A clonagem é um tema já não muito recente e bastante polémico, especialmente quando falamos da clonagem de seres humanos. Contudo, não é esta última que se pretende abordar neste comentário. Pode perguntar-se que interesse tem este tema para o Direito do Ambiente e, eu diria que bastante. Embora os animais não sejam sujeitos de direito, titulares de relações jurídicas, no ordenamento jurídico português, e sim coisas móveis (artº 202º CC ) têm o seu estatuto e, cada vez mais se discute se pode vir a existir um direito dos animais, como se tem feito em países europeus como Alemanha e Áustria. É certo que alguns animais são “res nullius” (quando perdidos ou abandonados, segundo a concepção do Prof. Pires de Lima), outros são selvagens mas protegidos e, outros têm proprietário, mas todos eles devem ser incluidos no conceito de coisa, segundo a opinião do Prof. Manuel de Andrade. Todos estes animais fazem parte da fauna pertencente a um território, e estando em causa o território português o Estado tem como tarefas fundamentais promover o bem-estar e a qualidade de vida do povo, defendendo a natureza e o ambiente no qual aqueles vivem, e preservar os recursos naturais para que eles subsistam (artº 9, als.d) e e) CRP e artº 2 e 6 da Lei de Bases do Ambiente). Tem também a tarefa de criar e desenvolver reservas e parques naturais e de recreio, de modo a garantir a conservação da natureza e promover o aproveitamento racional dos recursos, salvaguardando a sua capacidade de renovação e estabilidade ecológica (artº66, 1 e 2, als. b), c) e d) CRP)). Criando a clonagem uma imensidão de problemas éticos e legais que devem ser regulamentados pelo Estado, penso que tem interesse para a discussão saber em que termos é que deve ser feita a mesma. Os animais não podem ser levados a uma total “coisificação”, não nos podemos esquecer que muitos deles, os chamados animais de companhia, têm uma inteligência, sensibilidade e proximidade dos seres humanos, tutelados pela Convenção Europeia para a protecção dos Animais de Companhia de 1987, ratificada pelo Decreto – Lei 13/93 de 13 de Abril e pelo actual Decreto – Lei 276/2001 de 17 de Outubro.
A clonagem animal é ainda mais antiga do que a clonagem humana uma vez que os primeiros estudos foram realizados em animais. Um caso que todos conhecemos é o caso da Ovelha Dolly – foi o primeiro mamífero a ser clonado de uma célula somática retirada de um animal adulto. Foi criada a partir de uma célula de glândula mamária de outra ovelha, mas foi uma primeira experiência fracassada uma vez que ao fim de seis anos a Dolly teve que ser sacrificada, pois padecia das mesmas doenças que a sua “mãe”, ou seja, todo o património genético foi transferido: artrite, uma doença degenerativa e incurável nos pulmões. Outros casos são os seguintes:
1952: Um sapo, nos Estados Unidos.
1963: Uma carpa, na China1996: A ovelha Dolly.
1997: Rato fêmea Camulina, que morreu em 2000, pensa-se que por causas naturais.
1999: Um touro e Tetra, um macaco Rhesus (Universidade do Texas).
2000: Cinco porcos (Milly, Christa, Alexisa, Carot e Dot-Com) e um bisonte, nativo da Índia, a partir da célula de um animal morto.2001: Um gato a que chamaram CC (Universidade do Texas).
2002: Um búfalo, na Tailândia.
2003: 1- O primeiro clone de mula nasceu a 4 de Maio; 2 - Cientistas italianos criam o primeiro cavalo clonado; 3 - Ratazana, Ralph, em França.
2004: Moscas e um veado.
2005: Snuppy, um cão, na Coreia de Sul.
2006: Vários cavalos.
Eticamente é curiosa esta questão pois entre outros problemas surge a questão da manipulação e destruição de muitos embriões para que se chegue a um resultado de sucesso, embora esta questão seja mais frequentemente colocada em relação à clonagem humana. A maioria dos cientistas e das pessoas envolvidas nesta questão considera que não existem muitas objecções morais quanto à clonagem de animais mas, continuo a encarar com estranheza o uso destas técnicas para “produção” de bens de consumo de primeira necessidade como é a carne. Pensar que se está a comer algo que foi criado em laboratório leva só por si a uma atitude de desconfiança pois o controlo que deve existir sobre estes produtos tem que ser rigoroso e, em Portugal, isso seria por enquanto muito complicado. Ainda se está, a nível mundial, numa fase de experimentação e não se sabe ao certo se esta técnica não poderá trazer más formações genéticas perigosas tanto para animais como para humanos que consomem estas carnes.
Algumas vozes concordantes argumentam que a reprodução de animais para abate (bovinos, caprinos, etc) vai fazer com que desçam os preços da carne e vai ser possível salvar algumas espécies de animais em extinção.
A introdução da clonagem em série para consumo nos Estados Unidos da América foi feita já no início deste ano pela luz verde concedida pela Agência Norte Americana de regulamentação dos produtos alimentares e do medicamento (FDA). Esta Agência considerou que, segundo estudos feitos pela mesma, os produtos saídos de animais clonados e da sua descendência não comportam mais riscos para o consumo humano do que os que provêm de animais convencionais. Assegura que estes alimentos são nutritivos, abundantes, seguros e de alta qualidade. Contudo, se estes produtos não forem rotulados enquanto tal, será imposs+ivel haver um controlo de qualidade caso surja algum problema.
Os coreanos também estão a dar os primeiros passos na clonagem animal industrial, sendo notícia recente a clonagem de um cão da raça pitbull o “Booger”, por encomenda, que custou cerca de 100 mil euros.
A nível europeu tem sido difícil tomar posição acerca deste assunto. A Dinamarca é dos poucos países que já regulamentou sobre a clonagem animal. O Parlamento decidiu em 2005 que é necessário um bom fim para legitimar a clonagem de animais. Fins relacionados com a saúde, o ambiente, investigação cinentífica fundamental e educação superior são listados como fins suficientemente bons. O lucro económico enquanto tal, não é considerado um bom fim. Preocupações relacionadas com a integridade e o bem estar animal foram importantes pois limitaram-se as técnicas de clonagem, porque essas técnicas podem causar sofrimento aos animais, uma vez que ocorrem muitos abortos e nascem muitos animais enfermos. As técnicas são consideradas como uma transgressão da integridade dos animais como seres vivos. É tudo uma questão de hierarquia de valores públicos e, neste caso, valorizou-se os avanços na saúde e o progresso científico.
O documento mais recente que temos data de 16 de Janeiro de 2007, segundo o que pude apurar, sendo este um Parecer do Grupo Europeu de Ética sobre os aspectos éticos da clonagem animal para produção de alimentos. A pedido do Dr. Durão Barroso o Grupo Europeu de Ética para as Ciências e Novas Tecnologias (GEE) e a Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos (EFSA) emitiram pareceres sobre a matéria no âmbito das suas competências. Chegou-se à conclusão que não existiam argumentos suficientes que justificassem a produção de géneros alimentícios a partir de clones e dos seus descendentes. No parecer o GEE limita-se a enumerar alguns preceitos a serem cumpridos e algumas recomendações, como o bem estar animal, a biodiversidade e sustentabilidade na criação animal e a participação do público nesta tomada de decisão. Na prática, esta questão está por enquanto nas mãos dos Estados – Membros até que se proceda a uma harmonização comunitária.
Em Portugal, penso que se deveria proceder, o mais rapidamente possível, à regulamentação da clonagem animal com fins de comercialização, quer seja no sentido da sua permissão, quer seja no sentido da proibição. Estão em causa razões éticas, sanitárias e de saúde pública, entre outras, que não podem ser ignoradas pelos olhos do legislador. Deixem aos animais alguma dignidade, eles também sentem e sofrem!
Bibliografia
- http://joaogil.planetaclix.pt/clono.htm
- www.lusomotores.com/index.php?option=com_content&task=view&id=2243&Itemid=433
clonagem.no.sapo.pt/clonagem_i_animais.htm
- www.cienciahoje.pt/index.php?oid=9626&op=all
- A protecção dos direitos dos animais – Costa Ramos, Sílvia de Mira da
In: Estudos em Homenagem ao Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa
- Dos animais : o direito e os direitos – Costa, António Pereira da
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