COMÉRCIO DE EMISSÕES

Comércio de emissões


O “comércio de licenças de emissões de gases ou efluentes” ou a “transacção de direitos de poluir”, é um instrumento de regulação ambiental que através de técnicas de mercado visa controlar a poluição de forma mais eficiente. Assenta, então, na instituição de um verdadeiro mercado, onde podem ser livremente negociados e transaccionados títulos que atribuem aos seus titulares, a possibilidade de libertar uma certa e determinada quantidade de substâncias poluentes. É o próprio mercado que determina onde e quanto se pode poluir e que permitirá que a distribuição da poluição seja feita de forma mais satisfatória e eficiente para todos.
O comércio de emissões poluentes estabelece um limite máximo de emissões poluentes (a soma de todos os títulos que compõem o mercado), ou seja, um “nível de poluição máximo” permitindo que dentro desse limite máximo todos os agentes económicos, de forma livre e autónoma possam negociar entre si as quotas de poluição existentes, mediante preços livremente fixados pelo mercado. Denotamos assim que o comércio de emissões, mais que um instrumento de combate à poluição, é também um instrumento que visa controlar a poluição de modo economicamente mais vantajoso, mais eficiente e menos dispendioso, pois, para além das preocupações ecológicas, busca-se a racionalidade económica no combate à poluição.
O Protocolo de Quioto (Dezembro de 1997) foi o primeiro instrumento internacional que consagrou um sistema de comércio de emissões poluentes (limitou o crescimento e obrigou à redução de quantidade de gases poluentes emitidos pelos países industrializados/desenvolvidos). Ficou decidido que os países desenvolvidos, até ao período de 2008/2012 iriam reduzir o nível de emissões poluentes causadoras do efeito de estufa em, pelo menos, 5% relativamente aos níveis de 1990. No entanto os países que integram a União Europeia aceitaram reduzir os níveis de emissão em 8%.
Cabe-nos referir que estes compromissos assumidos no Protocolo de Quioto constituem verdadeiras obrigações jurídicas, ou seja, metas juridicamente vinculativas, cujo incumprimento está sujeito a sanções. Os Estados assumiram uma obrigação séria de inverter o crescimento de emissões de gases poluentes causadores do efeito de estufa, procurando reduzir a níveis inferiores aos que se verificaram em 1990.
Apesar de tudo isso, os E.U.A, responsáveis por 25% do total de emissões do carbono, não ratificaram o Protocolo de Quioto, atendendo que tal poderia significar uma diminuição do seu crescimento económico e elevados custos nas políticas de combate à poluição.
Foram consagrados, no Protocolo de Quioto, alguns mecanismos flexíveis, através dos quais os estados podem cumprir com as metas a que se propuseram, nomeadamente: a Implementação Conjunta (art. 6º), a qual permite que um Estado leve a cabo, no território de outro Estado, mediante autorização destes, de um projecto ecológico que reduza o nível de emissão de gases abrangidos pelo Protocolo de Quioto, ou que aumente o nível de remoção desses gases por sumidouros (ex.: florestas), sendo o beneficio ecológico obtido transferido do Estado onde se localiza o projecto para o Estado que realizou o mesmo; o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (art. 12º), o qual é idêntico à Implementação Conjunta, mas os projectos são realizados em países não industrializados e que não assumiram qualquer compromisso de redução das suas emissões; o Comércio Internacional de emissões (art. 17º), possibilitando aos Estados negociarem entre si a emissão de gases. Assim, de forma a atingir os objectivos assumidos, os Estados podem, ao nível interno, reduzir as suas próprias emissões, ou então adquirir a outros Estados parte da sua quota de poluição. Verificamos que os Estados podem comprar “direitos de emissão” a outros países, necessários para cumprir as metas do Protocolo de Quioto.
Apesar disto, o Protocolo de Quioto remeteu para futura decisão da Conferência das partes, a definição de regras e concretização de matérias que irão regulamentar o comércio de emissões, sendo considerado como um Protocolo em aberto (isto percebe-se pela dificuldade inerente a estas negociações). Um dos aspectos que ficou por concretizar foi, o que se entende por “carácter suplementar” do comércio internacional de emissões poluentes em relação à redução interna dos níveis de emissões de gases. Isto porque existem países que na década de 90 tiveram um declínio da actividade industrial e como tal, uma redução dos níveis de emissão dos gases poluentes, e o comércio de emissões é visto para estes como uma boa oportunidade para transaccionarem as suas quotas de poluição visto que as quotas de emissão atribuídas excedem bastante o nível de emissões que estes países produzem, podendo os países industrializados atingir as obrigações assumidas no Protocolo de Quioto através de compras de quotas de poluição aos primeiros. A União Europeia diz-nos que este carácter suplementar significa a imposição de limites objectivos e percentuais que poderiam ser atingidos através da compra de quotas de poluição, enquanto que para outros países estes limites não deveriam existir.
Outras das questões não concretizadas respeitam à participação das entidades jurídicas nacionais no comércio de emissões (ou se, pelo contrário, só os Estados é que possuem tal faculdade) e ainda, saber se os “direitos de emissão” obtidos através dos projectos de Implementação Conjunta ou Mecanismos de Desenvolvimento Limpo também podem ser negociados.
A União Europeia consagrou o comércio de emissões poluentes criando um mercado único de emissões no âmbito da politica ambiental comunitária, por influência do Protocolo de Quioto, por razões de concorrência (para, neste âmbito, tratar de modo igual as empresas dos vários Estados e não criar obstáculos à liberdade de estabelecimento na comunidade) e para evitar a violação das normas do tratado que proíbem as ajudas de Estado.
Assistiu-se a uma redistribuição desigual dos objectivos globalmente assumidos em Quioto (redução das emissões em 8%), entre os Estados Membros.
Em 13 de Outubro de 2003, foi aprovada a Directiva 2003/87/CE, a qual criou um regime para o comércio de licenças de emissões de gases com efeito de estufa na comunidade, obrigando os Estados Membros a participar desde 1 de Janeiro de 2005, num mercado europeu de emissões.
Cumpre agora analisar os vários momentos/fases do mercado em questão. O primeiro deles, é a própria criação do mercado de emissão de poluentes e definição do seu “tamanho”. Neste mercado negoceiam-se as licenças de poluição, logo, o tamanho do mesmo corresponde ao número total de licenças emitidas por decisão expressa e voluntária por parte do legislador ou da Administração. Assim sendo assiste-se a uma prévia fixação de um limite máximo de emissões poluentes por estas entidades, cujo preço das licenças de poluição dependia da existência de um maior ou menor número de tais títulos (resultando do funcionamento do mercado, do encontro entre a oferta e a procura). Não são as entidades públicas que vão definir o preço, estas apenas determinaram previamente a quantidade de quotas de poluição, mas esta conduta vai ter influência no valor das respectivas quotas (consoante existiam mais ou menos). Será também de referir que a definição do mercado, e posteriormente o preço das licenças, influenciará a maior ou menor propensão para os agentes económicos reduzirem a sua quantidade de emissões, podendo funcionar como um incentivo à redução das mesmas.
Outro momento inicial é a distribuição das quotas de poluição pelos vários agentes económicos (visto que posteriormente cabe ao próprio mercado essa função), a qual poderá ser feita através de diferentes modos, nomeadamente, através de técnicas gratuitas e técnicas onerosas (podendo antes do mercado funcionar a distribuição das licenças ter ou não um custo económico).
As técnicas gratuitas foram instituídas no âmbito do Protocolo de Quioto, como parcialmente na União Europeia. No entanto, e apesar de ser o modo que mais interessa aos agentes económicos, põe em causa o principio ambiental do poluidor – pagador, visto que permite poluir sem qualquer custo e atribuir aos agentes económicos um titulo que terá um preço, tendo estes grandes lucros.
O Professor Vasco Pereira da Silva diz-nos que o princípio poluidor – pagador, apesar de não constar expressamente da CRP, está implícito no art. 66º/2 h). Ora, se as técnicas gratuitas violam este princípio constitucional, podemos dizer que as mesmas são inconstitucionais. São exemplos de técnicas gratuitas, as técnicas de “grandfathering”; concurso publico; oferta publica. Como já referi, a União Europeia consagrou pelo sistema gratuito, mas não optou na Directiva 2003/87/CE nenhuma das técnicas referidas, dando liberdade a cada Estado Membro para definir um Plano Nacional de Atribuição de Licenças (PNALE). Tudo isto atenta contra o princípio do poluidor – pagador, mas também o princípio da igualdade (art. 13º CRP – pois pode prejudicar alguns agentes económicos face a outros) e a liberdade e lealdade da concorrência.
Nas técnicas de distribuição onerosa, assiste-se à venda de quotas de poluição. Exige-se o pagamento de uma garantia pecuniária como contrapartida da atribuição de uma licença de poluir até certas quantidades. Aqui o princípio do poluidor – pagador é respeitado, e assegura a igualdade e lealdade da concorrência.
Devemos referir que dentro deste sistema existem varias modalidades, mas deve-se adoptar a técnica que, em concreto, garante a igualdade de todos os agentes económicos interessados. O Doutor Tiago Antunes diz-nos que a melhor modalidade é o leilão.
Cabe-nos perguntar se o tamanho do mercado pode aumentar ou até reduzir. De acordo com o princípio da segurança jurídica ou protecção da confiança, o Estado não pode criar novas quotas de poluição, no entanto, isto só quanto aos aumentos inesperados e imprevisíveis do tamanho do mercado, visto que é possível criar novos títulos de poluição desde que esse facto esteja previamente previsto e seja conhecido publicamente. No que respeita à redução do mercado, esta não só é possível como é desejável, de forma a reduzir a emissão de gases. Isto acontece com a retirada de algumas quotas de poluição do mercado pelo Estado (apesar de poder acarretar alguns problemas e riscos).
É importante analisar a questão da admissibilidade do mercado de quotas de poluição face à CRP, visto que estamos perante um mercado em que se negoceiam títulos jurídicos que atribuem a possibilidade de transaccionar as respectivas quotas de poluição.
O comércio de emissões, como já vimos, é um instrumento de combate à poluição, mais propriamente um instrumento de optimização económica ao serviço do ambiente pois embora tenha objectivos económicos, o seu principal objectivo é a protecção do ambiente. Assim, o comércio de emissões tutela o ambiente, enquanto princípio constitucionalmente consagrado (apesar de também se poder questionar um método que atribui direitos de poluir). Também este mercado tem como base a liberdade de iniciativa económica privada, consagrada constitucionalmente (art. 61º), permitindo aos agentes económicos comercializar as “licenças de poluição” de formar livre e autónoma. Denotamos então que os valores constitucionais subjacentes ao comércio de emissões são a protecção do ambiente e a liberdade de iniciativa económica, concluindo que a iniciativa económica não pode ser exercida à custa do ambiente (prejudicando-o), mas este não deve ser tido como um valor absoluto que prejudique a iniciativa económica. Deve existir um equilíbrio, deve-se compatibilizar a protecção ambiental e ecológica com outros valores e interesses também essenciais para as pessoas e com semelhante valor constitucional.
A CRP admite o comércio de emissões poluentes, não lhe impondo grandes limitações, e remete para o legislador a tarefa de definir os parâmetros e regras a que deve obedecer. O legislador possui uma grande margem de liberdade e discricionariedade constitucionalmente admitidas.
O Estado, ao consagrar e regulamentar este instituto, está a prosseguir a sua tarefa constitucional de proteger o ambiente. Também ao aferir estas “licenças de poluição” não está a permitir aos agentes económicos que actuem contra o ambiente. Estes estão, igualmente, obrigados e vinculados ao dever fundamental de salvaguardar o ambiente (art. 66º CRP). O comércio de emissões vem controlar de forma mais eficaz as emissões, fixando um limite máximo quanto a estas, as quais seriam sempre possíveis ou aceites por via dos actos e licenças que autorizam as indústrias poluentes. O mercado de emissões limita-se a permitir a transferência, entre os agentes económicos, de certas quantidades de poluição, que estes estão autorizados a cumprir.
Assim, tanto as entidades públicas (que criam e definem as regras do mercado de emissões e que fiscalizam o funcionamento desse mercado) como os particulares não violam o dever fundamental de respeitar o ambiente (estes últimos estão sempre obrigados a respeitar as quotas que possuem).
O comércio de emissões é uma forma de controlar a poluição e salvaguardar o ambiente, e neste mercado todos se submetem e cumprem o dever fundamental de respeitar o ambiente, apenas o fazem por diversas vias.
O comércio de emissões é um instrumento constitucionalmente admissível, dependendo a sua instituição de uma decisão do legislador; constitui uma das medidas possíveis que, nos termos da constituição, o Estado pode adoptar no cumprimento da sua tarefa fundamental de protecção e salvaguarda do ambiente. Excluímos então a possibilidade do mercado de emissões poluentes colidir com o direito ao ambiente, constitucionalmente consagrado, até porque a existência de alguma poluição é uma consequência necessária do desenvolvimento de uma actividade económica (ambos valores consagrados pela constituição) e com o comércio de emissões é possível controlar a poluição de uma forma mais eficaz.
A licença de emissão é um acto administrativo licenciador, nos termos do qual se pode emitir certa quantidade de substâncias poluentes, estabelecendo os standards ou valores limite de emissões. Mas esta é uma licença administrativa concedida em abstracto, em que a Administração não analisa em concreto as circunstâncias e destinatários, nem pondera os interesses em presença, isto porque estas licenças não se aplicam a um determinado caso, nem a uma especifica unidade industrial, antes legitima a emissão de poluentes em diversos locais, por diferentes sujeitos e em diferentes condições. São licenças que contém standards (critérios formulados em termos objectivos que estabelecem um equilíbrio entre a actividade industrial e a protecção do ambiente, impondo limites máximos de poluição, podendo resultar da lei ou ser fixado pela administração) fixados em abstracto, potencialmente aplicáveis a um vasto conjunto de situações e livremente negociáveis entre os sujeitos económicos.
Será ainda de referir que depois de estabelecidas as regras relativas ao funcionamento do comércio de emissões, a Administração deixa de poder determinar onde e quanto se pode poluir, possuindo tal função o próprio mercado. Mas cabe à Administração a função de fiscalização do mesmo.
Cumpre ainda referir que este mercado poderá acarretar alguns problemas, como a concentração geográfica das quotas de poluição (“hot spots”) que decorre do facto das mesmas poderem ser livremente negociadas no mercado. Daqui resulta a necessidade de regulamentar a liberdade de transacção dos títulos de poluição (como acontece na Directiva – art.26º), restringindo-a nas situações em que seja necessário para evitar os hot spots, sob pena de violação do principio da prevenção, principio do aproveitamento racional dos recursos materiais e protecção do Ambiente.
Outro dos problemas é o risco de “fuga” para as fontes poluentes não regulamentadas pelo mercado de emissões. Isto não significa um aumento dos níveis de poluição, mas apenas uma alteração da natureza ou modalidades das substâncias poluentes. Mesmo assim, esta situação prejudica a eficácia deste mercado como instrumento de combate à poluição (tendo em conta as externalidades negativas daqui decorrentes) devendo o mercado ser alargado de forma a abranger o maior número possível de substâncias poluentes.
Podem também surgir práticas anti – concorrenciais (como em qualquer outro mercado) que prejudica a economia e gera também consequências nefastas para o ambiente. Devem ser aplicadas as regras e controlo da concorrência previstos tanto a nível nacional como ao nível comunitário e também aplicar o regime da caducidade às licenças de poluição, estabelecendo mercados temporários.
As inovações tecnológicas também são apontadas como um problema, pelo facto de puder vir a pôr em causa o preço das quotas de poluição. No entanto, este é apenas um problema económico e não ambiental, visto que neste âmbito as inovações são benéficas.
Cabe-nos ainda referir que é necessário uma fiscalização do comércio de emissões (levada a cabo pela administração), tem que existir um controlo de forma a verificar se os limites máximos impostos são respeitados para que este mercado seja verdadeiramente eficaz. É ainda necessário a existência de um sistema sancionatório, ou seja, a existência de mecanismos punitivos e dissuasores do incumprimento. As sanções aplicáveis no âmbito do mercado de emissões são as coimas (quando o volume de emissões de uma instalação excede o número de licenças de emissão) cujo valor será superior ao preço de cada tonelada de carbono transaccionada no mercado. Ao nível comunitário o montante das coimas é de 100 euros por cada tonelada de CO2, sendo o preço do mercado das quotas fixado abaixo desse valor. Outra das sanções para quem emitir uma maior quantidade de carbono do que aquele a que está autorizado é a exclusão do mercado, impossibilitando a compra de licenças e caso consiga baixar o seu nível de emissões não pode vender as licenças em excesso. Existe ainda a possibilidade de as obrigações de redução das emissões para o período seguinte serem acrescidas do montante que corresponde ás emissões produzidas em excesso.
Concluo, manifestando a minha opinião no sentido de que desde que controlado e fiscalizado, o comércio de emissões constitui um sistema inovador e eficaz no controlo da poluição e salvaguarda do ambiente, harmonizando a vertente ambiental e a vertente económica.



Marta Susana Rodrigues Araújo
Nº 14637
Subturma: 1

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