir à interdição do exercício da actividade, à privação de subsídios, ao encerramento de estabelecimentos, à cessação de licenças ou à perda de benefícios fiscais; além de,regras processuais e de custas, segunda parte intitulada «do processo de contra-ordenação», (cifram-se artigos 41º a 61º), a Lei n.º 50/2006 prevê, ainda, a criação de um Cadastro Nacional, terceira parte da Lei, para registo dos infractores e das sanções aplicadas (artigo 62º e seguintes), a cargo da Inspecção-Geral do Ambiente e do Ordenamento do Território e que, é acompanhado e fiscalizado pela Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD), bem como, de um Fundo de Intervenção Ambiental, quarta parte intitulada «fundo de intervenção ambiental», que, enquanto destinatário de 50% das receitas decorrentes da aplicação das coimas, tem como função prevenir e reparar os danos resultantes de actividades lesivas para o ambiente, nomeadamente nos casos em que os responsáveis não os possam ressarcir em tempo útil (artigo69º e 70º). É ainda prevista uma quinta parte designada por «disposições finais», que estabelece a competência genérica do Inspector-geral do Ambiente e do Ordenamento de Território, bem como,o destino a dar às coimas,o que se entende por Autoridade Administrativa para os efeitos da lei, bem como, se defende a não aplicação doprincipio da reformatio in pejus aos processos de contra-ordenação instaurados e decididos nos termos da lei em análise.

Cabe por fim referir alguns antecedentes da Lei nº 50/2006 de 29 de Agosto.
A Lei insere-se no vasto domínio do Direito das Contra-Ordenações português, que descende do modelo alemão das ordnungswidrigkeiten, e surge pelas mãos do Decreto-Lei nº 232/79, de 24 de Julho que previa a equiparação a contra-ordenações das contravenções ou transgressões a que fossem aplicadas sanções pecuniárias, artigo 1º nº3 do Decreto-Lei nº232/79. Este diploma foi, contudo, desprovido de qualquer eficácia em virtude da publicação de um outro diploma, o Decreto-Lei nº 411-A/79, de 1 de Outubro. E foi-o quer por, falta de adaptação prévia das entidades intervenientes, quer por, duvidas sobre a sua constitucionalidade, designadamente, a sua constitucionalidade orgânica. Contudo, findos três anos, é restabelecido pelo, já supramencionado, Decreto-Lei nº 433/83,de 27 de Outubro que estabelece o Regime Geral das Contra-Ordenações, comummente nomeado, pela sigla RGCO. Este decreto foi, ao longo dos anos, continuamente alterado, cifra-se a este respeito o Decreto-Lei nº 356/89, de 17 de Outubro e o Decreto-Lei nº 244/95,de 14 de Setembro. O primeiro destes diplomas procedeu, particularmente, à actualização dos montantes máximos das coimas a aplicar às pessoas colectivas, já o segundo destes diplomas, o Decreto-Lei nº 244/95, procedeu a uma alteração capital do RGCO, aproximando o regime contra-ordenacional ao regime do direito penal, que Figueiredo Dias intitulou, no seu manual de direito penal, «contra-revolução contra-ordenacional», que avizinhou o regime das contra-ordenações ao do direito penal substantivo e adjectivo. Entre as variadas alterações introduzidas, evidenciam-se as regras sobre atenuação especial da coima em caso de erro não censurável, de tentativa e de cumplicidade, o aumento do montante máximo das coimas e a possibilidade de elevação deste limite no caso de benefício económico calculável superior, a alteração das regras de concurso de contra-ordenações, a revisão do regime das sanções acessórias sobre a suspensão e interrupção da prescrição do procedimento, a redução dos prazos de prescrição da coima, a explicitação dos direitos de audiência e defesa do arguido, o reforço do dever de fundamentação da decisão judicial, o alargamento substancial do prazo de interposição de recurso de impugnação judicial; entre outras alterações, justificadas pelo alargamento exponencial do espaço de intervenção do direito das contra-ordenações, que fere diversos ramos do direito e diferentes sectores de actividade. O domínio ambiental também não se tresmalhou, à intervenção contra-ordenacional. A Lei de Bases do Ambiente, aprovada pela Lei n.º 11/87, de 7 de Abril, estabelece, para além dos crimes previstos e punidos no Código Penal ou em legislação complementar, que as restantes infracções àquele diploma são consideradas contra-ordenações puníveis com coima, em termos a definir por legislação complementar. Porém, prolifera no nosso ordenamento jurídico, vastíssima legislação específica ambiental onde estão expressamente previstas contra-ordenações ambientais, a título meramente exemplificativo, encontramos contra-ordenações ambientais no:
- Decreto-Lei nº 196/80, de 14 de Julho, referente à Reserva Agrícola Nacional;
- Decreto-Lei nº 47/90, de 9 de Fevereiro, concernente ao Uso e Comercialização de Diversas Substâncias Perigosas;
- Decreto-Lei nº 93/90,de 19de Março, respeitante à Reserva Ecológica Nacional;
- Decreto-Lei nº 19/93,de 23 de Janeiro, relativo à Rede Nacional de Áreas Protegidas;
- Decreto-Lei nº69/2000 sobre o Regime Jurídico da Avaliação do Impacte Ambiental;
- Decreto-Lei nº140/99, de 24 de Abril, referente à Biodiversidade;
-Na Lei nº58/2005,de 29 de Dezembro, Lei da Água.
São nestes diplomas, entre muitos outros, onde se multiplicam contra-ordenações ambientais específicas.

É agora de referir que, o RGCO remete, subsidiariamente, o regime substantivo das contra-ordenações para o Código Penal e, o regime adjectivo para o Código de Processo Penal , e, por outro lado, a natureza de procedimento administrativo até à fase judicial, com a aplicação dos preceitos correlativos do Código de Procedimento Administrativo.
O legislador ainda não delineou autonomizar o direito das contra-ordenações como um verdadeiro ramo do direito, conciliando convenientemente os princípios de direito administrativo e penal a ele subjacentes. Adita-se que não existe, ainda, nem um regime substantivo nem uma tramitação comuns aos diversos ilícitos contra-ordenacionais, ou pelo menos, capaz de se autonomizar como um autêntico regime geral. É nesta composição que surge a Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto que aprovou a Lei-Quadro das Contra-Ordenações Ambientais.

Catarina Soares da Conceição, Sub.11

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