Por um lado, a deriva formulativa de alguns alegados princípios de Direito do Ambiente – como o desenvolvimento sustentado ou a precaução – retira-lhes a natureza principiológica, quer circunscrevendo-os a uma aplicação casuística (nos termos de disposições concretas), quer remetendo-os a “sound bites” de sabor de considerações de oportunidade política. Por outro lado, o carácter ético de certas máximas despe-as de significado jurídico”.
Carla Amado Gomes, "Princípios jurídicos ambientais e protecção da floresta: considerações assumidamente vagas" in Revista de Ciências Empresariais e Jurídicas, n.º 9, 2006, pp. 148-149.
A Constituição portuguesa consagra um conjunto de princípios fundamentais em matéria de Ambiente, como sejam os princípios da prevenção, o do desenvolvimento sustentável – previstos no artigo 66º - , assim como o do aproveitamento racional dos recursos – artigo 66º, nº 2, alínea d) - e o princípio do poluidor-pagador – artigo 66º, nº 2, alínea h) - , os quais se apresentam como sendo princípios novos, introduzidos recentemente na nossa Lei Fundamental, encontrando-se ainda – nas palavras de VASCO PEREIRA DA SILVA – em plena “fase de maturação jurídica”.
Para melhor se poder comentar a frase de CARLA AMADO GOMES, cabe-nos explicitar o conteúdo destes princípios ambientais, nomeadamente, os princípios enunciados no texto em análise: relativamente ao princípio da precaução, este resulta em primeira analise da aplicação jurídica da regra – de senso comum – de que “mais vale prevenir do que remediar”, sendo que, assume como finalidade evitar lesões do meio-ambiente, o que implica capacidade de antecipação relativamente a situações potencialmente perigosa, de origem natural ou humana, capazes de colocar em risco os componentes ambientais, de modo a permitir a adopção dos meios mais adequados para afastar a sua verificação ou, pelo menos, minorar as suas consequências. Fala-se aqui de tomada de medidas destinadas a evitar a produção de efeitos nefastos para o Ambiente no sentido de se realizar um juízo prévio da actuação dos poderes públicos.
O princípio da precaução levanta, no Direito português, o problema de distinção e delimitação relativamente ao denominado princípio da prevenção pelo facto de, na nossa língua, o significado das duas palavras ser muito semelhante – ao contrário do que sucede nas línguas anglo-saxónicas, nas quais os termos “prevention” e “precaution” podem não significar a mesma coisa, tendo sido ambos distinguidos um do outro em convenções internacionais. A doutrina tem apontado como critérios ora o critério risco/perigo, ora o critério humano /natural. O primeiro dos critérios assenta na ideia base de que as consequências da conduta são futuras e indeterminadas, não existe um nexo científicamente provado, existindo apenas um perigo de lesão do meio-ambiente, pelo que a protecção é levada a cabo pelo princípio da precaução; enquanto que o princípio da prevenção actuaria quando as consequências se encontrassem já certas e determinadas - ideia de risco de lesão doAmbiente.O segundo critério acima identificado distingue entre lesão do meio-ambiente que resulta de actividade humana daquele que resulta de fenómeno natural: quando resulta de actividade humana estamos perante um risco – a tutelar pelo princípio a prevenção - , enquanto que no caso de fenómenos naturais seria um perigo - a tutelar pelo princípio da precaução. Seguindo a posição de VASCO PEREIRA DA SILVA, entendo que não faz sentido, no ordenamento jurídico português distinguir conceptualmente estes dois princípios enquanto princípios distintos e autónomos uma vez que as palavras “prevenção” e “precaução” apresentem-se, à luz da língua portuguesa, como sendo palavras sinónimas uma da outra; os dois princípios conduzem ao mesmo resultado; e abarcam a mesma realidade, devendo-se antes adoptar uma noção ampla de prevenção que seja adequada a resolver os problemas ambientais.
Relativamente ao princípio do desenvolvimento sustentável, este vem expressamente consagrado no artigo 66º, da Constituição, enquanto condição de realização do direito ao Ambiente e está intimamente ligado à questão das gerações futuras – a protecção do ambiente é o “motivo de solidariedade entre as gerações”. O significado jurídico deste princípio implica estabelecer uma exigência de ponderação das consequências para o meio-ambiente de qualquer decisão jurídica de natureza económica tomada pelos poderes públicos e a postular a sua invalidade no caso dos custos ambientais inerentes á sua efectivação serem incomparavelmente superiores aos respectivos benefícios económicos, pondo assim em causa a sustentabilidade dessa medida de desenvolvimento para as gerações futuras. O princípio constitucional do desenvolvimento sustentável obriga assim a que em qualquer decisão deva ser ponderado o factor ecológico, assim como obriga a que deva existir uma “fundamentação ecológica” da decisão e ser indicada que foi ponderada a sua vertente ambiental - se faltar esta ponderação, a decisão padecerá de ilegalidade.
Após ter sido esclarecido o sentido de cada um destes princípios, cabe responder a CARLA AMADO GOMES, quando esta duvida da natureza “principiológica” destes princípios ambientais: em primeiro lugar, cabe dizer que são, efectivamente princípios constitucionais – vêm expressamente previstos na nossa Constituição, tanto formal como material, tendo essa mesma consagração resultado da intenção e vontade do legislador, que inclusive coloca a tutela ambiental como limite material de revisão constitucional – e embora apenas se consubstanciem na aplicação ao caso concreto, projectam-se na actuação quotidiana de aplicação e de concretização do direito impondo objectivos e finalidades que não podem ser afastados pelos poderes públicos e que são sua tarefa realizar, o que significa que o legislador tem o dever de emitir as normas necessárias à realização destes princípios; que a Administração se encontra vinculada por estes princípios ambientais, nomeadamente quando estes assumem a dimensão de vinculações autónomas directamente aplicáveis, fornecedoras de critérios de decisão e estabelecendo limites para a margem de apreciação e de decisão da Administração (os quais, sendo violados, originam a ilegalidade da actuação administrativa, por violação de lei); que os tribunais, na sua tarefa de julgamento dos litígios, devem concretizar estes princípios constitucionais em matéria ambiental, tanto no que respeita à interpretação e integração das lacunas da lei, quer aos juízos de ponderação de valores e interesses, quer ainda na adaptação ou criação dos meios processuais adequados a garantir a tutela plena e efectiva dos valores fundamentais em questão. Daqui se retira que os princípios ambientais não dependem apenas de uma aplicação casuística nos termos de disposições concretas, mas vinculam e devem ser tomados em conta, quer pelos particulares, quer pelo Estado e respectivos poderes públicos, os quais devem respeitá-los enquanto princípios constitucionais fundamentais e velar pelo cumprimento das suas directrizes, as quais os vinculam enquanto sujeitos de direito.
Quanto á ponderação de que estes princípios por vezes se vêem sujeitos a “ “sound bites” de sabor de considerações de oportunidade política”, a verdade é que tal não impede que estejamos perante verdadeiros princípios constitucionais pois o facto de a sua concretização poder ser influenciada por considerações políticas não altera em nada a sua natureza enquanto princípios que por todos devem ser respeitados e cuja influência se verifica nas diversas decisões quotidianas.
Por último, referir que não concordo quando é dito que o carácter ético destes princípios – e que se apresenta como um dos seus pilares fundamentais – lhes retira significado jurídico: estes princípios, apesar de conterem no seu seio considerações éticas da maior importância, continuam a ter um conteúdo obrigatório que por todos deve ser respeitado, vinculando o Estado e devendo ser levado em linha de conta pelos particulares, pelo que, em nada perdem a sua natureza principiológica nem o seu significado jurídico por apresentarem um forte carácter ético.


João Marques, aluno nº 14733, Subturma 3

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