Os sete objectivos da estratégia nacional de desenvolvimento sustentável


Introdução e contexto

O ordenamento jurídico português consagra no artigo 66º da Constituição da República Portuguesa o princípio do desenvolvimento sustentável. Este princípio consiste na satisfação das necessidades económicas do presente, sem comprometer a capacidade das futuras gerações. Desta forma, leva-se em consideração, além dos factores económicos, aqueles de carácter social e ecológico, assim como as disponibilidades dos recursos naturais, a curto e longo prazo.
Os princípios ambientais, nomeadamente este de que temos vindo a falar, são cada vez mais importantes não só em Portugal, mas em todo o mundo, já que cada vez mais a preocupação ecológica assume uma escala global.
É assim que se justifica a existência da Estratégia Nacional de Desenvolvimento Sustentável (ENDS).
Esta ENDS insere-se numa perspectiva global, iniciada em 1992 com a Conferência das Nações Unidas sobre Ambiente e Desenvolvimento (CNUAD), que ocorreu no Rio de Janeiro e que é mais comummente designada por Cimeira da Terra. Na Cimeira da Terra adoptou-se a Agenda 21 que aconselha todos os Estados a elaborar estratégias de desenvolvimento sustentável à escala nacional.
Também se pode afirmar que a ENDS se insere numa perspectiva europeia. Com efeito, a União Europeia desenvolveu uma Estratégia de Desenvolvimento Sustentável, adoptada no Conselho Europeu de Gotemburgo, em 2001, que se dedica especialmente às seguintes áreas: alterações climáticas, riscos para a saúde pública, recursos naturais e transportes sustentáveis.
Em Portugal definiu-se o enquadramento de elaboração da ENDS através da Resolução do Conselho de Ministros nº 39/2002 de 1 de Março, assegurando-se o envolvimento de várias entidades, tanto públicas como privadas.
Mais tarde, foram aprovadas e submetidas a discussão pública as Grandes Linhas de Orientação da ENDS através da Resolução do Conselho de Ministros de 28 de Maio de 2002. Após a discussão pública, coordenada pelo Ministério das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente, a coordenação política do Plano de Implementação da ENDS foi transferida para o gabinete do Primeiro-Ministro, o que se justifica pela importância desta matéria.
Em Janeiro de 2004, nomeou-se uma comissão de especialistas com finalidade de terminar os trabalhos em curso para que a ENDS viesse a estar operacional até Janeiro de 2005. O referido grupo de especialistas entregou então ao Primeiro-Ministro uma nova versão da ENDS que foi submetida a discussão pública e a parecer do Conselho Nacional do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável.
Sentiu-se, contudo, necessidade de criar uma Equipa de Projecto para elaborar uma ENDS que integrasse um quadro estratégico, um programa de acção e um programa de monitorização e avaliação. Isto fez-se através de Resolução do Conselho de Ministros nº 112/2005 de 30 de Junho. Ora, esta equipa de projecto acabou por elaborar uma nova versão da ENDS baseada nas mais recentes orientações, tanto a nível internacional, como a nível nacional, em matéria de desenvolvimento sustentável.
A ENDS acabou por ser finalmente publicada em Agosto de 2007 através da Resolução nº 109/2007.

Características da estratégia nacional para o desenvolvimento sustentável

A ENDS foi elaborada para que no período de 2005/2015 seja levado a cabo um conjunto de actuações que permitam, no final deste período, assegurar um crescimento económico célere, uma maior coesão social e um nível elevado de qualidade ambiental. Para isso é necessário partir da situação actual de Portugal para que se possa conhecer os problemas e elaborar as medidas certas para que os referidos problemas se resolvam.
O grande objectivo que orienta toda a ENDS é o de fazer do nosso país, ate 2015, um país bastante competitivo no seio da União Europeia, dentro de um nível elevado de qualidade ambiental e de coesão e responsabilidade social. Para tanto têm que ser prosseguidos sete objectivos que serão adiante objecto de análise.
Obviamente, nesta estratégia que temos vindo a analisar, está muito presente a ideia de sustentabilidade no sentido de ter em conta os recursos naturais e o uso que se deve fazer deles. Desta ideia de sustentabilidade decorre também a necessidade de um uso eficiente dos fundos comunitários e da sua correcta gestão.
Este “diploma” faz apelo à participação dos particulares. No entanto, não há nada imposto nesse sentido. Porém, torna-se obvio que a participação do cidadão é aqui uma verdadeira condicionante já que este tipo de matérias devem começar por ser reflectidas por cada indivíduo. Trata-se de uma ideia de partilha própria do princípio da Administração paritária.
A ENDS não é, de todo, o trabalho com o qual estamos habituados, neste curso de Direito, a lidar. O que com isto se quer dizer é que não há aqui verdadeiramente um trabalho de jurista, sendo isso perfeitamente visível quando se lê o “diploma”. O que realmente há aqui é um trabalho conjugado de políticos, sociólogos, economistas, gestores, engenheiros, técnicos de estatística, entre outros. Daqui conclui-se portanto que este é um verdadeiro trabalho de peritos. O que é essencial é perceber que a ENDS é um documento político e não propriamente jurídico no sentido a que estamos habituados.
Como já acima foi referido a ENDS prevê todo um conjunto de acções que devem ser implementadas no sentido de se alcançar o desenvolvimento sustentável tal como o definimos. Ora, o que se revela de facto inovador nesta estratégia é a monitorização que se faz em relação a essas acções, para a qual existe uma Comissão de acompanhamento. Resta dizer que esta monitorização se desdobra numa análise quantitativa e noutra qualitativa dessas acções.
Em conclusão, estamos perante um documento que é inovador e que deve servir de exemplo para muitas outras áreas em que é necessária uma urgente intervenção.

Objectivos da ENDS

1º Objectivo: preparar Portugal para a sociedade do conhecimento
Para que se possa alcançar o desenvolvimento sustentável é necessário que Portugal alcance a sociedade do conhecimento, ou seja, uma sociedade esclarecida, intelectualmente “madura” e que não se deixe manipular completamente pela informação. Para que tal seja se torne uma realidade é preciso apostar na qualificação dos recursos humanos. Esta qualificação passa por importantes exigências, sendo estas:
Generalização da educação pré – escolar às idades dos três a cinco anos para que as crianças tenham acesso tão cedo quanto possível ao sistema educativo.
Promoção de um ensino básico de elevada qualidade, com acesso a vários tipos de actividades, curriculares e/ou extra – curriculares, que permitam o desenvolvimento da criatividade dos jovens e crianças tal como o gosto por novas experiências e estimulo da curiosidade.
Elevar a atractividade do ensino secundário, o que implica oferecer formações e introduzir um sistema que crie “alicerces” sólidos quanto ao Português, à Matemática, à Física e ao Inglês. Desta forma, pretende-se incentivar o jovem a prosseguir os seus estudos, para que se consiga reduzir o insucesso escolar.
Alargar as oportunidades de acesso à educação e à formação a todos os que queiram retomar os estudos ou completar a sua base de conhecimentos e competências profissionais.
Atrair jovens para a frequência do ensino superior, sobretudo nas áreas da tecnologia e da arte. Deve também preparar-se os alunos do ensino superior para as mudanças que virão a ocorrer aquando da sua entrada no mercado de trabalho.
Realizar uma correcta avaliação das necessidades futuras do mercado de trabalho e das correspondentes exigências de perfis profissionais.
Aumentar o número de investigadores e fomentar o acesso a empregos científicos em vários sectores.
Promover o uso efectivo das TIC, para que sejamos de vez uma sociedade de informação.
Reforçar a educação para a cidadania, através da formação para o desenvolvimento, enquanto condição necessária para uma “governação responsável”.
Reforçar a componente cultural, artística e desportiva no processo de aprendizagem.
Reforçar as competências de gestão e direcção dos sectores público, privado e de economia social.
2º Objectivo – Crescimento sustentado e competitividade à escala global
A realização deste segundo objectivo passa por uma transformação na carteira de actividades portuguesa que conduza a um crescimento competitivo em termos internacionais, sendo que isso terá necessariamente que envolver recursos humanos qualificados. Para que este objectivo se possa concretizar é preciso implementar certas medidas. São elas:
o Investir nas indústrias mais capazes em termos de competitividade mundial e diversificar os sectores e as actividades que permitam obter uma produtividade superior à média actual;
o Reforçar a qualidade dos bens e serviços mais susceptíveis de concorrer no mercado internacional, sobretudo os que dizem respeito à engenharia, gestão ou artes;
o Conter as despesas realizadas com os serviços tradicionalmente protegidos, de forma a redireccionar os investimentos para áreas que atinjam uma maior competitividade
o Assegurar a manutenção do património histórico e cultural, fazendo dele um recurso válido e valioso no que diz respeito ao crescimento económico e desenvolvimento sustentado,
o Utilizar os recursos naturais de forma sustentável. Para isso deve ser aproveitado o potencial endógeno de Portugal, tal como os recursos geológicos e agro-florestais. É necessário também promover a eficiência energética e a diversificação das fontes, nomeadamente apostando nas energias renováveis e na captura e fixação de CO2,
o Incentivar uma cidadania moderna, capaz de fazer das TIC um instrumento de acesso à educação, à informação e à discussão pública;

Dentro desta evolução da carteira de actividades há 3 níveis distintos:
1. Actividades capazes de aumentar a produtividade da economia e de gerar emprego qualificado.
2. Actividades em que se contribua para um aumento de produtividade no que diz respeitam a sectores que estão em processo irreversível de perda de emprego;
3. Actividades em que se possa empregar também mão-de-obra menos qualificada, de forma a gerar emprego também a este tipo de trabalhadores.


3º Objectivo – Melhor ambiente e valorização do património cultural
Neste objectivo são necessárias as seguintes medidas:
o Combater as alterações climáticas por emissões antropológicas de gases com efeito de estufa, dando prioridade às medidas previstas no Programa Nacional de Alterações Climáticas e também através da criação de novas medidas, com vista a implementar mecanismos de desenvolvimento limpo a controlar o comércio internacional de licenças de emissão (mecanismos de flexibilização de Quioto);
o Promover a gestão integrada das águas nas bacias hidrográficas. O objectivo é a não deterioração dessas massas de água e a sua protecção, valorização e recuperação;
o Assegurar o abastecimento de água potável e de drenagem e tratamento de águas residuais à população através de preços acessíveis;
o Levar a cabo uma política de gestão de qualidade do ar e de qualidade dos ecossistemas naturais e florestais;
o Implementar medidas de protecção dos solos, especialmente no que diz respeito à erosão, salinização, empobrecimento da matéria orgânica e perda de biodiversidade;
o Promover políticas agrícolas e florestais compatíveis com as actividades de conservação da natureza e a utilização sustentável dos recursos naturais;
o Levar a cabo fortes políticas de conservação da natureza e da biodiversidade;
o Implementar uma política correcta de ordenamento da zona costeira nacional,
o Promover uma gestão e eficiente e sustentável dos Oceanos de modo a prevenir riscos e a construir uma imagem internacional atractiva;
o Conservar a biodiversidade e criar uma rede de áreas protegidas no meio marinho;
o Promover uma política de gestão de riscos naturais e tecnológicos,
o Promover uma política integrada de gestão dos resíduos, que fomente a redução na fonte e estimule a reciclagem e a reutilização.

4º Objectivo – Mais equidade, igualdade de oportunidades coesão social
Este objectivo baseia-se em quatro pilares tendo em vista a coesão social: as pessoas individualmente consideradas, as organizações/empresas, a sociedade como um todo e o papel do Estado.
Para cada um destes pilares é necessário, no seu conjunto:
o Criar oportunidades efectivas para a formação do capital humano altamente qualificado;
o Reforçar o serviço público no domínio da cultura e das artes;
o Fomentar a cultura e ética social, o associativismo e iniciativas grupais, a solidariedade e a consciência colectiva;
o Reformar o sistema geral de segurança e acção social e os sistemas sectoriais de prestação de serviços públicos, através de quatro objectivos:
1. Sociedade de igualdade de oportunidades,
2. Igualdade entre homens e mulheres enquanto eixo de desenvolvimento e modernidade;
3. Baixos níveis de pobreza e exclusão social,
4. Adaptabilidade às novas realidades económicas e sociais e conciliação entre a vida familiar e a vida profissional.

o Promover uma sociedade de bem-estar e qualidade de vida;
o Combater o risco de info-exclusão;
o Estar alerta quanto aos riscos específicos de coesão social, nomeadamente, o envelhecimento da população, a instabilidade do emprego, o aumento do risco de exclusão social em relação às pessoas menos qualificadas e com menos competências técnicas, o crescimento da pobreza e desigualdade social e as dificuldades financeiras dos sistemas públicos de protecção social.

5º Objectivo – Melhor conectividade internacional do país e valorização equilibrada do território
Para que este objectivo se concretize é necessário mobilizar os diversos instrumentos de planeamento do ordenamento do território, de forma a aproveitar e valorizar os recursos naturais e as potencialidades das actividades locais e regionais. É preciso também favorecer um modelo de desenvolvimento sustentável mais coerente e equilibrado em termos ambientais e territoriais.
Para tanto será fundamental:
o Reduzir o impacto negativo associado à condição periférica de Portugal em termos europeus, através da criação de infra-estruturas de acesso ás redes de comunicação e transportes mundiais,
o Valorizar o papel das cidades, tornando-as mais atractivas e sustentáveis, tendo em conta que nelas se reúnem os motores de desenvolvimento do país. Esta tarefa não impede que se valorize também as cidades mais pequenas, as vilas e as aldeias.

6º Objectivo – Papel activo de Portugal na construção europeia e na cooperação internacional
Este objectivo constitui um vector essencial na política externa do país e na afirmação de Portugal no âmbito do cenário internacional. Para tanto é necessário reforçar a capacidade de aprofundamento do binómio identidade nacional/pertença internacional. Isto só poderá ser feito através das seguintes medidas:
o Afirmação da língua portuguesa no contexto mundial;
o Promoção da cultura portuguesa como factor valorizador do nosso país;
o Reforço das relações privilegiadas com os PALOP e Timor-leste com a finalidade de contribuir para o alcance da paz, da prevenção de conflitos e da redução da pobreza;
o Promoção de uma maior participação de Portugal no comércio e investimentos globais, reforçando as relações com as regiões mais dinâmicas e inovadoras da economia mundial;
o Ampliação do papel construtivo da comunidade portuguesa nos domínios da ciência e tecnologia;
o Incentivo ao envolvimento da população e das instituições nacionais na construção europeia.

7º Objectivo – Uma Administração Pública mais eficiente e modernizada
Para que se possa alcançar um verdadeiro desenvolvimento sustentável é imperioso ter uma Administração Pública:
o Que contribua para um Estado mais eficiente, através de uma maior fiscalização, garantindo a satisfação das necessidades públicas mais prementes e conferindo aos cidadãos uma real possibilidade de escolha;
o Com uma componente estratégica ligada ao processo de governação, no sentido de apoiar o desenvolvimento do país;
o Capaz de avançar para um funcionamento em rede, privilegiando a cooperação, as parcerias e a participação;
o Com menor peso na economia, garantindo uma maior pertinência da acção pública;
o Capaz promover o estabelecimento de um ambiente de investimento favorável e de garantir a concorrência leal em todos os sectores de actividade;
o Que tenha um sistema de justiça mais ágil e moderno e sistemas de educação, saúde e segurança mais eficientes;
o Orientada para a prossecução de objectivos e para a avaliação por resultados;
o Mais eficaz e eficiente, sobretudo através da desburocratização de intervenções e da modernização dos seus processos de actuação;
o Mais transparente, de forma a ser mais valorizada pelos cidadãos e agentes económicos,
o Mais competente e motivada, fazendo uso de competências técnicas especializadas e de competências transversais como o trabalho em equipa, em rede e em parceria,
o Que faça um uso efectivo e com qualidade das TIC, estimulando o tele-trabalho e a telemedicina e incentivando um ambiente escolar info-incluído.

Conclusão

A Estratégia Nacional de Desenvolvimento Sustentável é um instrumento muito valioso na concretização e implementação do princípio do desenvolvimento sustentável previsto no artigo 66º da Constituição da República Portuguesa. Os objectivos aqui enunciados envolvem a promoção de medidas que já há muito tempo deviam ter sido tomadas em Portugal.
Neste sentido, podemos concluir que o nosso país está a dar um passo em frente no que diz respeito ao seu desenvolvimento económico, tentando ao máximo não violar o direito fundamental ao ambiente que todos os seres humanos têm e não comprometendo a possibilidade de crescimento e qualidade de vida futuras. Resta dizer que o crescimento económico não poderá ser alcançado se estiver desligado das questões ambientais, porque num futuro próximo esse crescimento dependerá (muito mais do que já depende hoje em dia) do aproveitamento dos recursos naturais existentes.

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