O tratamento da prova em sede de responsabilidade civil ambiental
Publicada por Subturma 12 à(s) 15:08Partamos de uma ideia base: o dano ambiental é imputável ao agente quando este concretamente cria ou aumenta um risco não permitido (responsabilidade subjectiva) ou um risco previsto na norma legal (reponsabilidade objectiva) e o resultado lesivo é precisamente a materialização ou concretização desse risco. Assim sendo, entramos numa lógica de responsabilidade "pelo risco" abandonando as concepções anteriores de onde resultava uma responsabilidade objectiva meramente excepcional. Pode, pois, tutelar-se o ambiente sem averiguar de ilicitude ou de culpa mas tendo sempre em conta uma nova realidade: o nexo de causalidade.
A questão que iremos de seguida apreciar prende-se com a prova deste mesmo nexo causal. Saber qual o "grau de prova" que deve ser exigido nestas circunstâncias e como o ónus da prova deve ser repartido no domínio ambiental.
Grau de prova - "medida da convicção que é necessária para que o tribunal possa julgar determinado facto como provado".
Em regra, e tal como o defende o Professor Miguel Teixeira de Sousa, o nosso ordenamento jurídico recorre à prova stricto sensu o que, na nossa hipótese, seria o mesmo que dizer que o juiz só considera o nexo de causalidade provado se estiver plenamente convicto da sua verificação. Exige-se, pois, uma probabilidade muito próxima da certeza. A "mera justificação", que se basta com a convicção acerca da probabilidade do facto, só será suficiente em situações expressamente previstas de que são exemplo as providências cautelares - está em causa um juízo de prognose sobre um acontecimento futuro, exige-se celeridade e confere-se unicamente uma tutela provisória.
A questão que se coloca será saber se o ordenamento jurídico português, apesar da regra geral da prova stricto sensu, não deve atenuar o grau de prova considerando suficiente a "probabilidade razoável" de verificação do nexo causal. Neste ponto existe, pois, uma considerável divergência doutrinal.
Consideremos o postulado por Cunhal Sendim que, com a concordância de Colaço Antunes, vem defendendo que uma probabilidade predominante será suficiente. Este autor escreve que " a exigência neste ponto do sistema de um grau de certeza semelhante ao pressuposto nas situações de responsabilidade aplicáveis aos danos "normais" poderia inviabilizar a imputação da generalidade dos danos ecológicos e ambientais, prejudicando assim o cumprimento da função essencial deste (sub)sistema de responsabilidade. Isto sugere a razoabilidade de uma atenuação da exigência de prova da condição sine qua non, e a adopção de critérios de verosimilhança ou de probabilidade; tendo em conta as circunstâncias do caso concreto".
Vasco Pereira da Silva adianta uma solução alternativa. No fundo, porque se defende pelo menos a possibilidade de aceitação de um grau de prova com esta intensidade diminuída? Porque efectivamente a relação de causa-efeito no domínio ambiental é de muito difícil verificação. Em primeiro lugar, é difícil que o dano ambiental seja resultado de apenas uma única causa - em regra, estas actuam em concurso. Para além disto, os factos causadores da lesão ambiental tanto podem agir isoladamente, como conjugados ou até em colisão com outros factos. A isto acresce a ocorrência de circunstâncias externas como as meras condições meteorológicas que se verificam no momento. Assim, o Professor Vasco Pereira da Silva, apresenta um esquema já conhecido na ordem jurídica francesa e alemã - o estabelecimento por via legal, jurisprudencial ou doutrinária de "presunções de causalidade". O que se faz é atribuir amplos poderes de decisão ao juiz no que respeita à verificação da aptidão dos factos para a produção dos danos tendo em conta todo o circunstancialismo envolvente. Desta forma, não seria tão urgente impor a flexibilização na aplicação das regras da causalidade. Ainda assim, recorda o Professor, que as "regras da probabilidade" de que vimos falando, supra, constam já de uma Proposta de Directiva da União Europeia acerca da produção de detritos. Os resultados desta solução e da aplicação da regra da "presunção de causalidade" não seriam em si muito divergentes.
Importa retomar a problemática acima evidenciada.
Do outro lado da corrente doutrinária, encontramos os fundamentos da tese que defende que a probabilidade razoável ou predominante da verificação da causalidade não deve bastar - deve valer o princípio geral da prova stricto sensu. Esta facção defende que, e em primeiro lugar, a legitimidade desta solução é duvidosa uma vez que o sistema probatório português só admite excepções à prova stricto sensu quando expressamente previstas na lei e, em matéria ambiental, essa referência não existe restando, pois, mera analogia com as normas efectivamente expressas. Lembra-se, ainda, que as regras da probabilidade relevarão sempre pois contribuem para a formação da convicção do juiz.
Repartição do ónus da prova
Uma vez que parece que a aceitação de uma "probabilidade" relativamente à prova do nexo causal não parece ainda consagrada na nossa ordem jurídica e muito menos unanimamente aceite urge encontrar outros mecanismos que levem a responsabilidade civil ambiental a actuar de forma efectiva e eficaz. Exigir da vítima que prove em concreto a criação ou o aumento do risco, tal como a sua materialização, pode significar a destruição do funcionamento desta mesma responsabilidade civil e com isto a própria protecção do ambiente que a responsabilidade faculta.
Aqui, mais uma vez, teremos de referir-nos ao exposto pelo Professor Vasco Pereira da Silva. Releva nestes ponto a hipotética solução das "presunções de causalidade" uma vez que, como já o dissemos, este mecanismo constitui uma alternativa quase perfeita à atenuação do grau de prova e tem uma influência directa na questão que estamos agora a analisar - o ónus da prova - já que, por definição, a existência de presunções altera a regra geral no que respeita a esta matéria.
Importa, todavia, resolver uma questão prévia: são legítimas as inversões do ónus da prova não legalmente previstas? Em princípio, e com base também no pensamento do Professor Vasco Pereira da Silva, no domínio ambiental não pode senão reconhecer-se a legitimidade de presunções fundadas não em lei expressa mas em princípios jurídicos transversais ao ordenamento jurídico de que é exemplo claro o Princípio da Prevenção. O ambiente deve ter em seu favor o benefício da dúvida em casos de incerteza sobre o nexo causal. Daí o postulado por Carla Amado Gomes a propósito deste corolário: "incentivando, por um lado, à antecipação da acção preventiva ainda que não se tenham certezas sobre a sua necessidade e, por outro lado, à proibição de actuações potencialmente lesivas, mesmo que essa potencialidade não seja cientificamente indubitável. Além deste conteúdo substantivo, o princípio tem ainda uma importante concretização adjectiva: a inversão do ónus da prova". Em princípio a inversão do ónus do prova pode ser resultado de uma criação jurisprudencial.
Como solucionamos então? Partindo dos corolários tão correctamente avançados por Ana Perestrelo de Oliveira nesta matéria podemos dizer que ao lesado exige-se a prova da criação ou aumento do risco e, feita esta demonstração, o juiz deve presumir a materialização do risco. Num primeiro plano não invertemos o ónus da prova, essa inversão será guardada para uma segunda fase, após o juiz estar convencido de que determinada conduta poderá efectivamente ter causado o dano. A presunção revestirá nesta sede de plena legitimidade porque tem em conta a dificuldade objectiva de prova por parte da vítima ao que se acrescem os princípios de tutela do ambiente já enunciados.
Por fim, importa saber se a vítima terá de demonstrar a criação deste risco em concreto ou apenas de forma abstracta. Em princípio deveria exigir-se a prova em concreto mas dificilmente o agente terá ao seu dispor meios suficientes e adequados para o fazer. Resta-nos a aptidão abstracta daquele comportamento para produção do dano.
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