LNEC já entregou ao Governo Relatório Ambiental Final sobre novo aeroporto.
(...)
O documento, que reúne os pareceres e participações obtidos durante o processo de consulta pública, foi entregue “no final da semana passada”.
O Relatório Ambiental Final sobre o novo aeroporto será agora sujeito a aprovação em Conselho de Ministros, para que o órgão máximo do Governo possa tomar uma resolução definitiva sobre esta infra-estrutura. A fase seguinte será a elaboração do Estudo de Impacto Ambiental, que depois será entregue na Comissão Europeia, para saber se a infra-estrutura está em conformidade com os preceitos legais da União Europeia no que respeita a matérias ambientais.
(...).
Ora, face a esta notícia, ouvi, numa estação de rádio, um especialista contactado pela dita, dizer que uma das partes mais importantes no processo de “construção” da ideia de um novo aeroporto era o poder de participação popular, tanto durante o procedimento de avaliação de impacto ambiental, como após este procedimento. Durante o procedimento atendia à fase na qual há promoção da participação pública, uma forma de legitimação do processo. Posteriormente através de uma acção popular na qual o particular pode intentar uma acção, não com um interesse próprio mas com um interesse considerado (não formalmente correcto) público, tendo em conta bens difusos cuja protecção diz respeito a toda a sociedade. É como se realmente houvesse uma desconsideração do interesse na demanda. E o comentador acreditava que tal pudesse acontecer realmente. A seu tempo.
Antes de uma consideração sobre o direito à acção popular, há que atentar à lei respectiva, a Lei 83/95. Esta lei levanta problemas graves: mistura a acção popular com a participação procedimental (participação num procedimento administrativo), cria um artigo que foca os “cidadãos interessados” quando o interesse propriamente dito não está presente na definição de direito à acção popular, refere as Autarquias Locais quando estas não são um actor popular qualquer, são entidades públicas que participam em intervenção administrativa ou acção popular com legitimidade de acção pública, entre outros erros ou imprecisões a necessitar de ser vistas atrás de uma interpretação conforme. Há erros estruturais que quase parecem confundir acção popular com acção colectiva. Um diploma que necessita de correcção futura, seguramente.
Voltando à acção popular em si. Realmente, esgotados os meios não jurisdicionais, apenas resta ao sujeito, para assegurar o seu direito ou tutelar o seu interesse, o recurso aos tribunais. Poderia eventualmente nascer um problema de legitimidade processual já que estamos no âmbito dos interesses difusos e porque a defesa jurisdicional desses interesses difusos é concedida a qualquer sujeito, logo, não passível de ser concretizada em pessoas ou entidades. Mas o Direito Português admite a acção popular, um instrumento de participação e intervenção democrática dos cidadãos na vida pública, de controlo da legalidade, de protecção dos interesses da comunidade e de educação e formação cívica, que parte até da atribuição de um direito ao ambiente em paralelo com um dever de defesa do ambiente, consagrado no art. 66º/1 da CRP. É que enquanto o Direito do ambiente se determina através de uma possibilidade ou faculdade de exigir a terceiros condutas, activas ou omissivas, o dever de protecção passa por não contribuir para a degradação do ambiente (nunca esquecer a importância do Princípio da Prevenção no enquadrar do Direito do Ambiente) e por reagir contra qualquer ofensa ao meio ambiente – aqui sim, por meios jurisdicionais ou não. Assim, a conclusão é simples: a necessidade da tutela jurisdicional não só é imperativa, como possível e evidente, bastando pensar que sem uma efectiva tutela jurisdicional ficariam desprotegidos interesses difusos importantes e referidos a áreas fundamentais como relativas ao ambiente.
Primeiramente havia que concretizar a expressão “interesse difuso”, um interesse juridicamente reconhecido e tutelado, cuja titularidade pertence a todos e cada um dos membros de uma comunidade ou um grupo mas não susceptível de apropriação individual por qualquer um desses membros (de lembrar que estes interesses são paralelos a outos, isto é, um interesse difuso é, simultaneamente, não público, não colectivo e não individual). São “interesses à procura de autor"[1].
A partir daqui identificamos duas possibilidades de tutela de interesses difusos: direito de participação a nível procedimental e acção popular, esta última a importante no desenvolvimento deste tema. A acção popular vem previsto no art. 52º/3 da CRP, e, segundo a afirmação do prof. Jorge Miranda, “o direito de acção judicial para defesa de interesses difusos reveste-se de maior amplitude do que a acção popular tradicional visto que (...) pode ter por objecto a obtenção de uma indemnização; e poque os danos tanto podem ser individuais como colectivos, também a indemnização tanto pode ser pedida por uma pessoa singular como por um conjunto de pessoas, por uma comunidade”. Face a tudo isto, a titularidade do direito de acção popular acaba por ser muito vasta, o que inviabiliza a presença de todos na acção colectiva, o que justifica que todos sejam tratados como uma única “entidade”. A titularidade é, então, indivisível, mostrando-se que o autor não apresenta um interesse directo e pessoal, mas age no interesse da colectividade, na actuação do tal interesse difuso. O demandante representa todos aqueles titulares dos interesses em questão, que não tenham exercido o seu direito de auto-exclusão (para que o efeito das decisões proferidas não recaia sobre eles), já que “os representados têm de ser titulares de um mesmo interesse individual homogéneo, ou seja, todos devem ter sido atingidos pela violação de um mesmo interesse difuso ou todos estarem em risco de serem afectados pela ofensa de um mesmo interesse difuso. (...) não sendo necessário que estes se tenham constituído como um grupo[2]”. Isto implica que aquele que não concorde com os termos da acção popular em curso possa propor uma nova acção, sendo esta uma faculdade que lhe assiste. Toda esta temática implica o problema da eficácia subjectiva da sentença. Mas de acordo com os principios a ela inerentes, qualquer sujeito, ainda que não tenha sido parte na acção, poderá, por exemplo, exigir de uma empresa poluente condenada a conduta necessária à cessação da actividade poluidora, mas, aqui, estaria impedido de propor uma outra acção para obter uma nova condenação da mesma empresa.
A acção popular para protecção de interesses difusos tem uma finalidade inibitória e uma finalidade reparatória. É claro que o comentador de rádio que falava da questão face ao novo aeroporto, se referia à possibilidade de uma acção popular com finalidade inibitória, uma forma de evitar que este se construa, independentemente do conteúdo da Decisão de Impacto Ambiental que surja. O importante no caso parecia ser conseguir que o demandado cesse as infracções contra o meio ambiente, se é que realmente se apure tal.
[1] Cappelletti.
[2] Prof. MARCELO REBELO DE SOUSA.
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O documento, que reúne os pareceres e participações obtidos durante o processo de consulta pública, foi entregue “no final da semana passada”.
O Relatório Ambiental Final sobre o novo aeroporto será agora sujeito a aprovação em Conselho de Ministros, para que o órgão máximo do Governo possa tomar uma resolução definitiva sobre esta infra-estrutura. A fase seguinte será a elaboração do Estudo de Impacto Ambiental, que depois será entregue na Comissão Europeia, para saber se a infra-estrutura está em conformidade com os preceitos legais da União Europeia no que respeita a matérias ambientais.
(...).
Ora, face a esta notícia, ouvi, numa estação de rádio, um especialista contactado pela dita, dizer que uma das partes mais importantes no processo de “construção” da ideia de um novo aeroporto era o poder de participação popular, tanto durante o procedimento de avaliação de impacto ambiental, como após este procedimento. Durante o procedimento atendia à fase na qual há promoção da participação pública, uma forma de legitimação do processo. Posteriormente através de uma acção popular na qual o particular pode intentar uma acção, não com um interesse próprio mas com um interesse considerado (não formalmente correcto) público, tendo em conta bens difusos cuja protecção diz respeito a toda a sociedade. É como se realmente houvesse uma desconsideração do interesse na demanda. E o comentador acreditava que tal pudesse acontecer realmente. A seu tempo.
Antes de uma consideração sobre o direito à acção popular, há que atentar à lei respectiva, a Lei 83/95. Esta lei levanta problemas graves: mistura a acção popular com a participação procedimental (participação num procedimento administrativo), cria um artigo que foca os “cidadãos interessados” quando o interesse propriamente dito não está presente na definição de direito à acção popular, refere as Autarquias Locais quando estas não são um actor popular qualquer, são entidades públicas que participam em intervenção administrativa ou acção popular com legitimidade de acção pública, entre outros erros ou imprecisões a necessitar de ser vistas atrás de uma interpretação conforme. Há erros estruturais que quase parecem confundir acção popular com acção colectiva. Um diploma que necessita de correcção futura, seguramente.
Voltando à acção popular em si. Realmente, esgotados os meios não jurisdicionais, apenas resta ao sujeito, para assegurar o seu direito ou tutelar o seu interesse, o recurso aos tribunais. Poderia eventualmente nascer um problema de legitimidade processual já que estamos no âmbito dos interesses difusos e porque a defesa jurisdicional desses interesses difusos é concedida a qualquer sujeito, logo, não passível de ser concretizada em pessoas ou entidades. Mas o Direito Português admite a acção popular, um instrumento de participação e intervenção democrática dos cidadãos na vida pública, de controlo da legalidade, de protecção dos interesses da comunidade e de educação e formação cívica, que parte até da atribuição de um direito ao ambiente em paralelo com um dever de defesa do ambiente, consagrado no art. 66º/1 da CRP. É que enquanto o Direito do ambiente se determina através de uma possibilidade ou faculdade de exigir a terceiros condutas, activas ou omissivas, o dever de protecção passa por não contribuir para a degradação do ambiente (nunca esquecer a importância do Princípio da Prevenção no enquadrar do Direito do Ambiente) e por reagir contra qualquer ofensa ao meio ambiente – aqui sim, por meios jurisdicionais ou não. Assim, a conclusão é simples: a necessidade da tutela jurisdicional não só é imperativa, como possível e evidente, bastando pensar que sem uma efectiva tutela jurisdicional ficariam desprotegidos interesses difusos importantes e referidos a áreas fundamentais como relativas ao ambiente.
Primeiramente havia que concretizar a expressão “interesse difuso”, um interesse juridicamente reconhecido e tutelado, cuja titularidade pertence a todos e cada um dos membros de uma comunidade ou um grupo mas não susceptível de apropriação individual por qualquer um desses membros (de lembrar que estes interesses são paralelos a outos, isto é, um interesse difuso é, simultaneamente, não público, não colectivo e não individual). São “interesses à procura de autor"[1].
A partir daqui identificamos duas possibilidades de tutela de interesses difusos: direito de participação a nível procedimental e acção popular, esta última a importante no desenvolvimento deste tema. A acção popular vem previsto no art. 52º/3 da CRP, e, segundo a afirmação do prof. Jorge Miranda, “o direito de acção judicial para defesa de interesses difusos reveste-se de maior amplitude do que a acção popular tradicional visto que (...) pode ter por objecto a obtenção de uma indemnização; e poque os danos tanto podem ser individuais como colectivos, também a indemnização tanto pode ser pedida por uma pessoa singular como por um conjunto de pessoas, por uma comunidade”. Face a tudo isto, a titularidade do direito de acção popular acaba por ser muito vasta, o que inviabiliza a presença de todos na acção colectiva, o que justifica que todos sejam tratados como uma única “entidade”. A titularidade é, então, indivisível, mostrando-se que o autor não apresenta um interesse directo e pessoal, mas age no interesse da colectividade, na actuação do tal interesse difuso. O demandante representa todos aqueles titulares dos interesses em questão, que não tenham exercido o seu direito de auto-exclusão (para que o efeito das decisões proferidas não recaia sobre eles), já que “os representados têm de ser titulares de um mesmo interesse individual homogéneo, ou seja, todos devem ter sido atingidos pela violação de um mesmo interesse difuso ou todos estarem em risco de serem afectados pela ofensa de um mesmo interesse difuso. (...) não sendo necessário que estes se tenham constituído como um grupo[2]”. Isto implica que aquele que não concorde com os termos da acção popular em curso possa propor uma nova acção, sendo esta uma faculdade que lhe assiste. Toda esta temática implica o problema da eficácia subjectiva da sentença. Mas de acordo com os principios a ela inerentes, qualquer sujeito, ainda que não tenha sido parte na acção, poderá, por exemplo, exigir de uma empresa poluente condenada a conduta necessária à cessação da actividade poluidora, mas, aqui, estaria impedido de propor uma outra acção para obter uma nova condenação da mesma empresa.
A acção popular para protecção de interesses difusos tem uma finalidade inibitória e uma finalidade reparatória. É claro que o comentador de rádio que falava da questão face ao novo aeroporto, se referia à possibilidade de uma acção popular com finalidade inibitória, uma forma de evitar que este se construa, independentemente do conteúdo da Decisão de Impacto Ambiental que surja. O importante no caso parecia ser conseguir que o demandado cesse as infracções contra o meio ambiente, se é que realmente se apure tal.
[1] Cappelletti.
[2] Prof. MARCELO REBELO DE SOUSA.
Etiquetas: Nádia Costa (subturma 4)
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