A Multidisciplinaridade do Direito do Ambiente: O Contributo do Direito Civil.
Publicada por Subturma 2 à(s) 16:56Data da década de sessenta do século passado a entronização da questão ambiental em questão politica e social séria. Desde esta altura, por diversos motivos, a sociedade apercebeu-se de uma realidade insofismável, ou seja, os recursos naturais deste planeta têm fim e a vida humana ou outra não é uma fatalidade, depende antes da manutenção de alguns equilíbrios de escala global. Esta tomada de consciência levou a que a tópica ambiental passasse a ter lugar cativo nos discursos e preocupações da nossa actualidade político-social (nem sempre, como é obvio, da mesma forma no início o discurso era minoritário e radical, tendo progredido até aos dias de hoje em que algum nível de preocupação ambiental é comum a quase todos, como sempre uns mais do que outros), este despertar ecológico político-social teve reflexos ou contágios nas mais variadas áreas, sendo que entre elas se inclui o Direito. O choque entre o Direito com a sua função reguladora e os problemas jurídicos ambientais e a sua necessidade de regulação foi tal que desde esse embate em diante a discussão jurídica foi em vários campos obrigada a reconstruir-se e a enfrentar questões até aí nunca debatidas, alterando-se e questionando-se conceitos e dogmas até aí inabaláveis (como exemplo começa aqui a primeira discussão séria se o Direito até então visto apenas como regulador de condutas humanas devia abandonar este antropocentrismo e passar a ser ecologicamente centrado).
Do que foi dito fica claro que o Direito do Ambiente (a parte da ciência jurídica que trata cientificamente de questões ambientais, tentando dar respostas coerentes às mais diversas preocupações ambientais, quer seja ou não de considerar um ramo autónomo) é uma disciplina jovem e como toda a juventude padece de alguma imaturidade. A imaturidade do Direito do Ambiente prende-se com alguma indefinição em relação ao seu objecto, alguns problemas que resultam de uma multiplicidade de fontes e também da inexistência (ou pelo menos a existência frágil) de uma teoria geral do Direito do Ambiente que forneça a centralidade e sedimentação dogmáticas necessárias a um ramo de Direito.
Estas características apresentadas são comuns a domínios científicos novos, e como reflexo delas surge normalmente outra característica que é o facto de como são novidade são alvo de atenção de diversas áreas do Direito. São alvo de uma atenção simultânea e de um diálogo entre áreas que andam tradicionalmente arredadas ao diálogo interdisciplinar, encontrando-se a maior parte das vezes encerradas nos seus dogmas sem grande espaço de abertura. A verdade é que normalmente o civilista, o administrativista e o penalista por exemplo só se encontram nos corredores da faculdade, não no diálogo conjunto e interdisciplinar para a solução de problemas concretos mediante contribuições parcelares. Uma das grandes virtudes do Direito do Ambiente, que decorre tanto do seu objecto como da sua juventude é que são necessários todos os contributos e nenhuma “coutada” jurídica pode reclama-lo como seu. Este diálogo para além de deixar respirar a ciência do direito e os seus conceitos é a única forma de enfrentar cabalmente as ameaças ao ambiente (aquelas obviamente que poderem ser enfrentadas com a ajuda do Direito, que não serão todas nem provavelmente as mais importantes).
Feita que está esta espécie de introdução resta expor a necessidade e a validade do contributo do Direito Civil para as questões ambientais.
Perante o Direito do Ambiente o Direito Civil tem duas oportunidades, a primeira é a de dar um contributo sério, valido e necessário para esta área. A segunda oportunidade é talvez mais cientificamente “egoísta”, pois perante os desafios que o Direito do Ambiente apresenta o Direito Civil terá que em algumas áreas estender e até reinventar conceitos dogmáticos com raízes milenares.
O Direito Civil é Direito Privado Comum quer isto dizer que não se encontra centrado sobre nenhum instituto em particular, encontrando-se assim apto para dar respostas jurídicas a quaisquer problemas que envolvam o ser humano. O Direito Civil funciona com conceitos abstractos e de grande abertura sendo por isso capaz de nos seus meandros acolher discussões sobre problemáticas que não existiam quando as soluções que propõe foram criadas.
Seguindo Menezes Cordeiro, o Direito Civil guiado como é pelos valores da igualdade e da liberdade pode assumir na tutela do ambiente três papéis. Um papel cultural pois o Direito Civil representa “a cepa mais profunda do Direito continental actual” e o ambiente e a sua tutela como desígnio estável e permanente deve encontrar raízes nos planos mais estáveis do pensamento jurídico. Um papel instrumental o Direito Civil tem tido historicamente o papel de elaboração de instrumentos dogmáticos básicos, isto confere-lhe uma posição privilegiada não só como repositório de poderosos instrumentos científicos mas também uma posição privilegiada para a sua necessária reelaboração. Finalmente um papel regulativo, que se prende com o facto de existirem regras civis que são direccionadas ao ambiente (ou poderão vir a estar depois de reinterpretadas) ou regras ambientais cuja actuação pressupõe interacção com regras civis.
Para além destes papéis que se assinalam para o futuro existem neste momento contributos imediatos que o Direito Civil dá, deu e continuará a dar. Nestes contributos encontramos o chamado Direito da Vizinhança que se encontra estabelecido nos artigos 1346º e seguintes do código civil, estes direito são atribuídos a propósito da propriedade imobiliária, o que não espanta pois o código é bastante centrado no conceito de propriedade. A construção primeira destes direitos não foi feita a pensar nas modernas problemáticas ambientais, disso ninguém duvida. No entanto nada nos impede de interpretar os conceitos de forma actual e descobrir neles novas formas de protecção para novas ameaças. Assim do art. 1346º cc retiramos o poder do proprietário de proibir actos prejudiciais especialmente no que diz respeito ás emissões, o art. 1347º cc temos um princípio de prevenção de determinados perigos e no art. 1348º cc temos um afloramento de um princípio de manutenção da ordem natural. Estes preceitos e princípios sendo apreciados à luz dos desafios se lhes deparam deixam de poder ser encarados como meras regras de resolução dos chamados trouble de voisinage, para passarem a ser vistos como regras de resolução de verdadeiros trouble d´environnement, seguindo aqui o dizer autorizado de Gomes Canotilho. Para além desta área temos de notar o contributo que pode ser dado pelo Direito Civil na importantíssima área da responsabilidade civil, no entanto a área da responsabilidade civil para dar o seu melhor precisa de alguma revisão de conceitos pois não foi pensada para a necessidades do ambiente foi pensada para ressarcir e não tanto para prevenir. Tem também o problema de necessitar de violações ilícitas e culposas de direitos, o que poderá ser combatido com recurso á figura da responsabilidade objectiva pelo risco ambiental.
A conclusão que nos oferece apresentar é que o Direito do Ambiente precisa do contributo do Direito Civil como precisa do contributo de várias áreas do direito, o Direito do Ambiente precisa de crescer com esta interdisciplinaridade, pois só desta forma se poderá chegar às melhores soluções possíveis sendo os resultados bons para o ambiente e também bons para a ciência do Direito como um todo que sairá sempre beneficiada com o aumento de diálogo.
Bibliografia consultada:
Vasco Pereira da Silva, Verde Cor de Direito Lições de Direito do Ambiente, Almedina, 2002
António Menezes Cordeiro, Tutela do Ambiente e Direito Civil, in Direito do Ambiente, Instituto Nacional de Administração, 1994.
Gomes Canotilho, Jurisdicização da Ecologia ou Ecologização do Direito, in RJUA nº4 DEZ. 1995
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