“A importância das questões do ambiente, em nossos dias, é de ordem tal que não poderia deixar indiferentes o Estado e o Direito”, diz-nos o Professor Vasco Pereira da Silva.
De acordo com o art. 9º e) e 66º da CRP é uma das tarefas básicas do Estado defender e preservar o ambiente, o que fez com que se divulgasse a expressão “Estado de Direito Ambiental”.
A crescente importância do Direito do Ambiente, também em virtude de vinculações externas assumidas pelo Estado Português, fez com que houvesse uma necessidade de intervenção estatal no sentido de assumir e cumprir as suas tarefas.
Seguindo o Professor Vasco Pereira da Silva, o direito ao ambiente tem em si uma dupla dimensão, a saber: direito a uma protecção contra intervenções danosas (estando mais próximo aqui de um direito liberdade e Garantia, com consequências a nível de regime) e um direito a prestações, sendo de aplicar nestas vertentes o regime dos direitos económicos, sociais e culturais.
Sendo um direito como outros, naturalmente, entrará em colisão com outros bens fundamentais tutelados pela CRP.
A propriedade privada surge como um dos direitos fundamentais que entra em rota de colisão com o direito ao ambiente. A necessária política de salvaguarda, passa por proteger componentes ambientais, em nome da sustentabilidade, que implica intervenções em determinados bens imóveis que muitas vezes pertencem a privados, consubstanciando assim uma restrição.
Em matéria de restrições, importa dizer, que este trabalho incidirá sobre restrições não expressamente previstas na CRP. A expropriação não tem sido utilizada, no que à REN diz respeito, por se considerar que não é meio idóneo ao fim a prosseguir. A titularidade do bem pouco importa para os fins a prosseguir, sendo certo que, se poria em causa a adequação e necessidade de medidas expropriativas ( ficando assegurado a possibilidade de ser a única solução para o caso) já que seria suficiente a imposição de condicionamentos e vínculos ao proprietário. As medidas expropriativas colidem com o núcleo essencial do direito de propriedade; ora, do que se trata aqui, são medidas que não retiram a titularidade do direito mas apenas actualizam o direito em função da sua vinculação situacional. Não obstante, iremos discutir até que ponto será admissível, a exclusão total de um direito a uma justa indemnização.


Regime da REN - traços gerais

A REN está prevista no DL-93/90 de 19 de Março, tendo sido alterada por diplomas sucessivos, tendo surgido na sequência do art.27º da Lei de Bases do Ambiente.
A integração e exclusão de áreas pertencentes à REN compete ao Governo por via de resolução de Conselho de Ministros (tendo de ser ouvida a Comissão Nacional da REN). E a sua classificação como áreas de interesse nacional é feita através de decreto regulamentar, sendo que é este último a fixar as actividades proibidas.
Nas áreas de interesse nacional, proíbem-se várias iniciativas possivelmente danosas para o equilíbrio ecológico.
Estas áreas integram a planta de condicionantes de outros instrumentos de planificação territorial, deixando claro que estes últimos se encontram subordinados à sua classificação.



Natureza jurídica

O diploma relativo à REN define e classifica determinadas áreas como áreas merecedoras de especial tutela e protecção.
O regime da REN tem natureza de lei – reserva, na medida em que “reservam” determinados espaços no território que ficam desde logo sujeitos ao regime de uso, ocupação e transformação das áreas envolvidas, ou seja, o diploma define e classifica directamente certas áreas de acordo com determinados princípio.
Este regime é uma forma de auto – vinculação que obriga o Governo a delimitar as áreas legalmente classificadas. Isto justifica-se pelos interesses em causa; sendo nacionais foi considerado preferível retirar essas competências às autarquias (com receio da sobreposição de interesses municipais aos nacionais). Também é certo que estas competências vinculadas coexistem com áreas de discricionariedade, como referimos acima, como por exemplo, a possibilidade de exclusão de certas áreas.
Quanto à delimitação a que está vinculada a administração central, nas palavras de Marcello Caetano, são actos de definição da área abrangida, ou seja, limitam-se a completar os diplomas acima referidos.








Ambiente e Propriedade Privada

É líquido, que o direito à propriedade privada é um direito de natureza análoga (art.17ºCRP) aos direitos liberdades e garantias (com consequências ao nível do regime), apesar de estar incluído no título relativo aos direitos e deveres económicos, no art.62º.
A sua garantia abrange quer o instituto – vertente objectiva - quer em termos individuais – vertente subjectiva. A propriedade vem associada à ideia de liberdade pessoal, sendo assim, a qualquer pessoa é garantida a possibilidade de ser titular do direito e retirar dele o gozo possível.
Não obstante a sua natureza clara, não pode passar em branco a sua localização sistemática. Este direito não é absoluto e ilimitado e seguindo a teorias pluralistas é também claro que o legislador pode modelar o seu conteúdo em função da sua vinculação social.

· Conteúdo

Nas palavras dos Professores Gomes Canotilho e Vital Moreira, “ o direito de propriedade não é garantido em termos absolutos, mas sim dentro dos limites e nos termos previstos e definidos noutros lugares da CRP”, sendo que embora não haja nada na CRP que explicite os termos dessas restrições, nada impede que a lei ou mesmo instrumentos de planificação territorial o façam (art.65º nº4 CRP).
A restrição corresponde assim a uma não actualização do direito, que encontra fundamento em previsões constitucionais expressas (arts. 82º, 88º e 94º) e na ideia de limites imanentes, sendo estes últimos de extrema importância num caso, como o que está em análise, de conflitos entre direitos fundamentais.
Assim, pode-se dizer que a liberdade de conformação do legislador é tanto maior quanto mais forte for a vinculação social da propriedade. Há mesmo quem diga que esta função social é parte integrante do direito de propriedade.
Pensamos que é importante referir que a propriedade também está de certa forma vinculada ao princípio da solidariedade intergeracional, na medida em que existe a necessidade de assegurar um desenvolvimento sustentável que passa por uma política de responsabilidade ética que a todos nos vincula. As gerações futuras não são titulares de direitos na medida em que são ainda inexistentes, no entanto, esta ideia passa por uma forma de auto - responsabilização, ou seja, um dever para com o património comum da humanidade.


· A REN e o direito de propriedade

Tendo em conta que, como referimos, a REN impõe limitações e proibições de uso, ocupação e transformação, importa neste momento analisar qual a natureza jurídica destas restrições.
As servidões administrativas, no dizer do Professor Marcello Caetano, são estabelecidas em proveito da utilidade pública de certos bens, ao passo que as meras restrições visam a realização de interesses públicos abstractos, da utilidade pública ideal não corporizada na função de uma coisa.
Ou seja, as restrições decorrentes do regime jurídico da REN são restrições por utilidade pública.
Numa visão civilística do direito em causa, não há limites quanto ao gozo, apoiando-se para tal no art.1305º CC. A visão publicista concebe o direito em causa através do Direito. A doutrina divide-se neste âmbito para os Professores Marcelo Rebelo de Sousa, Oliveira Ascensão e João Caupers o direito de edificar está compreendido no direito de propriedade; este já não é o entendimento, que seguimos, dos Professores Esteves de Oliveira e Alves Correia, que consideram não passar de uma concessão jurídico - administrativa. Este último entendimento é também o da Jurisprudência.
Há assim, um sistema de atribuição.


· O problema da justa indemnização

Para o Professor Alves Correia, além das servidões (aplicando o mesmo raciocínio às restrições por utilidade pública) referidas no art. 8º/2 do Código das Expropriações, há outras, que por via do princípio da justa indemnização, devem ser acompanhadas de medidas de carácter ressarcitório; são aquelas que produzam danos especiais e anormais na esfera jurídica dos proprietários.
Sendo assim, não dão lugar a indemnização, aquelas que decorrem da vinculação social do direito. Acrescenta ainda, o referido Professor, que no caso de expropriação de um prédio onerado com uma servidão administrativa, essa diminuição do valor só será tida em conta no caso de a entidade que beneficiou com a servidão não ser a mesma que agora inicia o processo de expropriação; percebe-se esta posição pelo facto de, a ser de outra forma, os particulares poderiam ver a sua situação jurídica afectada de maneira inadmissível.




Pensamos que se deve, no caso concreto, verificar quais os níveis de ingerência de entidades públicas ao nível de direitos reais.
É importante saber a partir de que nível de intensidade dessa ingerência é afectado o núcleo essencial do direito de propriedade.
Apesar das restrições impostas pela REN não extinguirem o direito, têm efeitos condicionadores e potencialmente lesivos do direito de propriedade. Não nos é possível conceber uma situação em que a administração intervém retirando a um direito, grande parte do seu valor, sem assumir um encargo relativo a uma indemnização.
Como é óbvio, não se pretende que seja uma indemnização de igual valor ao que seria concedido no caso de transferência do direito de propriedade, porque é facto assente que a propriedade se mantém na titularidade de um privado; mas deve sim, ressarcir a diminuição de valor que aquela restrição irá significar.

Outra questão prende-se com a possibilidade de o proprietário optar pela expropriação.

Para as servidões administrativas, o art.8º do Código das Expropriações, prevê os casos em que tal é possível. Mas deixa em aberto a resposta a dar às restrições, como são as limitações decorrentes da REN, o que nos parece de certa forma deslocado de um Estado de Direito que tem como um dos princípios garantísticos fundamentais o Princípio da Igualdade.
Para o Professor Alves Correia deve depender do grau ou intensidade da vinculação situacional da propriedade.
O direito de propriedade, é um direito análogo com dignidade constitucional e decorre da nossa própria dignidade. O uso e fruição desse direito fazem, no nosso entendimento, também parte do seu núcleo essencial. De que nos serve um direito amputado nas suas funções essenciais?
Como nos diz o Dr. João Caupers “ as limitações legais ao direito de propriedade não podem atingir o seu conteúdo essencial, nomeadamente um mínimo e faculdades de uso e fruição, sob cominação de inconstitucionalidade”.
Assim, se as medidas revestirem carácter expropriativo, será de admitir essa possibilidade.
A doutrina alemã qualifica qualquer medida que consista em suprimir faculdades inerentes ao direito de propriedade como expropriações; distinguindo ainda estas últimas das lesões análogas à expropriação que serão ilícitos por comportarem um sacrifício desigual.
Para o Professor Fausto Quadros são actos análogos, aqueles que “sejam praticados pelo Estado no seu Jus Imperii, através dos quais ele, sem retirar a titularidade formal do direito ao seu titular, afecta, no sentido em que limita ou esvazia, o conteúdo do direito de tal modo que os seus efeitos, do ponto de vista substancial, se equiparam aos da expropriação ou da nacionalização”.
E quando será que afecta essa substância?
Para o Professor Fausto Quadros, afectará na medida em que diminua o valor económico do direito em causa.
Assim, consideramos que à semelhança das servidões que, nos termos do art.8º do Código da Expropriações, também as restrições devem, nestes casos, dar lugar a indemnização em virtude das menos - valias que decorrem destas medidas.




Queríamos, nesta fase, salientar seis pontos em jeito de conclusão, a saber:
· O ambiente faz parte do património comum da humanidade; cabe-nos a nós, por mais que o nosso sentido egoístico da vida nos faça rejeitar esta ideia, contribuirmos de forma activa e solidária para um desenvolvimento sustentável, para que esta e as futuras gerações possam usufruir deste direito, que não é de ninguém e é de todos (não obstante a possibilidade de ser, em certos casos, individualizável);
· Como decorrência do princípio de solidariedade intergeracional, a propriedade deve ser entendida por um lado, como um direito subjectivo que decorre da nossa própria dignidade, e por outro como um direito com uma acentuada vinculação social;
· As restrições impostas pelo regime jurídico da REN, têm a natureza de restrições por utilidade pública. Estas restrições encontram fundamento quer em previsões constitucionais expressas quer na ideia de limites imanentes;
· As restrições que afectam o núcleo essencial do direito de propriedade revestem o carácter de medidas expropriativas, tendo como consequência a obrigação de indemnizar;
· O gozo e fruição podem, em certos casos, fazer parte desse núcleo mínimo, pelo que à sua limitação ou proibição deve corresponder uma justa indemnização. Em virtude de não se abolir a titularidade do direito, não se defende uma indemnização de igual montante, mas pelo menos a correspondente às menos – valias associadas. Estaremos assim, a cumprir a directriz constitucional expressão no art.13º CRP; neste caso, no sentido material, já que estaremos a tratar igual o que é igual e diferente o que é diferente;
· Em casos de descaracterização grave e anormal do direito deve ser viabilizada a possibilidade de opção, pelo proprietário, pela expropriação.


So fia Rodrigues nº14441 subturma12

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