Dos actos que dependem de outras áreas do saber

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«A submissão da Administração ao princípio da legalidade (artigos 266.º/2 da CRP e 3.º do CPA) e a consagração do direito de acesso à justiça administrativa com vista ao controlo da legalidade das decisões do Executivo (artigos 268.º/4 da CRP e 2.º do CPTA) não podem ceder perante o alto grau de complexidade técnica das decisões sobre o risco. É verdade que o julgador não está funcionalmente habilitado a controlar a verosimilhança de uma explicação científica, nem a avaliar da operacionalidade de uma solução técnica, mas tal incapacidade funcional, na medida em que possa ser suprida, não deve afastar aquelas decisões da susceptibilidade de revisão judicial».

in Carla Amado Gomes, «Risco e modificação do acto autorizativo concretizador de deveres de protecção do ambiente», Coimbra Editora, 2007, p. 488.
Publicada por Rui Lanceiro
O Direito do Ambiente impõe em muitos casos à Administração Pública que tome decisões fundadas em apreciações científicas, a um nível que transcende em muito o senso comum ou a cultura geral. Não é o único ramo que padece deste problema, isto é, de interdependência com outras ciências e áreas do saber. O Direito da Economia, por exemplo, numa outra perspectiva, também engloba matérias para as quais é necessário alto grau de especialização. Talvez com problemas semelhantes se deparem os penalistas em casos em que a prova do nexo de causalidade dependa de pareceres médicos. Ao jurista caberá ter consciência de que saber Direito não se circunscreve apenas às regras, é fundamental conhecer as situações e contextos que pretendem regular.
O cumprimento do Direito do Ambiente enquanto direito administrativo depende muitas vezes de pareceres científicos, de decisões fundadas em relatórios de peritos, de comparações que só se podem fazer estabelecendo nexos entre dados e cálculos de ciências que estudam a natureza e os animais: biologia, geologia, meteorologia, agronomia, veterinária, etc. Este cruzamento de matérias não se pode fazer levianamente. Decisões administrativas de licenciamento de actividade, por exemplo, podem depender de um estudo feito a determinado produto ou técnica. Se uma indústria pode emitir gases tóxicos para a atmosfera dentro de determinado número é necessário averiguar que matérias-primas estão em causa, que tipo de produção se fará, que gases se produzirão, tendo em conta as horas de laboração da fábrica. Ora, por aqui se vê que um “simples” acto administrativo de licenciamento exige a participação de entidades especializadas em matérias de carácter científico e que no final do procedimento o órgão que profere a decisão fá-lo acreditando na veracidade e rigor de pareceres que a precedem, tantas vezes desconhecendo os termos e conceitos técnicos que lhe servem como base.
Não atendendo em concreto a nenhum regime jurídico, porque se pretende uma apreciação geral sobre o tema, podemos dizer que as dificuldades surgem essencialmente a dois níveis. Primeiro, ao nível dos actos administrativos relacionados com matérias ambientais. Uma autorização ou licenciamento depende muitas vezes de estudos prévios e pareceres de diferentes entidades, como enunciámos acima, que fundamentarão a decisão de um órgão. Por exemplo, e pegando num regime por nós estudado, no procedimento de AIA a DIA é proferida pelo Ministro do Ambiente que se baseia por sua vez nos estudos feitos e nos pareceres apresentados. Não cabe ao órgão responsável pela decisão final, a qual produz efeitos na esfera do particular, conhecer com rigor os estudos realizados e as conclusões deles retiradas. Neste plano é necessária uma relação de confiança e seriedade no trabalho das entidades de que dependem os estudos científicos, pois se o direito aponta numa determinada direcção, é a ciência que dá as coordenadas. Tentando concretizar e utilizando o mesmo exemplo, o regime de AIA aponta para que não sejam permitidos impactos ambientais negativos mas a administração não pode decidir sem se valer de estudos adequados a calcular os possíveis danos e influências que determinada actividade trará ao ambiente. Haverá contaminação das águas? Em que medida? Com que substâncias? É possível proceder à limpeza e purificação das águas? Em que medida afectará o ecossistema de determinado rio? A ciência tratará de “colocar os dados na mesa”, a administração, seguindo as regras de Direito do Ambiente, concluirá e tomará a melhor decisão.
Num segundo e eventual momento entram em cena os tribunais. E neste âmbito compete aos tribunais administrativos julgar «do cumprimento pela Administração das normas e princípios jurídicos que a vinculam e não da conveniência ou oportunidade da sua actuação» / art. 3º nº 1 CPTA. A este nível a dificuldade aumenta. Não só os tribunais têm que diferenciar os actos vinculativos da administração daqueles de discricionariedade e oportunidade, como ainda se podem deparar com questões de carácter científico para as quais não se encontram preparados para analisar, pelo menos sem a ajuda de peritos. Perante uma decisão administrativa “ambiental” em que se permita a revisão judicial e que tenha como fundamento determinada conclusão científica, cabe ao juiz, fazendo uso dos poderes que tem ao seu alcance e não desvirtuando a sua competência, averiguar da bondade da fundamentação, da verdade e rigor dos pareceres. É certo que o que se impugna em tribunal é sempre um acto administrativo, mas em áreas de maior complexidade, como o ambiente e todas as áreas de saber que pode envolver, o acto administrativo nunca se restringe à decisão propriamente dita, pois baseou-se em determinados dados. Se esses dados, por qualquer motivo, estiverem errados implicarão uma má decisão, ou pelo menos, uma decisão não verdadeira ou adequada. Há que averiguar então desses dados, expressos em pareceres e estudos e perceber se as coordenadas por eles dadas enviaram o órgão administrativo na direcção certa ou errada. Neste última situação, a administração está em incumprimento do Direito, já que a situação real é uma e a decisão tomou como pressuposto o estudo incorrecto dessa mesma situação.

Catarina Pinto Xavier – Subturma 1

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